Como criar um mercado mais brasileiro

Para a Agência Nacional do Cinema (Ancine) a aprovação do Projeto de Lei 29/2007 representa o estabelecimento, pelo Congresso Nacional, de um novo marco regulatório para o setor, que deve levar em conta o fato de o processo de convergência digital envolver duas camadas de serviços: a de telecomunicações e a camada de audiovisual. Para atender a essas duas frentes, o marco regulatório tem que ser flexível, defende Manoel Rangel Neto, diretor-presidente da Ancine. "Nosso entendimento é que o marco regulatório não devia estar preso à tecnologia, nem à empresa que opera uma determinada atividade, mas deveria haver regras para cada uma dessas atividades, estabelecendo apenas uma vedação de que aqueles que operam na atividade de distribuição, dentro da camada de telecomunicações, operassem na atividade de produção e programação dentro da camada de audiovisual."

Para o cineasta, essa premissa permitiria, primeiro, uma forte expansão na oferta de serviços de comunicação eletrônica de massas por assinatura, com redução de preços e, segundo, fortaleceria a oferta de conteúdos audiovisuais brasileiros. "Nosso raciocínio é de que tanto para a oferta de serviços, quanto para que o Brasil possa ter força no mercado de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais, são fundamentais maior atenção e maior espaço para o conteúdo brasileiro", explica. Nesta entrevista, Rangel também analisa o mercado de audiovisual, que considera pequeno e aquém das potencialidades da economia, e fala das medidas para estimular o setor, que fatura R$ 18 bilhões.

O Ministério da Cultura lançou o novo Plano de Cultura. De que forma a Ancine se enquadra nele e o que muda?
O Plano Nacional de Cultura é uma previsão posta numa emenda constitucional – aprovada, se não me engano, em 2004 ou 2005. O Ministério da Cultura está trabalhando junto à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados para a constituição de um plano nacional de cultura. Esse plano, tal como está desenhado pelo ministério e pelo Conselho Nacional de Políticas Culturais, prevê o estabelecimento de um conjunto de diretrizes de políticas públicas para um período estimado em dez anos. No corpo dessas diretrizes, há questões que o ministério, o Conselho Nacional de Políticas Culturais e o Congresso Nacional devem definir em relação ao universo do cinema e do audiovisual.
Nós, evidentemente, fornecemos subsídios para esses debates. Essas diretrizes devem se converter em orientações de atuação para o próprio ministério, para o conjunto dos órgãos de políticas públicas de cultura e também para a Agência Nacional de Cinema. Na medida em que emana de deliberações do Congresso Nacional, são orientações que transcendem os governos e transformam-se em orientações para o desenvolvimento nacional como um todo. A princípio, nos parece que caminham numa boa direção as discussões sobre o plano e, em particular, as diretrizes sobre o universo do cinema e do audiovisual.

Como está o papel da Ancine? Como você vê hoje a questão da produção cinematográfica brasileira, do audiovisual e como você vê isto frente às novas mídias?
Quando assumi a presidência da Ancine, o enfoque que procurei dar no colegiado da agência, e esta é a visão do conjunto da diretoria colegiada, é que devemos exercer o conjunto das competências que estão reservadas para nós no âmbito da Medida Provisória 2.228 – medida que criou a Ancine e reorganizou o marco legal da atividade cinematográfica – e o conjunto das leis que lhe sucederam, como a Lei 2.454 e a Lei 11.437. A nossa diretriz tem sido levar ao limite a aplicação do conjunto dos comandos legais estabelecidos nessa legislação, dando conta das questões de regulação do setor de cinema e de audiovisual, naquilo que nos compete. Nós cuidamos da gestão da política de fomento ao setor, sobretudo ao desenvolvimento do mercado e, evidentemente, atuando na questão de fiscalização desse mercado. Tudo isso está sob o seguinte viés: nós temos convicção de que é preciso trabalhar para um amplo crescimento do mercado de cinema e do audiovisual do país. Nosso diagnóstico parte da percepção de que temos um mercado pequeno, aquém das potencialidades da economia brasileira e das potencialidades do país.

