Proposta do governo gera tensão com TVs do ‘campo público’

BRASÍLIA – Em maio, o governo federal promoveu o I Fórum Nacional de TVs Públicas, que reuniu emissoras educativas, comunitárias, universitárias e legislativas para discutir as bandeiras do que se convencionou chamar de “campo público de televisão”. Na ocasião, a proposta de uma emissora patrocinada pelo governo federal dominou as atenções a despeito do esforço anterior de enxergar os desafios dos quatro segmentos que compunham o campo. Ao final do encontro, o silêncio do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, designado por Lula para cuidar da empreitada, serviu de alerta sobre a disposição do governo federal em manter este olhar mais amplo e não se restringir em estrutura apenas à emissora então em estudo.

Dois meses depois do Fórum, pela primeira vez, o governo convocou as entidades para uma reunião. Realizado na última sexta-feira (20), o encontro confirmou as suspeitas decorrentes da postura de Martins e foi centrado em uma exposição do secretário e de outros membros do Grupo Executivo sobre as propostas para o funcionamento da, agora já batizada, TV Brasil.

Conforme já adiantado em outras ocasiões pelos representantes governamentais, a idéia é construir uma rede capitaneada pela emissora oriunda da fusão das estruturas da Radiobrás, que hoje opera a TV Nacional em Brasília, e da TVE, ambas ligadas ao Executivo Federal.

Segundo Roberto Garcez, presidente da Radiobrás, a TV teria essencialmente um papel editorial ao constituir uma grade nacionalizada de cerca de 10 horas, formada tanto por conteúdo próprio quanto por programas de outras emissoras da rede. “Se nós não tivermos uma rede nacional simultânea, não teremos escala para sermos apreciados ou criticados nacionalmente”, argumentou Martins, para explicar a importância da grade nacional.

As emissoras educativas que decidissem aderir à rede deveriam veicular esta estrutura básica, adicionando mais quatro horas de programação local e outras quatro de produção independente. Dada a dificuldade de conseguir padronizar este processo, o governo apontou para o estabelecimento de formas variáveis de envolvimento e parceria. Ou seja, cada emissora poderia aderir ao quadro de programas que fosse de seu interesse, mas caso não queira veicular todas as 10 horas nacionais também poderá fazê-lo sem deixar de pertencer à rede.

A contrapartida, segundo o governo, viria na própria programação, já que várias educativas não conseguem preencher a sua grade, e em auxílio financeiro para a migração à tecnologia digital. Em troca, além de veicular a grade nacional a emissora também deveria realizar ajustes na sua gestão. “Devemos aproveitar esse caldeirão de discussão para impor nos estados uma mudança no modelo de gestão. Se nós conseguirmos avançar, teremos mais elementos para resistir a pressões políticas locais”, disse o ministro Franklin Martins.

Reação
A reação dos participantes da reunião foi diversa. Enquanto os representantes das emissoras educativas consideraram o espaço positivo por significar o primeiro momento institucional de diálogo após o Fórum de TVs Públicas, os representantes das TVs universitárias, legislativas e comunitárias questionaram o foco na estruturação da TV Brasil. Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec), a proposta do governo ainda é “insuficiente” e precisa ser melhorada a partir de um compartilhamento maior de poderes.

As emissoras querem, por exemplo, que a adesão plena tenha como contrapartida uma participação efetiva na gestão da rede. Ou seja, enquanto o governo quer, através da TV Brasil, influenciar na gestão das emissoras educativas, estas querem um movimento contrário, no qual a rede deveria ser porosa à sua incidência, especialmente na decisão sobre a programação.

Segundo Jorge da Cunha Lima, ex-presidente da Abepec e presidente do Conselho da Fundação Padre Anchieta, que gere a TV Cultura de São Paulo, é preciso avançar em um esqueleto de programação da rede pública com faixas temáticas de acordo com determinados horários. Se uma emissora não for transmitir um programa da grade nacional, ela pode optar por veicular produção local, mas respeitando o tema de cada faixa.

Para aprimorar as hipóteses levantadas e as sugestões ao conteúdo exposto pelo governo, a Abepec criou um grupo que irá apresentar uma proposta de formatação da rede em 15 dias. Entre as falas dos representantes das TVs educativas ficou o recado da busca de uma cooperação maior. “O Grupo Executivo deve acreditar de verdade na capacidade dos estados de contribuir, pois quem conhece a realidade destes estados são as emissoras que estão lá. Daqui do Planalto é difícil entender e pode virar obra de ficção”, sugere Antônio Achilis, presidente da Rede Minas e da Abepec.

Isso inclui apreender a diversidade destas TVs. Em alguns casos, a simples oferta de conteúdo feita pelo governo será já um atrativo pela baixa produção própria, mas em casos como os da TV Cultura ou da Rede Minas, já há quase 10 horas de produção feitas nas próprias emissoras sendo veiculadas hoje.

Outro aspecto que deve influenciar é a relação entre os palácios do Planalto e estaduais. Embora todos neguem, praticamente nenhuma emissora educativa mantém total independência dos respectivos Executivos. E para alguns governadores, a manutenção da hegemonia nas informações veiculadas pelas emissoras tende a ser mais importante do que passar a veicular a programação da TV Brasil.

Patinhos feios
O debate quase exclusivo sobre os papéis do governo e das emissoras educativas na rede capitaneada pela TV Brasil gerou reações dos representantes das outras entidades presentes.

“Fomos chamados para uma reunião mais ampla sobre como seria o campo público, mas o que vimos aqui foi uma apresentação sobre a TV Brasil, com uma estrutura verticalizada que vamos tentar nos encaixar”, diz Paulo Miranda, da Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM). Segundo ele, o governo apenas ofertou a programação que será criada para quem quiser retransmitir e se mostrou contrário a estender os subsídios financeiros também às outras emissoras. “Estas TVs, por enquanto, não terão nenhum apoio do governo, nenhuma linha de financiamento. As TVs comunitárias continuarão como estão, sucateadas e sem recurso”, acredita.

Para Rodrigo Lucena, da Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas (Astral), está se perdendo a possibilidade de resolver a situação complexa do campo público. “Poderia construir-se um marco regulatório que estabelecesse todas as categorias de televisão, o que poderia resolver problema das várias emissoras. Mas não se fala mais nisso”, disse.

Integrantes da Associação Brasileira de Televisões Universitárias (ABTU) não quiseram se pronunciar, mas esboçaram descontentamento pelo desprestígio dentro do governo das emissoras que não aquelas em condição de constituir a rede da TV Brasil. Frente às cobranças, o governo teria respondido que isso “um dia” será discutido.

O silêncio de Franklin Martins no encerramento do Fórum de TVs Públicas falou alto e a reunião da última sexta-feira mostrou que aquela pioneira experiência corre o sério risco de integrar um quadro de ações que ficam nas boas intenções do governo. Ou seja: contam pra demonstração formal do caráter democrático da administração federal mas podem ficar no caminho, por significarem o fortalecimento dos setores marginais da concentrada realidade da televisão brasileira.

* com informações da Agência Brasil.

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