Alvéolos da democracia

A tão celebrada interatividade da Internet permite que um número pequeno de pessoas possa ser ouvido por muitos. Um articulista escreve, outros comentam. Um repórter constrói uma notícia, seus leitores dizem o que pensam. Obviamente, isto é possível quando existem canais para isto. Na Internet, a inexistência deles é superada pelos inúmeros blogues, grupos de discussão, comunidades virtuais, páginas pessoais etc.

É impossível pensar, nesta teia atual, a possibilidade de se censurar completamente o fluxo da opinião. É verdade, que existem várias tentativas neste sentido. A mais conhecida é a do controle nacional ou empresarial da liberdade de opinião, exercida no meio eletrônico. Este não tem pátria ou governo, mas depende de recursos econômicos, equipamentos e de políticas de países, sociedades e grupos bem específicos. O mesmo meio vive um paradoxo tecnopolítico de difícil solução e que demanda esforços expressivos de resistência. Países ricos e pobres, de inúmeras orientações, registraram e ainda fomentam tentativas autoritárias deste gênero. Mesmo neste meio, a opinião continua sendo vigiada e controlada, lutando para se libertar de suas amarras.

Escrever e publicar um comentário sobre um artigo guarda relação com as antigas seções de cartas dos jornalões tradicionais. Difere-se profundamente das mesmas, por serem comentários quase sempre imediatos, publicados na íntegra e dirigidos ao autor de um artigo ou, mesmo, à discussão entre os próprios comentaristas. Nas velhas cartas, o endereço era o Jornal, um organismo público ou privado, ou, ainda, um assunto ou polêmica específica. Nos comentários de hoje, fala-se diretamente ao autor sobre o assunto que ele tratou. É verdade que por vezes o ‘tiro’ é dado em várias direções, usando-se do espaço para se falar de si próprio ou de outras pessoas.

Tais comentários, existentes na imprensa empresarial e nanica difundidas pela Internet, consistem em fontes de rara significação para se compreender o mundo mental de classes e segmentos sociais do país. Ao que parece, os comentaristas internéticos são, em sua maioria, jovens de até 40 anos e pertencentes às classes médias. Deduz-se isto, observando-se o acesso que dispõem, seus enfoques e modos de usar a língua portuguesa. Eles são, também, ávidos consumidores de inúmeras mídias e se acham obrigados em dizer o que pensam, sobre o que lêem. O nível de consciência entre eles é muito diversificado, indo desde a militância, passando pela arrogância, a superficialidade e a vontade legítima de retificar e contribuir para o debate.

Existem os ‘profissionais’, e os que colaboram eventualmente em algum assunto ou emoção que lhes são caros. É verdade, que alguns estão ali apenas para dizer não, para reafirmar diuturnamente suas discordâncias. Outros escrevem para complementar ou apenas para reafirmar suas concordâncias parciais ou totais com o que leram. Muitos lêem e alguns, apenas, comentam, e isto é um problema a ser analisado. Os comentaristas podem ser entendidos como co-redatores das notícias que vemos nas versões eletrônicas dos jornalões, ou como críticos dos artigos de fundo da imprensa nanica, transformada em bits. Por que assim se comportam?

Os signos de seus comportamentos remetem diretamente a necessidade de novos canais democráticos, da reconstrução da velha Ágora. O que se vê é que os canais disponíveis são poucos e ineficientes. Esta aceitação dos leitores internéticos de participar, mesmo que nem sempre de modo polido e educado, demonstra como se está longe da construção de uma verdadeira pólis democrática. Nesta, a troca civilizada de argumentos permitiria que se compreendessem melhor os fenômenos da contemporaneidade.

Não se acredita que a Internet seja o lócus único desta democratização da informação e da argumentação. Ela é apenas um meio de comunicação, poderoso, sem dúvida, mas, como os demais, cheio de limitações. Pensa-se que a Ágora real é a das ruas, dos locais de trabalho e de estudo, a do diálogo direto entre as pessoas. Os parlamentos, nos três níveis da governabilidade, estão muito longe de oferecer às pessoas os meios necessários para que troquem informações e argumentos. Sem esta troca, a democracia não tem chance de se consubstanciar entre as maiorias da população.

A imprensa nanica, sobretudo a veiculada pela Internet, preenche alguns alvéolos dos pulmões da democracia formal brasileira e do mundo contemporâneo. Entretanto, não é capaz de fazer que funcionem à plena capacidade. Mesmo que aumentemos cada vez mais a audiência, algo ficará faltando. Isto tem que ser buscado em toda parte da vida real, onde exista alguém pronto para falar, escutar, debater e concluir. Os que escrevem artigos desejam, se possível, ajudar nos debates, desde uma simples conversa até uma manifestação pública mais efetiva.

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