Quando você fala do mercado pequeno, você está falando de produção?
Estou falando do mercado de audiovisual como um todo, tanto no aspecto da produção, quanto nos serviços audiovisuais de distribuição desses conteúdos. Nós temos um mercado de televisão aberta que se expandiu, está presente no conjunto do país, chega ao conjunto da sociedade brasileira, mas não está potencializado no conjunto das suas possibilidades de geração de receitas.
Nós temos um mercado de TV por assinatura aquém das dimensões econômicas do país e do seu mercado de consumo. Portanto, um serviço de televisão por assinatura restrito às camadas A e B da população, e mesmo nesse universo, não atinge a sua totalidade, está aquém da sua potencialidade.
Nós temos um mercado de salas de cinema aquém da sua potencialidade e dos indicadores, por exemplo, de países como a Argentina e o México. O Brasil tem uma sala de cinema para cada 84 mil habitantes, enquanto o México tem uma sala de cinema para cada 30 mil habitantes e a Argentina para cada 38 mil habitantes. Não estou nem comparando com os Estados Unidos, que tem uma sala para cada 8 mil habitantes. Nós estamos bastante aquém do mercado das salas de cinema.
Nós temos um mercado de DVD bastante espraiado com uma ocupação presente, mas que vive situações de dificuldade. Portanto, o nosso diagnóstico é de um mercado pequeno, tanto no que diz respeito à produção de conteúdos audiovisuais, quanto no que diz respeito aos serviços de distribuição desses conteúdos audiovisuais.

Você está falando tanto da produção nacional quanto da produção internacional, ou não?
No conjunto.

Isso significa quanto de faturamento por ano dessa indústria?
Essa indústria tem faturado no Brasil ao redor de R$ 18 bilhões. Esse faturamento equivale a mais ou menos 1,5% do faturamento mundial com serviços audiovisuais.

Desse total, quanto representa a produção nacional?
Eu não consigo fazer uma afirmação peremptória sobre o conteúdo nacional. Esses dados não estão abertos e discriminados em cada uma das cadeias. Agora, consigo dizer que a maior parte da exploração desse mercado audiovisual, responsável por girar esse faturamento de R$ 18 bilhões, em grande medida, está assentado na exploração de direitos de obras estrangeiras. Com exceção da televisão aberta, onde há uma incidência forte e o principal motor é o conteúdo brasileiro, que dinamiza sua operação, nas outras mídias todas – DVDs, salas de cinema, canais de distribuição, segmentos de mercado e televisão por assinatura – o principal é a obra estrangeira no nosso mercado. Mesmo na televisão aberta, a quantidade de conteúdo dramatúrgico, documentário, produtos audiovisuais para a televisão que se veicula ainda é de produção estrangeira, muito embora você tenha como carro chefe o conteúdo brasileiro. O carro chefe da operação da televisão aberta. Portanto, embora não tenha os dados abertos, é essa natureza do mercado e como ele está estruturado.

Como estimular o crescimento desse mercado?
Nós temos operado através de um conjunto de medidas de estímulo ao setor. Essas medidas foram se intensificando ao longo dos últimos anos. Hoje, há um investimento da ordem de R$ 140 milhões a R$ 150 milhões por ano pelas leis de incentivo fiscal. Há produção de conteúdo brasileiro.

