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“A TV é um pouco a expressão desse politicamente correto mal entendido”

Pedro Arantes é um dos três vencedores do prêmio Pitching da TV Câmara por seu documentário “O riso dos outros”, que trata do humorismo feito no Brasil na atualidade, com destaque para a stand up comedy. Premiado por um dos melhores audiovisuais entre 70 propostas concorrentes, o realizador considera que a repercussão do seu filme tem sido bastante positiva, especialmente considerando-se que foi feito com poucos recursos.

Diretor de séries de humor como “As Olívias”, do canal Multishow, e “Vida de Estagiário”, da TV Brasil, Pedro Arantes diz ver na TV brasileira a expressão do que seria o “politicamente correto mal entendido”: o moralismo conservador. Discutindo os limites entre a comédia e a ofensa, o filme “O riso dos outros” entrevista humoristas, cartunistas, militantes, parlamentares e especialistas, apresentando várias perspectivas sobre o tema.

Formado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o documentarista defende que a linguagem veicula estereótipos e que os humoristas não estão isentos de tomarem posições ideológicas, ainda que não sejam conscientes disso. Arantes afirma crer, porém, que o humor pode servir para quebrar estereótipos e que excessos devem ser regulados de forma democrática.

Por que fazer um documentário sobre humor? O que lhe motivou a trabalhar com essa temática específica?
Já era uma área na qual eu trabalhava. Meu trabalho de conclusão de curso na faculdade foi um filme de comédia. Eu e o pessoal daqui da produtora sempre gostamos muito de trabalhar com a linguagem humorística. É o tipo de linguagem que a gente gosta de trabalhar e que consegue comunicar muita coisa. É muito popular e as pessoas gostam. Quando começou toda essa discussão do “humor politicamente incorreto”, foi uma coisa que eu fiquei pensando sobre e a gente discutia bastante. A gente vê bastante humor brasileiro e gringo também. A gente tem bastante referência. Então, era uma discussão que a gente já estava um pouco imerso nela.

Você considera “O Riso dos outros” um sucesso?
Dentro das minhas expectativas, sim. A medida do sucesso é meio relativa, porque depende de onde você queria chegar e de onde você partiu. Acho que para um filme feito com um edital pequeno, da TV Câmara, falando de um tema que é meio árido, praticamente só com gente falando, de discussão, eu considero que a repercussão que ele tem tido é um sucesso sim.

Grande parte desse sucesso tem a ver com a relevância do tema. Já era um tema quente. Não fui eu quem inventou essa discussão. Ela já tava pautada. Tem bastante disso: de uma atualidade da coisa. E, por outro lado, eu acho que o filme consegue ampliar um pouco o debate.

As piadas contribuem para reforçar estereótipos e exercer uma violência simbólica?
A disputa político-ideológica se dá essencialmente na linguagem. A linguagem é a realização das coisas que a sociedade pensa, acredita e pratica. Então, se você diz: a piada serve pra reforçar o estereótipo… na verdade, a piada, a linguagem, o que se diz, é a própria manifestação do estereótipo, entende? É uma forma de o estereótipo se manifestar. Outra forma é você sair batendo nas pessoas. Outra forma são discursos de ódio. Outra forma é o parlamentar passar legislações que restringem direitos. Se você entende a linguagem como manifestação real das coisas, então uma piada nunca vai ser “só uma piada”, entende? Porque toda linguagem é também um posicionamento político. Toda comunicação é a realização de uma visão de mundo. E essa visão, seja no humor, seja num discurso de ódio, ela está construindo essa visão de mundo, entendeu? Nesse sentido, eu não acredito que possa haver nada imparcial, pois se toda linguagem é a colocação de uma visão, toda linguagem é parcial. Por outro lado, o discurso humorístico pode servir para quebrar com esses estereótipos.

Você acha que o humor deve ter limites?
Quando a gente fala limites, parece tudo sempre meio pejorativo. Até porque a gente vive num mundo que tem uma coisa um pouco: “a liberdade é um grande valor!”, “a vida sem limites!”. A sociedade meio que prega isso. Por exemplo, publicidade de carro: “Não tenho um limite. Comprei um carro, sou livre”, né? Um pouco essa ideia dessa liberdade. Então, quando a gente fala de limites, sempre tem uma conotação meio pejorativa. “Ah, tá querendo botar limites na minha liberdade!”. Eu acho que a vida em sociedade é um pouco estabelecer limites para tudo. Existe um limite que todos nós concordamos ou compartilhamos: o de que não se pode matar alguém. É um limite socialmente acordado e legalmente colocado. Tem consequências claras para o caso de esse limite ser ultrapassado. Um pouco de viver em sociedade é isso: negociar sempre esses limites. Então, sim, esses limites vão ser acordados e estabelecidos idealmente pela maioria.

