O limite (quase) intransponível dos 1.839.083

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número acima correspondia, em abril de 2007, a 1% da população brasileira.


O cinema nacional costuma ser dividido em antes e depois de Collor, que acabou com a Embrafilme e deixou o país por anos sem conseguir exibir um único filme. Carlota Joaquina, de Carla Camurati, lançado em 1994, é considerado o primeiro longa-metragem da retomada. Nestes últimos 13 anos, de acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), apenas 16 películas brasileiras conseguiram ultrapassar a marca dos 1% da população em público pagante. O filme mais visto na retomada (“Os dois filhos de Francisco”) vendeu em ingressos o equivalente à 3% do total de brasileiros.

Para que uma peça de teatro alcançasse 1% da população ela teria que lotar um auditório de 300 pessoas, de segunda a domingo, durante mais de 16 anos ininterruptos.

No site da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) descobrimos que os cinco maiores periódicos do Brasil têm um público leitor somado de cerca de 0,7% dos moradores do Brasil. Já a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER) afirma que as três maiores revistas semanais vendem juntas exemplares suficientes para 1,01% dos brasileiros.

A Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) divulga apenas o nome  dos mais vendidos e não a quantidade dos respectivos CDs. Mas, a imprensa especializada informou que o Padre Marcelo (o campeão no ranking da ABPD em 2006) vendeu 867 mil CDs, ou o equivalente a menos de 0,5% dos brasileiros.

Segundo a Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA), o Brasil possui hoje 4,9 milhões de residências que assinam algum serviço de TV. Admitindo a média de 3,4 pessoas por casa (de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar – PNAD – realizada pelo IBGE em 2006), seriam algo em torno de 16,6 milhões de pessoas com acesso a TV paga, ou aproximadamente 9% do total de nossa população. O canal mais assistido (segundo o IBOPE) é o TNT, com cerca de 17% de raiting. No contingente de brasileiros, o TNT alcança em média 1,5%.

Infelizmente, não foi possível fazer este mesmo tipo de levantamento para a venda de livros, um dos mercados menos transparentes do campo da comunicação. Mas, a pesquisa “Economia da cadeia produtiva do livro”, de Fábio Sá Earp e George Kornis, revela que 51% dos exemplares são reservados para compras institucionais, quase sempre livros escolares. Apenas 49% são adquiridos em livrarias.

Um país para (muito) poucos

A conclusão deste rápido levantamento é mais do que óbvia: o Brasil é um país feito para uma minoria extremamente reduzida. E poucos são os produtos culturais que conseguem ultrapassar a barreira de 1% de nossa população. O brasileiro médio (talvez mais de 90% da população) não vai ao cinema, não lê jornais e revistas, não tem TV paga, não freqüenta o teatro e não compra CDs e livros.

Mas, podemos arriscar ainda duas outras conclusões.

Só a radiodifusão (TV aberta e rádio) consegue dialogar com a grande maioria de nossa população. Seu alcance (e conseqüentemente seu poder), quando comparado com as demais mídias, é avassalador. A TV está presente em 91,3% dos domicílios e o rádio em 87,9% (PNAD 2006). De acordo com a pesquisa “Os donos da mídia”, realizada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), em 2001, apenas a TV Globo possui uma audiência média de 54% dos aparelhos ligados. Sua presença é relativamente homogênea em todas as classes sociais e em todas as regiões geográficas. Em uma sociedade de massas, a interlocução passa principalmente pelos processos midiáticos e no Brasil eles têm um único nome: Globo.

Os músicos, compositores, atores, atrizes, diretores, escritores… que produzem a cultura mainstream têm um público reduzidíssimo. E isso explica uma série de coisas. Em primeiro lugar, a dependência (inclusive ideológica) destes artistas em relação à Globo, que seria a única porta de entrada para o Brasil que fica além da barreira dos 1%. Em segundo lugar, a dependência de verbas estatais, uma vez que estamos falando de um público consumidor tão reduzido que não chega nem mesmo a viabilizar a sustentação de mercado dessa produção. Por fim, ainda que não seja a única causa, o fato da produção cultural mainstream depender simultaneamente de uma única empresa e do Estado, talvez ajude a explicar o caráter conformista e pouco crítico da grande maioria do seu conteúdo.

* Gustavo Gindre é membro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

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