Emendas à MP 398 tentam garantir caráter público da TV Brasil

A polêmica sobre a criação da Empresa Brasil de Comunicação – EBC por meio da Medida Provisória 398/07, publicada em 11 outubro, gerou 132 emendas no Congresso Nacional. Em sua imensa maioria, as emendas representam os interesses das empresas de radiodifusão e se concentram sobretudo no receio de que a TV Brasil esvazie as TVs comerciais da publicidade estatal, ou que ela possa ser utilizada pelo presidente Lula como ferramenta de promoção pessoal.

Questões como a garantia da autonomia e do caráter público da nova emissora, tanto em relação ao modelo de gestão quanto ao seu financiamento, não parecem ter chamado a atenção dos partidos da oposição, em especial o PSDB e o DEM. Mesmo assim, é possível encontrar na imensidão de interesses privados algumas (poucas) tentativas de fazer do texto da MP algo que proteja efetivamente a TV Brasil das ingerências de quaisquer governos.

Já o pouco apreço que o núcleo do governo tem demonstrado pelas resoluções do I Fórum de TVs Públicas, que estabeleceram, por consenso, os parâmetros para a formação de um sistema público de comunicações, a publicação da MP em regime de urgência deixou o debate ainda mais restrito. Com exceção da Abert – Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV, representada pela ‘bancada da comunicação’ no Congresso, as entidades e organizações da sociedade civil que defendem a democratização das comunicações tem agora poucas iniciativas a que se apegar. Dentre elas, destacam-se as emendas apresentadas pelas deputadas Luiza Erundina (PSB-SP) e Maria do Carmo Lara (PT-MG), responsáveis pela maioria das propostas que têm como referência a Carta de Brasília, documento final do Fórum.

A MP, que tem validade de 60 dias, está agora nas mãos do deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que tem pouquíssimo tempo para apresentar seu relatório. Em negociação com o governo e com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, Pinheiro conseguiu, como prazo mínimo para seu relatório o dia 4 de dezembro. Duas questões, no entanto, podem estender sua vida na Casa: a possibilidade de renovar a MP por mais 60 dias e a prioridade total do governo em aprovar a prorrogação da CPMF, o que não altera o dead line do relator.

Financiamento e autonomia editorial

Algumas poucas emendas à MP 398 têm como objetivo atribuir ao texto princípios mais claros, que visem a garantia do interesse público. Entre elas, está a proposta da deputada petista Maria do Carmo Lara, que sugere a alteração da expressão “direito à informação do cidadão” por “direito à comunicação do cidadão”, que tem como fim atribuir um caráter protagonista ao telespectador, para além do mero receptor que ele já é quando o assunto é comunicação. Já o deputado Eduardo Valverde (PT-RO) propõe a inclusão de um novo item que assegure a promoção da diversidade étnica. No mesmo sentido, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) inclui a questão de gênero como princípio para a EBC.

No caso do financiamento da empresa, o que mais chama atenção é a enxurrada de emendas que visam restringir qualquer tipo de publicidade na TV Brasil. Para além dos interesses das TVs comerciais em não ter que disputar a publicidade governamental com a nova emissora, a redação da MP traz preocupações que devem ser vistas a partir de outros ângulos, o da transparência e o da autonomia editorial. Em seu artigo 11, coloca-se a possibilidade de que a receita da Empresa Brasil de Comunicação seja constituída por “rendas provenientes de outras fontes”. É um item genérico o suficiente para ser questionado, como o faz a deputada Maria do Carmo Lara, que propõe que qualquer fonte de recursos não prevista no texto deva ser aprovada pelo Conselho Curador, assim como o deputado Moreira Mendes (PPS-RO), que também demonstra preocupação semelhante. A deputada Luiza Erundina quer ainda restringir a prestação de serviços pela EBC exclusivamente a entes públicos, para que a empresa não venha a depender de recursos oriundos da iniciativa privada.

Em audiência pública realizada na quarta-feira (28) na Câmara dos Deputados, o relator Walter Pinheiro defendeu que o financiamento da empresa deva ser independente tanto do governo quanto do mercado e pediu maior clareza na definição de apoio cultural. "É fundamental que essa proposta de radiodifusão pública tenha fontes de financiamento seguras e permanentes, não contingenciáveis. Quero, inclusive, aproveitar a MP e definir o que é apoio cultural, porque na lei não existe isso", sugeriu o deputado petista.

