MinC propõe nova política de financiamento para a cultura

A intenção do Ministério da Cultura já era conhecida do setor, mas a confirmação de que o órgão vai propor a revisão dos mecanismos de financiamento à produção cultural, especialmente a Lei Rouanet, veio à público esta semana. Durante o lançamento das diretrizes do Plano Nacional de Cultura na Câmara dos Deputados, o secretário-executivo do MinC, Juca Ferreira, confirmou que a equipe do ministério já está finalizando os termos da proposta de revisão, que deverá ser enviada ao Congresso em até dois meses.

A confirmação deve colocar lenha na fogueira dos debates sobre o papel do Estado e dos mecanismos de financiamento baseados em renúncia fiscal. Nas últimas semanas, quando a reforma proposta pelo MinC era apenas um rumor, o setor da produção cultural já estava agitado, com publicações seguidas de artigos a favor e contra a Lei Rouanet, carro-chefe da política de incentivo federal.

Segundo Ferreira, a idéia do ministério é modificar a Lei Rouanet e inseri-la em uma política de financiamento mais ampla. Entre os novos mecanismos estariam uma nova loteria da cultura, o aumento das verbas orçamentárias do órgão, a disponibilização de verbas para custear diretamente o acesso por meio de um vale-cultura e empréstimos a juros baixos para realização de obras e eventos.

A grande polêmica da proposta, no entanto, é mesmo a atualização da Lei Rouanet. A jornalistas, o secretário-executivo reiterou o discurso cada vez mais freqüente dentro do Ministério sobre os limites do mecanismo de renúncia fiscal. “A Lei Rouanet reforça certas disparidades, viabiliza atividades culturais que têm relação com a parcela da sociedade que tem poder aquisitivo e não se interessa pela que não tem. É um mecanismo positivo, canalizou no ano passado R$ 1 bilhão para atividades culturais, mas não é capaz de substituir toda a política pública de cultura num país democrático e republicano como é o Brasil”, afirmou Ferreira.

O secretário não adiantou as mudanças, mas indicou que um dos problemas a ser revisto é o índice fixo por tipo de manifestação artística. Hoje, por exemplo, projetos de música popular só podem obter até 30%, enquanto os de música erudita conseguem até 100%. Ele explicou que o projeto deve flexibilizar este tipo de regra, definindo os percentuais de acordo com a avaliação sobre a relevância de cada iniciativa apresentada.

A alteração vem gerando reação de parte dos produtores culturais. Para Leonardo Brant, que mantém o sítio especializado Cultura e Mercado, a redução do peso da Lei Rouanet pode gerar um prejuízo sem garantir nada em seu lugar. “O mecanismo merece um olhar mais cuidadoso do Ministério para não correr o risco de desqualificá-lo com frases de efeito, que apenas expõem o desconhecimento que o próprio MinC e toda a sociedade têm da efetiva importância do mecenato para o país. Já vimos outras tantas leis de incentivo definharem por conta dessas promessas. Ou seja, tira-se o dinheiro certo do mercado para um dinheiro mais que duvidoso, utópico”, afirmou em artigo em sua página eletrônica.

De fato, a proposta do MinC precisa garantir determinadas condições para ser efetivada. A primeira é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 150/2003, que prevê a destinação de 2% do Orçamento Geral da União para a cultura. Hoje o montante de recursos da pasta chega no máximo a cerca de 0,5%.

O secretário-executivo do MinC aposta na aprovação da matéria, mas reconhece que, se isso não ocorrer, o novo programa ficará fortemente prejudicado. Isso porque, na avaliação do ministério, hoje seriam necessários R$ 3,5 bilhões para atender as demandas levantadas pelo Ministério. A PEC garantiria cerca de R$ 2,3 bilhões enquanto os outros R$ 1,2 bilhão seriam viabilizados pelos outros mecanismos de financiamento.

Uma das fontes seria a nova loteria da cultura, que, de acordo com estudos da Caixa Econômica Federal, poderia render entre R$ 400 e R$ 600 milhões. Outra seria o mecanismo de renúncia fiscal reformulado, que em 2007 movimentou mais de R$ 1 bilhão.

Apoio

Se há um conjunto de produtores que são reticentes em relação às mudanças apontadas pelo Ministério da Cultura, outros somam-se às críticas ao atual modelo de financiamento. Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 17 de abril, os diretores e produtores culturais Sérgio de Carvalho e Marco Antônio Rodrigues engrossaram o coro dos críticos à Lei Rouanet.

“A idéia parece boa, mas contém um movimento nefasto: verbas públicas passam a ser regidas pela vontade privada das corporações, aquelas com lucro suficiente para se valer da renúncia fiscal e investir na área. Assim, os diretores de marketing dos conglomerados adquirem mais poder de interferir na paisagem cultural do que o próprio ministro da Cultura. E exercem tal poder segundo os critérios do marketing empresarial. O estímulo aos agentes privados resulta em privatismo”, escreveram.

No lançamento do Plano Nacional de Cultura, Juca Ferreira afirmou que a equipe do MinC já está “lambendo a cria” e realizará apenas alguns ajustes para o envio ao Congresso. Será neste momento que a divergência entre os defensores da Lei Rouanet e os partidários da nova proposta deverá ganhar contornos mais abertos e fazer o debate público sobre o financiamento público da cultura esquentar.

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