Livros produzidos com recursos públicos não são socializados

Estudo realizado por pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (GPOPAI) demonstra em cifras a forte presença do subsídio estatal nas várias etapas de produção de livros técnico-científicos no Brasil. Mas apesar da elevada soma de dinheiro público investida tanto no financiamento da elaboração do conteúdo, como da publicação dos livros em si, o conhecimento registrado nestas obras não está sendo de fato partilhado pelos brasileiros.

Um indicador de que o acesso às obras que reúnem boa parte do conhecimento científico circulante no país segue sendo restrito é o descompasso entre o crescimento da população universitária e os números do setor de livros técnico-científicos. Enquanto o grupo de “consumidores por excelência” destas obras cresce de forma consistente ano a ano, tanto o número de títulos publicados (cerca de 12 mil) como de exemplares vendidos (cerca de 24 mil) pouco muda.

No estudo, os pesquisadores levantam dados sobre as características do mercado de livros técnico-científicos e o valor dos subsídios por incentivo fiscal. Outro dado importante é a participação direta de instituições públicas na produção do conteúdo e na edição dos livros. A grande maioria da bibliografia usada como referência em vários cursos de Ensino Superior é resultado de pesquisas realizadas em universidades e centros de pesquisas públicos. Outra parte significante é publicada por editoras públicas.

Diante destes dados, os pesquisadores apontam uma incongruência de fundo no mercado editorial. Enquanto mais de um terço do faturamento do setor é garantido por incentivos fiscais, as editoras não se dispõem a oferecer contrapartidas ao público que as financia. Ao contrário, empenham-se em um forte lobby para restringir as formas alternativas de circulação, especialmente as fotocópias.

“Na pesquisa, mostramos que se os estudantes da USP fossem comprar os livros exigidos na bibliografia básica de alguns cursos, gastariam a renda inteira da família. E, ao mesmo tempo, temos uma associação de editoras, empresas altamente subsidiadas, que fazem uma interpretação bastante restritiva da lei de direitos autorais, proibindo cópias e fechando lojas que as fazem”, destaca um dos coordenadores do estudo, Pablo Ortellado.

O subsídio público à indústria do livro por imunidade tributária (a Constituição impede a imposição de impostos para não constranger a liberdade de expressão) e renúncia fiscal somou R$ 978 milhões em 2006. Segundo os responsáveis pelo estudo, a conta é conservadora. Considera alíquotas médias de IPI, ICMS e PIS/Cofins sobre o faturamento do setor, desconsiderando, por exemplo, a isenção de tributos sobre a importação de papel. Ainda assim, o valor representa 34% do faturamento do mercado editorial.

“Este quase R$ 1 bilhão é um valor muito superior ao orçamento inteiro do Ministério da Cultura”, chama a atenção Ortellado. “Não somos contra a isenção, que é um estímulo à produção e circulação de conhecimento e cultura. Mas este valor, tão superior a tudo que é investido em outras áreas, não é alvo de nenhuma contrapartida.”

Os pesquisadores afirmam nas conclusões que “cabe ao poder público criar marcos legais que garantam que esse subsídio público ao setor tenha como contrapartida garantias de acesso a conteúdos, em particular para fins didáticos e científicos”. Ou seja, para fazer valer o investimento no setor editorial, seria preciso revisar o marco regulatório dos direitos autorais, de maneira que sejam flexibilizadas as regras para o uso de cópias e outras formas de compartilhamento das obras.

Financiamento direto

Na outra ponta do problema, está a inexistência de políticas específicas que garantam que o conteúdo diretamente financiado pelos cofres públicos esteja à disposição do público. Entre as formas de incentivo direto, a pesquisa aponta o financiamento de pesquisadores ou projetos de pesquisa, além da produção das editoras públicas.

Segundo o levantamento, 86% dos livros de autores nacionais usados como referência bibliográfica nos cursos superiores considerados de excelência são escritos por professores ou pesquisadores de instituições públicas em regime de dedicação exclusiva. “O livro é uma conseqüência direta do investimento do público no professor, no pesquisador, mas mesmo assim o estudante muitas vezes não tem como acessar a obra”, diz Ortellado.

No estudo do GPOPAI, outras formas de financiamento à pesquisa científica não foram levantadas. Por exemplo, o investimento público em programas de pós-graduação de universidades privadas ou em projetos específicos. “Se considerássemos isso, chegaríamos certamente a um percentual próximo de 100%”, comenta.

Uma das sugestões dos pesquisadores é a inclusão de uma cláusula nos contratos com professores e pesquisadores que recebem algum tipo de financiamento público para que todo conteúdo produzido a partir do seu trabalho recebesse um tipo de licença que permitisse o livre acesso por parte dos cidadãos.

Já as obras publicadas por editoras públicas (ligadas a universidades ou centros de pesquisa) representam cerca de 10% da bibliografia utilizada na maioria dos cursos pesquisados. Segundo Ortellado, estas editoras poderiam ter políticas mais efetivas de incentivo ao livre acesso. Ele ressalta que há disposição de uma boa parte destas instituições em promover, por exemplo, a digitalização de obras esgotadas ou daquelas em domínio público.

Para ter acesso a íntegra da pesquisa, clique aqui.

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