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A comunicação como cooperação produtiva

A pouca idade de Francisco Sierra Caballero parece não ter acompanhado sua produção intelectual. Apesar de ser considerado um dos mais novos pesquisadores latinos colaboradores com o pensamento crítico no campo das TIC, ele já possui mais de 20 livros publicados e quase 40 artigos inseridos em revistas científicas, tendo ganhado renome internacional com pesquisas sobre as tendências das políticas de comunicação educativa na construção da Sociedade Global da Informação.

Sierra é professor da Universidade de Sevilha e diretor do Centro Iberoamericano de Comunicação Digital e do curso de pós-graduação em Comunicação e Desenvolvimento Local. Doutor em Ciências da Informação, o investigador espanhol é membro permanente da International Association for Media and Communication Research (IAMCR). Dentre suas principais publicações estão “Apuntes para uma Historia de la Comunicación Educativa” (2002), “Crítica de la Economía Política de la Comunicación y da Cultura” e “Políticas de Comunicación y Educación (2006)”.

Em entrevista ao Boletim de Notícias da Rede Eptic, Francisco Sierra defende a necessidade de formulação de políticas públicas de comunicação educativa e diz que o conhecimento não deve ser tratado como mercadoria, mas sim socializado. O pesquisador acredita que as TIC e suas inovações implicam mudanças nas relações sociais e que se torna necessária a construção de políticas locais e regionais de comunicação. Ele ressalta a importância das investigações da Ulepicc na construção de um novo modelo social de comunicação como cooperação produtiva e afirma que a participação da comunidade nos processos inovativos deve ser vista como planejamento de desenvolvimento e de mudança social.

EPNOTÍCIAS – Ao abordar o processo histórico da comunicação educativa em um de seus livros, o senhor aponta a comunicação, a educação e o desenvolvimento como sendo três paradigmas importantes para a concretização de um universo discursivo de liberdade do saber e do conhecimento. Como fazer uso pedagógico dos meios de informação em uma estrutura internacional oligopolizada, que promove a mercantilização do saber e do conhecimento?
Francisco Sierra –
 Eu acredito que são muito importantes as experiências locais no apoio à luta dos movimentos sociais, a uma socialização do conhecimento com as tecnologias da informação e da comunicação, a uma democracia participativa radical. Também é muito importante o projeto de redes interurbanas, projetos em que essas experiências locais tenham conexão com outras experiências de socialização das novas tecnologias. Quando eu falo que há uma individualização de políticas públicas é porque estes projetos estão desconectados com projetos de mobilização social para a conquista do desenvolvimento equilibrado e igualitário. É muito importante a cooperação entre territórios, a cooperação entre movimentos sociais, a cooperação entre atores, o intercâmbio e a troca de experiências profissionais.

Como atingir a universalização do conhecimento através da comunicação?
A primeira condição é que os próprios canais, os meios de comunicação sejam públicos, para a socialização e universalização do conhecimento que não seja uma mercadoria. A idéia é que a cultura e a comunicação não sejam tratadas como uma indústria, não se rendam à lei do valor, à mercadoria. É preciso trocar a lógica da mercadoria por uma lógica de serviço público, de interesse público. Na prática, isso se faz através de políticas públicas, que por sua vez, não podem ser nacionais, mas sim supranacionais, a exemplo do Mercosul e União Européia. Deve ser feito um projeto de regulação transnacional, sem esquecer as especificidades locais, pois cada região tem que se voltar para sua tradição, seu modelo de desenvolvimento e necessidades sociais.

Quais as problemáticas e benefícios da introdução dos novos sistemas de informação e de comunicação no setor educativo?
Eu destacaria dois problemas. Um deles é de adaptação em nível de inovação tecnológica. Isso é uma problemática para o sistema educativo porque a tecnologia de ponta, mas avançada, é muito cara para um sistema público, com pouco financiamento. O segundo problema é que os sistemas formais de ensino de educação superior da universidade devem reformular seu modelo de organização, seu modelo institucional. Isso traz problemas porque são instituições tradicionais, muito resistentes a mudanças organizativas. Mas é preciso reorganizar porque as TIC’s implicam em mudanças das relações sociais, da relação professor-aluno, da relação entre pesquisador e comunidade.

Como o senhor vê a relação entre as ações do Estado, das empresas privadas e das universidades?
A interação entre sistemas, ciência e tecnologia, sob o ponto de vista do desenvolvimento local, abre um debate para pensar como o pesquisador vincula seu trabalho com a comunidade, com a empresa, com o desenvolvimento territorial. Esse pensamento já tinha sido formulado nos anos 60, mas na década de 80, com a política neoliberal, foi abandonado. Agora, coloca-se novamente em discussão a relação entre desenvolvimento científico e desenvolvimento territorial. Em alguns lugares, tem sido criadas cidades do conhecimento, que integra o setor privado, universitário e público, os sistemas de ciência e tecnologias e demais atores sociais, como poderes públicos e movimentos sociais. A função é monitorar idéias e articular os vínculos. Na Espanha e União Européia, por exemplo, estamos pensando na agenda do século XXI, nas políticas culturais para o desenvolvimento local. Está muito avançada esta reflexão, mas os observatórios são escassos.

Mesmo com as tendências da rede global de informação e as contradições observadas com o discurso público liberal sobre a comunicação e democracia, o senhor acredita que se pode construir um novo modelo social de comunicação como cooperação produtiva?
É possível. O debate deve ser até 2010. Tem-se uma crítica da política pública para reformular os princípios da economia política liberal e das políticas funcionais ao capitalismo cognitivo. Por outro lado, é preciso fazer um trabalho de articulação social com as comunidades, com os cidadãos, para que sejam conscientes de como essas transformações da comunicação e do conhecimento afetam nas suas vidas, em seu cotidiano. É um trabalho de pedagogia política, pedagogia para a democracia. Vários pesquisadores chegaram à conclusão que o projeto de política de educação tem que ser para a cidadania, informação e conhecimento.

Por que a comunicação educativa é um campo estratégico para a configuração dos modelos de desenvolvimento regional?
Porque o capitalismo cognitivo depende diretamente da ciência e tecnologia. Mas é necessário haver mediação, que é a educação. A troca de conhecimento e pesquisa é uma questão positiva. Descobriu-se que a riqueza das nações depende do sujeito do trabalho, das comunidades, de sua cultura, de sua criatividade, o que os economistas ortodoxos denominavam ‘valor agregado’, da cultura de produção. Esses são os elementos que distinguem a produtividade de uma economia. A idéia central depende de como se qualifica a força de trabalho, como isso se reflete no desenvolvimento e como seriam as instâncias da ciência e tecnologia no desenvolvimento regional. É nesse processo que o papel da comunicação educativa é vital, pois promove a socialização das tecnologias da informação e a criatividade da inovação científica e tecnológica. Se os trabalhadores precisam das tecnologias da informação, deve-se educa-los sob as perspectivas de políticas públicas.