Você defende que esses limites têm que ser expressos em leis?
Por que se precisa de uma lei dizendo que racismo é crime? Porque a sociedade é racista, e precisou o legislador ir lá e escrever isso na lei e punir esse comportamento para talvez mudar isso. A lei é um acordo da maioria da sociedade de que deve haver limites para tais e tais coisas. Acho que a lei ajuda um pouco a transformar essa realidade.

Você vê uma diferença entre o humor feito no teatro, em que a pessoa sai de casa e paga um ingresso para assistir, e o que é transmitido pela televisão aberta, que é uma concessão pública e que chega direto à casa das pessoas?
Tem diferença, sim. No Brasil, parece que a plateia que pagou o show é obrigada a rir, e não o comediante que é obrigado a fazer a plateia rir. Tu já vai com aquela disposição. Essa discussão é interessante porque existe muito mais diferença moral, mas eu não vejo tanto uma diferença política. Por exemplo, na TV você não pode falar palavrão porque moralmente não é muito aceito. No teatro, você pode falar palavrão, que aí a plateia acha engraçadíssimo. Na TV, você não pode ofender um anunciante, o que no teatro é meio liberado. Existe muito posicionamento moral na televisão e pouco posicionamento político.

Quando a gente começou a fazer o filme, muitos comediantes colocavam no mesmo saco fazer piada com negro, fazer piada com gay, fazer piada com bancário ou falar palavrão, como se tudo isso fosse: “Ah, a patrulha do politicamente correto que não deixa fazer piada com nada!”. E acho que o filme tenta colocar que o ponto não é bem esse. O bancário nunca foi uma categoria explicitamente oprimida e perseguida. O palavrão não é um problema. Todo mundo fala palavrão, o palavrão faz parte da vida e da linguagem. O problema é quando você está reforçando o estereótipo desses grupos explicitamente desfavorecidos. Acho que a TV é um pouco a expressão desse politicamente correto mal entendido: não pode falar palavrão, não pode dizer piada que ofenda o anunciante, não pode ofender a moral e os bons costumes, mas tudo bem fazer piada de bicha. Porque fazer piada de bicha não ofende a moral e os bons costumes. Fazer piada de mulher sendo assediada ou estuprada no metrô não ofende a moral e os bons costumes.

Você acha que deveria haver uma diferença no comportamento do humorista da TV e do teatro?
Eu acho que deveria haver uma diferença nesse posicionamento, porque aquilo que você fala em privado é diferente do que você fala em público. As esferas alteram um pouco seu entendimento. Eu estou num mesa de bar com amigos que me conhecem, sabem quem eu sou, de repente eu posso fazer uma ironia que pode ser ironicamente reforçando o estereótipo e todo mundo saber que eu não compartilho com aquilo, que a força da própria ironia é afirmar uma coisa quando ela quer afirmar o seu contrário. Isso é uma coisa para fazer na mesa de bar. O uso da ironia, por exemplo, que é uma ferramenta maravilhosa do humor, para públicos amplos é cada vez mais complicado, porque o entendimento é um entendimento complexo. Ele depende de ter compartilhado uma série de códigos que permitam que você entenda aquilo corretamente. Então, sim. Acho que quanto mais aberto o escopo, mais você vai tendo que ir para uma linguagem que seja, digamos, mais universal. No sentido que trabalhe com códigos que você acredita que a maioria das pessoas domina. E, sim, os humoristas fazem isso, eles sabem disso. Os caras são comunicadores e não são idiotas. Eles sabem que determinadas piadas vão funcionar no teatro porque eles já estão sentindo o público e eles sabem mais ou menos o público que vai. Se eles fizerem na TV, talvez eles não sejam bem compreendidos porque um público mais amplo não vai dominar aquele repertório que eles estão ativando ao fazer aquela piada.

Acho que você é igualmente responsável pelo que você fala em qualquer lugar. O que você fala é o que você é, o que você acredita, enfim, o que você faz. Uma coisa é o cara estar no teatro e dizer: “beleza, eu aguento essa responsabilidade e vou falar mesmo que o negócio caia pra cima de mim”. Outra coisa é a emissora, que é uma concessão pública, e teoricamente, ao conquistar a concessão, aceita uma série de responsabilidades que inclusive estão previstas em lei.

