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Comunicação será uma das pautas da 1ª Consocial

Os meios de comunicação serão um dos principais focos de debate da primeira Conferência Nacional sobre Transparência e Controle Social (Consocial). O papel da mídia no combate à corrupção, o livre acesso à informação e dados públicos e o incentivo ao controle da gestão pública são algumas pautas do evento que acontece entre 18 a 20 de maio, em Brasília.

A Conferência também possui papel pedagógico na medida em que contribui para orientar e qualificar as pessoas sobre os temas debatidos. Para Ana Castro, Coordenadora de Comunicação da Consocial, nesse quesito a comunicação é central, pois é a partir dela que se mobiliza e sensibiliza os cidadãos para o exercício do controle social.

Arthur Massuda, integrante da ONG Artigo 19 e membro da Comissão Organizadora Nacional da Conferência, acredita que a Conferência será um importante momento para debater a implementação da lei de acesso à informação pública, sancionada em novembro de 2011. A lei acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais e regulamenta o acesso aos dados públicos.

“Os implementadores da lei precisam da experiência da sociedade para saber quais informações-chave ou processos essenciais poderiam realmente dar condições a essa participação democrática”, entende Massuda.

O uso da internet como ferramenta de transparência e fiscalização da sociedade deve ser enfatizada na Consocial. Para o membro da Transparência Brasil Antonio Augusto é fundamental preparar a população para esse controle virtual e também as organizações para que disponibilizem as informações de forma correta.

“O controle social de dados públicos deve estar aliado à comunicação nos veículos oficiais. É fundamental prezar pela qualidade de informação, análise e classificação para o acompanhamento de questões do legislativo, como a frequência das comissões e deputados”, exemplifica Antonio Augusto.

Histórico

A Conferência foi uma demanda da própria sociedade por políticas de promoção da transparência pública e do controle social do Estado. Após a realização do Seminário Nacional sobre Controle Social em 2009 pela Controladoria-Geral da União (CGU), os participantes entregaram um abaixo-assinado requerendo a convocação de uma conferência nacional. Em dezembro de 2010, o Governo Federal publicou um decreto convocando a Consocial.

“O papel da Conferência é reunir segmentos diversos (governo, sociedade civil e conselhos de políticas públicas) para debater e realizar proposições sobre transparência pública, acesso à informação e dados públicos e controle social, além de diretrizes para prevenção e combate à corrupção”, comenta Ana Castro.

Quase mil etapas estaduais, municipais e livres já foram realizadas ou estão programadas. Mais informações sobre o regulamento e as agendas das conferências no site: http://consocial.cgu.gov.br/ .

Debates marcam Semana pela Democratização

Pelo 9° ano consecutivo, entidades que lutam pelo direito à comunicação promovem, em várias cidades brasileiras, atividades que marcam o “Dia Mundial da Democratização da Comunicação”, comemorado em 18 de outubro. Debates, audiências públicas e atos de rua são algumas das ações previstas para a semana.

Uma das atividades será a reunião entre as entidades que construíram a Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil e o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Gésio Passos, do Coletivo Intervozes, afirma que a idéia é apresentar a Plataforma e cobrar a realização de uma mesa de diálogo, já que a última marcada pelo ministério foi cancelada em julho. “Queremos criar espaços de interlocução e cobrar a consulta pública governamental sobre o tema”. Para ele, o ministério precisa “apresentar o quanto antes o que o governo está pensando para as comunicações brasileiras”. A Plataforma da sociedade civil, que ficou no ar entre 12 de setembro e 7 de outubro deste ano, recebeu 200 contribuições via internet e segue para coleta de adesões.

Para José Sóter, coordenador executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a semana também é importante para retomar a movimentação após a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). “Todo mundo confiou que as questões levantadas ali iriam ser tocadas para frente, o que não aconteceu”, afirmou. A Abraço, juntamente com a Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular (Frentecom), realizará uma audiência pública no Plenário 1 da Câmara dos Deputados, para debater o Projeto de iniciativa popular de alteração da Lei 9.612/1998 e manifestação pelo novo Marco Regulatório da Comunicação. Na ocasião, também será discutido o Plano Nacional de Outorgas para TV’s e Rádios Educativas.