Esses R$ 140 milhões são só da Ancine ou todas as verbas, da Lei Rouanet, etc?
Não, são as verbas geridas pela Ancine, em relação ao investimento em produção audiovisual. Aí estão um conjunto de mecanismos de incentivos fiscais administrados por nós. Além disso, nós temos em recursos orçamentários uma disponibilidade ao redor de R$ 20 milhões anuais para investimentos no setor. Nós aprovamos, no final de 2006, a Lei 11.437 que estruturou o fundo setorial do audiovisual. Esse fundo tem um orçamento de aproximadamente R$ 50 milhões/ano. Neste ano de 2008, seu orçamento é de R$ 58 milhões e, em 2007, foi de R$ 38 milhões. Este fundo tem uma forma de operar que permite uma dinamização não apenas no aspecto de produção de conteúdos audiovisuais, mas também de operar o conjunto da cadeia econômica do setor e os diversos segmentos que operam aí. Ou seja, esse fundo tem liberdade para operar na área de infra-estrutura, de serviços audiovisuais e tem liberdade para operar na área de exibição e distribuição, portanto, permite uma intervenção sistêmica na atividade.
A diretriz é ampliar os mecanismos de fomento à produção e atuar para a expansão do consumo audiovisual. Procura-se constituir programas que estimulem o consumo de audiovisual. Hoje, nós estamos encarregados de ajudar a estruturar o projeto do vale cultura, para que permita um estímulo direto ao consumo de audiovisual e ao consumo cultural como um todo, de tal forma que isso possa cumprir um papel de dinamizador da economia da cultura no país.

O que é o vale-cultura?
O vale-cultura é um projeto de lei, já apresentado pelo ministro José Múcio (Relações Institucionais) quando deputado federal no Congresso. Há uma outra medida, elaborada pelo Ministério da Cultura com o nosso apoio para constituir o vale-cultura que está em debate no governo federal desde o final de 2006. Há uma tramitação bastante avançada no interior do governo. A intenção é que o vale-cultura possa ser oferecido às empresas, a possibilidade de que elas concedam um vale-cultura aos seus trabalhadores, muito similar ao vale-refeição, onde elas poderão abater suas despesas com essa operação no seu Imposto de Renda a pagar, de forma que disponibilize ao trabalhador um instrumento de consumo cultural. Esse vale poderia se utilizado em salas de cinema, teatros, shows.

Isso ainda não foi para o Congresso?
Não.

Ainda está sendo fechado no governo?
Sim. Há no Congresso um projeto tramitando do ministro Múcio e uma negociação no interior do governo para chegar ao pacote final. As estruturas onde se atua no esboço de expansão do mercado, portanto, uma segunda dimensão é a expansão do consumo audiovisual, seja com medidas de estímulos como esta que estou falando, seja via operação do marco legal que permita destravar obstáculos ao crescimento do setor. Nesse sentido, nós temos defendido há algum tempo a idéia de que o mercado de TV por assinatura em particular precisa de uma alteração do seu marco legal que impulsione a oferta dos serviços de audiovisuais.
Um terceiro aspecto que eu destacaria é o esforço de maior sinergia entre os diversos agentes econômicos que atuam no setor de produção e distribuição de conteúdos. Para isso, também na Lei 11.437 (institui fundos setoriais e novos mecanismos de fomento à atividade audiovisual) criamos um mecanismo, introduzido também na Lei do Audiovisual, pelo qual as televisões abertas e as programadoras de TV por assinatura terão a possibilidade, em toda a remessa que fizerem ao exterior decorrente de aquisição de obras e de direitos de veiculação de eventos aqui no Brasil, de abater do Imposto de Renda devido. Elas poderão reter 70% do Imposto de Renda devido para uma conta especial para aplicar em co-produção de obras brasileiras de produção independente. Isso vai criar uma sinergia entre a televisão aberta e a produção independente.

Ao invés de mandar o dinheiro de hoyalties dos estrangeiros ela colocaria no fundo, é isso?
Não. Ela faz uma remessa ao exterior para quem ela deve. Há um imposto de 15% que ela é obrigada a pagar. Desse imposto de 15%, ela poderá reter 70% para essa conta especial, para aplicação em produção independente e os outros 30% ela deverá recolher à Receita Federal normalmente.

Isso já está regulamentado?
Isso já foi regulamentado por decreto em dezembro de 2007. A consulta pública foi concluída em junho para a instrução normativa de disciplina. Essa instrução normativa deverá estar publicada até o final de julho, o que vai permitir que as TVs comecem a dispor desses recursos para investir em produção independente. As TVs e as programadores de TV por assinatura.