O que você acha do humor engajado? Pode se pensar em termos de um “humor político” e de um “humor apolítico”?
Não. Não pode. Eu não cobro que se faça um humor engajado… Tem que ser bom! Tem que ser engraçado! Se o lance é fazer piada, tem que conseguir. Mas eu não acho que exista um humor político e um humor apolítico. Essa distinção que hoje em dia se faz, cada vez mais, é um empobrecimento de debate que é muito complicado. As pessoas falam: “ah, eu não mexo com política”, “eu não quero saber de política”; porque política virou um pouco redução à coisa institucional, à política partidária, que é vista com uma visão bem moralista como um negócio sujo. Estar na vida, se relacionar em sociedade, é um ato político. Você decide fazer as coisas na sua vida pelo que você acredita, pelo que você quer. As pessoas todas decidindo juntas vão criando o que é a sociedade naquele período histórico. Então, não dá para falar de um humor apolítico. Você agir no mundo é você colocar um posicionamento. E você se colocar é uma atitude política. Você pode fazer isso de uma maneira consciente ou inconsciente. Pode estar naturalizando suas atitudes e estar inconscientemente fazendo as coisas ou você pode saber de onde vem e para onde vai. De onde vem essa piada e ao que ela leva, o que ela reforça, o que ela representa, o que ela quebra, para onde ela aponta. É o sujeito tendo consciência histórica. Quando você começa a pensar nessas questões, você começa a fazer escolhas: “isso eu quero falar, isso eu não quero, porque isso eu acho legal dizer e isso eu não acho legal”. Então você está agindo politicamente de maneira consciente, enquanto você diz que está agindo apoliticamente você só está agindo politicamente de maneira inconsciente. Então, você me pergunta: você tem preferência por arte engajada? Não, mas tenho preferência pela arte que parte de premissas políticas nas quais eu acredito. O realismo socialista eu acho uma arte meio ruim, uma arte meio feita de cima para baixo. Acho que esse tipo de manifestação politicamente engajada tinha muito pouco valor como arte e muito mais valor como política. Já o Laerte ou o Bill Hicks são bons no que eles se propõem, são bons em fazer um bom humor.

O humor pode ser transformador?
Acho que sim. Fazer humor, ainda mais fazer humor como profissão, é agir no mundo e agir no mundo é transformador. Não acho que um comediante vai subir no palco e quando ele descer as pessoas vão sair de lá e fazer uma passeata, mas o cara pode subir no palco e as pessoas vão pra casa um pouco pensando naquilo ou rindo daquilo, ridicularizando os poderosos, quem oprime, e não quem é oprimido. E isso vai um pouco mudando a cabeça das pessoas. E isso é transformador. De repente ninguém acha mais engraçado fazer a piada da “bichinha”, entendeu? Quer dizer que ninguém mais acha engraçado rir dos homossexuais, porque não é defeito ser homossexual. Foi transformador, entendeu? São mudanças de mentalidade, que demoram muito tempo pra acontecer.

“E a liberdade de expressão?”, questiona Carlos Latuff

A conta não fecha: quando um jornal europeu acaba sendo alvo de protestos por publicar charges ofensivas ao profeta Maomé, a liberdade de expressão é invocada em defesa da publicação. “Mas quando um cartunista como eu, que não tem foco sobre o judaísmo ou questões raciais, dedica seu trabalho a expor o apartheid israelense sobre os palestinos, recebe difamação”, resume Carlos Latuff.

Esta difamação voltou à tona na virada de 2012 para 2013, quando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Simón Wiesenthal, entidade israelense sediada em Los Angeles, colocou o cartunista na terceira posição de uma lista que aponta dez organizações ou pessoas consideradas mais antissemitas. Na tentativa de ilustrar sua posição no seu relatório, o instituto utilizou charge de Latuff que mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, torcendo um cadáver palestino para obter votos eleitorais.

“Não fiquei surpreso. Não é a primeira vez que acontece esta tática de associar crítica ao estado de Israel ao antissemitismo. Existe uma série de organizações nos Estados Unidos e na Europa que se dedicam a este tipo de tarefa: identificar na imprensa, na Internet, artigo e opiniões que sejam contrárias à política de Israel para expô-los como antissemitas”, lembra Latuff.

A lista do Centro Simón Wiesenthal é encabeçada por Mohammed Badie, líder da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico), seguido por Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã. O terceiro nome é do cartunista brasileiro – que está, na lista, à frente do partido nazista grego, por exemplo. Nada que abale a disposição de Latuff em continuar denunciando os crimes do estado de Israel sobre os palestinos por meio de suas charges.

“Na verdade, (a lista) deixa a gente satisfeito porque mostra que o trabalho está surtindo efeito. O que lamento é a utilização do antissemitismo para fins políticos”, diz ele. Uma petição online, já assinada por mais de 450 pessoas, exige “o fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”.

