Decisões do governo impactam no alto preço dos conversores

Os primeiros conversores, os chamados set-top boxes, chegaram ao mercado dez dias antes do lançamento da TV digital, que acontecerá no próximo dia 2, com preços muito superiores ao que fora anunciado pelo governo federal, que durante o processo de discussão acerca da implementação da nova tecnologia garantiu reiteradamente que os conversores seriam acessíveis ao conjunto da população.

Por enquanto, o aparelho mais barato está sendo produzido pela fabricante de computadores Positivo Informática e oferecerá imagens apenas em resolução equivalente à imagem de DVD. O preço, R$ 500, será o sugerido pelo fabricante ao lojista, sendo provável que chegue às prateleiras por um valor substancialmente maior. Para ter acesso à alta resolução (HDTV, de high definition television), o consumidor terá que desembolsar a partir de R$ 700 (valor também sugerido ao lojista), preço de outro modelo de conversor da Positivo. Outros fabricantes, como Philips e Semp Toshiba, devem oferecer aparelhos para alta definição a partir de R$1.000.

Nenhum dos aparelhos disponíveis no mercado estará preparado para a interatividade, uma das grandes promessas do governo para a TV digital. Ou seja, se o consumidor quiser ter acesso a estes recursos, será preciso trocar de conversor em um futuro próximo. Também os conversores capazes de receber a chamada alta definição não garantem ao consumidor que adquirí-lo a chance de assistí-la, isso porque o televisor apto a receber tais imagens não sai por menos de alguns milhares de reais.

Já na Europa, que adota o padrão DVB – em vez do ISDB, o padrão japonês escolhido como base para o sistema brasileiro –, conversores são vendidos por cerca de 40 euros (R$ 103) e, por 50 euros (R$ 129,16), é possível comprar aparelhos que possibilitam interatividade.

Causa e efeito

O custo elevado dos conversores nada mais é que conseqüência direta das escolhas do governo brasileiro. A opção pela alta definição, por exemplo, é um dos fatores que elevam o preço.

Diferente da maioria dos países europeus, por exemplo, o Brasil priorizou a alta definição em detrimento das outras funções da TV digital, optando por realizar a transição diretamente para o HDTV. Nesse padrão, o fluxo de informações precisa uma velocidade mais alta para ser transmitido, sendo necessário chips com maior potência de processamento – o que encarece o aparelho.

Segundo especialistas consultados pela reportagem do Observatório do Direito à Comunicação, o maior nó, porém, reside o fato de, ao criar o SBTVD, o sistema brasileiro, o governo ter introduzido alterações no sistema japonês. Essas modificações, além de impactar diretamente nos custos, isolam o Brasil dos demais mercados, inclusive do próprio mercado japonês.

A primeira diferença é o sistema de compactação de dados: em vez do MPEG-2, usado no Japão, o governo brasileiro decidiu adotar o MPEG-4 – que permite a transmissão de um mesmo conteúdo com a metade da ocupação do espectro de freqüências – , mas que ainda não é utilizado em grande escala pela indústria.

Além disso, o governo brasileiro escolheu um turner (sintonizador) distinto dos demais. Ao determinar as especificações do sintonizador, privilegiou-se a robustez do sinal – sob a justificativa de que, apesar do aumento nos custos, esse dispositivo melhoraria a qualidade do sinal recebido pelos espectadores. 

Na avaliação de especialistas, porém, trata-se de uma solução que favorece antes as emissoras que os espectadores, pois quando o sinal não é robusto, cabe a elas aumentar a potência e, conseqüentemente, o consumo de energia. A solução mais coerente com o modelo de convergência digital, em que se pretende privilegiar a portabilidade e a mobilidade, seria, em vez de priorizar a robustez, espalhar antenas por diferentes pontos da cidade.

O Ministério das Comunicações, sempre em coro com as empresas, tentou colocar a culpa do alto preço nos fabricantes, mas agora tenta esfriar os ânimos, argumentando que o preço inicial dos conversores será rebaixado tão logo aumente a procura. Especialistas são céticos a esse respeito – justamente devido ao isolamento brasileiro e também porque parte substancial da classe média e da classa mais alta já possui TV por assinatura e, consequentemente, não comprará os conversores para a a televisão aberta.

“Com volumes pequenos o produto demorará para baixar de preço”, analisa Mario Baumgarten, membro da coalizão DVB Brasil. Ele lembra que a população brasileira, que representa 2,8% da mundial, não tem como impulsionar, sozinha, economias de escala. Segundo ele, nas telecomunicações que dependem cada vez mais da microeletrônica de alta integração, nenhum padrão tecnológico consegue sobreviver em regime de competição se não conquistar pelo menos 15% do mercado mundial.  “Se, por um exercício de extrapolação, imaginássemos que o Brasil conquistasse para si todos os países que ainda não decidiram por seu padrão (dezenas), ele estaria em condições de abocanhar aproximadamente 6,5% do mercado global – o que ainda fica longe do necessário para assegurar produtos econômicos”, diz. 

