Só 30% das famílias americanas têm TV digital

Quando vejo o que acontece nos Estados Unidos, 9 anos depois de iniciada a introdução da TV digital, penso que devemos ser mais realistas em nossas projeções sobre o que pode acontecer no Brasil. Por mais entusiastas e otimistas que sejamos quanto à digitalização, é bom considerarmos que sua introdução no Brasil será um processo lento, que exigirá de 10 a 15 anos para alcançar a maioria dos domicílios. Isto se considerarmos apenas a mera recepção do sinal digital a partir de um conversor.

Vale a pena refletir sobre os dados da pesquisa divulgada no final de junho pela entidade que representa a indústria, a Associação Americana de Eletrônica de Consumo (Consumer Electronics Association ou, simplesmente, CEA). Ela mostra que, até agora, só 30% dos domicílios americanos dispõem de um televisor capaz de receber sinais digitais. Isso significa que 70% dos televisores dos Estados Unidos ainda são analógicos, mesmo depois de 9 anos de transmissões regulares de TV digital.

Ainda assim, a agência reguladora das comunicações, a Federal Communications Comission (FCC) mantém o prazo de encerramento das transmissões analógicas em fevereiro de 2009.

O estudo, que tem o título de Alta Definição: Você tem o televisor, mas não tem conteúdo, mostra que apenas 44% dos domicílios que dispõem de televisores digitais estão recebendo regularmente programação em alta definição (High Definition TV ou HDTV). A maioria, portanto, não recebe e alega, entre outras razões, o alto custo dos pacotes de programas na TV a cabo ou a falta de interesse na alta definição.

O mais surpreendente, no entanto, é a resposta de alguns proprietários de televisores digitais que dizem não saber exatamente se estão ou não recebendo programas de alta definição, na TV aberta. Por outras palavras, há telespectadores que não identificam a HDTV nem quando vêem as imagens de um programa.

Comentando a pesquisa, Joe Bates, diretor da CEA, afirma que o telespectador precisa ser continuamente informado e educado sobre a tecnologia, suas características, suas vantagens e o modo de utilizá-la. Muitos ainda não entendem o que significa alta definição nem tiveram a oportunidade de sentir a experiência total de alta definição, que os especialistas chamam de “full HD experience”.

O estudo também revela as duas razões principais que levam o consumidor americano a tomar a decisão de comprar um televisor de alta definição. A primeira delas, imaginem, é melhorar ao máximo o visual dos videogames. A segunda é dar nova vida aos filmes.

Segundo a CEA, de cada 100 proprietários de HDTV, 66 recebem seus programas via TV a cabo, 27 via satélite, 8 pela atmosfera, 3 via fibra óptica e os 3 restantes pela internet.

No Brasil, a popularidade da TV aberta pode ser medida pela presença do televisor em mais de 94% dos domicílios do País – uma penetração até um pouco superior à dos Estados Unidos. Já a TV por assinatura não alcança sequer 10% dos lares brasileiros, mesmo com o crescimento expressivo dos últimos dois anos.

O longo tempo de maturação da TV digital em todo o mundo e, em especial, nos Estados Unidos deve servir de alerta e de lição para o Brasil. E é bom lembrar que os países desenvolvidos têm tudo para acelerar a universalização da HDTV. Basta lembrar que a renda per capita do cidadão americano é quase 8 vezes superior à dos brasileiros.

Vale lembrar, também, que a introdução da TV digital ocorreu nos EUA, em 1998, tendo como grande motivação a HDTV, isto é, o salto de qualidade das imagens. Naquela época, nem indústria nem emissoras manifestaram interesse noutras características da TV digital, como a interatividade e a mobilidade. O único propósito era oferecer a HDTV como algo mais ao telespectador da TV aberta e gratuita. Mas essa estratégia de valorização da TV aberta não está funcionando como se esperava.

O sistema nipo-brasileiro de TV digital escolhido e adotado no Brasil é muito mais ambicioso do que o dos Estados Unidos. Desde o início das discussões, o País exigiu que a tecnologia digital proporcionasse tanto a alta definição como a interatividade e a mobilidade.

Alta definição significa imagens da melhor qualidade possível, com mais de 2 milhões de pixels. Interatividade possibilita a intervenção do telespectador, respondendo a pesquisas, votando e acessando novos serviços, como os de comércio eletrônico e governo eletrônico. Mobilidade, por sua vez, quer dizer viabilidade de recepção de TV em veículos ou no telefone celular.

O Brasil tem a seu favor hoje muito maior disponibilidade e maturação da tecnologia do que os Estados Unidos de 1998, quando introduziram a TV digital. A tudo isso se soma a paixão avassaladora pela TV aberta e gratuita. O grande limitador, no entanto, é o baixo poder aquisitivo de sua população.

Será que teremos melhores resultados que os Estados Unidos?

* Copyriht O Estado de São Paulo.

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