Cidades digitais: Minicom vai abrir o debate

A decisão do Ministério das Comunicações de anular a licitação para implantação de 160 cidades digitais em todo o país, cujo pregão estava marcado para o dia 3 de novembro após adiamento a pedido do mercado, tem de ser comemorada. Ao atender ao apelo de especialistas envolvidos com o tema, que reivindicavam a realização de uma consulta pública antes do pregão, como defendi aqui nesta coluna, o ministro Hélio Costa demonstrou sensibilidade política. Afinal, trata-se de um projeto de grandes repercussões, cujo lançamento precisa se cercar de debate público para formular um modelo de sustentabilidade que garanta o seu sucesso.

O aviso de revogação do pregão nº 27/2008 foi publicado na edição Diário Oficial da União do dia 16 de outubro. A licitação anterior fica anulada até que seja apresentado um relatório com base na audiência pública, que ainda não tem data marcada. De acordo com informações de técnicos do Minicom, as informações colhidas na consulta pública serão analisadas junto com os projetos experimentais implantados pelo ministério em Tiradentes (MG), Piraí (RJ), Aparecida (SP), Santa Cecília do Pavão (PR), Parintins (PA) e Garanhuns (PE).

Ou seja, o Minicom vai percorrer agora o caminho adequado ao desenvolvimento de um programa de cidades digitais, que demanda planejamento e um modelo de negócios que garanta a sustentabilidade do projeto a longo prazo. Essa questão é essencial ao sucesso de um projeto de cidades digitais, na avaliação do economista Marcio Wohlers de Almeida, que coordenou uma pesquisa sobre o tema em 2006, quando atuava na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal).

Fenômeno recente que se expandiu nos últimos quatro anos, as cidades digitais ainda não têm um modelo de negócios que seja sucesso garantido. Por isso mesmo, a proposta inicial da equipe técnica do Ministério das Comunicações era realizar alguns pilotos experimentado diferentes modelos de negócios, para ver qual ou quais deles tinham mais adequação à realidade brasileira, especialmente das pequenas cidades.

A importância da consulta pública é justamente debater as diferentes experiências realizadas no país – existem cerca de 40 projetos de cidades digitais ou parcialmente digitais – e mesmo no exterior. Os erros e acertos de cada uma delas, a adequação da infra-estrutura tecnológica e sua evolução, os modelos de sustentação econômica, as aplicações que tenham impacto social relevante para justificar o investimento público, a participação da iniciativa privada, a articulação das duas esferas.

Só a partir daí, e da experiência prática da equipe do Minicom que participa institucionalmente de seis projetos, será possível desenhar o modelo ou modelos de negócios que serão adotados no programa. Não bastam as configurações técnica das redes e os conteúdos que trafegarão por elas, ou seja, as aplicações de governo eletrônico. É preciso também definir qual é o modelo de sustentação econômica. E existem diferentes alternativas, embora em todas elas a presença do poder público seja muito relevante. Também é preciso estabelecer as esferas de participação da comunidade, pois o sucesso do projeto está diretamente relacionado a sua apropriação pela população.

Com o processo de desenvolvimento do programa das cidades digitais colocado nos trilhos – primeiro o debate público e a discussão dos modelos, depois a licitação –, há grandes chances de o Brasil vir a ser referência dada a dimensão do que se pretende realizar. Pelo que se sabe, nenhum país decidiu implementar o mesmo modelo de cidade digital em tantas cidades ao mesmo tempo.

* Lia Ribeiro Dias é editora do site Tele.Síntese.

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