Governo faz promessas, mas transição segue em marcha lenta

No próximo dia 29, completará dois anos a publicação do Decreto 5.820/2006, que estabeleceu as diretrizes para a implantação da TV digital no Brasil e definiu a escolha pelo padrão tecnológico japonês como base desta nova modalidade de televisão. Passado este período, a TV digital permanece como realidade distante dos brasileiros em meio a um jogo de empurra-empurra entre governo, emissoras e fabricantes de equipamentos eletrônicos.

As primeiras transmissões iniciaram em São Paulo no dia 2 de dezembro de 2007. No cronograma oficial, estava prevista a entrada em funcionamento das geradoras de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Fortaleza a partir de janeiro deste ano. E, a esta altura de 2008, já deveriam ter tido as primeiras transmissões as cidades de Porto Alegre, Belém, Curitiba, Manaus, Goiânia e Recife.

No entanto, há emissoras operando em sinal digital apenas nas capitais paulista, mineira e carioca. O maior grupo de televisão do país, a Rede Globo, começou as transmissões na cidade do Rio de Janeiro apenas nesta segunda-feira (16). Em entrevistas à imprensa o ministro das comunicações, Hélio Costa, assegurou que até o final do ano a TV digital começaria a funcionar em Brasília.

“Este calendário é meio fantasioso”, afirma uma fonte que acompanha o processo. Este Observatório entrou em contato com o Ministério das Comunicações, com emissoras e com o Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD). Para além da informação do ministro Hélio Costa, a assessoria da pasta não soube dar uma posição mais detalhada sobre o cumprimento dos prazos.

Já o vice-presidente do Fórum Sistema Brasileiro de Televisão Digital, Moris Arditti, classifica a implantação como um “sucesso”. “O tempo desde a decisão, passando pela formação da câmara para definir as especificações e chegando à instalação, foi recorde, em lugar nenhum no mundo aconteceu isso”, avalia.

Transição a passos lentos

Para Gustavo Gindre, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, as emissoras se esforçam para tentar passar a impressão de que os prazos estão sendo cumpridos, mas o processo está bastante atrasado. “Nem mesmo em toda a cidade de São Paulo, a primeira a entrar no ar com a nova tecnologia, é possível captar o sinal, pois há várias áreas de sombra. No Rio de Janeiro, as tramissões só começam agora em junho. Muitas emissoras estão transmitindo com uma capacidade mais baixa do que a necessária, apenas para dizer que estão no modo digital”, avalia.

De acordo com Marcelo Cordeiro, da Associação Brasileira de Radiodifusão, Tecnologia e Telecomunicações (Abratel), a razão pela demora na instalação de transmissores é do governo federal. O Ministério das Comunicações, explica, não está conseguindo se articular com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e com a Receita Federal para agilizar a importação dos equipamentos. “Precisaria de uma ação mais conectada para que a aquisição e instalação fossem feitas em menos tempo”, cobra.

Segundo Cordeiro, os atrasos poderão ficar maiores quando a transição começar para as geradoras das cidades do interior e para as retransmissoras. “Acho que vai ter emissora com muita dificuldade para implantar o sistema digital. Há linha de crédito com custos abaixo da Selic, cerca de 11% ao ano, mas que não é barato para emissoras do interior”, alerta.

Frente às dificuldades, o ministro Hélio Costa já admite, antes de se completar o primeiro ano das transmissões com o novo sinal, que é real a possibilidade de adiar o desligamento do sinal analógico, previsto para 2016.

A lenda dos conversores a baixo custo

O problema não acontece apenas pela demora na chegada da TV digital nas praças. Onde ela já está presente, a adesão é baixíssima, o que se expressa nas vendas reduzidas dos conversores (set top boxes), aparelhos que decodificam o sinal digital nos televisores analógicos. A polêmica tem gerado um cabo-de-guerra colocando fabricantes de um lado e o ministro das Comunicações de outro.

Desde o início das discussões sobre a oferta deste equipamento aos brasileiros, Hélio Costa vem reclamando do preço praticado pelos fabricantes. “A indústria não se preparou para vender o conversor, nem mesmo caro”, afirmou em entrevista à Folha Online em 7 de junho. Desde 2007, Costa promete um conversor a R$ 200, mas até agora o preço praticado no mercado varia entre R$ 500 e R$ 1.100. Segundo informações de empresas que lidam com o produto no mercado, na capital paulista não há mais do que 20 mil conversores em funcionamento.

A Associação Nacional de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) rebate, argumentando que é difícil praticar preços mais baixos pela ausência de escala. Por outro lado, afirmam que falta uma política de incentivos por parte do governo. “A Eletros nunca afirmou que os preços seriam baixos nessa fase inicial, embora tenhamos apresentado ao governo as medidas necessárias para acelerar o processo de redução dos preços dos conversores”, afirmou em nota.

Na avaliação de Gustavo Gindre, o erro está na escolha do padrão japonês (ISDB). “O Brasil adotou uma tecnologia com menor escala de produção do que o DVB [europeu] e mesmo do ATSC [estadunidense], já que o ISDB está presente apenas no Japão. Além disso, os custos de royalties com a tecnologia japonesa são altos”, comenta.

O professor da PUC do Rio de Janeiro Marcos Dantas ressalta também as consequências da escolha de um padrão estrangeiro.“Como a indústria não é nacional, não tem muito interesse em adotar blocos tecnológicos fora dos seus padrões mundiais”, afirma.

Promessa de novidade

No último mês, Hélio Costa viu acender uma luz no fim do túnel. A empresa Proview anunciou um protótipo que poderia ser vendido pelo valor prometido pelo ministro.

No entanto, vale lembrar que este não será o preço final para ter a nova tecnologia em casa uma vez que, além do aparelho, ainda é necessário comprar antena, cabos e pagar pela instalação. E as benesses da alta-definição – o diferencial anunciado sem parar pelos radiodifusores – só podem ser usufruidas por quem tem um aparelho de TV próprio para este tipo de recepção, o que custa hoje, pelo menos, R$ 2 mil. Ou seja, mesmo se o conversor da Proview vier a ser produzido, não há garantias de que isso fará as vendas alavancarem.

Em uma de suas declarações no ano de 2007, o ministro Hélio Costa cogitou que o governo financiasse diretamente a compra dos conversores. No entanto, experiência semelhante em curso nos Estados Unidos não tem alcançado os resultados esperados, apesar dos investimentos públicos já terem chegado a mais de US$ 1,5 bilhão.

Limites do modelo de negócios

Na avaliação do jornalista e presidente da TV Cultura, Paulo Markun, há também um erro na estratégia das emissoras de televisão. “A opção das grandes redes de TV em apenas transmitir em alta definição a mesma programação dos canais analógicos reduz o interesse do público. Nós acreditamos que dar mais opções de canais poderia causar maior comoção”, analisa. A opção apontada por Markun parece distante dos planos das emissoras de televisão.

A operação de programações simultâneas em um mesmo canal (multiprogramação) poderia gerar uma pulverização da audiência e dividiria o bolo publicitário, resultando em problemas financeiros para as redes. É nestes limites do modelo de negócios da televisão aberta brasileira que moram os obstáculos à transição para a tecnologia digital e os riscos dela passar por turbulências ainda maiores do que as atuais.

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