A seguir, confira resumo da entrevista que o site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio fez com Carlos Latuff na última quinta-feira (3/1). O cartunista fala, entre outras coisas, sobre sua segurança e a cobertura da imprensa no conflito entre Israel e Palestina.

Você pensa em tomar alguma atitude jurídica em relação à acusação de antissemitismo?

Se estivesse nos Estados Unidos, talvez faria. Mas do Brasil fica mais complicado abrir processo. Esta lista na verdade é uma disputa ideológica. Quando coloca uma pessoa que tem trabalho destacado em favor dos palestinos numa lista junto com gente de extrema direita e fundamentalista, está se tentando confundir, colocar no mesmo barco, ódio com críticas ao estado de Israel. O que está em jogo é uma disputa política e ideológica. Eu emiti uma nota a respeito disso. Respondi com uma charge. A resposta tem que se dar também no nível político-ideológico. Críticas ao estado de Israel não são ataques aos judeus.

Há temor pela sua segurança depois da divulgação da lista?

Quando se apresenta um crítico como sendo racista, antissemita, abre-se a possibilidade de que ele seja alvo de ações violentas – oficiais ou não oficiais. Lembro de um site, ligado ao Likud (partido de direta de Israel), que em 2006 publicou, em hebraico, artigo longo a meu respeito. O autor do texto cobrava providências: onde está Israel que não fez nada contra Latuff? Mesmo que a lista não seja uma ameaça objetiva, expõe você a qualquer tipo de ação.

Qual a sua avaliação da cobertura da grande imprensa sobre o conflito entre Israel e Palestina?

No Ocidente são notáveis as coberturas pró-Israel. Reforçam a ideia de que Israel é uma eterna vítima e de que os palestinos são agressores. Existe quase uma orquestração neste sentido. Ela reforça estereótipos, o senso comum, e não apresenta o lado dos palestinos. Mas não é só neste ponto: a violência policial sobre pobres e negros nas favelas é sempre tendenciosa, em favor da polícia. Particularmente depois do fenômeno Tropa de Elite (filme) e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a imprensa cada vez mais tem apoiado integralmente as forças de repressão em detrimento das comunidades de favelas. Pede-se cada vez mais polícia, mas não se questiona que polícia vamos colocar nas ruas. A grande imprensa é tendenciosa. No passado, os estados autoritários tinham máquinas de propaganda. Hoje, no caso do Brasil, as oligarquias não precisam de ministros da propaganda, elas têm a grande imprensa para defender seus interesses.

“O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos”

Martín Sabbatella teve uma das semanas mais intensas de sua carreira política. Permaneceu até meia-noite do 7D no edifício da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), apesar da decisão da Câmara Civil e Comercial, que prorrogou a medida cautelar do Grupo Clarín, impedindo o início da aplicação plena da Lei de Meios, sancionada a três anos. De bom humor e com poucas horas de sono, Sabbatella prefere fincar o pé na metade cheia do copo, em vez de deixar-se levar pelo gosto amargo da resolução judicial. Numa extensa entrevista ao Página/12, ressalta que mesmo depois de conhecida a decisão da Câmara, sete grupos apresentaram seu plano de adequação, entre eles Telefe, o Grupo Prisa e Cadena 3. “A decisão da Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece”, assegura o titular da Afsca, que deposita suas expectativas em uma breve decisão do tribunal superior.

Qual é a sensação depois de ter depositado tanta expectativa no 7D?

O 7D é um dia muito importante para a aplicação da lei, apesar da resolução vergonhosa da Câmara. Todos os grupos, menos o Clarín, apresentarão seus planos de adequação. O objetivo do 7 de dezembro era que todos os grupos o fizessem antes desse dia e se cumpriu o objetivo, salvo por um pequeno grupo. É um reconhecimento da lei e da Afsca como autoridade executiva. E é uma coisa óbvia, mas é o reconhecimento do conjunto dos empresários, da imensa maioria, de que a lei é igual para todos e que ninguém pode ter privilégio. Até o sócio mais importante do Clarín, Fintech Advisory, se apresenta e diz que não quer ser arrastado até a ilegalidade. Ademais, se pôs em andamento o primeiro canal mapuche (etnia indígena sulamericana) em Bariloche, que expressa a essência da lei: que todos possamos usar da palavra, que se expressem todas as tradições e culturas do nosso país.

O que vai ser agora dos grupos que não tem cautelar?