Atividades nos estados

Em Sergipe, vários debates estão sendo promovidos durante toda semana. “Nosso foco esse ano é discutir a comunicação como política pública e até que ponto ela é tratada desta maneira, por governo e sociedade no país”, argumentou Paulo Victor Melo, que organiza as atividades em Aracaju. Melo acrescenta que as propostas que surgirem durante as atividades não podem se encerrar com o fim dos debates. “Nós vamos trabalhar para que sejam levadas adiante e não fiquem concentradas somente nesta semana, para que gerem resultados para os próximos anos”, aposta.

No interior da Bahia também acontece a II Semana pela Democratização da Comunicação, realizada pelo Fórum de Comunicação do Sertão do São Francisco. De acordo com a divulgação, “no estado da Bahia o cenário de estruturação do Conselho Estadual de Comunicação mobiliza a sociedade civil a envolver-se ainda mais na reivindicação da comunicação como direito”.

O Rio de Janeiro chega com uma novidade: a parceria com movimentos culturais. “Os artistas estão se sensibilizando com a causa e podem mobilizar a população. Às vezes as discussões são muito técnicas. Se já é difícil para as entidades ligadas ao tema entenderem alguns pontos, imagine para a sociedade em geral”, diz o músico e jornalista Cláudio Salles, membro da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação Estadual do Rio de Janeiro (Fale Rio), uma das entidades envolvidas com a semana, e da Abraço Sudeste.

Em São Paulo, no dia 18, será organizado um ato na Avenida Paulista, em frente à Gazeta. As entidades que organizam o ato reivindicam o respeito à Constituição Federal e um novo marco regulatório para as comunicações. "Regular não é censura", diz o panfleto que será distribuído durante a atividade. Fortaleza e Maceió fazem debates nas universidades.


Desde o começo do mês, já foram realizadas atividades pela democratização da comunicação em vários municípios brasileiros, como João Pessoa (PB) e São Paulo (SP). Confira os eventos que ainda irão acontecer no país
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ARACAJU

18/10, às 14h – Debate sobre Rádio UFS
Mesa: ENECOS, ARPUB, SINDIJOR e UFS
Local: Did VI Sala 100 – ao lado da sala de projeção (CinemaisUFS)

19/10, às 19h – Lançamento da Pesquisa Vozes Silenciadas
Debatedores: Paulo Victor Melo (Intervozes) e Cristian Góes (jornalista)
Local: Sede Cultural do SINDISERJ

20/10, às 14h – Debate sobre Formação e Papel do Comunicador
Mesa: ENECOS. Franciscato e Romero (à confirmar)
Local: Did VI Sala 100 – ao lado da sala de projeção(CinemaisUFS)

20/10, às 19h – Noite do Audiovisual e show de Thiago Ruas
Exibição do curta 'Levante sua Voz', mostra de vídeos produzidos pelo projeto Mídia Jovem e roda de diálogo. A partir das 20h:30, o músico e estudante de audiovisual, Thiago Ruas, finalizará o evento com toda sua musicalidade.
Local: NPD Orlando Vieira

Informações/Contatos para entrevistas
(79) 9981 7145 – Carol Westrup
(79) 9156 2343 – Paulo Victor Melo
(79) 9885 2898 – Agatha Christie

FORTALEZA

Ciclo de Palestras Direito à Comunicação – a sociedade quer discutir a sua mídia.
Tema: "Por um amanhã que cante: o direito à comunicação na América Latina".

21/10, às 16h – Palestra com Néstor Busso e Jonas Valente.
Local: auditório Rachel de Queiroz
Av. da Universidade, 2683 -Centro de Humanidades 2 – Benfica.
Entrada gratuita. Não é necessário se inscrever.

22/10, às 13h – Aula expositiva com Jonas Valente.
Local: auditório da Associação dos Docentes da UFC (Adufc).
Av. da Universidade, 2346 – Benfica
Entrada gratuita. 50 vagas.

