Mesmo sem critérios para testes, Costa quer definir por Iboc

Reunião do Conselho Consultivo de Rádio Digital realizada na manhã desta quarta-feira em Brasília apresentou informações e decisões desconexas. Representantes da sociedade civil presentes informaram que o Ministério das Comunicações tem interesse em terminar o mais rápido possível suas análises sobre o tema, emitindo relatório para que a Casa Civil referende a adoção do padrão norte-americano de rádio digital. 

Contando com aproximadamente 30 participantes, a reunião começou sem pauta, sem a presença de Helio Costa, ministro das Comunicações, e esteve focada na ausência de resultados de testes com os padrões existentes. “Consideramos fundamental a definição de critérios para estes testes, que devem ser construídos publicamente, através de consultas públicas realizadas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que até o momento só foram abertas para o padrão IBOC AM”, coloca Bráulio Ribeiro, representante do Intervozes na reunião.

Com a chegada do ministro, a discussão passou a girar em torno da possibilidade de produção de um relatório, pelo Ministério das Comunicações e dirigido à Casa Civil, sobre o tema. Apesar de o representante da Anatel ter afirmado que o prazo de 30 ou 60 dias estabelecido pelo ministro era inviável para a realização dos testes criteriosos, Costa afirmou que um prazo maior não era necessário, uma vez que para o FM só existe a solução HDRadio da iBiquity, padrão conhecido como IBOC e que, da mesma forma, para transmissão em Ondas Curtas AM, a única opção é o europeu DRM (Digital Radio Mondiale), enquanto para as Ondas Médias em AM (nosso AM convencional) novamente a solução é o sistema IBOC. Em seguida, Costa solicitou que as emissoras apresentassem o resultado dos testes em 30 dias, mesmo que não existam critérios para avaliá-los e compará-los.

As opções

A única opção considerada pelos grandes radiodifusores nacionais é a estadunidense HDRádio, da empresa iBiquity, que mesmo nos EUA não tem tido adesão maciça. O padrão é proprietário e a iBiquity não tem a intenção de liberar dados técnicos do sistema de modulagem para testes da indústria nacional, questão que gerou polêmica na reunião.

O modelo DRM, construído de forma não proprietária, chama atenção como solução para a transmissão em Ondas Curtas. Apesar de estar em desenvolvimento, pouco se fala na possibilidade de usar a base do sistema como solução para o FM. Para Marcus Manhães, engenheiro do CPqD, é possível que universidades e empresas nacionais desenvolvam este sistema. “Não existe limite de tecnologia. O IBOC é apenas uma solução de interação. O grande problema é que está voltada para um negócio de rádio como historicamente já temos, mantendo a estrutura de radiodifusão por não oferecer opções de serviços ou por não utilizar melhor o espectro”, coloca Manhães, ao tecer críticas à escolha de qualquer modelo que considere o rádio digital apenas como uma forma de melhorar a qualidade do sinal. “Mas era esperado. Aqui no Brasil os radiodifusores são negócios de família, mas é um momento em que pode haver uma quebra de paradigma, pois a relação com o meio muda, mas se depender dos radiodifusores nada mudará”, afirma o engenheiro.

Os radiodifusores, por sua vez, defendem abertamente o IBOC. “Defendemos o padrão IBOC porque é um sistema que opera em AM e FM na mesma banda e na mesma freqüência. Assim, você tem uma facilidade de transmissão inigualável. É o único que atende a esses pré-requisitos”, afirma Daniel Slaviero, o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Não há, entretanto, posição quanto a testes ou estudos dos outros três sistemas em desenvolvimento, o FM Japonês, um sistema FM europeu e o sistema “FM Extra”, estadunidense. Soluções como o uso da tecnologia Wi-max também não estão sendo consideradas.

Afinal, e os testes?

Os testes que Costa pede que sejam entregues dentro de um mês para a Anatel estão sendo realizados por em torno de 20 rádios – o Ministério afirma que são 21, mas a Abert diz que são 16 – em HD Rádio AM e FM, todas nas regiões metropolitanas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Porto Alegre. As únicas emissoras que irão testar o sistema europeu Digital Radio Mondiale (DRM) em ondas curtas (OC) são a Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) e a Radiobrás.

Apesar das autorizações para testes, a Anatel prevê que só no fim deste ano sejam definidos critérios técnicos para o padrão HD Rádio AM, neste momento em consulta pública. As propostas de critérios para o sistema HD Rádio FM e DRM AM estão sendo construídas pela agência e sequer entraram em consulta pública, mas é certo que entre os critérios que deverão ser adotados estão o uso da banda e a qualidade do sinal.