Com a globalização midiática e a conseqüente concentração dos setores da indústria cultural, acaba acontecendo um processo de reconstituição dos poderes públicos, em que o Estado cede às empresas privadas a função de administração dos serviços de interesses públicos. Quais são as alternativas de mudança da comunicação frente aos discursos liberais e qual o papel dos movimentos sociais nesse processo?
Do ponto das alternativas, nós que formamos a ULEPICC estamos trabalhando no que denominamos de agenda ULEPICC, agenda de políticas públicas, um dos objetivos fundamentais é a mudança da comunicação, partindo-se da idéia de que a comunicação é um direito humano, não uma mercadoria, e de que as políticas públicas sejam planejadas em escala global. Daí um debate importante do movimento CRIS, movimento pró direito da comunicação à sociedade da informação global. Nós da ULEPICC temos reforçado que é preciso uma mudança na comunicação com formulação de políticas públicas que não sejam planejadas em nível nacional, mas em nível supranacional. Por isso a ULEPICC é um coletivo latino, que engloba toda a América Latina, Espanha, Portugal, colegas latinos da França, Itália, Canadá, com essa missão global de que existe essa divisão internacional do trabalho cultural. Então se a cultura desses países deve posicionar-se de forma a construir políticas públicas em conjunto, políticas de cooperação internacional, se quer apurar o papel da comunicação e desenvolvimento. Os movimentos sociais também devem trabalhar politicamente a comunicação. O Fórum Social Mundial tem formulado políticas em matéria de comunicação, mas os movimentos sociais em geral, não trabalham com missões comunicativas dialógicas, participativas e democráticas, nem tampouco têm um discurso sobre o papel central da comunicação para subdivisão social e das lutas sociais. É necessário que os movimentos sociais sejam conscientes da comunicação e operem em escala regional e também em escala supranacional, com as políticas públicas dos Estados.

Em um dos seus artigos, o senhor diz que as forças políticas e sociais devem começar a definir políticas locais e regionais de comunicação. Como isso pode ser alcançado na América Latina e na União Européia, em que o livre fluxo de informação tem causado graves problemas, dentre eles a redução das taxas de produção local e dos espaços próprios de difusão audiovisual?
Evidentemente os poderes públicos locais, por si sós, não podem mudar as condições de desenvolvimento local ou regional. É preciso alianças interurbanas, inter-regionais, mas é preciso ter políticas locais porque hoje as políticas públicas são nacionais, mas não havia descentralização, e o capitalismo global obriga a descentralização. O Estado é mínimo e as esferas regionais têm papel central para fazer frente às mudanças das políticas neoliberais, às mudanças da competitividade industrial e econômica. É preciso ter uma política de comunicação e cultural para fazer estratégias inteligentes. Para se ter uma idéia, no período entre 2004 e 2006, não Europa, não houve políticas locais de comunicação nem tampouco políticas regionais. Na América Latina, pelo pouco que conheço, vê-se Estados muito centralizados. Não é o caso do Brasil, mas é o caso do México e do Chile. As entidades locais e regionais só querem competência apenas, competência para se chegar ao desenvolvimento territorial e que também formule políticas culturais para um equilíbrio e aproveitamento dos seus próprios recursos.

No caso da Internet, o problema é de brecha digital ou participação?
De participação, porque a brecha digital pressupõe que cidadão é usuário, consumidor de um bem que não é público, mas sim mercadoria. Então à indústria cultural interessa que a demanda cresça. A internet basicamente não é um problema. O importante é saber que papel tem esses cidadãos no planejamento da mudança tecnológica, da inovação tecnológica, dos usos das tecnologias da informação sobretudo para o desenvolvimento regional ou comunitário, que papel tem a produção de conteúdos, a organização dos sistemas de educação e informação e a geração do conhecimento. As políticas públicas nunca fomentam a participação. Entende-se a participação como acesso, como consumo, mas a participação deve ser vista como planejamento de desenvolvimento e de mudança social. A Unesco, quando fala de indicadores de acesso digital, está falando de participação, mas na prática não faz nenhuma política ou esforço ou projeto com participação do povo para articular comunitariamente conhecimento. As políticas de comunicação normalmente confundem acesso de informação com participação. O acesso se faz com políticas da brecha digital, diferentemente da participação, que implica aceso, formação, criação e autodeterminação, capacidade de controlar os próprios recursos, as próprias tecnologias, os próprios conhecimentos comunitários.

Como a rede de pesquisadores da ULEPICC está participando das formulações de políticas públicas para um modelo de desenvolvimento da comunicação?
Desde o ano 2000, a ULEPICC vem trabalhando com movimentos sociais, por exemplo, com o Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Na Espanha também estamos trabalhando com a plataforma de defesa da televisão pública, com as organizações sociais. Fazemos com que as pesquisas de economia política crítica e as propostas de políticas públicas democráticas de comunicação sejam debatidas com os movimentos sociais.

Quais as contribuições das suas investigações na área?
A mais importante é o livro que publiquei em 2006, “Políticas de Comunicación y Educación”, porque, tradicionalmente, quando os pesquisadores da pedagogia ou da comunicação pensam em comunicação educativa como missão política, como uma positiva utilização das novas tecnologias para a educação, para o ensino superior e educação básica, mas não é uma questão política. O primeiro estudo global, com um traçado histórico sobre as políticas públicas de convergência entre o setor educativo e comunicativo foi este estudo que publiquei. Essa é uma contribuição importante para mudar a visão dos educadores e dos comunicólogos que frente à sociedade do espetáculo, dependem da comunicação educativa para valorizar. Há uma economia da comunicação educativa, há uma mudança nesse setor educativo pelas indústrias culturais, as quais também têm interesse na comunicação educativa. Tiveram interesse na época da televisão educativa via satélite e agora com a internet e a tele-educação. Isso é um apanhado de economia crítica e das origens da comunicação educativa como intervenção interdisciplinar.

A cara da Empresa Brasil de Comunicação

Tereza Cruvinel trocou a redação do jornal O Globo por um gabinete no sexto andar do bloco A da Esplanada dos Ministérios, onde funciona a Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom). Deixou para trás 24 anos de bons serviços prestados a um dos maiores diários do Brasil para assumir uma missão ousada: presidir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), gestora da TV Brasil. Em uma pequena sala na Secom, onde está instalada provisoriamente, Tereza Cruvinel recebeu a revista IMPRENSA para uma longa entrevista.

IMPRENSA – Como foi a sua despedida de O Globo?
Teresa Cruvinel
– Considero que tenho uma trajetória vitoriosa no jornalismo, principalmente no político, onde fiz toda a minha carreira. Vivi os anos de transformações políticas mais importantes do nosso país. Tive o privilégio de exercitar o jornalismo político por longos tempos, quase 21, em um espaço muito nobre que O Globo me confiou. O jornal me deu uma oportunidade extraordinária de desenvolver minha capacidade analítica e de observar a política com o que eu acho mais importante, que é a busca da compreensão.

Foram anos muito gratificantes e, por isso, explicitei a minha gratidão ao O Globo por essa experiência e o jornal também, no texto de Rodolfo Fernandes, no dia da minha despedida, disse que estávamos tendo uma separação amigável, emocionalmente dolorosa, mas que isso fazia parte da minha busca interior de passar outra etapa profissional. Então, por essas razões profissionais, muito mais pessoais do que profissionais, o chamando interior a fazer coisas novas, ao invés de continuar a fazer por mais 10 anos aquilo que já sabia a fazer muito bem, que aceitei o convite.

