Potencialidades para uma nova TV brasileira

A migração da TV analógica para a digital, bem como o interesse do Governo Federal em promover a televisão pública como motor de uma cidadania mais informada e participante, têm trazido inúmeras discussões sobre o potencial da TV para além do entretenimento. Em tempos de mudanças e expectativas, Tadao Takahashi, diretor geral do Instituto Sociedade da Informação (ISI) e Presidente do Conselho de Administração da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto ACERP/TVE Brasil), fala ao SESCTV sobre novos rumos, desafios e possibilidades de uma televisão interativa, de qualidade e democrática.

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Quais as implicações sociais, econômicas e culturais mais significativas trazidas pela mudança do sistema de TV analógico para o digital?
Do ponto de vista tecnológico, a televisão digital terrestre não é muito novidadeira, pois boa parte das funções que ela embute ou você tem na internet, ou na TV por assinatura de sinal fechado. O interessante da TV digital terrestre é a possibilidade de juntar essas funções em uma coisa só e ser de sinal aberto. Assim, 90% da população brasileira teriam acesso a um meio tecnológico bidirecional (o espectador recebe informações, mas pode também interagir com elas), tanto para entretenimento quanto como para serviços públicos e assim por diante. Então, há um potencial de democratização do acesso à informação, da possibilidade de buscar informação e não apenas ficar sentado recebendo. A combinação de interatividade com recepção de som e imagem em alta qualidade dá para a pessoa, ou para a residência, a possibilidade de ser uma espécie de passageiro inicial do mundo globalizado, da internet, sem o custo que a internet atualmente acarreta.

Quais as perspectivas da TV digital se tornar uma ferramenta de amplo alcance para combate à exclusão digital?
A função de comunicação da internet tende a ser cada vez mais forte. Acredito que, em 2015 ou 2020, todo mundo vai ter acesso à rede. Se não diretamente, via celular. Então, creio que o grande veículo de inclusão digital dos próximos cinco ou dez anos em países como o Brasil tende a ser o celular evoluído, e não a televisão com Internet ou a internet com a televisão. Por outro lado, mesmo o celular evoluído continuará tendo algumas limitações em função de sua característica primeira, que é facilidade de carregar. A tela continuará pequena, a capacidade de memória tende a ser menor do que um computador, dentre outros detalhes que vão acabar incentivando a televisão como meio de combinar transmissão de informação e interatividade. Em um horizonte de dez anos, vai ter atividades que remetem à inclusão digital do ponto de vista de televisão digital com interação, computador e Internet com banda larga, e certamente o celular também. Teremos uma combinação dessas três coisas.

Quais os impactos da TV Digital e da interatividade sobre a produção de conteúdo?
Vai mudar muita coisa na programação. O primeiro ponto é que o custo de produção possivelmente vai baixar, porque a infra-estrutura passa a ser digital. A produção daqui a dez anos tende a ser mais barata e tecnologicamente mais sofisticada, o que é muito interessante, porque uma pequena produtora de televisão vai conseguir produzir pequenos filmes e conteúdos de excelente qualidade. Por outro lado, a emissão propriamente dita tende a encarecer, porque se a emissora quer proporcionar algum tipo de interatividade, em 2015 ela precisará ser uma mistura de TV, call center e servidor de internet. Esse canal de retorno interativo vai demandar recursos tecnológicos e humanos que são caros. Então a coisa tende a ser muito interessante para pequenos produtores por um lado, e muito complexa e cara para grandes emissoras.

Mas essas novas fontes de produção de conteúdo, independentes das grandes emissoras, teriam espaço, de fato, no modelo de TV digital que está sendo discutido?
Teria espaço sim. Uma das idéias básicas da iniciativa do Governo Federal de implantar uma televisão pública de alcance nacional é que nos canais ditos educacionais você não teria propaganda, teria uma ambição pela qualidade, pela veiculação de conteúdos educacionais e culturais. Uma das coisas interessantes nesse modelo é justamente incentivar a produção independente descentralizada.

A idéia é que se você tiver uma pequena produtora, você pode fazer coisas com muita qualidade entrando em algum tipo de recurso ou programa do governo e teria espaço na grade de programação não só local, mas em escala nacional. Se a TV comercial continuar nesse modelo, e se uma televisão pública realmente começar a desafiar emissoras comerciais em termos de qualidade, mudanças poderão ocorrer. Por exemplo, programas culturais e educacionais como os do canal Futura, que hoje são veiculados apenas em sinal fechado, poderão migrar para o sinal aberto, no caso a Globo.

Ou seja, se todos esses fatores – TV pública, TV digital, público, pequenas produtoras – forem bem orquestrados e bem trabalhados, é possível pensarmos em uma revolução em termos de conteúdo e em termos de mentalidade em relação ao que é a TV.

Por que as discussões sobre uma TV pública de qualidade, que teoricamente já poderia ter sido implantada, têm estado tão interligadas às discussões sobre a TV digital?
Eu diria que por um lado há uma razão histórica e por outro há um senso de oportunidade. Quando olhamos a BBC ou a NHK japonesa, ficamos espantados com a qualidade de alguns programas. Claro, há coisas comerciais, mas não são a regra, como aqui no Brasil. Na verdade, essas emissoras foram estruturadas sob a égide do poder público antes dos canais comerciais. No caso do Brasil, o modelo foi o oposto: perseguimos o modelo americano. O primeiro canal a entrar no ar em 1950 foi a TV Tupi e o modelo era basicamente comercial. Embora tenhamos tido várias iniciativas de rádio, televisão educativa etc., elas nunca conseguiram nem os recursos nem a estabilidade nem a popularidade que os canais comerciais rapidamente ganharam. Essa é a razão histórica. Quanto ao senso de oportunidade, a TV digital cria espaço para se fazer uma campanha em torno de canais públicos, voltados para a qualidade e não para o entretenimento, que dêem lugar para novas produções. Se o governo não aproveitar a televisão digital que ele mesmo está implantando para criar de fato uma TV pública que mude a estrutura da programação televisiva no país, vai fazer isso quando?

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