O pesquisador do CPqD Takashi Tome ressalta, no entanto, que é fundamental realizar um teste completo com ambos os padrões, como ocorreu durante a escolha do padrão de TV Digital. Bráulio Ribeiro, do Intervozes, aponta que as diferenças se estendem para o processo participativo, “restrito a algumas audiências públicas e a três reuniões com pautas fragmentadas e sem estudos ou grupos de trabalho”. 

Por que a pressa ou tragédia programada?

Argüido durante a reunião de 1 de agosto sobre a necessidade de análises mais sólidas, Costa afirmou que “o rádio digital vai passar rigorosamente pelos mesmos procedimentos da TV digital”, e que, “teremos os mesmos estudos que tivemos no caso da televisão”. Surgem então duas questões: por que motivo os resultados têm de sair depois da definição de um padrão e por qual motivo o padrão tem de sair tão rápido. Fato é que Portaria publicada no Diário Oficial da União, em 14 de março estabeleceu um prazo de seis meses, ou seja, até 14 de setembro, para que o Conselho Consultivo apresente ao Ministério o relatório final, com a decisão sobre o modelo a ser adotado no país.

É questionável, porém, que depois de somente três reuniões e em um mês tal Conselho possa produzir um relatório que se torne referência para a adoção do sistema de rádio digital no país. Além disso, há a dificuldade da indústria de transmissores nacional de realizar testes. O representante da Telavo na reunião reivindicou uma atenção ao setor por parte do Ministério das Comunicações, uma vez que a iBiquity não liberou os padrões de modulação do HDRadio, impedindo o início dos testes por parte da indústria nacional. A resposta de Costa, por sua vez, foi ambígua: num primeiro momento não deu crédito à posição do representante da indústria, para em momento posterior pedir que industriais e representantes da iBiquity sentassem e chegassem a um acordo.

Fazendo coro ao Ministério, Slaviero, da Abert, afirma que “a questão do padrão já está muito madura para decisão. Não há outra opção. Para o sistema AM e FM o único padrão no mundo disponível é o padrão IBOC, assim como a questão das ondas curtas o único padrão disponível é o DRM. Esta questão do padrão está absolutamente madura para que o governo dê prosseguimento interno e possa tomar a decisão. Os relatórios vêm só contribuir no seguinte sentido: se a cobertura digital está maior, igual ou menor que a analógica. Não vêm necessariamente argumentar ou questionar a qualidade do padrão”.

A política do fato consumado

A defesa dos radiodifusores também está ancorada em gastos já realizados na compra de transmissores, como é repetidamente colocado nos fóruns de área. Costa aponta na mesma direção: “essas empresas já estão investindo na possibilidade de que o modelo venha ser o americano. Se escolhermos pelo modelo americano, elas partem para comprar o transmissor. No espaço de um ano, as emissoras brasileiras deverão estar praticamente todas engajadas na transmissão digital. As indústrias já disseram que, em quatro meses, têm condições de colocar o transmissor, parte importado, parte nacional, no mercado”.

Resta saber quem pagará a conta da transição, dispendiosa para rádios de pequeno porte e para a indústria. Embora sem dar detalhes, Costa afirmou que a iBiquity se propôs, através de carta, a abrir mão dos royalties sobre sua tecnologia. “Falta esclarecer, porém, qual o prazo e quais os critérios que serão adotados para tal, para que não sejam beneficiadas somente as grandes rádios”, coloca Ribeiro. Da mesma forma, faltam detalhes na proposta de financiamento público para a compra de transmissores, já lançada pelo ministro em ocasiões anteriores. No caso da TV digital, paradigma que deve ser adotado, as linhas de fomento são de difícil acesso para pequenas emissoras.

Com o açodamento do processo, perde a democracia. Manhães, do CPqD, coloca que, com a digitalização nos modelos que têm sido discutidos, em especial o HD Rádio, a tendência é que haja uma diminuição no número de atores no espectro. “Para quem defende a questão da democratização da radiodifusão é preciso estar atento que a sociedade brasileira se beneficia desse processo. Uma digitalização muito severa, em termos financeiros, é algo que enfraquece o radiodifusor pequeno, pois o modelo de negócios da radiodifusão sonora é crítico, principalmente e para as emissoras menores”.

* Nota da redação: o repórter busca contato há dez dias com o Ministério das Comunicações e os representantes da Ibiquity no Brasil. Até o momento só houve resposta do Ministério, solicitando prazo maior para poder atender a pedidos de entrevista.

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