A senhora se lembra o dia em que recebeu o convite do ministro Franklin Martins?
A questão da TV Pública é do meu interesse. Quer dizer, eu tive outras oportunidades de deixar o que fazia, coluna política no O Globo e comentário na Globonews, mas só um desafio que me sensibilizasse muito e fosse ao encontro dos meus interesses seria capaz de me levar a dar um passo tão grande como dei. No sentido de trocar um lugar estável, uma trajetória bem sucedida, para uma construção que está começando do zero. Eu sempre acreditei que o Brasil tinha espaço para uma TV Pública.

Há muitos anos que existe essa discussão e muita gente acha que isso começou ontem, pelo governo Lula. Não é verdade. Um dia o ministro Franklin Martins me chamou para uma conversa geral sobre como anda o nosso mercado, a satisfação de cada um. Ele estava me sondando, mas eu não tinha entendido. E falamos da TV Pública. Em suma, a conversa evoluiu por aí, se haveria disposição minha para fazer isso. Muita gente não acreditava, nem ele mesmo. Passei três dias pensando e disse a ele que ira conversar com o jornal, com os meus superiores. Fui ao Rio, tive uma conversa com Rodolfo Fernandes e outra com João Roberto Marinho. Foram conversas muito civilizadas, eu diria até muito afetuosas, onde a minha decisão estava muito bem formada. Sempre deixei claro isso. Não tenho nenhuma insatisfação no jornal e nem com as organizações Globo. Foi um impulso meu de enfrentar esse desafio e assim foi formalizada a minha saída do O Globo. Acho que foi uma das saídas mais amistosas porque nem sempre um desenlace de relacionamento profissional tão longo é pacifico. E tivemos um desenlace muito legal.

Nesse período à frente da coluna, qual foi a matéria mais marcante na sua carreira nacional?
Trabalhei 24 anos no O Globo. Fui repórter de política. Na minha carreira de jornalista política, as coisas mais inesquecíveis estão relacionada com o fim da ditadura. E a cobertura mais inesquecível é a campanha das diretas. Cobri alguns comícios e as articulações. Não era colunista. Como colunista, muitas coisas foram especialmente gratificantes, como uma campanha de inclusão digital, que me rendeu o prêmio Unisys. No cotidiano da política, sempre procurei oferecer análise. Tive mais acertos do que erros.

A senhora acredita que experiência da TV Cultura de São Paulo pode ajudar a TV Brasil?
A TV Cultura é uma experiência bem sucedida no sentido de que ela procurou pautar no modelo público de gestão, um Conselho Curador. Embora, ao longo dos governos, há momentos de maior ou menor intervenção governamental. Esse é um risco permanente de toda a TV Pública. Por isso, temos que ter todo cuidado e explicar à sociedade que a TV é sua, sendo que o Conselho é o seu representante. A idéia pode ser resumida em uma pergunta que o ex-governador Mário Covas fez: como é essa TV Cultura que eu pago, mas não mando?. O governo paga a TV Pública, mas a sociedade, por meio do Conselho, deve controlá-la. Nesse sentido a TV Cultura nos ensinou muito. Mas nenhum modelo é perfeito, acabado. A TV Cultura contribuiu com uma programação muito boa e diferenciada e provou que há espaço para a TV Pública produzir coisas diferentes no Brasil. Você tem um programa como o "Roda Viva" que é vitorioso, talvez um dos programas mais vitoriosos da TV brasileira. A TV pública pode fazer coisas diferentes.

Falando de modelos, vamos pegar dois modelos bem diferentes: o da Venezuela e o britânico. Qual é o que mais se enquadra no caso brasileiro?
A BBC é uma TV Pública e é a experiência de mais êxito no mundo porque tem mais independência e, por isso, tem a relação mais tensa com o governo. A TV do Chávez é governamental. O nosso ideal, o espelho que a gente busca, não copiar, mas adaptar experiências é o modelo das TVs Públicas européias. Entre eles destaca-se a BBC.

E o financiamento da TV Pública, como será feito. Será cobrado um imposto como acontece em alguns casos da Europa? Esses R$ 350 milhões são suficientes?
Isso está definido na Medida Provisória. Claro que não há espaço no Brasil, pela nossa desigualdade e a carga tributária que é alta, para cobrar um tributo como é na Inglaterra, Alemanha e Canadá. O modelo de financiamento que está estabelecido na MP é dotação orçamentária. Então, os R$ 350 milhões correspondem à dotação orçamentária do ano que vem. O governo federal já gasta R$ 220 milhões com a TVE do Rio de Janeiro e com a Radiobrás. Se você fizer a conta, o acréscimo está sendo muito pequeno, de R$ 80 milhões. E se você considerar que várias TVs estaduais vão entrar numa rede, vão ter upgrade na sua programação, vão prestar melhores serviços a população, vão produzir conteúdo regional esses recursos estão sendo otimizado. Na verdade não acho que é um investimento tão significativo assim. Porque já existe uma base de gasto. Com ou sem TV Brasil já está gastando. Além disso, existem outras fontes como publicidade institucional de empresas públicas, estatais e privadas, financiamento de produção com as leis de incentivo a cultura, Lei Rouanet, e podemos obter receita com doações. E temos também a possibilidade de prestar serviços aos governos federal, estadual ou setor privado, como uma produtora. Nós temos essa diretoria que vai ter essa possibilidade. Enfim, quando mais nós ampliarmos a receita além da dotação orçamentária, melhor para TV Pública, melhor para a sua qualidade e para ela ser mais independente do Estado.

A TV Pública já tem data para entrar no ar? Como está sendo o cronograma e a estruturação?
O nosso objetivo é aproveitar o máximo possível os quadros das duas instituições: o da TVE e da Radiobrás. Tem muita gente de qualidade. Alguma coisa, muito especifica, um quadro muito especial, nós podemos pedir autorização ao Conselho Administrativo para contratar. São casos muito especiais. Recentemente saiu uma notícia dizendo que a TV Pública pode contratar sem concurso. Não se trata disso. Não tem uma fila de inscrições aqui aberta. Também não haverá demissões. No que tange ao cronograma, gostaríamos de aproveitar o dia 2 de dezembro, quando o Brasil entra na era digital, para unificar a programação das emissoras. Temos um canal novo em São Paulo, em sistema digital, que já poderia estrear nesse dia. Nós gostaríamos de fazer coincidir a era digital com a era da TV Pública em rede no Brasil. Mas precisamos avaliar se é possível cumprir esse cronograma, pois há providências burocráticas que precisam ser tomadas para que nada escape da legalidade. Estamos levando com muita cautela e com muito cuidado. Se não for possível cumprir esse cronograma, nós vamos mudá-lo.

A senhora vai mudar para o Rio?
A sede é no Rio, mas a central de jornalismo, dirigida pela Helena Chagas, fica em Brasília. Eu vou procurar estar presente um pouco no Rio, mas vou continuar morando no Distrito Federal.

