Mais de 90% das emissoras estão com outorgas vencidas

Apenas 3 emissoras operando na capital têm outorgas válidas, de acordo com o banco de dados da Anatel; funcionamento das demais é garantido pela confusa regulamentação e a morosidade dos processos de renovação.

Das 39 emissoras de rádio em Freqüência Modulada (FM) transmitindo para São Paulo e registradas como licenciadas pelo Ministério das Comunicações, apenas 3 têm outorgas em dia, ou seja, dentro do prazo de validade (confira aqui a lista completa). Os dados foram obtidos através de mapeamento do dial FM na capital paulista e o cruzamento destes dados com as informações disponíveis nos Sistemas Interativos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o prazo de concessão para serviço de radiodifusão sonora é de 10 anos e pode ser renovado pelo mesmo prazo por períodos sucessivos. O banco de dados da Anatel, que é também alimentado pelo Ministério das Comunicações, indica casos em que a validade das outorgas venceu há 11, 13 e até 17 anos. Isso significa que, para algumas emissoras, sua concessão já venceu pela segunda vez e está prestes a vencer pela terceira.

Para entender como e por que estas rádios seguem não apenas funcionando, mas funcionando como perfeitamente regulares para os órgãos que administram e fiscalizam a radiodifusão no Brasil – apesar do evidente desrespeito aos princípios constitucionais – , é preciso levar em consideração a realidade caótica da regulamentação do setor.

De um lado, a aplicação da confusa legislação e de regulamentações técnico-administrativas dá suporte legal ao funcionamento em caráter precário destas emissoras enquanto os pedidos de renovação não passarem por todos os procedimentos legais. De outro, compete a favor da operação sem contestação de emissoras sem condições de funcionamento o fato de que, em média, os procedimentos legais levam mais de 7 anos para serem concluídos, de acordo com o relatório da Sub-Comissão Especial de Concessões da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI). Destes, 6,5 anos dizem respeito apenas à passagem do processo pelo Executivo.

Legislação

Desde a promulgação da Constituição em 1988, a outorga de novas concessões e sua renovação devem ser solicitadas ao Ministério das Comunicações, passar pela aprovação da Presidência da República e ser apreciadas pelo Congresso Nacional. Com isso, o ato de outorga ou renovação só passa a ter validade legal depois de aprovado pelo Congresso.

Considerando que a legislação obriga as emissoras a entregar ao MC a solicitação de renovação pelo menos 120 dias antes da data de vencimento da outorga, este processo deveria ocorrer em, no máximo, 120 dias. Como já se viu, o prazo é muito maior. Há casos, como relatam assessores da CCTCI, de processos que saem do Executivo 14 anos depois de abertos, ou seja, 4 anos depois de vencido o prazo que deveria ter sido renovado.

Para seguir funcionando, as emissoras refugiam-se nos decretos que regem os processos de renovação, todos anteriores à Constituinte. O artigo específico é o 9º, do Decreto 80.066/1983, que diz: “Caso expire a concessão ou permissão, sem decisão sobre o pedido de renovação, o serviço poderá ser mantido em funcionamento, em caráter precário (…)”.

A previsão da precariedade, sem qualquer prazo ou limite, conflita com o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, que em seu artigo 36 afirma que "expirado o prazo de concessão ou autorização, perde, automaticamente, a sua validade a licença para o funcionamento da estação". Além disso, ela esconde os efeitos práticos da morosidade dos procedimentos administrativos e pode, ao mesmo tempo, dar guarida a estratégias propositais, por parte das emissoras, para atrasar a conclusão dos processos.

Casos específicos

É difícil, pelas informações disponíveis nos Sistemas Interativos da Anatel, saber a situação de fato de cada processo. A avaliação de casos específicos exigiria a solicitação ao Ministério das Comunicações das informações sobre cada um deles, inclusive para descobrir se para cada uma das outorgas há, de fato, o pedido formal de renovação. Este é um dado que não é dominado sequer pelos funcionários que lidam diretamente com os processos. Informações da Coordenação de Radiodifusão – Região Sudeste, do MC, dão conta de que só agora se está buscando saber se há pedidos de renovação de todas as entidades outorgadas. A inexistência do pedido levaria a imediata perempção da concessão, ou seja, ao fim da validade da outorga.

Nos casos em que o prazo de validade já tenha expirado pela segunda vez, a entidade deverá, em tese, ter enviado ao Ministério um segundo pedido de renovação. Isso porque cada processo é retroativo à data de expiração da outorga. Por exemplo: um processo referente a uma concessão válida até 1996 que seja encerrado agora estipula que a emissora tinha permissão para operar até 2006. Apesar de soar absurda (a aprovação de uma concessão já vencida), esta é a regra.

Incongruência

O descompasso entre os prazos legais e os prazos administrativos é apenas a mais básica incongruência dos processos relativos às concessões. A mais profunda diz respeito ao fato de que, na realidade, o funcionamento precário das emissoras ad eternum burla o princípio constitucional da co-participação de Executivo e Legislativo na outorga do direito de transmitir informações pelo espectro eletromagnético.

Se, para seguir funcionando, uma emissora não precisa que o processo previsto na Constituição chegue ao fim, o que vale na prática é o simples ato de protocolar um documento em que solicita a renovação. E, se o Ministério das Comunicações, por sua morosidade ou incompetência, não dá seguimento os processos de renovação das outorgas, ele passa, na prática, a invadir a competência do Congresso Nacional, possibilitando às emissoras funcionarem sem terem a sua concessão renovada.

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