Não temos uma resolução. Até agora temos trabalhado na análise dos planos de adequação. O espírito da Afsca sempre foi que não haja diferenças e as regras sejam iguais para todos. Esperamos que a Corte resolva isto rapidamente porque nos parece sinceramente uma barbaridade o que tem se passado na Câmara. Essa situação ratifica o que vínhamos dizendo: a conivência de uma parte da Justiça com grupos econômicos corporativos. E também demonstra uma questão mais profunda, que uma grande parte da Justiça não está preparada para enfrentar as corporações porque está colonizada por elas. Quando Néstor Kirchner disse que não ia deixar as convicções na porta da Casa Rosada estava dizendo que as decisões são tomadas na Casa do Governo. Por tanto, as toma o povo através de seus representantes e não o CEO de una empresa ou um diretor executivo de um organismo internacional em Washington.

Diferentes atores do Poder Judicial tem colocado a existência de pressões por parte do Governo…

Esta é uma lei que está promulgada há três anos e não se pode aplicar. Qual é a pressão do Governo? Quem pressiona à Justiça? O que é evidente é que houve uma quantidade de medidas que travaram a aplicação da lei fruto da pressão das corporações. Quando falam de negação de justiça, a quem se negou o direito de ter justiça? À sociedade argentina que não pode ter uma lei que democratiza a palavra e garante o direito à informação. Não se pode pôr em igualdade de condições o Estado e uma lei da democracia com um grupo que desafia a lei e o Estado de direito e quer permanecer por cima. O que a Argentina necessita é o triunfo da democracia sobre os interesses corporativos.

Que expectativa têm a respeito da Corte Suprema?

O ideal seria que a Corte resolvesse a questão de fundo. Há dois pedidos, um que fez a Afsca, pedindo que assuma o tema da nulidade da prorrogação da cautelar e outro que fez a Chefia de Gabinete pedindo o per saltum. Assim não é possível seguir. Toda lei é constitucional até que haja uma sentença firme que diga o contrário, senão não há ordem jurídica possível.  Se cada vez que um senador ou deputado perde uma votação vai à Justiça, a instabilidade institucional seria a regra. Seria impossível governar.

A oposição diz que, se a Corte decide a favor do Clarín, o Governo “vai contra a Corte”…

Não tenho nenhuma dúvida da constitucionalidade da lei e de que isto termina com sua aplicação. Assim esperamos que a Corte resolva rapidamente. Se pede à Corte, que gerou muitas expectativas com sua renovação, que esteja à altura das demandas das instituições da democracia. Ademais, a Corte falou primeiro de um tempo razoável para a cautelar, depois se deu conta de que isso não chegava e lhe deu um limite concreto. Inclusive disse que não há risco para a liberdade de expressão e que se aplique a lei além da resolução da questão de fundo. A Câmara foi contra o espírito da Corte e a desobedece. Isso é gravíssimo. A Justiça tem que colocar-se e liberar-se das pressões corporativas, porque nossa democracia o necessita.

Indo às críticas que se colocam sobre a lei, tanto na sua aplicação como no seu texto, se vê o caso de Telefe. Além da questão meramente jurídica, se a Telefônica da Espanha controla a Telefônica da Argentina e também controla a Telefe, por mais que estas últimas não estejam vinculadas entre si, não atenta contra o espírito da lei que excluiu prestadores de serviços públicos do mercado da comunicação?

No caso da Telefe nós lhe colocamos três temas. Um vinculado aos capitais estrangeiros, no que se remetem à lei de bens culturais, que esclarece especificamente que as empresas constituídas antes de sua sanção estão isentas desse requisito. Outro tema é a respeito da cota de mercado de 35 por cento, no que reconhecem que estão excedidos e apresentarão sua proposta de adequação. Agora, a respeito do tema de serviço público, para definir a incompatibilidade, a lei pede que haja relação controladora/controlada. A Telefônica da Argentina não tem essa relação com a Telefe. Alguém pode opinar que a lei teria que esclarecer que, se compartilham o mesmo fundo de investimento, já deveria ser um caso de incompatibilidade, mas não o faz. E nosso papel é aplicar a lei. Temos que ver se os planos de adequação de cada um dos grupos cumpre ou não os requisitos. A Afsca tem 120 dias para analisar, dentro desses, há 10 dias para correções e observações que a Afsca faça ao grupo. E depois tem até 180 dias de prazos de execução.

Acredita que a lei poderia não ser aplicada antes de terminar o governo de Cristina Fernández?

