O cinema no mundo convergente

A professora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Anita Simis tem longa contribuição nos estudos acadêmicos da área de comunicação. Sua tese sobre Estado e cinema no Brasil fez profunda análise sobre o desenvolvimento da sétima arte no país e as razões que prejudicaram o florescimento de uma atividade cinematográfica brasilera estável e permanente ao longo do século XX. O trabalho se tornou uma referência e foi vencedor do Prêmio Itaú Cultural em 2007. A obra foi publicada em 1997 e ganhou um segundo volume este ano. Para a acadêmica, o cinema continua sendo importante na cadeia de valor do audiovisual, mas divide cada vez mais sua importância com as novas mídias.

Em sua pesquisa sobre a realidade do cinema, como tem visto o papel que este meio vem ocupando no novo cenário de convergência?
Quando penso no atual contexto de convergência, penso que o cinema, mais especificamente os filmes estão sendo exibidos em novos meios. Assim, além das salas de cinema, temos hoje a possibilidade de ver filmes na televisão aberta, na TV por assinatura, na TV junto com aparelhos de videocassestes ou de DVDs, nos computadores que possuem DVD ou que sejam ligados à Internet, e nos celulares. Com isto, há uma ampliação na maneira de ver filmes, mas que não significa necessariamente uma ampliação na diversidade do que é visto, pois a hegemonia na produção de audiovisuais ainda é da grande indústria norte-americana.

Como fica a posição do cinema na cadeia de valor do audiovisual hoje?
As salas de cinema ainda possuem uma grande importância nos lançamentos dos filmes, inclusive porque o sistema continua ainda hoje assentado sobre as cabeças de um lote de filmes. Ou seja, para se adquirir um blockbuster, o filme com grande lançamento, atores famosos, etc. o exibidor é obrigado a assumir ainda um lote de filmes menores. Mas, há também o fato de que esse blockbuster precisa jogar sua rede em um circuito globalizado e rapidamente puxar a rede com seus peixes. Quanto mais salas participarem desta rede, maior a possibilidade de arrecadar mais em pouco tempo. Nesta estrutura, a sala de cinema torna-se uma excelente alavanca, ou janela, para os outros meios da cadeia: DVD, TV por assinatura, TV aberta, etc. Mesmo assim, vemos experiências que tentam furar este modelo ao lançarem um filme primeiro na TV. Mas ainda são experiências.

O cinema tradicional, da sala escura com projeção, sofre hoje alguma ameaça na concorrência com outras formas de exibição de filmes? Como isso ocorre?

De fato, em termos de porcentagem em relação ao total da população, certamente nunca mais voltaremos à proporção da população que assistia cinema na década de 50. A título de exemplo, se nos EUA em 1950 tínhamos 41 horas por ano por habitante gastas com cinema, em 1996 tínhamos apenas 9,66, mas 1.360 com televisão. No Brasil – em 1950 – quase 7 horas de cinema e em 1996, 1200 horas, na maior parte em outras mídias, não no cinema. Isto significa que vemos cada vez mais filmes, mas não nas salas de cinema. Com isto, não quero dizer que haja um crescimento no número de salas, mas elas serão para um público menor em relação à proporção da população de um país e, neste sentido, creio que será cada vez mais uma forma de exibição para seletos privilegiados.

Com o barateamento das tecnologias de produção, pode-se dizer que há um crescimento da produção alternativa à Hollywood?
Certamente, em termos de números absolutos, sim. Mas proporcionalmente ao que Hollywood tem produzido para as diversas mídias, não. Ou seja, a hegemonia segue sendo norte-americana, leia-se Hollywood.

Como você vê a situação atual do cinema brasileiro? Qual é a sua avaliação sobre os quase seis anos da gestão Gilberto Gil no Ministério da Cultura no que se refere à política para o cinema brasieliro?

O cinema brasileiro, como sempre, continua lutando para ter o seu espaço. Creio que na gestão Gilberto Gil há novidades no sentido de se atender às novas mídias, a um público diversificado, desde o público espectador ao público que quer particpar do processo de produção do audiovisual. No entanto, depois da derrota com a lei da Ancinav [Agência Nacional do Audiovisual], houve um retrocesso que se configurou numa paralisia. Lentamente, há um início do que se possa chamar de retomada da política cinematográfica, incluíndo aí desde as leis de incentivo fiscal até o controle sobre a venda dos bilhetes de ingresso nas salas. Mas, é algo ainda tímido, talvez por conta do peso de nossa tradição conservadora, fortemente enraizada no meio cinematográfico.

Qual sua opinião sobre a recente polêmica acerca do modelo de financiamento do cinema brasileiro e a iniciativa do Ministério da Cultura de propor sua reorganização?

É significativo que o aporte de fomento direto (apoio a projetos audiovisuais com recursos provenientes do orçamento da Ancine – Agência Nacional de Cinema) seja bem menor que o de fomento indireto (via leis de incentivo). De 2003 a 2006 o total de fomento direto foi de R$ 29.346.000 e o total de valores captados via mecanismos de incentivo nesses mesmos anos foi de R$ 476.895.000, ou seja, o fomento indireto foi 16 vezes maior do que o fomento direto. Mas, talvez, o que seja mais importante dizer é que este modelo não foi suficiente para tornar nossas produtoras de filme sustentáveis. Há que se construir uma política cinematográfica que de fato toque na ferida, que coloque estratégias que permitam o desenvolvimento de uma indústria audiovisual forte. Uma política cultural que abranja todos os elos econômicos da cadeia audiovisual, mas também outros setores que considero intimamente ligados, como a educação.

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