Avanço tecnológico coloca em xeque o futuro dos CDs

O avanço da tecnologia digital tem colocado de cabelos em pé a indústria fonográfica e ao mesmo tempo torna cada vez mais incerto o destino dos CDs, tão novos e já tão obsoletos. Outra incógnita é quanto ao formato do mercado musical. O futuro abre suas janelas repletas de possibilidades. Mas as empresas tradicionais parecem ainda ignorar o fato, insistindo em agarrar o velho passado nos dentes.

O CD oferece pouco espaço de armazenamento, e ocupa bastante espaço físico, tornou-se uma mídia ineficiente comparado ao que existe hoje. Segundo o advogado Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ, e representante do Creative Commons Brasil, as novas tecnologias estão pondo fim à intermediação em vários setores e, obviamente, isso atinge a música. Uma amostra contundente de que a era dos discos está próxima de seu derradeiro fim veio com a falência, em 2006, da Tower Records, maior rede americana de lojas de CDs.

A cadeia de discos foi leiloada e arrematada por US$ 134 milhões, pela empresa Great American Group, que logo em seguida anunciou o fim da rede. Segundo informou na época o site americano de música Pollstar, 3 mil funcionários das 89 lojas espalhadas em 20 estados americanos foram demitidos. “Há uma grande transformação no mercado da música. O que falta é inovação, experimentação, é preciso descobrir novos modelos de negócios”, observa Lemos.

Novos modelos
Uma pesquisa divulgada recentemente, realizada pelo Datafolha para a agência de publicidade F/Nazca & Saatchi, sobre músicos brasileiros mais ouvidos atualmente, apresenta resultados curiosos que reforçam a certeza de que mudanças estão em curso. 2.166 pessoas foram entrevistadas sobre suas preferências musicais. Na liderança do ranking, um empate técnico chama atenção: a banda paraense de tecnobrega Calypso, às margens da grande indústria, ao lado de Zezé de Camargo e Luciano.

“Existe mercado para quem adotou a inovação como modelo de negócio”, salienta Lemos. Para ressaltar sua afirmação, ele cita o caso do músico americano Prince. “Desde o começo dos anos 90, ele tem experimentado formas diferentes de viabilizar seu trabalho”. A mais recente foi a distribuição gratuita de seu novo álbum, Planet Earth [Columbia] em um jornal britânico. Não se sabe quanto ganhou, mas sua temporada de shows em Londres já está com ingressos esgotados. “Para que o artista seja viável no cenário atual precisa chegar até seu público, ser popular”. Prince percebeu isso.

O cerco à velha indústria musical está cada vez mais apertado, e não é de hoje que isso ocorre. Um projeto de lei, desde 2003, reivindica a criminalização da prática do jabá. Dispensável dizer, mas, se alguém não souber, trata-se de pagamento para execução de músicas em rádio e TV. Uma prática corrupta enraizada na grande mídia que sufoca a criação, e que corre na contramão das transformações sinalizadas pelos avanços tecnológicos. O PL de autoria do deputado Fernando Ferro [PT-PE] acabou por inspirar um grupo de artistas que aderiu à causa criando o Movimento pelo Fim do Jabá, o Jabásta, que, entre outras atribuições, faz coro pela aprovação do projeto.

Para a cantora carioca Bia Grabois, uma das fundadoras do Jabásta, o lucro das empresas do setor musical precisa ser compatibilizado com o interesse do público. Questionada se uma lei poderia acabar com o jabá, em face das carências brasileiras – tão conhecidas, no combate à corrupção, ela reconhece que não. “Seria ingênuo acreditar que uma disposição legal seria suficiente para eliminar um problema que existe há décadas, mas é um marco importante que expressa o repúdio da sociedade a este crime”. Grabois defende que o mais importante é conseguir levar esse debate ao conhecimento do público. O projeto aguarda votação no Congresso.

Vaias e aplausos
Pressão semelhante às gravadoras veio por outro projeto de lei, neste caso, fruto da histórica demanda pela numeração de CDs. Em vigor desde abril de 2003, ela tem o propósito de quantificar o produto que vigora nos contratos, para evitar possíveis adulterações. Uma batalha de décadas, que teve como um de seus principais protagonistas o músico e compositor Lobão, que recentemente optou por abandonar a cena independente e, sob vaias e aplausos, retornar ao mainstream.

Ele conta que em 1989 houve uma última articulação coletiva envolvendo nomes de peso como Chico Buarque, Caetano Veloso, Cazuza, Renato Russo, entre outros, e que resultou em uma ação, no ano seguinte, junto com a então deputada Tânia Soares [PCdoB–SE], que mais tarde seria a autora do projeto de lei. “Houve um súbito recuo por parte da grande maioria dos artistas contratados, criando uma atmosfera de discordância, intimidações, ameaças, articulações nos setores do governo. Teve até uma negociação com o gabinete da Casa Civil onde o andamento do projeto ficou condicionado a minha ausência. James Bond perdia nessa”, declarou Lobão.

O bloco que articulou a campanha em torno da idéia teve a participação da vereadora Soninha Francine [PT-SP]. Ela promoveu debates em seus programas na TV, escreveu sobre o assunto, comentou em entrevistas. Em suas próprias palavras procurou ajudar a formar um “caldo” a favor. “Foi uma tentativa de acabar com a clandestinidade ‘oficial’, isto é, a falta de controle por parte dos artistas da venda de CDs efetivamente lançados pelas gravadoras”.

Por outro lado, ela também chama a atenção para o novo cenário que se forma, no qual, cada vez mais, surgem outras maneiras de vender ou distribuir música. “É preciso saber como explorar esses novos meios, celular, internet, rádios e TVs digitais, comunidades virtuais, quer se esteja ligado a uma gravadora, quer não. E há muita gente que não está preocupada com a venda de música, seja no suporte que for, acreditando que essa é uma maneira de divulgar o trabalho para poder ganhar dinheiro de outro jeito – com shows, por exemplo”, conclui a vereadora.

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