Conferência de Comunicação vai discutir modelo para o país

Mais de 250 pessoas, de 20 estados diferentes, participaram nos dias 21 e 22 de junho, em Brasília, do Encontro Nacional de Comunicação, promovido pelas comissões de Direitos Humanos e Minorias e Ciência, Tecnologia e Informática da Câmara e organizado em parceria com a sociedade civil. O objetivo principal do evento era delinear as bases para a construção da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que, na opinião de parlamentares, pesquisadores e representantes dos movimentos sociais e entidades voltadas à democratização da comunicação pode significar uma inflexão no histórico de baixa abertura do Estado brasileiro à participação social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor.

Durante dois dias, e tendo como pano de fundo um novo modelo para o setor, foram debatidos temas centrais para as comunicações no país e o formato desejado para a conferência. A carta final do Encontro (disponível clicando aqui), dirigida ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirma como fundamental que a conferência se constitua como um processo e inclua, entre outros elementos:

– a incorporação como compromisso de todos os poderes da República, especialmente o Executivo Federal;
– a adoção do princípio da ampla e democrática participação como forma de trazer as contribuições das diferentes representações da sociedade organizada, incluindo a realização de etapas estaduais e regionais antes da etapa nacional;
– o compromisso de, a partir do debate com métodos democráticos, construir linhas gerais para um novo momento nas políticas públicas para as comunicações.

“Os movimentos do campo e cidade acreditam que é importante, de fato, investir na democratização da comunicação. Por isso defendemos a realização de uma conferência que possa ser ampla, democrática, que garanta a participação de todos os atores e que possa servir como marco para a formulação de novas políticas públicas, com participação social”, disse Marina Santos, membro da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), na abertura do Encontro na última quinta (21/6).

“A participação é chave do êxito da conferência. Por isso ela não poderá ser feita a toque de caixa, sob o risco de fazermos uma mera reforma dos meios de comunicação”, completou Rosane Bertotti, secretária de comunicação da CUT (Central Única dos Trabalhadores). “Este é um processo que se reveste de significado ímpar, pelo qual os três poderes podem recolher contribuições da sociedade civil para construir um modelo que avance na democracia, na inclusão social e na concretização dos direitos humanos”, disse.

Na avaliação do professor Venício Lima, da Universidade de Brasília, as organizações da sociedade civil, historicamente, são um grupo que tem lutado pela democratização da área, tendo como base a defesa do direito à comunicação, mas que se configuram como “não-atores”, porque até hoje não estão presentes na formulação de políticas. Para ele, é fundamental que no processo da conferência se dê espaço a essas vozes.

A mesma avaliação tem o Intervozes, uma das organizações que atuou junto às comissões da Câmara para garantir a realização do Encontro. “O importante é garantir que todas as etapas do processo sejam feitas, com a realização das conferências locais e estaduais. Só assim todas as pessoas e grupos que desejem poderão contribuir com a construção das resoluções”, afirmou João Brant, coordenador da entidade, que defendeu que a data proposta pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, para a realização da conferência nacional é inviável. “Uma conferência em agosto próximo pode ser tudo, menos uma conferência. É impossível cumprir todas as etapas em dois meses. Por isso, se o ministro quiser fazer um evento, um seminário, que faça, mas é uma contradição com a própria política do governo chamar esse evento de conferência”, disse.

Temário
Os eixos e o temário da Conferência Nacional ainda não estão delimitados, mas três aspectos parecem se desenhar como norte dos debates a serem travados. O primeiro é a necessidade de regulação da área, inadiável para que se contemple o momento de transição e convergência tecnológica que vivemos.

“O novo paradigma da comunicação busca a convergência tecnológica. Aí se abre uma grande possibilidade para a efetiva democratização da comunicação”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia. “Com a digitalização, poderemos constatar uma verdadeira revolução dos padrões de televisão, que permita superar o modelo de feição oligárquica e de fins meramente lucrativos dos meios de comunicação. É vital que a programação televisiva deixe de priorizar o mero entretenimento, para investir maciçamente em atividades culturais e educativas, para fomentar o espírito crítico e participativo do cidadão”, afirmou o deputado.