As próprias programadoras também?
As próprias programadoras. Este é um exemplo dessas medidas de busca de sinergia entre os diversos agentes econômicos do setor. De tal maneira que haja mais solidariedade e compromisso dos agentes que detêm os meios de distribuição e programação com aqueles que produzem conteúdo. De tal forma que isso crie uma dinâmica de acelerar a expansão da oferta e acelerar, portanto, o crescimento do mercado audiovisual.
Estamos baseados no fato de que o mercado de audiovisual no mundo se estrutura havendo uma forte solidariedade entre o segmento da produção de conteúdos com os segmentos responsáveis pela distribuição e programação desses conteúdos. Essa forte sinergia existente aqui é alimentada, na maior parte dos países, por mecanismos que criam uma segregação entre a produção e a distribuição, criando obrigações dessa cadeia distribuidora de trabalhar com a miríade de produtoras que produzem esses conteúdos. O caso norte-americano está lastreado em mecanismos de regulação que, no passado, impulsionaram a conformação desse mercado nesses termos, e que segue ainda hoje a partir do fato de que aí gera um dinamismo especial na operação do mercado audiovisual.

Com relação à TV por assinatura, a votação do PL-29 está complicada, a maior programadora e distribuidora, a TV Globo, acabou se recusando a apoiar o projeto dos 10 canais independentes. Você acha que o projeto consegue ser aprovado sem a questão da cota da produção independente? Você acha que há uma saída do ponto de vista do conteúdo nacional?
Nós da Ancine temos acompanhado essa discussão do PL-29 com o máximo interesse. Evidentemente, nós não temos uma posição da Ancine sobre o tema, não nos compete definir políticas setoriais, então aguardamos as definições do próprio governo sobre a matéria. Mas sabemos que há um forte empenho do Ministério da Cultura na aprovação do PL-29 e um entendimento forte de que isso é absolutamente indispensável de ser tratado na sua íntegra, lidando com o conjunto do universo do serviço de comunicação eletrônica de massas por assinatura.
O acompanhamento que temos feito da matéria e nos momentos em que a Ancine foi chamada a se pronunciar, nas audiências públicas, a nossa opinião se dirigiu no sentido de afirmar a necessidade de que o Congresso Nacional estabelecesse um novo marco regulatório para o setor. Um marco que deveria levar em conta o fato de que estamos lidando com duas camadas de serviços envolvidos na comunicação eletrônica de massas por assinatura ou duas camadas de serviços envolvidos nesse processo da convergência digital como um todo. Ou seja, a camada de telecomunicações e a camada de audiovisual. E que se nós temos duas camadas, deveríamos construir um marco regulatório flexível o suficiente para lidar com as particularidades de cada uma delas, e no interior de cada uma dessas camadas, lidar com flexibilidade suficiente para tratar de cada uma das atividades exercidas dentro de cada uma dessas camadas.
Ou seja, no caso do serviço de comunicação eletrônica de massas por assinatura, nós temos a camada das telecomunicações e a de audiovisual. Na camada de audiovisual, nós identificamos pelo menos três atividades exercidas hoje no Brasil, em torno desse serviço: as atividades de produção, de programação e de empacotamento. Na camada de telecomunicações, nós identificamos duas atividades: de distribuição e de provimento. Ocorre que as empresas, ao exercerem essas atividades, nem sempre são empresas diferenciadas. Às vezes, uma mesma empresa exerce o conjunto dessas atividades das duas camadas. Nosso entendimento, portanto, é que o marco regulatório não devia estar preso à tecnologia, nem à empresa que opera uma determinada atividade, mas deveria haver regras para cada uma dessas atividades, estabelecendo apenas uma vedação de que aqueles que operam na atividade de distribuição, dentro da camada de telecomunicações, operassem na atividade de produção e programação dentro da camada de audiovisual. Essa seria a única vedação para que uma mesma empresa operasse outras atividades dentro das duas camadas.
Nós nos pronunciamos nessa direção em duas premissas. Uma, a de que isso poderia resultar numa forte expansão na oferta de serviços de comunicação eletrônica de massas por assinatura, portanto, caminhando na direção da redução de preços, a presença do serviço em localidades que não contam com ele em custos acessíveis. E segundo, trabalhando com a perspectiva de que este movimento deveria estar fortemente associado à oferta de conteúdos audiovisuais brasileiros. Por duas razões, porque é a oferta de conteúdos audiovisuais brasileiros que tem a capacidade de conduzir um processo de expansão desses serviços, dado que na própria televisão por assinatura a principal procura do consumidor é pelo conteúdo brasileiro. Isso se traduz nos índices de audiência dos canais abertos. Baseado no fato de que foi isso que comandou o processo de expansão vertiginoso da TV aberta no Brasil e deu a força que ele teve. E nos dados que temos do setor de cinema, do papel sazonal que o aumento da produção brasileira e da oferta da produção brasileira ocasionam sobre a rentabilidade do conjunto do mercado, sempre puxando o número dos ingressos vendidos nas salas de cinema, puxando os indicadores para “maior” no mercado.
Com base nisso, nosso raciocínio é de que tanto para a oferta de serviços, uma maior atenção e maior espaço para o conteúdo brasileiro são fundamentais, quanto para que o Brasil possa ter força no mercado de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais, que é o traço distintivo no cenário internacional, aos diversos países do mundo. Hoje ele se divide entre países que são meramente consumidores e produtores. O Brasil detém know-how para isso e nós deveríamos incrementar essa capacidade de produzir.
Nós nos pronunciamos no sentido de que não se pode lidar com o serviço de comunicação eletrônica de massa por assinatura sem lidar com essas duas dimensões. Qualquer solução que tente dar conta de apenas um desses aspectos é uma solução canhestra. Não enfrenta o problema que está em cima da mesa, de forma que equacione de maneira positiva para o desenvolvimento do mercado e preserve o interesse público de uma forte economia audiovisual e de uma forte economia de telecomunicações dentro do Brasil.
Nós não acreditamos num tratamento parcial da matéria, porque julgamos que ela não enfrentará de maneira satisfatória o desafio presente. O desafio no ambiente convergente é dar conta do conjunto dos aspectos que estão postos aí com a maior leveza possível. É isso o que acreditamos que os parlamentares têm buscado na Câmara dos Deputados.

