Produtores criticam redução de cotas para conteúdo independente

Em entrevista coletiva concedida na última quarta-feira (19/03), o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) anunciou mudanças no substitutivo ao PL 29/2007, que propõe uma nova regulação dos mercados de produção, programação, empacotamento e distribuição de conteúdos audiovisuais pelas TVs pagas. As alterações mais significativas atingem as cotas de veiculação de conteúdo nacional e independente, ponto do projeto considerado mais importante por produtores independentes e organizações do campo da comunicação e da cultura.

As mudanças, entendidas como uma resposta à pressão das programadoras internacionais e das operadoras de TV por assinatura, foram mal recebidas pelos apoiadores do projeto, que, a partir das notícias publicadas em agências especializadas, entenderam que as alterações reduzirão substancialmente as cotas para produção nacional, principalmente a reservada à produção independente.

Pelo que foi possível compreender da apresentação de Bittar, as cotas por canal mantêm-se em 10% de conteúdo nacional, mas não houve a confirmação da obrigatoriedade que constava na versão anterior do projeto de que o material venha de produtora independente. Outra mudança é que as cotas de 50% de canais programados por programadoras nacionais foi substituída por uma cota de 25%, nos pacotes básicos, de “canais nacionais”, chamados de “canais BR”, que serão listados pela Ancine. Para ser um Canal BR, 40% da programação transmitida deverá ser nacional, sendo que metade deste percentual (20% do total da programação) deverá ser de produtoras independentes.

Em entrevista à Tela Viva News, Bittar afirma que as reações negativas ocorreram porque ele foi mal compreendido e esclareceu que o novo substitutivo virá com duas cotas ao invés das três previstas na versão de dezembro de 2007. O parlamentar explicou que a mudança foi feita após a constatação que a regra dos 50% para programadoras nacionais, como estava no texto anterior, acabava não gerando nenhum estímulo direto à produção nacional, já que nada impedia as programadoras nacionais de montarem um canal apenas com conteúdo internacional.

“O que nos interessa é fomentar o conteúdo nacional. E do jeito que o texto estava, a cota não cumpria essa meta”, afirmou Bittar. “Por isso, unificamos as duas cotas, o que além de tornar a regra mais simples, gerou uma cota factível. Estamos pedindo que um quarto dos canais seja de conteúdo nacional e programado por programadoras nacionais".

Outra alteração desenhada a partir da apresentação do deputado carioca será a redução do poder da Ancine dentro do sistema de defesa da concorrência. Na nova proposta, a agência não poderá definir sozinha quais programações são relevantes do ponto de vista concorrencial, mas terá que instruir o Cade a analisar tais questões. Pelo texto anterior, a Ancine tinha o poder de, ela própria, definir esses programas e exigir a distribuição isonômica.

Bittar ainda anunciou que elevará o percentual permitido de publicidade nas TVs por assinatura, de 15% na proposta divulgada em dezembro para 25% do total de programação transmitida, percentual idêntico ao permitido pelas emissoras de televisão aberta, apesar do modelo de negócios da TV por assinatura não ser o mesmo da TV aberta.

Decepção geral

Baseados na interpretação das mudanças propostas por Bittar, os representantes da produção independente e cinematográfica afirmaram que a nova versão do relatório de Bittar exclui a possibilidade de incentivo real ao mercado audiovisual brasileiro. “O estarrecedor nesta proposta é ter se retirado a menção à produção independente”, disse Marco Altberg, conselheiro legislativo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), referindo-se ao fato da cota aplicada aos canais internacionais não mais prever um percentual para essa modalidade de produção. “É algo inadmissível”, diz.

O presidente do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), Paulo Rufino, diz que, mantidas as propostas apresentadas ontem por Bittar, a indústria audiovisual brasileira “ficará de fora do relatório”. “As cotas não são apenas proteção do mercado audiovisual, mas também ampliam este mercado e os postos de trabalho”, comentou.

Rufino também ressalta o fato de, além da redução drástica nas porcentagens, as novas propostas de Bittar não salvaguardarem os independentes, mantendo o atual quadro de produção verticalizada, onde as empresas são, ao mesmo tempo, produtoras e distribuidoras do conteúdo audiovisual. “O conteúdo nacional protegido pelas cotas tem de ser da produção independente. Senão, chegaremos num quadro onde as emissoras da TV aberta vão fornecer conteúdo para o cabo para cumprir as cotas”, afirmou Rufino.

Tanto a ABPITV como o CBC enviarão mensagens ao deputado Bittar solicitando uma audiência ainda antes da apresentação do relatório à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI). “Vamos pressionar o relator e também os demais deputados que passarão a avaliar o projeto”, diz Altberg. Bittar deve encaminhar o relatório à CCTCI nas primeiras semanas de abril.

Diálogo incompleto

Poucas horas antes de anunciar as mudanças no projeto, Bittar recebeu representantes de organizações da sociedade civil, que entregaram ao deputado um manifesto em apoio às cotas para a produção nacional e independente nas TVs por assinatura. O texto foi assinado por 36 entidades, entre elas o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), a Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM), a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), a Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão (Fitert), a Associação Brasileira de ONGs (Abong) e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, entre outras.

Durante a entrega do manifesto, Bittar não revelou às organizações que, minutos depois, anunciaria mudanças substanciais nas cotas previstas para a produção nacional e independente, o que causou grande desconforto entre as entidades. “As 36 organizações signatárias do manifesto são representativas da área das comunicações e da produção audiovisual, e estávamos lá para manifestar apoio àquilo que consideramos ser o coração do PL 29, que é questão das cotas. Se ele já havia consolidado as mudanças, deveria ter nos comunicado naquele momento”, diz Bráulio Ribeiro, representante do Intervozes no encontro.  

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