“A conferência tem que resgatar todos os princípios da comunicação como um bem e um serviço público, para que lembremos que mesmo a gestão privada tem deveres a prestar à sociedade”, acrescentou Edgard Rebouças, professor da Universidade Federal da Pernambuco.

Um segundo aspecto seria a construção e garantia de uma legislação que inclua mecanismos de participação e controle social da comunicação. Na avaliação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), na medida em que há uma hipertrofia do sistema público e ausência de políticas para o setor, poucos falam e muitos ouvem. “Estamos, no entanto, caminhando para um novo momento histórico do país, onde a democracia deixará de ser restrita a um serviço comercial de poucos”, analisa Celso Schröeder, secretário executivo do FNDC.

“É preciso que a comunicação seja encarada como uma política pública. Esse avanço de visão já vem produzindo fatos concretos, como esse encontro e duas ações do governo, que foram o Fórum Nacional de TVs Públicas e a construção de um sistema público de comunicação. São fatos que constituem preliminares importantes para uma conferência nacional de comunicação construída com a participação de baixo para cima”, defende José Roberto Garcez, presidente da Radiobrás.

Por fim, a urgência da construção de uma mídia alternativa, impressa e eletrônica, que faça o contraponto à hegemonia dos grandes meios de comunicação, também estará no temário da Conferência Nacional. A luta dos movimentos sociais é para que a liberdade de expressão seja um direito garantido a todos, e não uma benesse dos grupos que hoje detêm a propriedade dos meios de comunicação.

“É necessário quebrar a coluna vertebral da ditadura da mídia. Temos claro que os monopólios da comunicação hoje representam uma redução da democracia”, afirmou Rosane Bertotti, da CUT. “Todos conhecem a criminalização que a mídia comercial desenvolve. Neste momento, as rádios comunitárias sofrem mais uma campanha difamatória, que coloca as emissoras como piratas. Em paralelo, temos um Estado repressor, que a cada minuto fecha uma rádio comunitária”, critica Joaquim Carvalho, da Abraço.

Na conclusão do deputado federal Luiz Couto, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, ficou clara a necessidade de se fazer uma “grande revolução no sistema”, para que não tenhamos famílias que dominam os meios e impõem  um tipo de programação que não é a que a sociedade precisa. “Para que comecemos um novo processo em que a comunicação não seja propriedade de poucos, mas um direito de todos”, encerrou.

Uma comissão pró-Conferência foi formada por entidades nacionais ligadas ao tema. Mais informações estão disponíveis na página da Câmara Federal: www.camara.gov.br.

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CONFIRA A CARTA APROVADA NO ENCONTRO 

POR UMA LEGÍTIMA E DEMOCRÁTICA CONFERÊNCIA NACIONAL DE COMUNICAÇÕES
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

É notória a importância da comunicação na formação de valores e opiniões, no fomento e na produção das culturas e nas relações de poder. Por isso, a compreensão da comunicação como um direito humano é condição fundamental para que este processo social seja voltado à promoção da emancipação de homens e mulheres, na consolidação de uma efetiva democracia e na construção de um País justo e soberano.

No Brasil, ainda há um grande caminho a percorrer para que a comunicação cumpra este papel. O modelo vigente é marcado pela concentração e a hipertrofia dos meios em poucos grupos comerciais, cujas outorgas são obtidas e renovadas sem controle da sociedade e sem critérios transparentes. O predomínio da mídia comercial marca também a fragilidade dos sistemas público e estatal, que só agora estão entrando na pauta de preocupação de Estado com o debate sobre a criação de uma rede pública de televisão. Este quadro vem sendo mantido pela ausência do debate e pela exclusão do interesse público na elaboração e aprovação das políticas públicas e de regulação que organizam a área. Historicamente, as decisões relativas à comunicação no Brasil têm sido tomadas à revelia dos legítimos interesses sociais, quase sempre apoiadas em medidas administrativas e criando situações de fato que terminam por se cristalizarem em situações definitivas.

