Menos de um ano após sua criação, a Empresa Brasil de Comunicação viveu nesta semana sua primeira greve de funcionários. Nesta quarta-feira (29), aderiram a paralisação boa parte dos quase 900 trabalhadores da EBC nas sedes de Brasília e Rio de Janeiro, que congregam maior parte do quadro funcional da estatal. Os empregados de São Paulo, em sua maioria absoluta contratados temporariamente e não por concurso, não aderiram à paralisação aprovando apenas o estado de greve permanente.
As reivindicações dos funcionários podem ser dividas em dois grupos. No primeiro, estão os termos do acordo coletivo, que vence nesta sexta-feira (31) e inclui abono financeiro linear (divisão dos restos da folha de pagamento igualmente entre os funcionários), abono social (liberação dos cinco dias não previstos no contrato de trabalho que abrange 30 dias mensais), abonos para situações específicas como casamento e falecimento e reajuste do piso e dos salários. Como a resolução do acordo coletivo é emergencial, trabalhadores e diretoria fecharam um acordo. A paralisação das atividades está suspensa e o atual acordo coletivo será prorrogado, inicialmente, por mais oito dias, período em que ambas as partes esperam concluir as negociações.
Novas reuniões da mesa de negociação estão previstas para as próximas sexta e segunda-feira. Após a deflagração de paralisação, a direção aceitou apresentar novas propostas em relação aos cinco itens ainda em discussão. Uma assembléia em Brasília, já agendada para o próximo dia 5 de novembro, irá avaliar as contrapropostas da direção.
Entre os compromissos já assumidos pela direção está garantir, no acordo-coletivo, a reposição da inflação no último período. Pela proposta, o reajuste, de 7,1%, seria concedido a todos os empregados do quadro, além dos cargos em comissão e os funcionários contratados por tempo determinado, que não estavam incluídos na proposta de acordo salarial apresentada pela EBC.
Outro compromisso exigido e aceito pela direção é que não haverá retaliação aos trabalhadores que aderiram a paralisação. "Retomamos as atividades e as negociações, mas chegaram à comissão relatos de que, durante as 24 horas de paralisação, vários funcionários foram ameaçados pelas chefias de perder gratificações ou o próprio emprego. Pedimos diretamente à presidente que intervenha junto a todas as diretorias, porque é inimaginável que esse tipo de ameaça exista em uma nova empresa", disse Flávio Silva, representante da Comissão dos Empregados.
Plano de Cargos e Salários
O segundo conjunto de reivindicações refere-se ao Plano de Cargos e Salários proposto pela direção da empresa. Por conta da urgência de resolução do acordo coletivo e pela ausência de debate com os empregados, o plano voltará à mesa de negociações após a conclusão do acordo da data-base.
Na avaliação dos trabalhadores, o plano atual apresenta problemas por ter sido construído sem a participação dos funcionários, por não ter critérios objetivos para avaliação e progressão na carreira e por prever pisos muito baixos. Hoje, o piso para os jornalistas é R$ 2.050, para técnicos de nível superior R$ 2.511 e técnicos de nível médio R$ 1.200. Os jornalistas da EBC também questionam a divisão destes funcionários de duas categorias, já que existe no plano a função de jornalista especializado, cujo salário inicial é de R$ 5.127.
De acordo com a direção da empresa, a criação deste cargo com remuneração inicial maior seria uma tentativa de resolver a necessidade de conseguir trazer para o jornalismo da EBC profissionais com maior experiência e melhores colocados no mercado. Segundo a presidente da EBC, Tereza Cruvinel, há uma demanda por jornalistas com "quilometragem" que possam desempenhar papéis estratégicos como âncoras de programas. "Quero ter instrumento de gestão em diferentes estágios", completa Cruvinel.
Em diversos comunicados, a Comissão de Empregados da EBC vem criticando esta lógica, afirmando que a atração de profissionais "do mercado" pode ser feita tornando o salário da empresa competitivo como acontece em outras empresas e poderes da República. A melhoria do salário é um ponto pacífico reconhecido inclusive pelos dirigentes da empresa. A divergência está em como resolvê-lo.
"Reconhecemos que Radiobrás sempre teve salários não competitivos. Queremos aproximá-los do mercado, mas não se corrige isso de uma hora para outra. Estamos fazendo um movimento de valorização ao investir R$ 13 milhões em pessoal", afirma Tereza Cruvinel. A direção apostava no aumento do piso para o jornalista com carga horária ampliada de sete horas, previsto para sair de R$ 2.817 para R$ 3.250, em valores brutos.
No entanto, a proposta não soluciona o impasse. "Queremos a valorização dos concursados com um piso digno para todas as carreiras. Uma vitória histórica dos jornalistas é a jornada de 5 horas. As pessoas somente vão optar por se dedicarem apenas a EBC, abrindo mão do segundo trabalho, se os pisos e as sete horas para jornalistas forem maiores do que os seus atuais dois salários", coloca Silva, da Comissão de Funcionários.
Barreiras orçamentárias
A questão de fundo na discussão entre a direção da EBC e os funcionários está no montante disponível para melhorias na folha de pagamentos. Segundo informações da diretoria, a dificuldade em atender as reivindicações está no limite negociado com o Ministério do Planejamento, estipulado em R$ 13 milhões para os reajustes e implantação do Plano de Cargos e Salários em 2009.
Já a Comissão de Funcionários não acredita que isso possa ser utilizado como justificativa. "Há R$ 380 milhões no orçamento para a EBC para 2009. Consideramos que parte maior do que os R$ 13 milhões pode e deve ser usada para melhorar a remuneração dos trabalhadores, além dos outros investimentos em infra-estrutura. Afinal, a valorização do quadro de funcionários reflete diretamente na qualidade da programação ofertada à população, que é para quem trabalhamos", diz Silva.
Além disso, continua o integrante da comissão, os trabalhadores da empresa estão dispostos a engrossar fileiras para pressionar o Ministério do Planejamento a liberar mais recursos para investimento em pessoal para a Empresa Brasil de Comunicação. Uma reunião foi marcada para o dia 4 de novembro para discutir o acordo e o Plano de Cargos e Salários com o ministério.
Participação
Também está na pauta dos trabalhadores reivindicações relativas à participação nas decisões empresariais e editoriais da EBC e na avaliação dos conteúdos produzidos. Os empregados querem garantir a possibilidade de opinar nas decisões estratégicas da nova empresa, bem como a criação de grupos de trabalho que possam refletir e debater sobre o novo manual de redação dos veículos da EBC. "Os trabalhadores deram o seu recado: temos muitas contribuições para dar na construção da nova empresa. Basta que haja canais de interlocução reais e efetivos para isso. O fortalecimento da EBC é nosso compromisso", completa Silva.
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