Por que?
Teresa Cruvinel – Porque a atividade de um presidente não é de executor da televisão. Não sou diretora executiva, é o Orlando Senna. A atividade de um presidente tem muito a ver com a representação e com as diretrizes gerais da televisão, a interface com o Conselho e com a sociedade. Então, quando as pessoas perguntam muito se eu já dirigi uma televisão, respondo que nunca dirigi. Mas não é isso que vou fazer no dia-a-dia. Não vou operar a programação, o conteúdo diretamente. Por isso que tem a figura do diretor geral executivo que é o Orlando Senna, um homem televisão, de audiovisual e com experiência nessa área, além de uma diretoria de pessoas muito competente em suas respectivas áreas como Helena Chagas, no jornalismo e toda diretoria.

Por a sede ser no Rio, não dificulta a aprovação?
As bancadas do Distrito Federal e de Goiás vêm expressão forte desejo e pressão para que a sede seja em Brasília. Mas nós temos conversado com eles e demonstrado a dificuldade de transpor para o DF a maior unidade produtora de conteúdo da futura rede que é a TVE. Como você vai transferir uma unidade daquela para Brasília. É uma unidade produzindo. Isso é criar custo. Agora, aqui vai ter um escritório central e o jornalismo e algum outro conteúdo será aqui. Na medida que a rede vai se constituindo, ampliando, veremos para onde se ela expande. Acho que há muito futuro para a TV Brasil em Brasília, mas transpor a principal unidade produtiva para cá é inviável.

O debate dessa televisão não está muito concentrado no eixo Brasília-Rio-São Paulo?
Não é verdade. É porque Brasília, São Paulo e Rio são unidades federais, mais Maranhão porque TVE do Maranhão é federal. São estruturas da Empresa Brasil de Comunicação, empresa gestora da TV Brasil. As outras TV educativas são estaduais. Nós não mandamos nela e desejamos construir uma rede. Estão chegando pedidos seguidos de estados que querem firmar convênio de adesão para participar da Rede Brasil de Televisão.

Por falar em Conselho, como está a formação? Há especulações das entidades não governamentais que lançam nomes como Mano Brown. Como a senhora vê essas especulações?
É natural que muita gente queira entrar no Conselho da TV Pública, é natural que haja implantação de nomes para ver se emplaca, é natural que as organizações pensem que será uma federação de entidades representativas da sociedade. Mas não é assim. A concepção do Conselho é que ele seja composto com pessoas com grande representação da sociedade, mas, enquanto pessoas físicas, enquanto profissionais, enquanto intelectuais ou enquanto ativista de um setor. Mas não de entidade, não de organizações, não de movimento sociais ou sindicais. Acabaria-se tendo uma espécie de partidarização. O que se busca é um conselho plural. Agora, eu, como presidente da diretoria executiva, não estou apitando na montagem do conselho. Não devo.

Mas quem está sugerindo esses nomes? O presidente Lula?
Acho que o presidente Lula buscou a forma mais democrática de montar esse Conselho. Ele poderia tirar do bolso do colete. Mas o que ele fez foi convidar uma pessoa com trânsito muito largo na sociedade, de muita respeitabilidade que é o doutor Luiz Gonzaga Belluzzo e o encarregou de apresentar uma lista múltipla de nome. Agora fica uma pergunta: se não for o presidente, quem fará a nomeação? Vamos fazer uma eleição direta? Estudamos todos os conselhos de gestão pública no mundo e, até agora, não há exemplo em que o Conselho Curador surja da própria sociedade. Ninguém descobriu uma fórmula mais democrática. Na Inglaterra, por exemplo, a rainha apresenta nome ao primeiro-ministro. Quem apresenta para a rainha? Acho que não há muito de como fugir desse esquema. Agora, o presidente da República não pode destituir um Conselheiro. Quem pode destituir um Conselheiro são três quintos do próprio Conselho. 

Há pressão de aparelhamento político desse Conselho?
Olha, acho que se o presidente Lula quisesse fazer um Conselho para atender interesses políticos, ele tiraria do bolso e indicava sem ouvir ninguém. Acho que quando o Belluzzo divulga os nomes que apresentou, isso já dificulta a eventual tentativa de aparelhá-lo. Há alguns critérios, como ninguém do governo pode entrar e não haverá representantes de partidos. A não ser se que o Congresso faça uma mudança na MP, que inclua representantes das duas casas. Não vejo nenhuma pressão. O que vejo são aspirações, muita gente gostaria de ser membro do conselho. 

Mas é um poder fascinante o da televisão… É um risco que se apresenta, caso sejam aceitam as pressões de pessoas de uma determinada tendência de assumir cargos chave dentro da TV.
Até agora não vi nenhum nome que represente aparelhamento. Todos os nomes que devem estar na lista do doutor Belluzzo são representativos. Tenho certeza que o presidente Lula, ao escolher essas pessoas, estará consciente de que é muito importante a representatividade desse primeiro Conselho para a credibilidade da TV pública. Não tenho receio que esse Conselho tenha distorções em sua finalidade.

Como a senhora está vendo as críticas que vêm da oposição no Congresso a TV Pública?
Existem alguns parlamentares que acham que a TV é desnecessária, mas a crítica mais freqüente que está vindo do Congresso é o uso de medida provisória ao invés de projeto de lei. Sobre isso já conversei com alguns parlamentares e pretendo conversar com muitos explicando duas coisas: a primeira, o porque da medida provisória? Seria ideal se tivesse um projeto de lei fosse discutido durante um ano no Congresso. Seria ideal se essa TV pública tivesse nascido do zero. Agora, quando envolve duas instituições já existentes (TVE e Radiobrás), onde já há grande insegurança sobre o futuro, sobre o que será feito dos funcionários, do patrimônio, acho uma temeridade ficar discutindo durante meses e as pessoas ficarem mais tempo expostas as incertezas. A outra questão é o dia 2, a entrada da TV digital. É esse momento tecnológico novo que viabiliza a constituição da TV pública e gostaríamos de estar nesse calendário.

A senhora disse que quer conversar com muitos parlamentares. Antigamente, esses parlamentares eram a sua fonte. Hoje, está trabalhando para aprovação de um projeto. Como a senhora vê essa inversão de papel?
Olha é uma mudança de papel, mas não estou sentindo nenhum desconforto. Porque estou convencida da necessidade e da oportunidade rara, talvez a última, de ter uma rede TV pública no Brasil. E quando você esta convencida de que tem uma boa causa, reduz qualquer desconforto. Não tenho dificuldades de conversar com nenhum segmento do Congresso. Fiz um jornalismo pluralista que sempre dialogou com todas forças políticas. Hoje tenho canais e isso está sendo um bom capital para exercer essa tarefa de debater. Tenho várias agendas no Congresso e irei em todos os fóruns para explicar a TV Pública.