A necessidade de corrigir tais distorções históricas emerge justamente na hora em que a convergência digital torna cada vez mais complexo o processo de produção, difusão e consumo das informações. Frente a isso torna-se urgente a redefinição de um novo e legítimo marco institucional para as comunicações, haja vista que a legislação para as comunicações carecem de revisão seja pela necessidade de sua atualização, seja por falta de regulamentação específica dos princípios constitucionais ou, ainda, por sua  inadequação à noção da comunicação como direito humano e social.

Isso inclui o debate sobre a comunicação em toda a sua complexidade, envolvendo todos seus setores, bem como a interface destas áreas com a cultura, a educação, a saúde, as tecnologias e a cidadania. Ressaltamos aqui que não se trata apenas da reflexão sobre os meios, a cadeia produtiva e os sistemas, mas sim, das diversas formas pelas quais o conteúdo, enquanto conhecimento, cultura, lazer e informação – inclusive comercial -, são produzidos, difundidos, assimilados e usufruídos pela população.

Diante de todos estes pontos, nós, parlamentares, pesquisadores, trabalhadores e representantes dos movimentos sociais e de entidades voltadas à democratização da comunicação, presentes ao Encontro Nacional de Comunicação, convocado pelas comissões de Ciência Tecnologia, Comunicação e Informática e de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, vemos na realização da Conferência Nacional de Comunicações – legítima e democrática – a oportunidade concreta para enfrentarmos este debate.

A Conferência Nacional de Comunicações pode constituir um marco histórico de mudança da relação passiva da população com a mídia, significando uma inflexão no histórico de baixa abertura do Estado brasileiro à participação social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas para o setor.

Para que a Conferência cumpra este papel, é fundamental que ela se constitua como processo e inclua, entre outras coisas:

A sua incorporação como compromisso dos poderes da República, especialmente do Executivo Federal com todos seus órgãos relacionados ao setor; bem como o Congresso Nacional, o Judiciário e o Ministério Público;
A adoção do princípio da ampla e democrática participação como forma de trazer as contribuições das mais várias representações da sociedade organizada para o debate da Conferência;
O mais amplo envolvimento da população através da realização de etapas estaduais e regionais antes da etapa nacional;
A inclusão da sociedade civil no processo de organização da Conferência, garantindo inclusive meios materiais para esta participação; e
O compromisso de, a partir do debate com métodos democráticos, construir linhas gerais para um novo momento nas políticas públicas para as comunicações; entendendo que qualquer mudança substancial nas políticas vigentes deva ser feita somente a partir das deliberações da Conferência.

Tais preceitos não são uma novidade resultante de elaboração deste Encontro Nacional de Comunicação, mas a reafirmação de formatos de construção que vêm marcando a realização das conferências promovidas por este governo. Já no caso da comunicação, estranhamos o anúncio do Ministério das Comunicações sobre a realização de um evento que está sendo chamado de “conferência nacional” já para o mês de agosto de 2007. O caráter sinalizado pelo Minicom contrasta com os procedimentos adotados por este governo em outras conferências, pois inviabiliza a construção democrática e a organização de etapas prévias estaduais e regionais preparatórias que garantam a legitimidade da Conferência Nacional de Comunicações.

Esperamos que a coerência e o respeito às experiências relativas às conferências sejam a tônica da construção deste processo no setor da comunicação. Do contrário, este governo corre o risco de promover aparentes processos democráticos enquanto perpetua o alijamento dos cidadãos brasileiros da definição sobre os rumos deste instrumento fundamental à democracia em nosso País.

Encontro Nacional de Comunicação: na luta por democracia e direitos humanos
Brasília, 22 de junho de 2007
  

 

 

Active Image reprodução autorizada, desde que citada a fonte original. 

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