Débora Duarte – Assessoria de Imprensa – 8861-3003. debbie.md1@gmail.com

MACEIÓ

20/10, às 14h – Mesa redonda:Comunicação e política sob três perspectivas: políticas de Estado, movimentos sociais e Relações Internacionais
Convidados: Prof. Dr. Sivaldo Pereira da Silva (COS/UFAL), Prof. Me. Vivian Peron (UNESCO) e Jor. Esp. Elida Miranda ( INTERVOZES)
Horário: 14h às 18h
Local: COS (Campus A.C. Simões)

SÃO PAULO

18/10, às 12h – Ato de mobilização
Local: Avenida Paulista, em frente à Gazeta.
Mais informações: www.frentex.org

RIO DE JANEIRO

18/10, às 15h – Encaminhamento dos 20 pontos sobre o novo marco regulatório para as comunicações, rádios comunitárias, TVs e rádios públicas, Banda Larga etc.
Fale Rio e movimentos culturais
Local: Ministério das Comunicações

18/10, às 16h – “Ato político-cultural”
Fale Rio – lançamento simbólico da “Plataforma por um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”
Local: Buraco do Lume
End. Rua São José – Centro, Rio de Janeiro

19/10, às 13h – “Faxina”
Fale Rio – a mídia tem falado tanto em “faxina” no governo federal, que tal começarmos também com uma faxina na mídia? A iniciativa partiu do movimento estudantil.
Local: Calçada da TV Globo
End. Rua Von Martius, Rio de Janeiro
Mais informações:  www.falerio.com.br

SERTÃO DO SÃO FRANCISCO – BAHIA

Juazeiro

18/10, às 16h30 – Mesa Redonda: "A Comunicação que temos e a comunicação que queremos"
Debatedores/as: Juliana Dias (Instituto de Mídia Étnica); Antônio do Carmo (Assessoria Especial de Políticas Públicas
Secretaria de Comunicação Social do Estado da Bahia); Érica Daiane (Fórum de Comunicação Sertão do São Francisco)
Local: Auditório do Campus III UNEB

19/10, às 18h – Exibição do vídeo “Criança a alma do negócio” e Debate sobre Mídia e Consumo
Facilitadores: João Paulo Marques e Edson Carvalho
Local: Casa da Cultura, Bairro Quidé

Curaçá

20/10 – Oficinas de comunicação
Educomunicação (Érica Daiane)
Técnicas de Locução (Juvenal Lemos)
Produção Textual (Álvaro Luiz)

21/10 – Salitre
Local: Casa Paroquial de Curaçá – das 9h às 17h
Oficina de Rádio Escola
Local: Escola Municipal do Junco – Salitre – 13h

Pilão Arcado

22/10, das 8h às 9h – Programa Viva a Vida – Especial Democratização da Comunicação (Responsável: Pastoral da Criança)
Local: Rádio Comunitária Tropical FM

Canudos

22/10, às 16h – Programa Sol Poente – Especial Democratização da Comunicação (Responsável: IRPAA)
Local: Rádio Atividade FM
Obs.: A programação não acompanha o horário de verão.
Informações:

Uilson Viana – (74) 9108-2323
Érica Daiane – (74) 9967-0236
Edson Carvalho – (74) 8809-8831

Movimentos lançam consulta pública sobre novo marco regulatório

Enquanto o Governo Federal não torna pública sua proposta de revisão geral da legislação sobre a comunicação eletrônica no país, a sociedade civil vai aumentando sua mobilização para o embate que está por vir. Para isso, um grupo de oito organizações nacionais lançou nesta segunda-feira (12) uma consulta pública na internet com o objetivo de criar uma plataforma da sociedade para o novo marco regulatório.

A plataforma proposta possui onze princípios e objetivos e 20 diretrizes, que vão desde regulamentação de infraestrutura dos sinais, garantia de acesso aos serviços e questões referentes aos conteúdos veiculados. Temas como direitos autorais, direitos e deveres dos usuários na internet e nova lei de imprensa não entraram no documento porque já estão sendo tratados por mecanismos específicos. A consulta fica aberta até 7 de outubro e qualquer pessoa pode dar suas contribuições sem necessidade de cadastro prévio.

A construção do documento tem três objetivos centrais, segundo explica João Brant, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. O primeiro deles é qualificar as propostas da sociedade civil sobre os temas. O segundo é criar mais articulação e unidade nos movimentos que atuam na área e o terceiro, agitar a discussão nos estados.