Vocês têm algum projeto específico para estimular o desenvolvimento de conteúdo nacional para as novas mídias, como o celular e outros dispositivos móveis? Como você vê a questão da Internet?
O fundo setorial do audiovisual tem discutido com a Finep – que é o seu agente financeiro – algumas ações no campo da inovação que permitem lidar com a oferta de conteúdos diferenciados para esse universo digital. Aí está se pensando desde televisão digital, conteúdos para telefonia móvel até desenvolvimento de conteúdos que dialoguem especialmente com o ambiente da Internet, não a Internet como canal de distribuição, mas como uma mídia com características próprias. Aí entra, inclusive, o tratamento do universo de visualização, o universo de jogos eletrônicos como uma dimensão importante.
Esse é um tema que já ocupa a atenção da Finep, principalmente, no campo da visualização, as pesquisas em visualização. A Finep teve um papel importante no desenvolvimento do midleware, por exemplo, da TV digital. Ocupa a atenção do Ministério da Cultura que já teve um projeto e o mantém, o Jogos BR, de desenvolvimento de jogos eletrônicos. Agora está em exame a possibilidade de dinamizar centros de pesquisa junto às universidades e institutos que procuram trabalhar com o desenvolvimento de novos formatos adequados a esse universo.
Do outro lado, nós procuramos acompanhar as diversas movimentações dos agentes privados. Esse é um terreno que, por excelência, o Estado ou a agência reguladora devem cumprir um papel de observador, sobretudo porque é algo que está no início do seu desenvolvimento. O que precisamos fazer é acompanhar as principais tendências que vão se conformando, de tal forma que possamos estimular o que desponta como o caminho mais produtivo, para que se possa perceber eventuais problemas decorrentes dessa nova forma de operação.
O caso da Internet tem uma particularidade, porque à medida em que ela é ao mesmo tempo um espaço próprio, com uma linguagem própria a ser trabalhada, ela também vai se constituindo num canal forte de distribuição que mimetiza outros canais de distribuição existentes, sem impedimentos para isso.
Aquilo que circula como um novo espaço, um novo ambiente de formato, o que é simplesmente ambiente de troca de informações e comunicação entre as pessoas, isso é a Internet tal como pensada. Mas tem uma outra coisa aqui dentro, que é o momento em que ela vai se conformando como canais de distribuição que entra em concorrência direta seja como modelo de televisão aberta ou televisão por assinatura, seja como modelo de vídeo por demanda ou modelo das videolocadoras, a oferta de conteúdo segmentado. Neste terreno, mais cedo ou tarde, vão surgir desafios que demandarão uma atenção diferenciada. Algum tipo de atenção especial que possa dar conta, sempre sem ferir aquilo que constitui o seu principal trunfo que é esse novo espaço de troca de informações gratuitas e de comunicação livre.

