Educadores defendem controle social sobre a mídia

São Paulo – Desde que a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) iniciou o monitoramento da cobertura da mídia sobre a questão das crianças e adolescentes, a temática da educação tem ganhado cada vez mais espaço nos jornais. De 1996 a 2004, o aumento no número de matérias foi superior a 1000%. No início, a violência era o principal tema abordado nas reportagens sobre infância e adolescente. A partir de 1998, a educação passou a ocupar o primeiro lugar. Em paralelo a isso, a Andi verificou também uma maior diversidade de fontes ouvidas pelos jornalistas – que antes se baseavam muito nas pautas encaminhadas pelos governos. Um dos fatores responsáveis por esta mudança foi o fortalecimento do movimento pela educação e da sociedade civil como um todo nos últimos anos, que, por um lado, por estarem mais organizados, se transformaram em fontes para a imprensa e, por outro, iniciaram um processo de diálogo e pressão sobre a mídia, cobrando dos jornalistas uma maior pluralidade de visões em suas matérias.  

“A sociedade despertou para o diálogo e para o controle dos meios de comunicação em massa. Depois do surgimento da idéia liberal de que a mídia é o quarto poder, que passa a ser autônomo – não só porque vigia os outros três, mas porque tem seus interesses próprios –, estamos no limiar da construção de um quinto poder, que seria a organização da sociedade para algum tipo de controle da mídia, que não pode ser confundido com censura, mas que é na sua essência uma cobrança para que os veículos funcionem baseados no interesse público, e não no privado”, explica Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Para incentivar este controle público sobre a mídia e estabelecer uma ponte de diálogo entre jornalistas e educadores, com o objetivo de melhorar a cobertura da mídia acerca da educação, foi lançada na semana passada em São Paulo a rede Ação na Mídia: Comunicadores pela Educação, um projeto do Observatório da Educação, da organização não governamental Ação Educativa. Entre os princípios da rede estão as idéias de que as políticas públicas são expressão de leituras sociais e de que a mídia é uma arena privilegiada de debate público e agendamento de grandes temas.  

Portanto, se a população tem direito de participar da definição de seus direitos e de como eles podem ser efetivados – no caso, na construção de políticas públicas de educação – é preciso que o debate sobre a temática educacional nos veículos de comunicação do país seja o mais plural, criterioso e politizado possível. “O ato de comunicar está diretamente relacionado com a afirmação do direito à educação. Por um lado, possibilita o diálogo com a sociedade civil e entre esta e o poder público. Por outro, exerce pressão pela efetivação e garantia desse direito”, diz o documento de lançamento da rede.  

Esta realidade, no entanto, na opinião dos educadores que participaram do debate na semana passada, está longe de ser efetivada. “A gente só aparece na mídia quando morre assassinado, quando bate em criança ou quando acontece alguma tragédia na escola”, desabafou João Kléber Santana, do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo, para quem a realidade do ensino público está longe de se ver refletida pela grande imprensa.  Na opinião do jornalista Antônio Góes, da Folha de S.Paulo, isso acontece, em parte, porque a mídia é reflexo da sociedade. “Os jornais são um reflexo do que é a classe média, que coloca os filhos na escola particular e está preocupada com os buracos da rua. Nosso desafio é falar para o leitor de classe média sobre uma realidade que não é a dele”, pondera Góes. Ele conta, por exemplo, que o jornal deu muito espaço para o debate da reforma universitária – já que este é um assunto que interessa aos filhos da classe média – ao mesmo tempo em que conseguiu publicar apenas uma matéria sobre o Fundeb, o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica. “Vendemos um produto pra quem quer comprar este produto. A questão é como fazer o interesse público ser interessante para o nosso público”, disse.   

“Acontece que o jornal não é feito só para mostrar o que o leitor quer; é feito para mostrar o que não quer também. Isso demonstra uma visão utilitarista da comunicação, que na verdade é um direito público”, rebateu Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa. “Quando a educação é vista como episódio, esta cobertura está prestando um desserviço à sociedade”, acredita.

 

A Constituição Federal prevê, em seu Artigo V, que trata da Comunicação Social, que os veículos, por serem todos prestadores de serviços públicos, sigam princípios baseados no interesse coletivo. As outorgas para o funcionamento das emissoras de rádio e TV, por exemplo, são concessões públicas para que poucas empresas explorem o espectro eletromagnético. Cabe, sobre esses veículos, portanto, um controle ainda maior da sociedade. No entanto, os representantes das nove famílias que detêm o monopólio da comunicação no Brasil se opõem a qualquer tipo de regulamentação e de controle social sobre suas atividades. 

 

 “A forma como a grande mídia se opôs ao projeto da Ancinav [que criava uma agência para regular as produções audiovisuais no país] é o exemplo mais claro de como qualquer iniciativa, por mais incipiente que seja, de acabar com o vácuo que temos na regulamentação do setor é taxada de censura”, lembra Laurindo Leal Filho. “Iniciativas de controle público são desqualificadas em geral pela própria mídia, ainda mais quando se trata dela mesma”, completa Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para quem o controle social sobre a mídia é uma das ferramentas mais importantes para a construção de uma esfera pública de debates mais democrática.  

Leitura crítica da mídia e comunicação comunitária

Exercer um controle social sobre a mídia passa, antes de mais nada, por compreender melhor seu funcionamento e seus interesses. “Cerca de 85% dos parlamentares são proprietários de veículos de comunicação ou diretamente envolvidos com donos de concessões. São esses deputados que votam, por exemplo, na renovação de suas próprias concessões. Isso não é conflito de interesses; é crime, mereceria até uma representação no Ministério Público. Se você informa isso para a população, a cidadania passa a refletir sobre isso. Isso é papel dos educadores também”, ressalta Egypto.

 

Trabalhar de forma autônoma com a mídia, em processos de leitura crítica da comunicação, é tarefa que pressupõe antes de mais nada a formação dos próprios educadores, sob o risco do professor reproduzir em sala de aula a ausência de pluralidade e diversidade característica da grande mídia. Neste sentido, há iniciativas bem sucedidas que procuram dar ferramentas para que a sociedade civil se aproprie do modo de fazer comunicação, como uma forma de formar cidadãos e cidadãs para este olhar crítico sobre a mídia que é feita comercialmente.

 

Um desses projetos, chamado Vídeo, Cultura e Trabalho, ensina a linguagem da comunicação a jovens de comunidades carentes, incentivando-as a fazer uma reflexão sobre o poder da mídia. “Trabalhando com o vídeo, com as ferramentas adequadas a grande mídia usa para manipular as informações, a gente consegue, ao contrário, colocar em pauta temas que não estão em debate nos grandes veículos”, conta Priscila Santos, jovem integrante do projeto em São Paulo.

 

  Por fim, a Ação na Mídia também aposta na comunicação comunitária, independente e alternativa como forma de mudança da relação da população com a comunicação em busca de uma democratização dessa esfera pública. Para contrapor a informação hegemônica da grande mídia, a sociedade pode se organizar por uma contra-informação, que seja plural e propulsora da construção de uma real democracia. Mais um desafio que comunicadores e educadores reafirmam assumir a partir de agora.   A Agência Carta Maior faz parte da rede Ação na Mídia: Comunicadores pela Educação. Para saber mais sobre o projeto, visite a página do Observatório da Educação.

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