Nada de novo

O mesmo governo que se diz “indignado” com os preços foi alertado desde o início do processo acerca dos altos custos que resultariam da opção pelo padrão japonês.

No começo do ano passado, antes mesmo de oficializada a escolha do padrão, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, anunciava que o conversor para o ISDB custaria entre 40 e 50 dólares no Brasil. Na época, o Centro de Pesquisa em Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) acabara de divulgar as conclusões de um estudo comparativo entre os padrões.

Ao contrário do que dizia o ministro, o relatório já informava que o conversor para alta definição do ISDB custaria a partir de R$ 700 (sem contar os royalties de modulação e licenças de middleware). E mais: esse custo valia para um conversor com sistema de compressão MPEG-2 e seria, portanto, maior com o uso do MPEG-4.

Ao fim e ao cabo, a sociedade brasileira, que foi excluída das decisões sobre a TV digital, é quem vai arcar com as conseqüências. E vai pagar duas vezes: na tentativa de desfazer o que ele mesmo criou, o ministro oferece, às expensas dos cofres públicos, linhas de crédito, subsídios à produção e isenção de impostos, em um pacote já chamado por alguns conhecedores do universo industrial de a “farra da TV digital”.

Tais medidas, além de questionáveis em seu mérito, devem ser ineficazes. “A raiz do problema da TV digital no Brasil não são os impostos ou a falta de competição. O problema central é o isolamento que o SBTVD-T provocou, com as conseqüentes faltas de economias de escala”, analisa Baumgarten.

Ele prevê que a isenção de tarifas de importação para produtos acabados resultaria, provavelmente, em transferência de empregos, pesquisa e desenvolvimento para o exterior. Por outro lado, “qualquer novo fabricante do exterior que desejasse competir localmente teria de incorrer em custos de desenvolvimento para poder produzir produtos do padrão SBTVD-T, nivelando-se aos fabricantes que aqui já se encontram para, ao final, ter que disputar um mercado internacionalmente pouco relevante”.

Movimento contrário

No dia 7 de novembro, Hélio Costa declarou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, durante audiência pública, que os preços de conversores estão caindo no Japão, devido ao aumento da escala. Segundo ele, já seria possível encontrar aparelhos a partir de 60 dólares.

Especialistas que têm analisado o mercado de conversores japonês, com o intuito de delinear as tendências do brasileiro – já que nosso modelo se apóia no nipônico – apresentam dados muito distintos. Existem quatro modelos de conversores de baixo custo (para padrões locais) no Japão, vendidos por cerca de 180 dólares. Três deles foram lançados em meados do ano passado e o preço, até hoje, não foi reduzido.

Em vez de se popularizar, os set-top boxes ganharam funções mais complexas e se tornaram artigos de luxo, restritos a uma pequena parcela da população. Os conversores mais baratos não adquiriram escala, e a maioria dos japoneses tem optado por televisores de tela plana com sintonizador embutido. Em um movimento semelhante, fabricantes como Sony e Samsung anunciaram que, no Brasil, vão vender apenas aparelhos que prescindem de conversor – sequer produzirão set-top boxes. O televisor mais barato, da Philips, custa R$ 7.999.

“Considerando o elevado custo da solução de TV digital aberta para o consumidor brasileiro, os formuladores de políticas poderiam se perguntar o que é mais econômico: continuar em frente ou rever essa decisão que, dia-a-dia se confirma como sendo de alto custo para os cidadãos brasileiros”, Baumgarten conclui.

Sem afobação

“O momento agora é de não ter pressa”, afirma Luiz Moncau, advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). A entidade está preparando um boletim informativo, com orientações sobre as mudanças que vêm com a digitalização.

“A falta de informação é um problema muito grave. Nossa recomendação é para que o consumidor deixe passar essa fase de transição e não se afobe para comprar, pois há chances de o produto não funcionar ou não atender às expectativas”, complementa. Por exemplo, os conversores importados diretamente, que não se adaptam às especificações do sistema brasileiro, podem simplesmente não funcionar.

Moncau afirma também que o Idec está atento em relação à questão dos mecanismos anti-cópia. Segundo a Casa Civil, o presidente Lula decidiria até o final de outubro sobre a adoção ou não dos chamados DRMs. Até agora, não houve uma definição oficial e os conversores foram produzidos sem a especificação de todos os parâmetros. “Se os conversores não permitirem a cópia, vamos tomar uma atitude. Se não há uma nova norma, os conversores não podem simplesmente tirar um direito assegurado por lei”, afirma.

Procurado pela reportagem, o Ministério das Comunicações não se pronunciou a respeito do preço dos conversores ou sobre as especificações técnicas. Informou apenas que se reuniria em breve com os fabricantes. André Barbosa, assessor especial da Casa Civil para as políticas públicas de comunicações, também foi procurado mais de uma vez, mas não quis dar entrevista.

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