A senhora acredita que a MP da TV Pública pode ter o mesmo caminho do Ministério do Futuro, quando foi rejeitado no Senado?
Não acredito nesse risco. Primeiro porque este episódio aconteceu no contexto de disputa máxima na crise do Senado. Eu creio que a MP da TV Pública vai ser votada em outro contexto. Segundo, aquilo foi um troco de uma bancada (PMDB) e foi mal gerida politicamente. Nós esperamos não cometer nenhum erro no gerenciamento da tramitação da MP. Para isso mesmo que será feito esse trabalho de contato direto dos gestores com os parlamentares. É claro que os ministros Franklin e Mares Guia vão ajudar, os líderes do governo, mas nós, que vamos ser responsáveis pela implantação da TV, estaremos lá diretamente. Eu, Helena Chagas e Orlando Sena estamos dividindo tarefa nesse sentido.

A senhora acredita que quando sair da TV Pública a sua credibilidade vai ficar abalada por participar do governo Lula?
Duas coisas. Primeiro, embora não ache que trabalhar em governo não seja demérito profissional para ninguém, muitos grandes profissionais trabalharam e voltaram para o mercado de trabalho, embora não veja nenhum problema nisso, estou indo dirigir uma instituição independente que o governo patrocina. Não estou trabalhando em uma atividade fim do governo. Não sou ministra do governo, presidente de estatal. Vejo a TV pública independente que tem apoio do governo. Quanto as minhas dificuldades profissionais, não tenho receio sobre o meu futuro. Primeiro porque acho que tenho experiência profissional suficiente para fazer muitas coisas na vida. Não sei o que vai se feito quando o meu mandato acabar. Se a MP for aprovada e a TV pública for vitoriosa, terei um mandato de 4 anos demissíveis pelo conselho curador. Antes de ser jornalista, venho de uma longa trajetória, fiz muitas outras coisas. Se não tiver mais espaço no jornalismo, não terei dificuldades para sobreviver.

Há muito tempo a senhora vem sofrendo acusações de que tem ligações com o PT, principalmente do Diogo Mainardi. Esses ataques pesaram na sua decisão?
Eu seria falsa se falasse que não senti nenhum desconforto, nenhum desagrado com isso. É realmente muito desconfortável você está trabalhando, dando o melhor de si, fazendo o jornalismo de sempre, meu jornalismo é o mesmo de 20 atrás, pautado pelo significado dos fatos. Mas não foi isso que pesou na minha decisão, esse tipo de ataque sofro desde 2004. No governo Fernando Henrique, também, muita gente gostava de dizer que eu era serrista porque cobri as atividades do ministro José Serra, que foi excelente Ministro da Saúde. Então isso vem de longe. Mas como a luta política se acerbou no governo Lula, esse tipo de projeção da luta política no jornalismo aumentou. Mas isso não pesou na minha decisão. Isso vem acontecendo. Passei por isso no outro governo, nesse, mas não foi isso que pesou. Acho que o jornalismo passa por um momento difícil por conta dessa ocorrência mais acuda de intolerâncias e de projeção de luta política. Mas o jornalismo é uma atividade eterna, mas bela profissão do mundo, maior que essas dificuldades conjunturais.

A senhora quando sofreu esses ataques do Diogo Mainardi ficou muito calada. Você tem alguma coisa uma reposta para ele?
Não tenho nada a dizer a ele. O meu trabalho é que fala por mim. O meu trabalho na minha saída foi amplamente reconhecido pelas pessoas que entendem no jornalismo.

Mídia critica a política, mas faz parte dela

Um somatório de crime e escândalo. Esse é o perfil do noticiário brasileiro hoje. É a mídia fazendo política e dizendo que não faz; afirmando que política é tudo de ruim que existe no País e sendo parte dela, sem assumir-se. Para o pesquisador em Comunicação e Política, Antonio Albino Canelas Rubim, professor na Universidade Federal da Bahia, o problema do sistema de comunicação no Brasil é que ele não mudou desde a época da ditadura – e não existe democracia plena sem democratização dos meios de comunicação.

Crítico contundente da mídia brasileira, Rubim é enfático ao afirmar o caráter elitista da mídia nacional, “pautada pelo preconceito de classe social”. Como exemplo, cita a relação entre a imprensa e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o pesquisador, a postura da mídia em relação ao presidente da República é extremamente “preconceituosa e arrogante”. Nesta entrevista, o professor fala ainda sobre os benefícios que as novas tecnologias podem proporcionar, mas ressalta que essas mudanças não ocorrerão se a sociedade não ficar atenta à forma de implantação desses novos espaços de comunicação.

Muito se fala sobre a capacidade de influência da mídia sobre a sociedade, principalmente da intervenção na cena política. Qual é realmente o alcance dessa influência? A sociedade é pautada pela mídia? E a política?
Rubim
– Não acredito que a sociedade seja pautada pela mídia. Existem vários exemplos em contrário a dizer que a sociedade é totalmente influenciada pela mídia. É claro que os temas colocados pelos veículos de comunicação se tornam importantes no cenário de discussão da sociedade, no sentido de existir certa influência. Agora, cada vez mais, um conjunto de outros fatores interfere naquilo que a sociedade está assimilando em termos de visões, de opiniões.

O exemplo mais claro, e recente, foi que, na eleição do ano passado, a mídia insistentemente tentou pautar alguns assuntos bastante controversos e indigestos para o governo e o presidente Lula. No entanto, o presidente foi reeleito com uma votação bastante grande, mostrando descompasso total entre o que a mídia afirmava ser a opinião pública – da qual ela sempre se diz portadora – e aquilo que efetivamente as pessoas pensavam. O que não significa que a questão da democratização da comunicação não seja fundamental para a democracia brasileira. É muito difícil imaginar que a democracia possa conviver com esse paradoxo: grande parte da população pensar de uma maneira e os meios estarem caminhando para o outro lado.

Quanto à política, a mídia a influencia das formas mais variadas. Por exemplo, a mídia cria determinados espaços públicos – que no caso do Brasil são pouquíssimo democráticos – de publicização da sociedade. Parte da política precisa muito de visibilidade. A eleição, por exemplo, é, por excelência, publicizada. Então, a política depende muito de visibilidade. Assim, temos uma dependência forte da política em relação à mídia.

Há ainda o que se chama hoje de governabilidade. Quem dá governabilidade a determinado governo? De um lado, ele precisa ter determinadas correlações de forças no Legislativo. Mas não é só a base de apoio parlamentar que dá governabilidade. Se um governo não tem apoio da mídia, ou pelo menos a neutralidade dela, você está o tempo todo correndo o risco de ter uma crise. O próprio governo Lula é exemplo disso, com a mídia procurando problemas o tempo todo para deixar o governo refém, o que afeta profundamente a governabilidade.

Em relação ao caráter centralizador e autoritário da mídia brasileira, podemos citar um dado impressionante. Toda vez que tivemos no poder determinados governos que não era totalmente alinhados com as elites locais – digo totalmente porque às vezes não era nem um governo tão revolucionário assim –, governo Getúlio no segundo mandato, governo João Goulart e agora governo Lula, todas essas vezes a mídia tentou fazer com que eles aparecessem como as gestões mais corruptas da história do Brasil.