Mesmo não tendo esse como objetivo central, a consulta não deixa de ser um instrumento de pressão no governo, que está jogando pra frente o início do processo de revisão do marco regulatório. “O governo parece pouco empenhado em fazer o projeto sair”, critica João Brant. Caso a promessa do Ministério das Comunicações (Minicom) se cumpra, deve haver uma consulta pública até dezembro sobre o assunto. Um dos problemas desse cronograma é começar o debate do tema em ano eleitoral. O governo também já sinalizou que a consulta deste ano pode ser apenas para definir os temas mais gerais que devem ser inseridos no projeto de lei.

Os argumentos do governo para não ter publicizado o projeto preparado ainda no governo Lula, não tem convencido as organizações que vêm travando essa batalha desde a Conferência Nacional de Comunicação, em 2009. “Esse marco regulatório foi para a gaveta. A sociedade tem que se manifestar e nós estamos fazendo o que o governo não fez”, endurece a psicóloga Roseli Goffman, representante do Conselho Federal de Psicologia no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Plataforma

Uma das discussões que deve esquentar os debates é o modelo de organização do sistema de comunicação no país. As entidades defendem na plataforma que seja criado um Conselho Nacional de Comunicação – já aprovado na Confecom inclusive – e dois órgãos reguladores subordinados a ele (um para área de conteúdo e outro para distribuição e infraestrutura). Sugere ainda que sejam criados conselhos locais para acompanhar e opinar sobre temas específicos. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ultimamente tem afirmado preferir apenas uma.

Em várias diretrizes, a plataforma propõe que sejam regulamentados artigos da Constituição Federal. Um deles, o 220, proíbe o oligopólio e o monopólio nos meios eletrônicos. “É preciso estabelecer regras que inibam qualquer forma de concentração vertical (entre diferentes atividades no mesmo serviço), horizontal (entre empresas que oferecem o mesmo serviço) e cruzada (entre diferentes meios de comunicação)”, defende o documento, que também pede a proibição de outorgas para políticos, a criação de cotas para conteúdos regionais nos meios e reserva de 33% dos canais para as emissoras públicas, entre outras propostas.

Processo

Segundo as entidades que organizaram a plataforma, há pelo menos quatro razões que justificam um novo marco regulatório para as comunicações. Uma delas é a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual. Outra é que a legislação brasileira no setor é arcaica e defasada. “Além disso, a legislação é fragmentada, multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação”, expõe o documento.

O texto da plataforma é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial da Confecom, sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e demais entidades nacionais, em 20 e 21 de maio de 2011, no Rio de Janeiro. A versão consolidada deve ser lançada no dia 18 de outubro, Dia Mundial da Democratização da Comunicação.

Além de Intervozes, FNDC e CFP, construíram o processo de consulta a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil), Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub), Campanha pela Ética na TV, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura – Capítulo Brasil (Ulepicc).

 

A tecnologia digital a serviço da participação popular

A rápida expansão dos instrumentos tecnológicos de participação popular, nos últimos anos, demonstra a necessidade de adequação dos governos ao seu tempo. Apesar disso, os mecanismos de democracia digital permanecem pouco conhecidos entre os cidadãos brasileiros.

O desafio bateu à porta da democracia participativa no século 21 e com isso surgiu o questionamento: é possível equilibrar o sistema de participação virtual com o presencial? Levando em conta que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre os 180 milhões de brasileiros apenas 64,8 milhões tem acesso a Internet, como esperar que a democracia acompanhe o ritmo das novas tecnologias?

Para o doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Luciano Fedozzi, sempre que se trata de um novo instrumento de participação, é preciso questioná-lo. “Temos que saber para que atores sociais será destinada esta ferramenta, de que forma serão agregados e qual a real intenção de criar este mecanismo”, justifica.

Fedozzi fala que as novas tecnologias têm virtudes e riscos. Mas em uma democracia contemporânea, não dá para subestimar os instrumentos tecnológicos a partir de um discurso de “privatização da participação”. “Temos o risco da exclusão digital. Porém, os movimentos de contestação e anti-globalização que acontecem hoje no mundo não aconteceriam se não tivesse a possibilidade da utilização e interação das tecnologias de informação”, argumenta.