Não tenho nenhuma dúvida de que a estratégia do Clarín é não cumprir a lei, sustentar sua situação de privilégio e seguir ferindo o direito à informação. Para isso buscam qualquer estratégia para consegui-lo. Construir cenários políticos para fazer isto. Esse é o acordo concreto que têm com o arco opositor, ainda que seja evidente que tenham um problema grave, que é que todo esse arco opositor não se constituir como alternativa no país porque não tem um projeto. A única coisa que os une é opor-se. Muitas vezes esse arco opositor termina expressando a defesa dos interesses corporativos, vergonhosamente, porque em muitos casos contradizem sua própria historia, sua identidade constitutiva.

Em Sergipe, jornalista tem direito à liberdade de expressão atacado

A liberdade de expressão e a capacidade criativa são dois dos principais valores humanos e, especialmente, dos profissionais do jornalismo. O direito a noticiar os fatos, manifestar opiniões e, ao mesmo tempo, inovar e seduzir o leitor com textos críticos e reflexivos são tarefas essenciais para o bom jornalismo. Mas, por vezes, essas capacidades são fruto de perseguição por autoridades públicas.

É o que está vivendo o jornalista sergipano Cristian Góes, que recebeu a notificação de dois processos movidos contra ele, um cível e outro criminal. O autor dos processos: Edson Ulisses de Melo, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

O Desembargador – que é cunhado do Governador do Estado – alega injúria, difamação, e pede a prisão de até quatro anos do jornalista, abertura de inquérito policial e pagamento de indenização em valores a ser fixado pelo juiz, além do valor de R$ 25 mil para as custas do processo.

A motivação dos processos é um artigo escrito por Cristian Góes, em maio deste ano, em seu blog no Portal Infonet. Vale ressaltar que o artigo está em primeira pessoa, tem caráter ficcional, e não faz qualquer referência a pessoas, espaços e tempos.

Para Cristian Góes, que é ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de Sergipe e ativista pela democratização da comunicação, os processos são um verdadeiro ataque à liberdade de expressão. “São processos judiciais sem o menor cabimento, sem sentido e sem nenhum razão de ser”, diz o jornalista.

Confira abaixo a entrevista e, ao final, o texto que motivou os processos judiciais.

Cristian, em que se fundamentam os processos movidos pelo Desembargador Edson Ulisses? As motivações estão descritas nos processos?

São dois processos. Um criminal e um cível. Mas as fundamentações são as mesmas. Ele alega que eu fiz o texto com o claro objetivo de atacar o governador do Estado, Marcelo Déda. Assim, na parte em que eu escrevo “chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã”, ele imaginou que esse “jagunço” seria ele. O desembargador alega injúria e difamação, pede minha prisão de até quatro anos, abertura de inquérito policial e pagamento de indenização em valores a serem fixados pelo juiz, além de dar o valor de R$ 25 mil para as custas do processo. A questão central é que o texto alvo da ação é ficcional, em primeira pessoa, e não cita nome de nenhuma pessoa, nem local, nem data e nem características pessoais e nem funções públicas. Ou seja, é impossível que um ser humano, real, com nome, sobrenome, CPF, residência fixa, possa se encontrar em um texto ficcional e em primeira pessoa.

Se o Governador Marcelo Déda não moveu qualquer processo judicial pelo seu artigo, por quais motivos o Desembargador Edson Ulisses acreditaria que o texto faz referência a ele?

Sim, o governador do Estado não ingressou com ação contra mim pelo texto e nem poderia fazer isso. Não há qualquer referência a ele no texto. O artigo trata de uma confissão em primeira pessoa de um coronel imaginário dos tempos de escravidão que se vê chocado com o momento democrático e critica esse momento. O texto se refere a um sujeito ficcional, isto é, sem amparo na realidade objetiva. Assim é impossível que o governador, o vice, um senador, um deputado, um desembargador se encontre no texto, ou seja, são ações sem qualquer cabimento. O desembargador Edson Ulisses imaginou que a expressão “jagunço das leis” fosse com ele. Como assim? Quantas pessoas nesse mundo lidam com as leis?

O seu texto foi escrito em maio, mas somente agora em dezembro, sete meses depois, o Desembargador moveu os processos judiciais. Houve algum fato novo nesse período ou isso também lhe causou estranheza?

Não. Não houve nenhum fato novo da publicação até os processos que justificassem. Aliás, nada os justifica. São processos judiciais sem o menor cabimento, sem sentido e sem nenhum razão de ser.

Você acredita, então, que o que está em jogo nesses processos é uma ameaça à liberdade de expressão?