Isso não é coincidência, mostra o caráter militante e conservador da mídia brasileira. Basta que não haja um governante dentro dos padrões e dos interesses das elites que a mídia tenta detonar esses governantes. Não estou dizendo que essas administrações não tiveram algum nível de corrupção. Eu até gostaria que fossem diferentes, realmente gostaria que no governo Lula essas derrapadas não tivessem acontecido. O PT dilapidou parte de seu patrimônio.

A partir do episódio das últimas eleições presidenciais, pode-se dizer que a mídia perdeu poder de influência sobre a sociedade? Quem é, hoje, o formador de opinião?
Penso que no Brasil está acontecendo uma transformação subterrânea, que a mídia na sua arrogância e elitismo não tem conseguido acompanhar, e, por isto, vive reafirmando suposições passadas como se ela fosse a senhora absoluta da opinião pública. As mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais que vêm acontecendo nos setores populares, para o mal e para o bem, são a novidade no quadro brasileiro atual. Precisamos estar atentos a elas, estudá-las, sem a pretensão de já saber de tudo que está acontecendo. Há uma profunda mutação nos modos de construção das opiniões públicas no País (sempre no plural). As novas tecnologias têm também algum papel nisto, mas o centro das mudanças está nos setores populares. Ainda não existem respostas prontas neste caso.

Qual sua avaliação sobre o trabalho dos veículos de comunicação em relação aos episódios políticos atuais no País?
Acho que a mídia brasileira perdeu a noção de determinadas coisas. Hoje, se a gente ligar a televisão ou o rádio, ou ler os jornais, são basicamente dois temas que aparecem no Brasil: de um lado, escândalos (e não estou dizendo que os escândalos e a corrupção não devam ser combatidos, eles devem ser combatidos) e de outro, crimes.

O problema é quando esses escândalos substituem a discussão política, e é isso que está acontecendo no Brasil. Em vez de vocês terem um conjunto de informações, de opiniões sobre o que o governo faz, para o bem ou para o mal, e o cidadão poder, a partir dessas informações e opiniões, criar suas próprias convicções acerca do Brasil contemporâneo, o que nós temos hoje é uma supressão de todas as informações e opiniões. Não se discute as políticas implementadas. Não se discute, por exemplo, se o Prouni é correto ou não, se o PAC tem sentido ou não, se o PAC está sendo executado ou não. E aí, a mídia da sociedade brasileira fica discutindo durante meses a questão do nosso presidente do Senado, Renan Calheiros. Tudo bem, é uma coisa que deve ser coberta, mas não pode tomar o status que toma. O único momento em que ele não esteve em cena, foi quando tinha o PAN (jogos esportivos Pan-americanos), porque eles acham que o PAN é mais importante que todas as coisas do mundo. O noticiário brasileiro, hoje, é um somatório de crime e escândalo, como se isso fosse igual a Brasil. É um contra-serviço à democracia brasileira. Inclusive, porque esses meios poderiam estar discutindo de forma extremamente crítica as políticas do governo. Acho isso extremamente desmobilizador para a cidadania.

Há perseguição da mídia ao governo federal?
Eu não tenho dúvida. Mas também de uma parte da sociedade brasileira, particularmente da elite, que não engoliu até hoje ter no poder uma pessoa que venha de outra classe. Lula não foi nenhum governo revolucionário na eleição. Ele tentou o tempo todo contemporizar os grandes ganhos dos grandes empresários com certa distribuição para setores sociais subalternos, excluídos. Tentou fazer uma política de contemporização entre uma coisa e outra. Não fez essa redistribuição tirando recursos das classes dominantes, não criou nenhum grande enfrentamento para essas classes. Os setores dominantes tiveram lucros fantásticos durante o governo dele, como não tiveram no governo passado, inclusive. No entanto, no momento da eleição, apesar de eles não terem seus interesses agredidos – e muito pelo contrário, algumas medidas do governo foram feitas para agradar esses interesses dominantes –, a mídia claramente mostrou sua posição de classe ao se definir por um determinado candidato naquele momento.

Qual a sua opinião sobre a criação da nova TV pública brasileira?
Esse projeto é fundamental, tem que existir no Brasil uma TV pública, que seja pública e não estatal. As discussões vão nesse sentido, que haja realmente recursos para alternativas de informação, de programação, porque a TV comercial no Brasil se mostra muito limitada. Não sou daqueles que acham que não existem coisas interessantes, mesmo na TV comercial, mas, na parte da informação, é muito complicado o que a TV comercial anda fazendo. Acho importante que você tenha outros tipos de programas, outros tipos de enfoques,

que se traga informações da América Latina, da América do Sul, da África, de países como Índia, China. Porque, na verdade, você tem a informação vinda principalmente dos Estados Unidos e de alguns países europeus. De outras partes do mundo a gente não sabe praticamente nada. Tem que ter mais acesso, inclusive, à produção independente brasileira, que não tem entrada na mídia, infelizmente.

O papel político da comunicação mudará a partir da convergência digital entre TV, telefonia e internet, que permite um novo tipo de interação social?
A relação entre comunicação e política, para mim, não depende dos meios, mas da postura da mídia, de fazer política dizendo que é contra política. O tempo todo, a mídia está expressando determinados interesses, expressando apoio a determinados governos, criticando outros. Portanto, atuando politicamente – no sentido fiel da palavra, enquanto aglutinação de interesses. No entanto, ela tenta passar uma postura extremamente negativa da política, como se fosse o lugar da sociedade brasileira onde estivessem todos os males, todos os corruptos. Como se fossem males que não acometessem toda a sociedade, o empresariado, a própria mídia.

É uma visão bem redutora. Dessa maneira, você não ataca de frente essas questões. Como é abominável estar ouvindo na televisão ou no rádio determinadas figuras políticas, que você sabe que tiveram um passado extremamente marcado pelo envolvimento com corrupção, e essas pessoas estarem na mídia como porta-vozes da moral e dos bons costumes. É escandaloso (e a própria mídia sabe que é assim), e, no entanto, entra nesse jogo para ser contra o governo.

Considerando-se as novas tecnologias de informação e comunicação, o que falta para que as mídias se tornem mais democráticas? O Brasil possui políticas nesse sentido?
O que as novas tecnologias têm de mais interessante é ampliar, e muito, o espectro de fontes de informação, pluralidade de idéias e diversidade cultural. Com as possibilidades de descentralização, teriam papel importante na democratização da comunicação do país. Mas há problemas. Por exemplo, a TV digital poderia, já que permite a abertura de muito mais canais, ser uma grande mudança, beneficiando a pluralidade política e a diversidade cultural. No entanto, na mídia aparecem apenas duas coisas: teremos uma imagem melhor e a possibilidade de interação (para eles, do ponto de vista unicamente comercial).

O mais importante sobre o que as novas tecnologias propiciam – diversidade, pluralidade, multiplicação de fontes de informação, possibilidade de ter uma produção independente mais presente – está fora da discussão. Se depender da mídia, nenhuma dessas possibilidades se realiza.

No Brasil, os movimentos que colocam a questão da democracia na comunicação, da diversidade cultural, ainda não conseguiram mobilizar a sociedade. Os setores sociais precisam perceber a importância e o significado da comunicação, das novas tecnologias, de como isso muda o mundo. Mas a mídia não divulga essa questão, que fica meio invisível. O lado positivo, fazendo uma retrospectiva, é que essas lutas têm crescido, talvez não da forma necessária, mas têm se ampliado em vários grupos. O que falta é uma articulação entre esses grupos, uma pressão social mais contundente. Mas até acho que o tema da democratização da comunicação já foi muito mais restrito.