Esse novo olhar que precisará ser dado à Internet, você acha que levará cinco, dez, quinze anos?
No ritmo que vai, eu diria que dentro de cinco anos, será preciso começar a pensar sobre essa matéria. É preciso estar pronto para começar a ter um diálogo com o conjunto dos agentes econômicos envolvidos, no sentido de como vamos organizar e normatizar isso. Alguns países já têm feito isso. Toda a atividade de comércio eletrônico já tem recebido uma forte atenção e atuação dos Estados diversos. Basta pegar um serviço como o Skype para verificar que naquilo que é o alimento de créditos para a voz IP, ofertada pelo Skype, passou-se a cobrar ICMS no Brasil, IVA numa série de países mundo afora. Ainda com mecanismos pouco eficientes de controle, porque auto-declaratórios, mas passou a fazer o recolhimento de impostos aos países.
Esse tipo de desafio que parece muito distante de nós, quando falamos do universo audiovisual e de telecomunicações, é um tipo de problema que demandará um outro tipo de atenção, porque, se é admissível a presença do Estado parametrizando com impostos o consumo nesse universo, há uma série de discussões correlatas a essa no que diz respeito às obrigações que cada um dos serviços prestados, fora do ambiente da Internet, acaba tendo por obrigação. Nesse momento, este é um debate bastante prematuro. O melhor a fazer é observar e ir lidando com a outra parte do universo das telecomunicações e da comunicação, alterando o marco legal no sentido de transformá-lo num marco legal mais simples e mais flexível. Ou seja, abandonando a regulação por tecnologia muito amarrada, apesar da difícil operação nesse ambiente convergente para construir esse marco legal. Essa é a principal virtude dos debates que estão ocorrendo na Câmara dos Deputados nesse um ano e meio em torno do PL-29. A grande virtude é que esta lógica da regulação para o ambiente convergente seja a lógica de uma regulação leve o suficiente para que se acople ao conhecido e ao desconhecido e ela tem sido perseguida sistematicamente.
Alguns agentes econômicos pressionam para que ela não tenha essa leveza, para que fique bastante presa ao que está presente, o que diminui a flexibilidade em relação ao que o futuro vai nos apresentar. Esse futuro não é distante, é um futuro de 2, 3, 4 anos, e é inimaginável que você se dedique a produzir leis nesse intervalo de tempo. É melhor que você tenha uma lei construída com leveza suficiente para que ela vá se adequando nesse universo, tateando as transformações que o ambiente convergente oferece.

Do ponto de vista da produção de material para a TV digital, uma coisa que me impressionou é que o BNDES abriu uma linha de financiamento para isso e até hoje não houve nenhum pedido. Você acha que ainda falta, do ponto de vista do produtor brasileiro, saber o que é preciso fazer?
A linha ofertada foi uma linha dirigida às televisões.

