Conceito ainda busca espaço no mundo acadêmico

Uma busca em sistemas de publicações acadêmicas pelo termo “direito à comunicação” não irá apresentar muitos resultados. Apesar deste conceito ter surgido há cerca 30 anos, seu emprego ainda é mais freqüente por entidades da sociedade civil do que no mundo universitário. No entanto, para pesquisadores entrevistados pelo Observatório do Direito à Comunicação, este quadro vem mudando nos últimos anos e o termo já encontra seu espaço nos estudos críticos do campo.

Idealizado no final dos anos 1970 nos debates sobre uma Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação, o entendimento da comunicação como um direito humano só veio a ser retomado no início dos anos 2000, resgatado por organizações envolvidas na luta por uma mídia mais democrática. “É uma construção muito mais da sociedade civil do que da Academia”, afirma Adilson Cabral, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do tema.

A avaliação é compartilhada pela jornalista Aline Lucena, autora da dissertação de mestrado A comunicação como um direito humano: um conceito em construção. “Até aqui, o conceito da comunicação como direito humano ainda está sendo construído sob argumentos mais políticos que científicos. Os estudos que existem sobre as teorias da comunicação citam os debates internacionais sobre o direito à comunicação como um momento de militância e articulação política, não como uma tentativa de estabelecer novos marcos epistemológicos para o campo das ciências da informação e comunicação”, conclui em seu trabalho.

Segundo Murilo Ramos, professor da disciplina Legislação e Direito à Comuncação na Universidade de Brasília (UnB), um dos impulsos a esta recuperação foi a criação da campanha internacional Communication Rights in the Information Society (Cris – Direito à Comunicação na Sociedade da Informação), que reuniu organizações da sociedade civil para intervir na Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), realizada em duas etapas, nos anos de 2003 e 2005.

No Brasil, continua Ramos, o uso deste conceito foi impulsionado pela criação de um capítulo nacional da campanha Cris e pelo surgimento do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, que elegeu o tema como bandeira principal de suas ações. Durante este período, o termo passou a ser utilizado, ainda de maneira incipiente, na Academia, incentivado por pesquisadores que retomaram o ideário do Relatório McBride 25 anos após seu lançamento.

Evolução gradual

Segundo a coordenadora do Núcleo de Pesquisa (NP) de Políticas e Estratégias de Comunicação da Sociedade Interdisciplinar de Estudos de Comunicação (Intercom), Ada Machado, até 2004 houve um ou outro trabalho relacionado ao tema inscrito nos congressos de Ciências da Comunicação. O ex-coordenador do núcleo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Edgard Rebouças, lembra que houve tentativas de aproximação por parte do NP com as entidades envolvidas na campanha Cris Brasil, mas isso não se refletiu em elevação imediata da produção acadêmica. De qualquer forma, foi neste momento, na virada da década, que Ada Machado identifica o aumento das pesquisas de campo com menção ao conceito.

Para Murilo Ramos, pode-se dizer que o uso da noção da comunicação como um direito humano foi ampliado, especialmente nos grupos e núcleos de pesquisa voltados ao estudo das políticas de comunicação. Adilson Cabral acrescenta que o conceito transbordou este tipo de estudo e chegou até as pesquisas relacionadas a novas práticas democráticas e cidadãs de comunicação, especialmente os meios comunitários e as iniciativas de movimentos sociais e Organizações Não-Governamentais (ONGs).

De acordo com Cabral, a noção da comunicação como direito humano estaria gerando novas intersecções dentro e fora do campo da comunicação. “A área do Direito passou a se debruçar sobre estas questões”, exemplifica Murilo Ramos. Hoje, já há pesquisadores do campo jurídico trabalhando com o termo em universidades de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.

Direito à comunicação e democratização da comunicação

Na avaliação de Adilson Cabral, o ganho de espaço da noção de comunicação como um direito significou um deslocamento em relação à perspectiva da democracia na comunicação que até então vinha sendo corrente nos espaços voltados à análise de políticas para mídia e de práticas cidadãs. “Esta noção é mais interessante, pois gera uma interlocução com outros atores a partir da compreensão de que a comunicação é processo e que a ausência de agendas de determinados setores sociais é também determinada pela configuração da mídia hoje”, diz.

Já para Edgard Rebouças, o direito à comunicação é análogo ao conceito de democratização da comunicação. “Como existia um desconhecimento da utilização deste conceito de direito à comunicação, falava-se em democratização da comunicação. Mas, no fundo, se formos fazer uma ruptura epistemológica e analisar os conceitos, é a mesma coisa.”

Murilo Ramos discorda desta visão. “O direito à comunicação não é sucedâneo para questão de democratização da comunicação, porque tem marca mais acadêmica, é mais conceitual e tem dimensão teórica importante”, opina.

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