A entrada da Telefonica de España na Italia Telecom

A Telefonica de España comprou 42,3% da Olimpia, holding que é a maior acionista da Italia Telecom, com 18% das ações da operadora peninsular. Os demais 57,7% das ações da Olimpia ficaram com um mix de bancos italianos e a família Benetton. Ao final da operação, a Olimpia (que passará a se chamar Telco) terá sua participação na Italia Telecom aumentada para 23,6%. 

A operação pode ser analisada sobre quatro diferentes ângulos. 

Perspectiva italiana 

A Italia Telecom vinha apresentando sérios problemas, frutos da administração no mínimo temerária de Marco Tronchetti Provera, controlador da Pirelli e ex-dono de 80% da holding Olimpia. Com isso, a empresa italiana se tornara um alvo fácil para possíveis aquisições e o principal interessado era o empresário mexicano Carlos Slim Helu, dono da Telmex (que, no Brasil, opera com as marcas Embratel, Claro e NET). 

Foi, então, que entrou em cena o primeiro-ministro italiano, Romano Prodi, defendendo e articulando uma “solução européia”. O resultado da operação tem a marca do governo italiano. 

Em primeiro lugar, o controle da Italia Telecom continua no interior da União Européia, onde é mais fácil a atuação do governo italiano. Em segundo lugar, mesmo sendo a principal acionista na ex-Olimpia, a Telefonica de España tem menos da metade das ações (os tais 42,3%), contra 57,7% de um “bloco italiano” (formado por Mediobanco, Generali, Intesa Sanpaolo e os Benetton). 

De uma só vez, o governo de Prodi conseguiu um sócio estratégico para a empresa italiana de telecomunicações (que passava por dificuldades), manteve na Itália a maioria das ações e evitou a entrada em seu mercado de uma operadora mexicana famosa pelo apetite nas aquisições. 

Como lembra o economista Márcio Wohlers, em entrevista para a revista Carta Capital (n° 443), a operação pode ter envolvido, inclusive, uma permuta com o governo de José Zapatero, que permitiu a entrada da empresa de energia italiana Enel no capital da espanhola Endesa. 

Esta operação demonstra, por contraste, que o processo de privatização do Sistema Telebrás foi, também, uma desnacionalização do nosso mercado de telecomunicações, que hoje assiste no seu próprio quintal a disputa entre Telefonica de España e Telmex. O governo FHC, através de seus então ministros Sérgio Motta e Mendonça de Barros, agiu conscientemente para enfraquecer a presença estatal e evitar o surgimento de um grupo nacional com chances de se firmar no cenário internacional. 

Agora, imaginemos o que aconteceria se o governo brasileiro atuasse da mesma forma que o seu congênere italiano. Nossa imprensa colonizada certamente denunciaria um indevida intervenção no mercado auto-regulável (cuja existência rivaliza com a do coelhinho da Páscoa e o bicho-papão). 

Perspectiva espanhola 

A aquisição das ações da holding Olimpia foi, na verdade, uma ação defensiva da Telefonica de España que assim evitou que a Telmex entrasse no mercado europeu e, principalmente, viesse a comprar a operadora de telefonia celular TIM, no Brasil. A TIM é a segunda maior operadora de telefonia celular do país (tendo ultrapassado a Claro, de Slim Helu) e a que mais cresce, ameaçando a líder Vivo (que tem 50% de suas ações nas mãos da Telefonica). 

Antes da compra das ações da Italia Telecom, especulava-se que a Telefonica estaria fazendo caixa para comprar os demais 50% da Vivo, pertencentes à Portugal Telecom. Agora, não se sabe o que acontecerá com a Vivo. Pode ser que a Telefonica continue com seu projeto de aquisição total ou que termine vendendo a sua parcela para a Portugal Telecom. Mas, uma coisa é certa. Qualquer que seja o movimento da Telefonica na Vivo, a operadora de celular deverá ser blindada contra uma possível investida de Slim Helu.
 

A mesma precaução a Telefonica tomou em relação à TIM. Embora detenha menos de 50% na holding que controla a Italia Telecom, a Telefonica fez incluir um direito de veto sobre qualquer operação de venda de ativos no exterior. Assim, se os sócios italianos quiserem vender a TIM no Brasil, a Telefonica pode impedir que a empresa caia nas mãos da Telmex. 

Perspectiva mexicana 

Segundo homem mais rico do mundo, de acordo com levantamento da revista Forbes, Carlos Slim Helu foi o grande prejudicado com a compra das ações da Italia Telecom pela Telefonica. Slim perdeu a oportunidade de operar na Europa e viu diminuírem suas opções no principal mercado latino-americano: o Brasil. 

