A revisão do modelo de telecom e as contrapartidas à sociedade

Desta vez, o governo reagiu rapidamente às críticas de que estaria propondo uma alteração no Plano Geral de Outorgas apenas para atender a uma demanda pontual de mercado, ou seja, a compra da Brasil Telecom pela Oi, sem levar em conta o interesse público. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, de seu lado, já anunciou que será lançada uma consulta pública, em março, para discutir a política setorial; e a Anatel, por meio de seu presidente Ronaldo Sardenberg, de outro, já avisou que vai avaliar a alteração no PGO dentro do conjunto de necessidades de atualização da regulação setorial.

A revisão do modelo de telecomunicações, mais do que necessária frente à convergência tecnológica e às novas demandas da sociedade, como a universalização da banda larga, pode ter começado por um caminho torto, mas tem tudo para entrar nos trilhos. Há um consenso de que mudanças são necessárias, e que elas têm que ser promovidas a partir de um amplo debate democrático, no qual o interesse empresarial tem de estar subordinado ao interesse público.

Dada a largada

A largada para a revisão do modelo, em vigor há dez anos, foi dada com o envio à Anatel, pelo Ministério das Comunicações, de um documento que recomenda ao regulador a alteração no Plano Geral de Outorgas, eliminando o impedimento de que um mesmo acionista ou grupo de acionistas controle concessionárias que atuem em regiões distintas do PGO, e a revisão de restrições regulatórias, constantes de outros atos normativos, que impedem a consolidação da operação de múltiplos serviços.

O documento do Minicom responde formalmente a uma consulta feita pela Anatel sobre as diretrizes para a política nacional de telecomunicações, a partir de uma demanda de alterações regulatórias que permitam a consolidação de empresas e a oferta, por elas, de múltiplos serviços, que a agência recebeu da Abrafix, a entidade que reúne as concessionárias de telefonia fixa.

No documento de oito páginas onde fundamenta a sua recomendação, o Ministério das Comunicações diz que o cenário atual das telecomunicações no mundo demanda ganhos de escopo e escala, a serem conseguidos com a consolidação de empresas, e a oferta, pela mesma infra-estrutura, de serviços de voz, dados e vídeo. Do ponto de vista do cenário de convergência e consolidação, as justificativas apresentadas para a mudança regulatória, são sólidas, da mesma forma que tem consistência a análise de por que as razões apresentadas, na exposição de motivos que acompanha a LGT, para a divisão do país em três áreas regionais de concessão de telefonia local (mais uma de longa distância), já foram superadas.

Risco à competição?

Mas o documento não responde a uma questão que vem sendo levantada seja por especialistas, seja por leigos que temem que a junção das duas concessionárias, com a criação de uma empresa que vai operar em todo o país, à exceção de São Paulo, piore as já precárias condições de competição. Não na telefonia local, pois não há mais ilusão de que ela venha a acontecer de forma relevante – na voz, a competição é entre fixo e celular –, mas na banda larga, acesso pelo qual passam os mais diversos serviços.

Na visão desses especialistas, o documento não deixa claro qual é o interesse público no patrocínio dessa mudança regulatória. Um deles insiste em que o interesse público não pode estar apenas na criação de uma operadora nacional que possa vir a expandir sua atuação para a região, especialmente para o Mercosul, com destaque para a Argentina. Mas reconhece que a criação da super tele nacional é importante para o país, onde vai competir com a espanhola Telefônica e a mexicana Telemex, e para o projeto de integração regional no qual o Brasil, pelo seu peso econômico, tem papel importante.

Contrapartidas necessárias

Mas só isso não basta e, por isso, o documento do Ministério das Comunicações deixa a desejar. Muitos querem, especialmente as entidades que representam as operadoras entrantes e órgãos de defesa do consumidor, que esse processo de revisão do modelo seja usado para também fortalecer a competição, implementando efetivamente medidas previstas do Plano Geral de Competição que não foram colocadas em prática pela Anatel. Estamos falando de um unblunding efetivo, de tarifas de interconexão baseadas em custo e da regulamentação da revenda, entre outros dispositivos regulatórios capazes de garantir espaço para o avanço dos atuais competidores e o surgimento de novos.

A falta dessa formulação política sobre os ganhos dos usuários, a não ser os benefícios decorrentes da oferta de pacotes de serviços pelo mesmo prestador, deixa dúvidas no ar sobre o que se quer com a mudança de modelo. A consulta pública a ser lançada pelo Minicom e a da Anatel são os espaços onde essas questões terão debatidas e respondidas. Sem dúvida, as contrapartidas para a sociedade à permissão para que as empresas prestem múltiplos serviços e se consolidem têm que ir além dos ganhos de escopo e escala.

* Lia Ribeiro é diretora editorial do portal TeleSíntese e da revista A Rede.

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