Em um dos seus artigos, o senhor fala que a política se transformou em “telepolítica”. O que muda a partir dessa constatação?
O que entendemos hoje como estrutura, procedimentos, ritos políticos, nasceram, boa parte deles, na Idade Moderna. A política moderna esteve muito articulada com o espaço geográfico, com a idéia de presença. São pessoas discutindo em um determinado espaço e outras pessoas assistindo à discussão. A política contemporânea, por sua vez, agrega a esse espaço de luta e realização política, novos lugares, chamados virtuais: a televisão, o rádio, a internet.

A sociedade contemporânea é uma conjunção de espaços geográficos e eletrônicos. É esta sua característica singular. Se o político estiver vivendo uma dessas dimensões somente, não vai estar vivendo a contemporaneidade em seu sentido pleno. Não é que a política atual substitua a anterior, mas se agrega a ela. O exemplo mais típico é o seguinte: o que era uma eleição no Brasil até os anos 60? Pessoas fazendo carreatas, caravanas que percorriam o País, comícios aqui e ali. Tratava-se de um espaço claramente geográfico. O centro de uma eleição, em termos de formato (não em termos de conteúdo), era exatamente essas grandes caravanas.

Numa eleição para presidente, hoje, o centro da campanha não é mais esse. As caravanas e comícios ainda são muito importantes, mas complementares ao que se dá na televisão. O centro é o ambiente da telepolítica. É uma mudança significativa. Não estou discutindo os conteúdos, estou discutindo as esferas onde se realizam a política. Isso não é bom nem ruim, é diferente. Alguns argumentam que é distorção, mas não é. Se a sociedade mudou, por que a política vai continuar sendo feita nos moldes anteriores? Não pode, não tem lógica.

É possível conciliar o “espetáculo midiático” com o “realismo” necessário à política?
Não acredito que toda a política tenha se tornado espetáculo. Este é um dos mitos contemporâneos, sem pesquisas efetivas para comprovação. Penso que existe, na sociedade contemporânea, forte pressão para isto, dada a importância política adquirida pela visibilidade nessa sociedade. Como estar presente na mídia, habitar o espaço virtual, é essencial para que os atores políticos tenham efetiva existência pública – e, por conseguinte, possam realizar a luta política –, os atores e a mídia são tentados a cada momento pela espetacularização, que é um dos dispositivos mais utilizados contemporaneamente para possibilitar a visibilidade.

Assim, o Greenpeace promove suas “ações diretas espetaculares”, uma de suas marcas, e aparece como uma das entidades mais conhecidas da sociedade civil global. Mas a Anistia Internacional também é uma entidade marcante e influente da sociedade civil global, sem recorrer à espetacularização de sua política e atuação. Por outro lado, existem momentos da política que são avessos à espetacularização, como, por exemplo, alguns acordos políticos, que podem retirar sua força exatamente do sigilo – e não estou falando aqui de nenhum acordo excuso e ilegal.

Acredito que nem toda política é ou pode ou, ainda, deve ser espetacularizada. Mas, sem dúvida, existe uma política que busca recursos espetaculares para ganhar visibilidade: manifestações de rua, passeatas, certas atuações de entidades e políticos. Outro mito que precisa ser desfeito é que toda e qualquer espetacularização é, necessariamente, despolitizadora. Não creio nisto. Existem efetivamente espetacularizações despolitizadoras, mas outras podem ter eficácia na política e servirem para politizar questões.

A concentração dos meios de comunicação continua sendo um problema para a democracia. Qual é a relação entre mídia e democracia?
Pode ser feita essa relação de várias maneiras. Se a sociedade em que vivemos é complexa, com novos espaços vitais para a visibilidade, eu só tenho democracia se tenho coisas publicizadas para todos. Não existe democracia onde as coisas acontecem em segredo. A idéia de visibilidade, de publicidade, é fundamental. Eu tenho que ter acesso aos vários tipos de opinião para poder constituir minha visão e, nesse confronto, escolher. A idéia de democracia, que fundamentalmente é a possibilidade de escolha entre alternativas, só pode ser exercida se essas alternativas são colocadas para as pessoas. Portanto, é imprescindível que eu tenha uma mídia plural para que se assegure a democracia na sociedade. A gente pode ser taxativo nisso, sem democratização da comunicação não há possibilidade, na sociedade contemporânea, de se falar em democracia, pelo menos no sentido rigoroso da palavra. Se você tem uma sociedade onde a mídia não é democratizada, essa sociedade pode ter até uma série de outros aspectos nos quais a democracia já chegou, mas ela, como um todo, ainda carece de democracia.

Um dos problemas da sociedade brasileira é que ainda vivemos, depois de tantos anos de democracia, no sistema de comunicação constituído pela ditadura. A gente democratizou outras coisas na sociedade. No campo político tivemos avanços, existe hoje um conjunto de organizações da sociedade civil bastante amplo, isso significa democracia. Mas, no entanto, no plano da comunicação, a ditadura continua. Para não ser tão duro, a única mudança instalada é a que veio a partir de novos meios, que têm capacidade sócio-tecnológica de serem mais descentralizados. Mas se corre o risco, inclusive, de que esses novos meios tecnológicos sejam apropriados por esta estrutura centralizadora, concentradora, e que boa parte desses potenciais democráticos sejam inviabilizados.

* Antonio Albino Canelas Rubim é professor na Universidade Federal da Bahia, graduado em Comunicação e em Medicina, possui mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo. O pesquisador atua em diversas áreas, como Cultura e Poder, Políticas Culturais, Mídia e Eleições, Comunicação e Política, Sociologia da Cultura no Brasil, e Comunicação e Sociabilidade.

* A revista MidiaCom Democracia é uma publicação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

A busca pelo jornalismo perdido

Paulo Henrique Amorim é um jornalista multimídia. Migrou da mídia impressa para a eletrônica sem grandes dificuldades, mas sempre com o foco num jornalismo objetivo e isento. Hoje, assina o “Conversa afiada”, um dos blogs mais acessados do País, e foi um dos primeiros profissionais a estrear projetos jornalísticos na internet, ainda nos primórdios da chegada da rede ao Brasil. Carioca da Glória, casado, pai de uma filha, formado em Sociologia e Política e torcedor do Fluminense e da Acadêmicos do Salgueiro, vive atualmente em São Paulo, onde se dedica ao seu blog e ao “Domingo espetacular”, programa da Rede Record.

Aos 64 anos, Paulo Henrique diz que o jornalista perdeu o sentimento de prestador de serviço e afirma que os jornais e revistas brasileiros têm qualidade inferior aos de outros países. Além de remontar sua trajetória profissional, ele comenta que um correspondente tem que ser um bom repórter, classifica a mídia como conservadora, faz críticas à Rede Globo e revela ter medo da TV do Governo. 

