TVs públicas migram para o digital sem política definida

Ao mesmo tempo em que tentam definir um modelo de rede nacional ainda na era do analógico, as emissoras do campo público já sofrem com os desafios da migração para a TV digital. As transmissões digitais começaram em São Paulo em 2 de dezembro de 2007 e chegam este semestre ao Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Até o fim do ano, a previsão é que a TV digital chegue em Brasília e em 2009 às outras capitais de grande porte do país.

Se as dificuldades já são grandes para as emissoras comerciais [ver aqui ], para as televisões do chamado campo público (emissoras públicas, educativas, legislativas, universitárias e comunitárias) são muito maiores. A principal delas é o alto custo da transição.

Na parceria entre a TV Câmara e a TV Assembléia Legislativa de São Paulo para colocar no ar um canal digital na capital paulista, somente os custos de transmissão e operação foram da ordem de R$ 10 milhões. Se considerados os investimentos em produção, muito necessários para a maioria das emissoras do campo público, as despesas ficam mais pesadas para uma cobertura que alcançará apenas uma cidade.

Para grupos de grande porte deste campo, como a recém-criada Empresa Brasil de Comunicação (EBC), os custos são ainda mais elevados. Se considerada a média de São Paulo para as quatro cidades em que a TV Brasil deve entrar no ar este ano, a transição para o sistema digital consumiria praticamente toda a verba de investimento da empresa, cerca de R$ 60 milhões.

Multiprogramação

As despesas devem aumentar diante da opção das emissoras de fazer multiprogramação, ou seja, transmitir mais de uma programação em um mesmo canal. “A TV pública tem que aproveitar possibilidades da tecnologia para multiplicar opções de oferta de conteúdo. Por isso queremos oferecer multiprogramação, mas isso estará condicionado ao nosso orçamento”, diz a presidente da EBC, Tereza Cruvinel.

A solução aventada desde o Fórum de TVs Públicas seria uma ação conjunta das emissoras do campo público para otimizar recursos. “Tem que haver esforço comum para compartilhar custos, mas a situação está um pouco lenta por falta de iniciativa. Tem que ser projeto comum e algum ente precisa encabeçar”, argumenta Evelyn Maciel, jornalista da TV Câmara e vice-presidente da Associação Brasileira de TVs Legislativas (Astral).

Para ela, a saída seria utilizar o operador de rede, uma única estrutura de transmissão que pudesse veicular o sinal de todas as emissoras do campo público. “Deveria ser que nem na Europa, com uma torre só”, defende Marco Antônio Coelho, da Associação das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec).

Transição dificulta operação conjunta

A alegação para a falta de uma política unificada é o fato de cada cidade iniciar a TV digital em um determinado momento, o que exigiria arranjos próprios para cada situação. “Este é um processo que não dá para ter política definitiva, por que todas têm restrições orçamentárias que nos obriga a fazer acordos de compartilhamento”, comenta Tereza Cruvinel.

Ou seja, em cidades como São Paulo cada emissora está buscando o seu canal digital, o que deve ocorrer em parte das grandes capitais. Exemplo é o fato da TV Cultura, a TV Câmara e a TV Brasil já estarem operando na capital paulista. Já no resto das capitais e em cidades do interior deverão ser buscadas parcerias para utilizar um mesmo canal para ofertar as programações de diferentes emissoras através do recurso da multiprogramação. Por enquanto, ainda se busca nos bastidores a articulação de parte do campo para a entrada no sinal digital nas próximas cidades. Uma reunião está marcada entre as emissoras educativas para o próximo dia 30 para discutir o assunto.

Já as legislativas buscam uma aproximação, mas já preparam um plano B caso fiquem de fora dos planos das públicas e educativas. A parceria entre a TV Câmara e a TV Assembléia já foi uma primeira experiência neste sentido. Mas um ator que poderia ter papel importante na articulação de um sistema legislativo, a TV Senado, ainda tem corrido em raia própria.

Espaço garantido, mas com dias contados

Às vésperas do início da TV Digital em São Paulo, no final de 2007, um dos temores das emissoras do campo público era a falta de canais no espectro eletromagnético, principalmente em cidades com muitas emissoras como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. No entanto, Yapir Marotta, gerente-geral de Administração de Planos e Autorização de Rádio-frequências da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), afirma que serão garantidos os canais de 60 a 69 da faixa UHF para estas emissoras.

A perspectiva é que sejam alocados aos quatro canais previstos no Decreto 5820 de 2006 (um do Poder Executivo, um da educação, um da cultura e um da cidadania), além de TV Câmara, TV Justiça, TV Senado e dois para a EBC, sendo com um analógico e um digital. As educativas já estão sendo contempladas com a consignação de um canal digital como está ocorrendo com todas as emissoras que atuam no sinal aberto.

O uso da ponta da faixa UHF foi uma solução pensada para as realidades mais extremas, como as que estão já iniciando sua migração. No entanto, o representante da Anatel alerta que há um problema no uso destes canais. “Os equipamentos que ainda existem para eles são analógicos. São equipamentos mais velhos, porque esta faixa está sendo revista. Mais cedo ou mais tarde esta faixa vai sucumbir e vai ter que ter migração para outros canais”, conta.

Duas perguntas ficam no ar a partir da informação de Marotta: se o cronograma de implantação da TV digital atrasar, como o Ministério das Comunicações já cogita, ficarão as emissoras do campo público em uma faixa em desuso? Caso ele se cumpra com poucas alterações e as televisões tiverem de mudar para outros canais após o desligamento, terão elas condições financeiras de fazer dois investimentos pesados em troca de parque de transmissão em cerca de 10 anos?

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