A presidente da EBC, a jornalista Tereza Cruvinel, relativiza a preocupação a respeito da autonomia editorial. “Há uma leitura equivocada de um artigo da MP. Ela admite a publicidade institucional, mas proíbe a publicidade de produtos e serviços, o comercial convencional.  Vamos explicitar isso. Existe também, de fato, a preocupação com a interferência de anunciantes na linha editorial. Anúncios institucionais jamais terão peso financeiro que possibilite tal dependência e tal subordinação aos anunciantes. A deputada Erundina vem levantando este argumento, e eu respeito o argumento. Mas para isso, será preciso encontrar fontes complementares de receita para a TV publica”, afirma Cruvinel.

Modelo de gestão insuficiente

O modelo de gestão e, sobretudo, o mecanismo de escolha dos “representantes” da sociedade civil no Conselho Curador da EBC tem sido, desde as primeiras manifestações do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência Franklin Martins, os principais questionamentos das organizações e entidades civis. O modelo adotado, onde o presidente fica encarregado pelas 15 indicações ao Conselho (quatro já são reservadas ao governo, e mais uma aos funcionários), redunda agora na necessidade de legitimação da TV Brasil perante os setores conservadores, fato visível nos nomes escolhidos pelo presidente e divulgados no último dia 26.

Dentre as poucas emendas que propõem uma alteração na composição ou no processo de escolha do Conselho Curador está a proposta do deputado Humberto Souto (PPS-MG), que estabelece a escolha pelo governo através de “listas tríplices” encaminhadas por entidades pré-determinadas como a Academia Brasileira de Letras, centrais sindicais, a Ordem dos Advogados do Brasil e até mesmo a Abert, e a do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) que sugere cotas regionais para a formação do conselho. A deputada Maria do Carmo Lara tenta ainda uma mediação entre os anseios das organizações da sociedade civil e a idéia defendida pelo governo, sugerindo que oito conselheiros sejam escolhidos pelo presidente e mais sete indicados diretamente pela sociedade civil “na forma do estatuto”, ou seja, determinada posteriormente.

Entre as poucas emendas propostas pela oposição que podem ser aproveitadas estão as que exigem uma espécie de “sabatina” pelo poder legislativo dos diretores e conselheiros indicados pelo presidente, assim como acontece nas agências reguladoras, o que tira a prerrogativa exclusiva do governo de plantão para determinar os que fiscalizarão e os que estarão à frente da gestão do EBC . De qualquer forma, os deputados e senadores terão que se esforçar para correr atrás da pauta, pois o Conselho Curador já está escolhido pelo presidente Lula.

Na audiência pública desta quarta-feira, o modelo de gestão foi apontado como problemático por organizações da sociedade civil. Sérgio Murillo, presidente da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) afirmou que a função do Conselho é “irrelevante e figurativa”. O ministro Franklin Martins respondeu, como de praxe, com pouca objetividade. “Quando vejo o nome das 15 pessoas que estão aí, vejo personalidades independentes, não acho que nenhuma delas será um pau-mandado do governo”, defendeu.

Walter Pinheiro, por sua vez, abriu a possibilidade de que o modelo seja alterado. “Se queremos algo que exerça um papel fundamental de controle e contribuição, talvez a expectativa de aprimorar o Conselho seja uma coisa boa. É importante no mínimo dar uma ‘sacodida’ no modelo apresentado”, afirmou o deputado.

Reserva no espectro aberto

Uma outra preocupação da deputada Luiza Erundina expressa em uma de suas emendas é garantir que a TV Brasil possa operar no espectro aberto. Apesar de já começar as suas operações em sinal digital no próximo dia 2 de dezembro em São Paulo, não há garantias explícitas no texto da MP de que ela estará presente no dial analógico sem a adesão das TVs públicas locais, como a TV Cultura de São Paulo ou a Rede Minas.

De qualquer forma, a própria presidente da EBC admite que mesmo presente no espectro aberto, a TV Brasil deve, alojada no canal 68, ficar praticamente invisível do grande público. Segundo Tereza Cruvinel, “a TV Brasil terá um canal analógico e um digital em São Paulo. Talvez ele não entre no ar no dia 2, por atraso na entrega de equipamentos. O analógico, de fato, não tem boa posição no espectro, mas teremos alguma compensação com a TV a cabo”, diz.

* Com informações da Agência Brasil e da Agência Câmara.

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