Para qualificar a democracia, o desafio é encontrar o equilíbrio entre os dois sistemas, opina o secretário geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo. Para ele, população deve ser incentivada a participar também de forma direta das decisões para o fortalecimento do Estado.

Cita o avanço com o uso das urnas eletrônicas, a consulta pública via rede, os portais de transparência e os pregões eletrônicos, todos exemplos da democracia digital. Por outro lado, critica o uso indiscriminado das ferramentas tecnológicas. “Não podemos apenas transformar os mecanismos de participação popular em atos mecânicos de apertar botões. Criar portais de transparência para disponibilizar dados de servidores, sem consultá-los, também é algo questionável”, disse.

Essa nova realidade traz um quase desaparecimento da função tradicional das organizações intermediárias, como conselhos, sindicatos ou associações, na medida em que as relações são mais diretas. O professor de Direito Constitucional da Ufrgs, Eduardo Carrion, crítica a euforia do uso da Internet, como se estivesse em apenas um clique do computador o aprofundamento da democracia. “Isto é privatizar o espaço público. Desqualificar e despolitizar o debate democrático”, defende.

O fascínio da tecnologia poderia se contrapor à verdadeira inspiração democrática. Mas é possível usá-la a favor das decisões populares, segundo Luciano Fedozzi. Ele sugere, por exemplo, o acompanhamento do Orçamento Participativo pela Internet, para facilitar a participação dos que não têm tempo ou defendem outras prioridades, em relação aos participantes de plenárias presenciais. “Tem sujeito que não quer saneamento básico, pois já mora em área contemplada. Seria possível pensar também na criação do Observatório de Porto Alegre, para reunir as informações de serviços, movimentos sociais e do governo”, sugere como forma de adquirir subsídios para as decisões populares e governamentais.

Resistências

No Brasil, há resistências ao avanço da democracia digital. O tema foi debatido no IV Congresso da Cibersociedade, no ano passado. No texto “O avanço da democracia digital e a ampliação do espaço público: realizações e obstáculos”, afirma-se que provavelmente o obstáculo mais comum está ancorado no argumento de que a exclusão digital, combinada com o analfabetismo funcional, impediria que a maioria das pessoas pudesse se engajar em qualquer formato de participação eletrônica.

A falta de acesso à informática e à internet, combinada com as limitadas habilidades discursivas, resultaria na inutilidade dos esforços pelo avanço do engajamento político através da rede. Isto, de alguma forma, justificaria a manutenção da situação atual, de consultas sem respostas e restritas a iniciados no assunto sob escrutínio. Há indicadores para sustentar tal argumento.

No Brasil, aqueles que usaram a rede, no total da população, ao menos uma vez nos últimos três meses, o que já é bem pouco, são apenas 17,2% da população. Na América do Sul, o Brasil está em terceira posição, atrás de Uruguai (20,6%) e Argentina (17,8%), e à frente de Venezuela (12,4%), Colômbia (10,4%), Equador (7,3%) e Paraguai (3,3%). E apenas 27,2% dos brasileiros estariam no nível de alfabetismo pleno, com capacidade para relacionar e interpretar informações de textos longos e fazer sínteses e deduções.

Mídia é o ‘aparato ideológico da globalização’, avalia Ramonet

“O mais difícil de perceber não é a informação distorcida, mas a informação oculta”. Em torno dessa e de outras idéias o jornalista, escritor e teórico da comunicação Ignacio Ramonet apresentou, na noite de segunda-feira (26/05) no Instituto Cervantes, em São Paulo, a palestra “Informação, poder e democracia”, como parte do ciclo “Pensar Iberoamérica” do instituto espanhol. Com a mediação do sociólogo Emir Sader, o tom foi não apenas de denúncia da grande imprensa, mas também uma reflexão sobre a indústria cultural e as possibilidades de uma imprensa alternativa.

Membro do conselho editorial do Le Monde Diplomatique – um dos exemplos mais bem-sucedidos de imprensa alternativa no mundo – e diretor do jornal até recentemente, Ramonet foi descrito por Sader como um “intelectual da esfera pública”. De fato, as inúmeras atividades deste galego que foi aluno de Roland Barthes comprovam sua vocação para o ativismo público, como a fundação das ONGs internacionais ATTAC e Media Watch Global e como um dos fomentadores do Fórum Social Mundial.

