Sem política para as telecomunicações

Diante das transformações que o setor de comunicação vem sofrendo nos últimos anos, a atualização da Lei Geral de Telecomunicações se faz necessária. Porém, todas as tentativas que têm sido feitas para estabelecer regras mais sólidas e atuais sobre o meio são repelidas pelo empresariado do setor, que concentra as atividades. O Estado acaba não exercendo seu poder regulador sobre os serviços, na opinião do engenheiro eletrônico Israel Fernando de Carvalho Bayma.

Nesta entrevista ao e-Fórum, Israel Bayma fala sobre o trabalho do Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), onde tomou posse em março (leia matéria), sobre convergência digital e inclusão. Analisa a necessária regulação da comunciação e políticas para o setor. Entre as suas preocupações, está a concentração da mídia no Brasil e como essa característica influencia na vida política e institucional do País, onde o Estado é, segundo Bayma, ausente por falta de instrumentos de intervenção e regulação para o setor.

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Como funciona e quais as funções do Conselho Consultivo da Anatel?
Bayma
– O conselho é um órgão criado pela Lei Geral das Telecomunicações (lei 9.472 de 16 de Julho de 1997), a LGT, e estabelece a participação da sociedade na Agência. Tem, entre suas atribuições, que opinar sobre o Plano Geral de Outorgas do setor, o Plano Geral de Metas para Universalização (PGMU) de serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações. Deve aconselhar sobre política tarifária e industrial, implementação dessas políticas nos contratos de concessão, e no que se refere à gestão de fundos, como o Funtel, Fistel e o próprio Fust. Cabe ainda ao conselho apreciar o relatório do conselho diretor e aconselhar. Dentro dessas políticas, ele pode fazer propostas e requerer informações ao Conselho Diretor.

Pela falta de quorum, o conselho passou o ano de 2007 praticamente sem se reunir. Algumas matérias ficaram retidas, sem apreciação. Ele precisa se reunir ordinariamente para apreciar esses relatórios anuais do conselho diretor sobre o PGMU, PGO, assim como para apreciar essas políticas. E, extraordinariamente, pode se reunir para discutir questões de sua própria competência.

Os trabalhos são regimentalmente realizados na sede da Anatel, mas nós temos proposto uma agenda de trabalho, que ainda não esta fechada, com preposições para reuniões descentralizadas. Essas reuniões servem para discutir essas políticas com a sociedade. As reuniões são agendadas. Essa pauta que queremos construir para descentralizar terá agenda fixa. É um ponto de discussão do conselho. As atas são publicadas no site da Anatel, a pauta também é breviamente apresentada no site.

Que pontos centrais, em relação à regulação, você acredita que devem ser enfrentados no trabalho do conselho? Qual o papel da Anatel na questão da TV digital?
Bayma
– Eu acho que a própria Lei Geral de Telecomunicações, que já completou 10 anos, precisa ser atualizada. As várias iniciativas que existem no âmbito do legislativo, no pronunciamento dos agentes do setor, da sociedade civil, na dinâmica do segmento de telecomunicações, em face da convergência tecnológica, impõem essa atualização.

Cito o projeto de lei 29/07 que hoje tramita no Congresso Nacional. Ele representa um pouco essa necessidade da reformulação, porque mexe na Lei, cria uma legislação referente à TV por assinatura, traz para o bojo os serviços que não estavam submetidos à regulação.

Outro exemplo é a convergência, que acaba alterando todo o contorno regulatório para o serviço, como o caso da TV digital. Essa questão acaba por transcender um pouco o limite da lei geral, então a Agência terá que discutir sobre esse sistema que envolve a convergência na TV digital.

Ainda sobre a TV digital, qual é o posicionamento do conselho?
Bayma
– Até o momento, não fechamos a pauta do Conselho. Por isso, ainda não houve aprofundamento sobre a TV, mas há interesse por parte dos conselheiros de voltar à discussão do cenário.