Proprietário da Embratel, da Claro e da NET Serviços* (dona da infra-estrutura da principal empresa de TV a cabo no Brasil), Slim agora não pode comprar nem a primeira nem a segunda maiores operadoras de telefonia móvel do Brasil e teve que assistir de camarote a movimentação de sua principal concorrente. Sobram poucas opções de compra no mercado de telefonia celular no Brasil, notadamente a Telemig e a Amazônia Celular. O que é pouco para quem sonha em ser líder. 

Perspectiva brasileira 

Graças a engenharia montada durante o processo de privatização do Sistema Telebrás, e ao contrário dos países europeus e do próprio México, o Brasil deixou de ser ator no campo das telecomunicações para se tornar palco da disputa entre gigantes transnacionais. Com isso, a compra das ações da Italia Telecom por parte da Telefonica de España terá sérias consequências no mercado brasileiro. 

Em primeiro lugar, o fim da era “Tronchetti Provera” na Italia Telecom significa uma grande perda para o banqueiro Daniel Dantas, que mantinha relações próximas com Provera, através do mega-especulador Naji Nahas. A relação Provera-Dantas era importante na Brasil Telecom, empresa que já esteve sob a gestão de Dantas e que hoje é controlada por fundos de pensão de estatais e pelo Citi Bank. 

Dantas foi um dos principais beneficiários do duvidoso processo de privatização do Sistema Telebrás, que, tanto na Brasil Telecom quanto na Telemar, foi realizado com recursos públicos, mas gestão privada. Assim, Dantas administrava as ações do Citi Bank, dos fundos de pensão e da própria Italia Telecom. E mesmo tendo pouquíssimas ações da Brasil Telecom, acabava na posição de mando. 

O cenário mudou no governo Lula, quando os fundos de pensão alteraram a linha de atuação e se uniram ao Citi Bank (agora preocupado em ser processado pelo governo norte-americano por má gestão na operadora brasileira), assumindo o controle da Brasil Telecom. 

Como a Brasil Telecom também possui uma operação de telefonia celular, a Italia Telecom teve que se afastar do bloco de controle da empresa, para não entrar em conflito legal com a sua própria operação na TIM. Mesmo assim, a articulação entre Dantas e Provera continuava tentando influenciar os rumos futuros da Brasil Telecom. Agora, tudo muda. 

Mas, para que tenhamos uma visão mais clara do novo cenário brasileiro, resta saber a resposta para várias perguntas. 

O que fará a Italia Telecom com suas ações na Brasil Telecom, uma vez que a empresa não pode participar do bloco de controle? Venderá? Para quem? 

O que a Italia Telecom fará com a TIM? Vai mantê-la? Pretende vendê-la? Quem seria o comprador, já sabendo de antemão que a Telefonica não deixará que seja a Telmex? 

O que a Telefonica pretende fazer na Vivo? Vai adquirir os 50% da Portugal Telecom? Vai vender sua participação e, por sua vez, comprar a TIM? 

De qualquer forma, o resultado final deverá apontar para mais concentração no mercado de telefonia celular. Por isso mesmo, será interessante descobrir o que farão a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Isso porque, dessa vez, a operação não se deu diretamente no Brasil. A Telefonica possui 50% da Vivo, mas participa da TIM apenas indiretamente, através dos 42,3% que detém na ex-Olimpia, que, por sua vez, está sediada na Itália. 

Mas, talvez o mais interessante de todo este processo possa ser o reforço do grupo, dentro do governo, que defende uma intervenção do próprio governo para garantir a fusão entre Telemar e Brasil Telecom, a fim de criar uma grande operadora nacional que possa competir com a Telefonica e a Telmex. 

A idéia pode proliferar porque o exemplo italiano demonstra que o Estado pode, e deve, ter um importante papel neste jogo. E também pelo fato de que o Estado brasileiro é o principal acionista tanto da Brasil Telecom (Previ, Funcef e Petros) quanto na Telemar (Previ, BNDES, Banco do Brasil). 

Contudo, há que se ter o cuidado para que uma possível fusão entre Brasil Telecom e Telemar não termine beneficiando os “capitalistas” que conseguiram comprar as duas empresas sem meter a mão no bolso, usando recursos do Estado: como o próprio Daniel Dantas.

* Através de uma complexa operação financeira que visa burlar o limite de 49% do capital estrangeiro, imposto pelo Lei 8977/95, e que contou com a participação de sua sócia, as Organizações Globo.

Active Image Publicação autorizada, desde que citada a fonte original.

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