Veto à marcha da maconha ameaça liberdade de expressão

“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização” é o que atesta o inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal. Não é o que entendem juízes de nove capitais brasileiras que proibiram a realização da Marcha da Maconha nesse domingo (04) – evento realizado em 220 cidades do mundo em defesa da legalização da Cannabis Sativa – sob a alegação de que a manifestação promove apologia ao uso de substâncias ilícitas. A marcha, inicialmente prevista para 13 cidades, só não foi proibida em Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Vitória.

“A iniciativa surgiu de vários grupos que decidiram se unificar a partir de uma bandeira legal”, explica Marco Sayão, um dos participantes da Marcha da Maconha em São Paulo. “A bandeira atual do movimento é a liberação para fins medicinais, fim das prisões relacionadas às drogas e a regulamentação do uso.” Renato Cinco, sociólogo preso enquanto entregava panfletos sobre a Marcha no Rio de Janeiro, afirma que não defende nem estimula o uso de entorpecentes: “o que propomos é que a sociedade discuta os efeitos da proibição e outras maneiras do Estado lidar com as drogas”, diz.

A primeira proibição ocorreu em Salvador. A Justiça baiana alegou que a Marcha da Maconha promove indícios de tráfico de drogas e apologia do crime. Em São Paulo, a Marcha foi “julgada” duas vezes. Na primeira vez, no dia 30/04, a Justiça negou o pedido de proibição feito pelo Ministério Publico que, depois, recorreu. Um dia antes da data do evento, o desembargador Ricardo Cardozo Tucunduva aceitou o pedido e proibiu a realização da Marcha da Maconha.

O mesmo procedimento foi usado em todas as cidades em que a marcha foi proibida. Em Porto Alegre, após a proibição do evento, os organizadores entraram com um recurso apelando contra a decisão. O recurso foi aceito e a marcha pôde acontecer normalmente.

Reducionismo moral

“A necessidade de um amplo debate acerca dos efeitos da proibição do comércio destas substâncias psicoativas acaba sufocada pelo reducionismo moral”, acredita Orlando Zaccone, delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Ciências Políticas na Universidade Federal Fluminense. “Retornamos aos velhos argumentos proibicionistas que vinculam drogas ilícitas à expressão do mal, principalmente no tocante à destruição dos “elevados” valores morais da família e da sociedade brasileira”, afirma. “Nos Estados democráticos e de direito, o campo das ações jurídicas não deveria ser confundido com o das questões morais”.

Paralelamente à tentativa de realização da marcha na capital fluminense, 200 pessoas participaram da manifestação “O Rio Em Defesa da Família”, na orla de Copacabana. A passeata foi organizada pela Comissão Municipal de Prevenção às Drogas da Câmara do Rio de Janeiro para contrapor à Marcha da Maconha. As palavras de ordem eram em favor da família, dos bons costumes e da moral. Participaram da manifestação crianças de um projeto social, escoteiros, atletas de um clube de futebol, integrantes do movimento integralista e políticos, entre eles a vereadora Silvia Pontes (DEM).

Silenciar o debate

A proibição da Marcha da Maconha revela a intenção de desestimular o debate dentro da sociedade. Os atos públicos são a maneira encontrada pela sociedade civil de discutir as leis e políticas de Estado. Segundo Sayão, “as políticas de proibição das drogas são ineficientes e causam mais efeitos maléficos do que benéficos à sociedade”. O tráfico de drogas nunca foi debatido seriamente pela sociedade brasileira, o que possibilita que a situação continue como está: vide os assassinatos cometidos pelo BOPE nos morros cariocas. Cinco concorda: “A guerra ao tráfico, na verdade, é uma maneira de disfarçar a guerra aos pobres. O crime é praticado por toda sociedade, porém o Estado seleciona quais classes sociais serão punidas.”

Liberdade de Expressão

Em um documento intitulado “Apologia ao crime ou à Democracia?”, o Coletivo Marcha da Maconha Brasil afirma que a marcha não é um evento de cunho apologético, nem seus organizadores incentivam o uso de maconha ou de qualquer outra substância ilícita ou lícita, nem a prática de qualquer crime. “Sabemos que fumar, plantar ou portar maconha, mesmo para consumo próprio ainda é crime. No entanto, a organização social e política para lutar por mudanças nas leis e políticas públicas que regem tais comportamentos é um direito” ,defende o documento.

Até mesmo a vereadora Silvia Pontes, uma das organizadoras da manifestação “em defesa da família”, vê legitimidade na Marcha da Maconha: “Não sou favorável à legalização, mas não sou contra a marcha. É um direito deles. A gente deve brigar por aquilo que acredita”. No Rio ao menos um manifestante foi preso. Na Paraíba, segundo a PM, foram oito os detidos, mesmo saldo da Polícia em Salvador. Em Brasília a Marcha foi proibida de caminhar rumo à Esplanada, assim como em São Paulo, onde os cerca de 200 presentes foram coibidos pela polícia, que seria acionada caso os manifestantes marchassem pela Marquise do Ibirapuera.

A onda de repressão ao debate acerca da legalização das drogas já havia atingido membros do Coletivo Marcha da Maconha, presos ao tentar realizar o Seminário “Maconha na Roda”, no Rio de Janeiro, e também estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, que foram impedidos de exibir o filme “Grass”, documentário que debate as origens da proibição, dentro da Universidade.

Após tanta repressão e falta de diálogo, os organizadores acreditam que antes de marchar pela legalização da maconha, os brasileiros precisam lutar realmente pela liberdade de expressão. Assim, foi marcado para o próximo sábado, 10/05, o Dia de Luta pela Liberdade de Expressão. A manifestação acontece às 14h nos mesmos locais onde a Marcha deveria ser realizada.

A ONU recomenda a proibição da Cannabis Sativa desde 1960. No Brasil, a maconha começou a ser proibida em 1938. A a Lei N 11.343, de 23 de Agosto de 2006 prevê novas penas para os usuários de drogas, como advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo. 

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