Os riscos do financiamento à TV digital

O governo anunciou que irá financiar a implantação da TV digital no Brasil. Através do BNDES, o Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (ProTVD) terá disponível cerca de R$ 1 bilhão para apoiar três linhas de crédito: fornecedor (empresas de equipamentos), radiodifusão (para as emissoras) e conteúdo.

As regras destes financiamentos ainda não estão totalmente claras, mas já podemos especular alguns problemas que o BNDES deverá enfrentar. Vejamos:

O ProTVD Radiodifusão financiará a compra de equipamentos digitais para as emissoras privadas de televisão. Muitas destas emissoras, contudo, estão com as concessões vencidas há anos. Outras são de propriedade de parlamentares (o que a Constituição Federal proibe) ou de seus familiares. O BNDES irá financiar estas emissoras? Ou seja, dinheiro público será utilizado para financiar as emissoras dos Sarney, dos Collor, da família do finado ACM, de Jader Barbalho, Albano Franco, Renan Calheiros e Wellington Salgado de Oliveira, entre tantos outros políticos donos de emissoras?

Segundo levantamento do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), 145 emissoras de televisão tiveram suas outorgas vencidas até 2006. A outorga da Rádio e Televisão Espírito Santo, por exemplo, venceu em 1991 e a da RBS TV Bagé expirou há quase 19 anos. Novamente surge a pergunta. O governo pretende financiar com recursos públicos as emissoras que utilizam o espectro eletromagnético sem que tenham uma concessão em dia?

Produção independente pero no mucho

O ProTVD Conteúdo emprestará dinheiro a juros menores para produtores independentes. Peguemos, então, um caso concreto e ilustrativo da situação de vários outros diretores e atores de televisão. Daniel Filho foi durante 40 anos o todo poderoso da TV Globo. Coordenou, criou, produziu, dirigiu ou atuou em quase tudo o que a Globo lançou entre a década de 60 e os anos 90. Atualmente, Daniel Filho dirige seus próprios filmes e produz vários outros, todos para a Globo Filmes. Mais do que isso, é ele que dá o aval para que a empresa dos Marinho investa em uma produção cinematográfica. Ocorre que Filho, como uma série de outros nomes da televisão brasileira, é contratado através de sua produtora "independente": a Lereby Produções.

O BNDES terá condições técnicas e políticas de separar o que é realmente uma produtora independente daqueles funcionários das principais emissoras de TV que trocam o vinculo de pessoa física pelo de pessoa jurídica? Ou o BNDES irá financiar indiretamente, e com juros subsidiados, as principais redes de televisão do país, através de seus funcionários? O dinheiro público servirá para desconcentrar a produção (inclusive regionalmente) ou, pelo contrário, para aumentar ainda mais o oligopólio privado dos meios de comunicação?

Infelizmente, ao que tudo indica, o ProTVD será mais uma forma de transferir dinheiro público para as emissoras privadas. Digo mais uma porque o país já assistiu a farra do subsídio das transmissões via satélite (nos tempos da Telebras), de anúncios do Estado, de dinheiro ilegal (vide caso Time-Life), de concessões para políticos e de renúncia fiscal. O ProTVD seria mais um capítulo nessa novela. A diferença é que este trecho da história está sendo escrito por um governo que foi eleito para mudar o que existia antes.

* Gustavo Gindre é membro do Intervozes e conselheiro eleito do Comitê Gestor da Internet do Brasil.

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