Não tenho dúvida nenhuma que os processos são uma clara e objetiva ação de ataque à liberdade de expressão, que considero depois do direito à vida, o segundo maior e mais importante direito. Ora, se o texto fosse jornalístico, com nome, fatos, eventos, poder-se-ia avaliar o teor, as informações, a veracidade, mas no texto ficcional em primeira pessoa, sem nome e nem qualquer referência de espaço e tempo? Isso é um absurdo e pior, partindo-se de quem deveria – por função pública – garantir a liberdade de expressão.

As ações podem revelar que em muitos rincões desse país ainda se vive na idade dos coronéis nordestinos da década de 30 no Brasil ou numa monarquia absolutista antes da Revolução Francesa. Só nessas condições históricas pode-se ventilar a condenação à prisão e pagamento de multa a quem ousasse a se expressar e que essa expressão contrariasse o sistema.

Eu, o coronel em mim*
Por Cristian Góes

Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?

No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.

Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos.

Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando.

Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.

Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde…se morrer “é porque Deus quis”.

Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos.

O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência.

*Artigo originalmente publicado no dia 29 de maio de 2012, no Portal Infonet

Pesquisador dinamarquês defende comunicação para o desenvolvimento da cidadania

Em visita ao Brasil para participar do I Seminário Brasil-Dinamarca de Comunicação e Cidadania, realizado na Universidade Federal de Sergipe, no último dia 22, o pesquisador dinamarquês Thomas Tufte concedeu uma entrevista sobre o papel da comunicação para o desenvolvimento.

Com experiência em pesquisas sobre comunicação na América Latina e na África, o professor da Universidade de Roskilde (Dinamarca) acredita que, embora os meios de comunicação tenham sido apropriados e utilizados de forma comercial e concentrada, eles têm o potencial de gerar impacto e atuar no desenvolvimento da cidadania. Ele cita o exemplo de países africanos, em que as novas tecnologias têm contribuído para a participação dos cidadãos nos debates públicos.

Sobre a América Latina, Tufte destaca os processos de mudança na legislação em comunicação, mas acredita ser necessário implementar “políticas efetivas para que na prática haja novidade na comunicação”, pois ”os grandes grupos empresariais têm muita força”.

Ao comentar a situação brasileira, o pesquisador alerta que é fundamental um olhar atento à radiodifusão comunitária. Num “contexto de comunicação dominado por grandes empresas privadas, as rádios comunitárias jogam um papel interessante de produção de informação de interesse público. Então, pensar a democratização da mídia no Brasil passa pelo fortalecimento das rádios comunitárias”, defende.

Segundo Tufte, o Brasil deve também buscar experiências de outros países para consolidar a sua comunicação pública. O pesquisador é enfático ao afirmar que “comunicação pública não é comunicação do Estado ou do governo. Não é um instrumento nem uma voz dos governantes, mas é algo que deve ser apropriado e dirigido pela sociedade”.

Seu foco de pesquisa mais recente são os fenômenos comunicacionais na África Austral e Oriental. De um modo geral, qual a situação dos meios de comunicação no continente africano?

A África atravessa um momento dinâmico, por uma série de motivos. Até a década de 1990 tínhamos uma situação em que os governos controlavam quase que a totalidade dos meios de comunicação. E eram poucos os meios. Com o processo de democratização política e a passagem para um sistema multipartidarista, houve também uma mudança nos meios de comunicação, principalmente com a privatização de parte dos serviços. Essa dinâmica tem se mantido, com o crescimento no número de revistas, jornais impressos, em maiores quantidades, mas com pequenas tiragens.

Ultimamente, tem acontecido também uma proliferação de rádios comerciais FM. Mas, de fato, a última onda de mudanças na comunicação na África passa pelo desenvolvimento da internet e, especialmente, da telefonia celular. Esses meios têm criados dinâmicas novas na relação entre a sociedade civil e os governantes. Enfim, é um momento bastante interessante nos países da África e, por isso, estamos pesquisando.

No que diz respeito à propriedade, na África o cenário é de grandes grupos oligopólicos de comunicação ou ainda há uma diversidade considerável na propriedade dos meios?

A situação é de concentração, de grupos grandes dominando a comunicação. Na Tanzânia, um dos países que eu pesquiso, por exemplo, são três grupos que controlam a grande maioria das emissoras de rádio, TV e jornais impressos. No setor de telefonia, também a concentração é bastante alta. Mas, ao mesmo tempo, tem aumentado o uso e a apropriação das novas tecnologias por parte do cidadão.

E, por exemplo, também na Tanzânia estamos estudando o caso da ONG FEMINA HIP, que atua na questão da saúde, que tem desenvolvido todo um conjunto de meios e ferramentas de comunicação que atuam para o desenvolvimento. Por exemplo, o talk show mais popular do país é produzido por essa ONG, a revista de maior circulação também é dessa ONG, produzem também uma rádio-novela. E eles têm utilizado todas essas plataformas para articular debates sobre temas na área de saúde, educação, meio-ambiente.