Houve uma frustração do que seria a entrada do modelo digital, do ponto de vista da tecnologia, política industrial, porque não aconteceu como disseram que iria acontecer. Eu creio que, como tratamos, o conselho tem que se pronunciar sobre a aplicação da política industrial e a política industrial, no que diz respeito aos contratos de concessão e termo de autorização e da própria TV por assinatura. Isso tem um impacto na política industrial voltada para o segmento TV digital.

A própria tecnologia de semi-condutores era uma contrapartida exigida pelo Brasil na escolha do padrão tecnológico, quando se adotou o padrão japonês com um compromisso de transferência de tecnologia, de uso de todo o mídia necessário para incorporar o sistema digital. O que eu tenho lido e ouvido é que isso não está ocorrendo. Houve até certo recuo das indústrias japonesas, no sentido de transferir essa tecnologia. Se isso ocorre, é um problema.

Como são tratadas no conselho as questões políticas do mercado de comunicação?
Bayma
– Durante algum tempo, a Anatel fazia a política em função da omissão do poder concedente, o Ministério, na formulação dessas políticas. Mas sua elaboração cabe ao Executivo. À Agência, cabe cumprir e fiscalizar sua aplicação. Para isso, ocorre que o Executivo precisa estabelecê-las. Se a política é incompleta, inconsistente, ela tem que ser revista e reformulada.

Nada impede que os conselheiros, que representam o segmento da sociedade, se pronunciem sobre a questão. Nós fizemos uma proposta, recentemente aprovada, de convidar o deputado Walter Pinheiro, presidente da Comissão Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), para ir à Agência e fazer um debate conjunto sobre a pauta de trabalho para 2008 e 2009 da Comissão. Sabemos que o Pinheiro apresentou como proposta a discussão e a elaboração de um projeto de Lei Geral de Comunicação.

A CCTCI tem discutido nas subcomissões alguns temas, como, por exemplo, políticas de concessão para radiodifusão. Nós queremos acompanhar institucionalmente na Câmara esse tema, que está de fato afinado com a consignação de freqüência. A Anatel não pode se isolar do debate, que é também convergente.

Como o conselho vê a questão das fusões do mercado de telecomunicações que vem ocorrendo?
Bayma
– O conselho consultivo ainda não se pronunciou sobre isso formalmente. Ele só se pronuncia depois do conselho diretor, mas é claro que temos acompanhado todo movimento ocorrido entre os interessados no processo de fusão, tanto dos acionistas quanto a sociedade, que tem se pronunciado de forma apreensiva. A sociedade quer saber o que essa fusão vai representar: se vai manter postos de trabalho, beneficiar os usuários, enfrentar a pressão de empresas internacionais, assegurar condições de competitividade e mecanismos que ofereçam barreiras às possibilidades de vir a vender essa empresa a um grupo estrangeiro.

Sobre a inclusão digital (id) no país, que medidas, na sua opinião, deveriam ser adotadas para garantir a universalização do acesso?
Bayma
– Há uns dois anos atrás, fiz um trabalho de identificação das várias iniciativas de inclusão digital que haviam no país, notadamente no setor público. Descobri um universo de iniciativas muito boas, porém todas apontam que essas políticas não propiciam condições de auto-sustentabilidade. Todas vêm sendo sustentadas pelos próprios agentes públicos que implementam os programas de inclusão digital.

Por outro lado, percebi na época uma superposição de iniciativas no mesmo local, no mesmo bairro. Duas, três instituições querendo fazer a mesma coisa; a descordenação dessas ações é muito grande, dispersa esforços. Isso é ruim.

Na minha opinião, precisava haver uma política que articulasse essas iniciativas. Dentro do próprio governo há iniciativas num ministério e outro e elas acabam não sendo coordenadas. O governo criou uma coordenação que tenta exercer, mas não tem muita eficácia, porque não há uma política institucional clara de poderes para determinar que política deve ser essa.

Por exemplo, recentemente o governo aprovou o PGMU e fez uma negociação com as concessionárias de telefonia fixa de levar banda larga para as escolas; basicamente, era chegar com a central telefônica (backroom), o grande canal de comunicação, no município. Isso foi positivo, mas acho que foi tímido. O governo poderia ter negociado melhor a questão se tivesse, entre outros pontos, uma coordenação eficaz dessas políticas, o que não tem.