Não, são duas, uma para televisão e outra para produção.
A de produção envolve a parceria das televisões, não é uma linha onde um produtor qualquer chega lá e pega. Até porque em televisão você não pode simplesmente oferecer linhas de crédito. Oferecer pode, o que não tem é viabilidade. Oferecer linha de crédito para um produtor ir lá e produzir, sem ter um compromisso com um canal de distribuição. Na televisão, o canal de distribuição vem na origem. No cinema, o canal de distribuição pode surgir no decorrer do processo. Um dos desafios e problemas postos com a linha ofertada pelo BNDES é muito provavelmente o único fato de que não houve uma mudança significativa na televisão brasileira com a entrada da operação da televisão digital. Seja porque a televisão digital ainda não está implantada em território suficiente para isso, seja porque o consumidor ainda não aderiu a ela com força, porque os terminais de recepção ainda são muito caros, seja porque ainda não se induziu a pensar sobre novos formatos. Portanto, essa demanda não se apresentou como grande novidade.
Por outro lado, talvez isso queira indicar, já que a linha não tem uma vedação nesse aspecto, de que disponibilidade de recursos para investir não é um problema nas televisões brasileiras. Talvez indique que à medida em que é uma linha de financiamento de custos baixos – o mais baixo do mercado – e não foram utilizados, é razoável supor que as emissoras de televisão têm outros caminhos para financiar sua produção de conteúdo, que são mais baratos do que o caminho ofertado pelo BNDES. Na medida em que são mais baratos, elas seguem produzindo assim.

Em maio de 2009, quando termina o seu mandato, o que você espera ter mudado na sua gestão? Qual seria o marco para o qual você está trabalhando? É o aumento do consumo?
Nós temos trabalhado para o aumento do consumo, para dar mais capacidade às empresas brasileiras de lidarem com o mercado na base da auto-sustentabilidade, então, há um esforço de trabalhar o subsídio do Estado como uma alavanca para uma operação que independa do investimento público, portanto, que possa estar mais lastreado no investimento privado.
Nós temos feito um terceiro esforço de internacionalização da produção brasileira. O Brasil tradicionalmente esteve muito voltado para si mesmo na produção audiovisual. Desenvolveu grande capacidade nesse sentido e sempre acreditou que seu mercado interno era auto-suficiente para essa operação de audiovisual. E nós temos apontado que essa internacionalização é necessária, não apenas como instrumento de complementação dos recursos que sustentam a capacidade de produzir no mercado interno, mas também como forma de renovação da nossa capacidade de produção, de contaminar com as melhores práticas e tudo. Os nossos esforços vão nessa direção.
Evidentemente, na escala de tempo que me foi dado – estou na presidência da agência, praticamente, desde janeiro de 2007 – o nosso movimento tem sido construir as bases para esse processo. O que espero é que essas bases estejam solidamente implantadas e que isso permita um novo curso de desenvolvimento do setor.