Uma experiência que demonstra como a comunicação pode contribuir para o desenvolvimento local?

Sim, com certeza. É claro que a tecnologia e os meios de comunicação têm sido apropriadas e utilizadas de forma comercial e concentrada. Mas, elas também podem, sim, ser instrumentos para o desenvolvimento. Se tomarmos outro exemplo, como o do Quênia, em que foram desenvolvidas novas formas de utilização e apropriação do telefone celular. A sociedade desse país tem utilizado a apropriação dessa tecnologia para atuar politicamente e gerar impacto e debate nas questões sociais, políticas e econômicas. Enfim, tudo isso revela o potencial de uso dessas tecnologias em favor dos cidadãos.

Que tipo de aproximações você vê entre essas experiências africanas e a trajetória de comunicação comunitária e popular desenvolvida na América Latina?

A América Latina tem uma sociedade civil mais organizada, mais consolidada e tem uma experiência com comunicação alternativa de muitas décadas. Enquanto na África, em termos gerais, a organização social é mais recente (últimos 15 ou 20 anos). Apesar de na África o rádio ser o meio de comunicação de maior importância para a comunicação entre as pessoas, a dinâmica que está tendo o uso do telefone celular por lá é fascinante, o que está, inclusive, atraindo a atenção de pesquisadores. Tem mudado muito as relações. Por exemplo, no Quênia foi desenvolvido o sistema de transferências bancárias por celular. Então, o trabalhador que está na cidade, mas é da zona rural, ao invés dele voltar pra sua casa para entregar o dinheiro à família, ele pode fazer a transferência diretamente pelo celular. Esse é um exemplo de mudanças nas relações sociais pelas novas tecnologias. Essa tecnologia tem sido importada para vários países do mundo.

Temos que ver para onde isso vai caminhar, mas, de fato, está criando uma possibilidade para participação nos debates públicos. Então, a sociedade na África é muito mais participativa depois do uso dessas tecnologias.

Por muitos anos você se dedicou a estudos sobre a comunicação na América Latina. Como você avalia o atual momento, em especial no que diz respeito às novas legislações em curso na região, em países como Argentina, Bolívia e Equador?

Acho que está mais que na hora de mudanças nas leis de comunicação. Eu felicito os países que modificaram as suas legislações, com perspectivas para a democratização. A luta pela democratização da comunicação é bastante antiga nesta região do mundo, um processo que tem o envolvimento de diversos setores da sociedade.

Então, como avanço legal isso é muito importante. Contudo, precisam de políticas efetivas para que na prática haja novidade na comunicação, no dia-a-dia, porque nesses países da América Latina, historicamente, os grandes grupos empresariais têm muita força.

E a situação brasileira, em que se discute atualmente a necessidade de um novo marco legal para as comunicações?

Sem conhecer os detalhes aqui do Brasil em profundidade, eu sei que as rádios comunitárias continuam sofrendo por falta de autorização e por pouco investimento público. Esse é um grave problema que precisa ser resolvido.

E aqui no Brasil, que tem um contexto de comunicação dominado por grandes empresas privadas – diferente do meu país e da Europa, que têm muitos meios públicos – as rádios comunitárias jogam um papel interessante de produção de informação de interesse público. Então, pensar a democratização da mídia no Brasil passa pelo fortalecimento das rádios comunitárias.

Na Argentina, que tem uma situação parecida, com a nova lei se abre parte considerável do espectro para a comunicação comunitária. O Brasil pode seguir o mesmo caminho.

Falando da experiência dos países europeus que você citou rapidamente, que elementos da tradição européia de meios públicos o Brasil pode buscar para, a partir da sua realidade, fortalecer a comunicação pública?

Acredito que são muitas as contribuições, principalmente porque, como você disse, a mídia pública na Europa se constituiu ao longo da história, como uma prioridade em termos de comunicação.

A primeira questão essencial é a participação da sociedade civil na gestão, na administração das emissoras de TV e rádio públicas. Então, é importante ter conselhos com a presença de diversos setores da sociedade civil, especialistas e universidades.

Outro aspecto é o financiamento público, com a previsão de recursos que garantam uma boa estrutura, equipamentos de alta tecnologia e profissionais de qualidade para essas emissoras.

É importante também ressaltar que comunicação pública não é comunicação do Estado ou do governo. Não é um instrumento nem uma voz dos governantes, mas é algo que deve ser apropriado e dirigido pela sociedade.