O evento no Instituto Cervantes serviu fundamentalmente para reafirmar suas posições para um público restrito, mas, em geral, pouco familiarizado com o debate sobre democratização da comunicação. Inclusive porque, em uma de suas primeiras afirmações, Ramonet diria que “muitos militantes de esquerda que tomaram consciência da luta contra o neoliberalismo não tomaram a consciência da necessidade de democratizar os meios de comunicação de massa”. Ou seja, é evidente para ele que qualquer transformação social depende da desconcentração dos meios de comunicação das mãos de poucos afortunados que os usam para seus fins particulares. No entanto, os obstáculos para isso são imensos.

Emir Sader colocou em pauta um outro ponto grave na cobertura jornalística, que diz respeito à impossibilidade de negar ou mentir sobre pontos inegavelmente positivos, como, por exemplo, os ganhos sociais do regime cubano ou os avanços da nova constituição boliviana. A saída, considera, é simplesmente omitir. “Como não tem como falar mal, não falam. E essa omissão é gravíssima”, afirmou Sader.

Ramonet listou uma série de exemplos que colocam em destaque o cinema blockbuster americano, para traduzir a idéia de que a estratégia de distração pode ser muito mais eficaz para o status quo. Na cultura de massas se reconhece o direito à distração, ou seja, a possibilidade de assistir a um filme desarmado, sem ressalvas. E é justamente nessas ocasiões que as idéias dominantes penetram com mais facilidade, diferentemente do que aconteceria se assistíssemos a um filme “político”.

Dentro desse esquema, a dominação cultural é tão importante quanto a militar. A idéia exposta tanto por Ramonet quanto por Sader de que a guerra imperialista hoje se faz tanto pela via militar quanto pela cultural acusa que é justamente através dos meios de comunicação que se produz os consensos e legitimações. “Em vários processos de dominação, a violência é usada numa primeira fase, mas a guerra não pode durar tanto. A segunda fase é justamente conquistar mentes”, afirmou Ramonet. A última investida, conta, é oferecer a idéia de que globalização financeira é igual à modernidade. “Os meios de comunicação têm a função de ser o aparato ideológico da globalização”.

Muito distante disso está o conceito verdadeiramente francês de que a imprensa se constituiria em um “quarto poder”. Poder este que, diferentemente do que se compreende nos tempos atuais, seria o responsável por fiscalizar os três poderes de Montesquieu, lembra Ramonet. Curiosamente, assume o jornalista, a concentração cada vez maior dos meios de comunicação tem, inclusive, deixado obsoletos os grandes arquétipos da mídia tradicional. O Cidadão Kane, de Orson Welles, nada mais era do que um magnata do final do século XIX estabelecido em seu próprio país e eivado de alguma ética. “Comparem Kane com Rupert Murdoch!”, enfatiza Ramonet, citando o bilionário dono de canais de TV, jornais, revistas e todos os tipos de mídias nos cinco continentes, algumas delas acusadas de dar suporte, por exemplo, a já comprovada farsa da invasão do Iraque pelo governo norte-americano.

A questão é que a imprensa trocou a cidadania pelo espetáculo. Para o jornalista, a lógica em que atuam as grandes empresas de mídia não mais diz respeito ao velho esquema de vender informação ao público, mas sim vender público aos anunciantes, citando o exemplo dos jornais gratuitos. “Há uma tendência de baixar o nível para atingir uma faixa maior de público. Além de tudo, se você vai dar a informação de graça, não vai querer gastar muito para produzi-la”. Isso mesmo que, de modo geral, o nível educacional melhore e essa contradição fique ainda mais evidente.

A globalização é uma máquina de frustração, esclarece Ramonet. Mas contra a hegemonia do pensamento único, é possível a constituição de uma imprensa alternativa viável? “Muito difícil”, diz ele, justamente pelo que dizia há pouco. Essa mídia estaria disposta a baixar sua qualidade para atingir o grande público? O jornalista, no entanto, vê boas perspectivas quando se fala nos observatórios de mídia e acredita que o Brasil está bem servido nesse quesito. Além disso, se entusiasma com as TVs públicas, desde que se entenda que elas não podem ser governamentais. “Não se pode ter medo da democracia”.