Dados do Instituto Observatório Europeu do Audiovisual mostram que a produção mundial de cinema é de 4 mil filmes por ano; os EUA não produzem muito, mas tem distribuição global; a Índia produz muito e o indiano vê muito cinema indiano; enquanto no Brasil, embora tenha uma produção boa, a penetração fora do território brasileiro é muito pequena. Uma saída para romper o bloqueio da distribuição seria a co-produção?
Os dados da produção internacional, na maneira de encarar o papel de cada um, é esse mesmo desenho. Os valores são mais expressivos. A produção norte-americana gira em torno de 600 títulos/ano para cinema, a produção indiana em torno de 800 a 900 títulos e há uma produção bastante expandida no mundo inteiro, que chega com tranqüilidade a 3, 4 mil filmes sendo produzidos no mundo. De fato, o único que conta com uma estrutura de distribuição mundializada são os Estados Unidos. Essa estrutura de distribuição tem uma outra força adicional, ela é também a alavanca do processo de produção dentro dos Estados Unidos. Lá, você não vai encontrar, a não ser residualmente, produções fora de uma associação com essa estrutura de distribuição mundializada. Isso significa que os produtos partem com uma capacidade de penetração nos mercados, que conta com um forte mercado de consumo na sua partida no consumo interno – o mercado norte-americano é fortíssimo, um mercado de 35 mil salas de cinemas – e conta com todo o mundo como complementação desse mercado. Aqui estamos falando dos diversos segmentos do mercado, salas de cinema, televisão por assinatura e aberta, DVD e diversos outros pequenos que também são importantes, hotéis, aviões, paperview, vídeo por demanda etc.
O Brasil, para se inserir dentro dessa estrutura internacional precisa, primeiramente, expandir o seu mercado interno. Ele não pode abrir mão do mercado interno como alavanca. É nos países em que são produzidos que os produtos têm mais força. E é da força que têm, nos países onde são produzidos, que eles arrancam força para percorrer o mercado internacional. Um produto que não tenha sucesso no seu país de origem pode até vir a ter sucesso em outro mercado, mas a probabilidade é muito menor, porque não há quem acredite. Esse é um mercado movido por expectativas. Então, ele tem que ter o mercado interno forte como alavanca e no mercado internacional, precisa ter parceiros que tenham tanto compromisso com aquela obra quanto você que deu origem a ela. Isso se obtém através da co-produção.
A co-produção oferta algumas vantagens. A primeira é o encontro de um parceiro compromissado com a obra, no processo de fatura da obra e que dê um tratamento para o seu mercado – onde está o co-produtor – como se ela fosse nacional. Ele tem os caminhos para viabilizar a criação da expectativa em torno daquela obra.
A segunda é que abre fontes de financiamentos adicionais para o processo de produção, seja com base nos mecanismos de apoio públicos que os Estados europeus e diversos outros estados nacionais mantêm mundo afora, Canadá, Austrália, Coréia e outros, seja através de financiadores privados locais.
A terceira é que esse produto recebe um tratamento, em geral, favorecido pelas legislações de apoio local. Por exemplo, a Comunidade Européia mantém a diretriz televisão sem fronteiras que está sendo atualizada como diretriz de novas mídias – de mídia sem fronteiras – em que recomenda que haja pelo menos 50% de conteúdo europeu nos diversos canais de distribuição europeus, independente dos patamares de conteúdos nacionais estabelecidos em cada legislação. Portanto, tendo essa nacionalidade ofertada por outro país, esse produto passa a ter força. Nós acreditamos nesse caminho, temos trabalhado na renovação dos acordos de co-produção brasileira.

Quantos são?
Hoje nós temos ao redor de 15 acordos de co-produção, mas alguns deles, por exemplo, o acordo ibero-americano, envolve 18 países. Portanto, é bastante ampla a gama de países envolvidos nos nossos acordos. Temos trabalhado na atualização de vários desses acordos para adequar as bases financeiras. No passado, era muito grande a participação de um co-produtor minoritário e a prática mundial hoje reduziu essa participação financeira dos co-produtores minoritários. E visamos abrir esses acordos para além do cinema e abranger outros formatos audiovisuais. Nós renovamos, recentemente, com a França e a Alemanha; assinamos com a Índia; renovamos o acordo ibero-americano; estamos negociando a renovação com a Itália; abrimos conversações com a Rússia, a China e a Austrália; e temos conversações com a Inglaterra, que tem uma peculiaridade, ela funciona como um mercado ponte do mercado americano, isso cria outros tipos de problemas no processo de co-produção. Há um esforço sistemático nosso.
Nós temos apoiado três programas de exportação, fortemente incentivados pelo Ministério da Cultura, pela Apex e por nós da Ancine: o programa de exportação do cinema, que é o Programa Cinema do Brasil; o programa de exportação de televisão, chamado Brazilian TV Producers; e o programa Filme Brasil, que é o programa de expansão de publicidade.

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