A ausência de política na área de telecom durante muitos anos fragilizou essas negociações. Levar só o backroom pressupõe um conjunto de políticas articuladas para usar toda essa capacidade do sistema para escolas, instituições, para a sociedade civil. Não é suficiente dizer que o custo da conectividade que o sistema vai cobrar é muito caro, mas essa é a lógica do mercado, a privatização impôs essas condições e regras.

Por isso, acho que ao invés esse debate sobre 'qual a política de inclusão, é preciso'um debate sobre por que ela tem que privilegiar tarifas baixas para garantir universalização. Esse discurso escamoteia a política mais adequada, que, a meu ver, é enfrentar a mudança na lei geral do setor.

Para corrigir as distorções, precisa mexer na lei e não criar situações de subterfúgio. De dizer que a concessionária, a empresa de telefonia, por exemplo, tem que oferecer uma tarifa mais baixa. Claro que tem, mas a lei protege a concessionária dizendo: ela não pode oferecer uma tarifa que não remunere adequadamente o serviço.

Muda-se a lei, o marco legal, para segurar uma tarifa social para as camadas da sociedade que não tem acesso.

Fale sobre o seu capitulo no livro Democracia e Regulação dos Meios de Comunicação de Massa, recém-lançado pela Editora FGV.
Bayma
– Há vários anos venho trabalhando sobre a concentração da propriedade a partir de alguns conceitos dinâmicos, procurando até um referencial teórico para melhor identificar o coronelismo eletrônico. Outro tema, também, é a corrupção clientelista. Eu queria identificar, no meu trabalho, como isso se dá no cenário eleitoral. Então, faço uma amostragem desse universo pesquisado.

O clientelismo é um problema a se enfrentar nos meios de comunicação (MCs). Os MCs têm um papel fundamental no aprofundamento da democracia. No caso do Brasil, especialmente, a legislação tem um caráter concentrador a respeito da propriedade. Isso fortalece sobremaneira alguns grupos que controlam o setor de mídia, de comunicação em geral, que passam a exercer um poder político muito grande e influenciar na vida política e institucional do País. Isso é ruim para a democracia, porque um concessionário pode vir a alterar as políticas do país, abalar as instituições ou até, em alguns casos, a própria democracia.

Como nossa legislação, no que diz respeito à comunicação, especialmente a radiodifusão, é desatualizada, fragmentada, dispersa, todas as tentativas que têm sido feitas para estabelecer regras mais sólidas e atuais sobre o meio têm sido repelidas. Ou seja, o Estado acaba não exercendo seu poder regulador sobre o setor.

No mundo, os meios que têm liberdade também tem regras. A regulação é mais firme e aprimorada em alguns países. Já no caso brasileiro, o segmento de comunicação é tão forte que impede que o Estado o regule. Um exemplo claro são os vários dispositivos na Constituição Federal brasileira em relação à comunicação social que não foram regulamentados até hoje. O empresariado do setor se posiciona contra, acha que é um cerceamento à liberdade. O Estado fica desaparelhado porque não tem instrumentos de intervenção, de regulação nesse setor.

Acho que, ao identificar os interesses que estão por trás dessa postura – que são legítimos em sua grande maioria – interpretar neste trabalho a relação entre financiamento eleitoral de campanha e a mídia, de maneira geral, introduzo uma variável que eu gostaria que fosse considerada na discussão: o papel dos meios de comunicação na democracia e a necessidade de intervenção do Estado enquanto regulador neste setor tão importante para a sociedade.

* Israel Fernando de Carvalho Bayma, engenheiro eletrônico, foi recentemente empossado no Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), representando a Câmara dos Deputados. É pesquisador do Laboratório de Política de Comunicação da Universidade de Brasília. Atua como consultor para a área de telecomunicações, comunicação, informática, energia, gás e petróleo. Ex-assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, já atuou como diretor de Planejamento e Engenharia da Eletronorte e assessor da Companhia Energética de Brasília. Também foi diretor do Comitê de Incentivo ao Software Livre e Gratuito – CIPSGA.

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