Debate sobre regulação é inadiável, avalia pesquisador

Brasília – O pesquisador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB) Venício Lima avalia que, devido ao atual contexto de transição tecnológica, o país precisa ter uma só lei que regule as atividades de telecomunicações e radiodifusão. Ele também avalia que o debate é inadiável, diante do atual cenário. “É necessário que haja uma lei que regule o setor inteiro, contemplando a convergência tecnológica, a TV digital, as diferentes possibilidades de TV paga, as TVs abertas”, afirma.

Venício lembra que, ainda no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1998, já se falava em criar uma lei geral da comunicação eletrônica. “Chegaram a fazer uma consulta pública pela Internet. Mas nunca se enviou nada para o Congresso”, conta o pesquisador.

Ele acredita que a atual preocupação do governo federal com o tema, expressa, por exemplo, com o anúncio do ministro das Comunicações, Hélio Costa, de que enviará ao Congresso um projeto de lei sobre o tema, reflete o fato de que o debate está cada vez mais acalorado por uma questão de ocupação do mercado.

“Em termos de legislação única para o setor nada caminhava antes porque não havia interesse dos radiodifusores de alterar o status quo da legislação que os beneficiava”, diz ele. “Nos últimos meses, a situação mudou completamente, porque a entrada da TV digital e a pressão das teles em distribuir conteúdo tornou absolutamente inadiável a regulação completa do setor.”

Venício lembra um fato recente no campo normativo que “balançou o mercado”, na opinião dele, e terá conseqüências futuras: a autorização concedida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) à Telefónica, empresa de origem espanhola que opera no ramo da telefonia fixa e móvel, para que explore no país o serviço de televisão por satélite (DTH).

“Era um setor monopolizado pela Sky, que é uma empresa global, da News Corporation, um dos maiores grupos de mídia do mundo e associado às Organizações Globo”, conta o pesquisador. Para Venício, o que está em disputa é o mercado. “As teles estão querendo entrar, e os grupos de radiodifusão, querendo preservar (o mercado para si)”, avalia.

Entenda como funciona a atual legislação das telecomunicações no Brasil

Uma disputa de mercado cada vez mais acirrada se aproxima com a expansão da internet e a implantação da TV digital no Brasil, anunciada para o final do ano. Empresas de telefonia querem permissão para transmitir sons e imagens, o que, na prática, significa exibir conteúdo televisivo. De outro lado, empresas de radiodifusão, aí incluídas rádios e TVs, querem exclusividade na transmissão de conteúdo sonoro e de sons e imagens.

A atual realidade de convergência jamais foi imaginada na década de 60, quando se criou grande parte da legislação do setor. O pesquisador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB) Venício Lima lembra: “Antes, você precisava de telefone para transmitir voz, de rádio para transmitir som e voz, de televisão para transmitir som, voz e imagem, de telex para transmitir dados físicos”. “Hoje, com a tal convergência de mídia, com a revolução digital e a convergência tecnológica, tem a possibilidade de numa mesma plataforma tecnológica operar tipos diferentes de mídia, que antes demandavam tecnologias diferentes.”

Para garantir o domínio comercial nesse espaço que, desde a década de 60, vem sendo exclusivo das empresas de rádio e TV, os radiodifusores alegam que estão respaldados pela Constituição e pelo Código Brasileiro de Telecomunicações (lei de 1962), mas o vácuo jurídico já afeta os negócios das empresas, sejam de produção de conteúdo ou de transmissão de dados ou informação.

Hoje, não há regulação sobre o que é transmitido pela Internet, por exemplo, considerada a maior expressão da convergência. A mistura de sons, imagens (de vídeo ou fotográficas), texto, combinada com a possibilidade de interação com o conteúdo,ou mesmo da utilização do canal para serviços de telefonia (o sistema Voip, ou voz sobre IP) já está tirando clientes das empresas tradicionais de TV ou telefonia.

Telecomunicações e radiodifusão já foram regidos pela mesma lei no Brasil, o Código Brasileiro de Telecomunicações. Hoje, há legislações específicas. As empresas de telefonia fixa, pela lei que estabeleceu as privatizações, passaram a ser disciplinadas pela Lei Geral das Telecomunicações, de 1997. Essa lei revogou o CBT, exceto naquilo que o código prevê para as empresas de radiodifusão, que são as emissoras de rádio e de TV aberta.

Já as empresas de TV a cabo obedecem aos preceitos da legislação de telecomunicações, conforme estabelecido em lei de 1995, que trata da concessão e participação societária das TVs a cabo. E outra lei rege as emissoras de TV paga, transmitidas por satélite, as chamadas DTHs (Serviço de Distribuição de Sinais de TV e Áudio por Assinatura Via Satélite) e as transmitidas por microondas, as chamadas MMDS (Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal).

Venício Lima destaca uma das contradições geradas por essa confusão. Em relação à composição societária das empresas: as empresas de radiodifusão só podem ter até 30% de capital estrangeiro. No caso da TV paga, se for a cabo, o percentual é de 49%. Já no caso das TVs pagas por satélite (DTH) e por microondas (MMDS), não há limite. Essas empresas podem operar no Brasil, mesmo que seu controle seja totalmente de um grupo estrangeiro. É que se aplica a essas últimas a legislação das telecomunicações, por serem consideradas “serviços especiais de telecomunicações”.

“Na prática, significa que qualquer telespectador que assista ao Bom Dia Brasil na TV Globo, por exemplo, e depois assista à reprise do mesmo programa na Globo News, um canal transmitido em Brasília pela Net, estará no primeiro caso vendo radiodifusão e no segundo, telecomunicações”, ironiza o pesquisador da UnB.

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