ABI OnlineSua formação acadêmica é em Sociologia e Política. Como o jornalismo apareceu em sua vida?
Paulo Henrique Amorim — O jornalismo apareceu cedo, porque meu pai era jornalista e eu praticamente me alfabetizei desenhando primeiras páginas de jornal. Meu pai era um barnabé, mas foi também repórter e editorialista em jornais como O Radical e A Noite. Tinha um texto maravilhoso, seco, sem adjetivos, não havia uma única palavra em excesso. Um Graciliano Ramos…

Onde o senhor começou carreira e quantos anos tinha?
A primeira vez em que levei dinheiro para casa como jornalista foi como foca do jornal A Noite, em 1961. Eu tinha 18 anos.

Para quais outros veículos trabalhou?
Para as revistas Chuvisco, Jóia, Fatos & Fotos, Manchete, Realidade, Veja e Exame, para o Jornal do Brasil, as TVs Manchete, Globo, Bandeirantes, Cultura e Record e os portais Zaz, Terra, UOL e iG.

Uma de suas grandes coberturas no início da carreira foi quando o Presidente Jânio Quadros renunciou, em 1961, e o então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, mobilizou soldados e jornalistas para garantir a posse do Vice, João Goulart. Como foi participar deste importante acontecimento nacional?
Não diria que foi uma “grande cobertura”. Eu era foca da Noite e, por acaso, um contato de publicidade do jornal tinha ido a Porto Alegre tentar vender um caderno de turismo sobre o Rio Grande do Sul. Só que ele estava no Palácio Piratini na hora em que Leonel Brizola instalou a Rede da Legalidade e resolveu lutar pela posse do Vice-presidente eleito, João Goulart. Minha função era falar com esse contato por telefone — as ligações com Marte eram melhores… — anotar o que ele dizia e passar aos redatores. Mas eu, é claro, considerava-me em plena guerra…

Quando surgiu a oportunidade de se tornar correspondente internacional? Sua estréia foi na Veja, em Nova York. Como foi essa experiência?
Eu trabalhava na revista Realidade, quando Murilo Felisberto, diretor do Jornal da Tarde, convidou-me para ser editor do caderno de Variedades. Procurei o dono da Abril, Roberto Civita, e disse que estava disposto a ir para o Jornal da Tarde, a menos que pudesse ser o primeiro correspondente em Nova York da revista semanal (Veja ainda não tinha nome) que ele ia lançar. Como eu sabia falar inglês, ele topou na hora. Eu praticamente não conhecia o Diretor de Redação, Mino Carta, de quem, depois, tornei-me profundo admirador e amigo.

Como foi sua ida para o escritório da TV Globo em Nova York?
O escritório da emissora foi aberto pelo Hélio Costa — hoje Ministro das Comunicações —, a pedido do Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho), para fazer matérias para o “Fantástico”. Sempre disse a ele e ao Armando Nogueira que gostaria de ir trabalhar em Nova York, onde praticamente comecei a minha vida profissional e também me casei. Com a saída do Lucas Mendes, minha ida se precipitou.

No site do programa “Domingo espetacular”, quando o senhor é apresentado, há a seguinte frase: “E foi na América que (Paulo Henrique Amorim) construiu toda a noção de jornalismo em que acredita”. Que noção é essa?
Quando fui ser correspondente, a Veja tinha um acordo operacional com a Newsweek e eu podia freqüentar reuniões de pauta e conversar com editores. Eu tinha 25 anos. Claro que isso me influenciou bastante. Depois, fiz um curso de “Magazine making and editing”, como ouvinte, na Universidade de Nova York. E peguei um professor muito legal. Quando fui trabalhar na Globo de Nova York, já era burro velho — isso foi em 1990 —, mas tinha uma experiência muito limitada em televisão (tinha sido editor, colunista e apresentador a maior parte do tempo). Lá, sim, fui para a rua como repórter e via os repórteres norte-americanos trabalhando, ali, lado a lado, nas coberturas de grandes eventos. E acho que aprendi alguma coisa.

Olhando pelo retrovisor e recordando os tempos como correspondente, como o senhor observava a cobertura dos assuntos do Brasil na mídia estrangeira? Houve alguma mudança em comparação aos dias de hoje?
Não mudou nada. A mídia norte-americana só se interessa pelo bizarro, pelo grotesco. Há alguma cobertura da parte musical (li há algum tempo no New York Times a crítica de um show do Gilberto Gil, em que o autor o chama de “genial”). Agora, progressivamente, deve haver uma cobertura maior da produção brasileira de biocombustível, em que o Brasil dá de dez a zero nos Estados Unidos.

Com sua larga experiência, o que o senhor acredita que um correspondente deve ter e saber para ser um bom profissional? E o que deve trazer na bagagem?
Um correspondente tem que ser um bom repórter. Não adianta fazer stand up para amarrar imagens captadas de agências internacionais e pretender que o espectador acredite que você apurou aquilo tudo. Correspondente tem que ralar. Trazer na bagagem? Tudo o que puder. Absorver tudo o que for bom.

Falando do jornalista de forma geral, como o senhor avalia o trabalho dos focas que chegam hoje ao mercado?
Uma praga. As escolas de Jornalismo prestaram um gigantesco desserviço à imprensa brasileira. Com a obrigatoriedade do diploma, como diz o grande jornalista Mauro Santayana, não tem mais jornalista pobre nas redações. É tudo mauricinho, com vontade de ficar amigo de banqueiro. O jornalista perdeu um ingrediente central da profissão, que é o sentimento de prestar serviço, de se colocar na pele de alguém que está ali para servir à comunidade, e oferecer um bem inestimável: informação, informação objetiva, a base para se tomar decisões sensatas. Isso é indispensável à democracia. Escolher com conhecimento dos fatos. Lamentavelmente, temos jornalistas malformados, com mania de ter opinião — e com uma certa dificuldade de dar informação precisa, respeitando a “verdade factual”, como diz o Mino Carta. Platão já explicou que a opinião é o lado escuro, podre do conhecimento. Agora, qualquer “reporteco” de quinta tem opinião. E, em 99,9% dos casos, opinião que coincide com a opinião do patrão. Os norte-americanos têm uma frase que é o que o leitor deveria dizer, sempre, ao repórter: “Você, por favor, me forneça os fatos que eu entro com a opinião.” Acho que o mal que a lei da obrigatoriedade do diploma fez ao jornalismo brasileiro é irreparável: como os jornais impressos vivem uma crise terminal, não vai dar tempo para que novos profissionais, muitos de origem pobre, de classe média baixa, como o Maurício Azêdo e eu, possam fazer um jornalismo objetivo, isento, que ajude a democracia.

Hoje o mercado de trabalho exige um jornalista multimídia. O senhor teve experiência em diferentes veículos e não demonstrou ter tido grandes barreiras para se adaptar às novas mídias, como a internet. Como foi a experiência de iniciar as coberturas em tempo real para a internet no Brasil — na WebTV, do extinto ZAZ — e o processo de construção daquele então novo formato de se fazer jornalismo?
Sempre tive a percepção de que a internet ia ser uma mídia importante. Tomei a iniciativa de procurar o Marcelo Lacerda e bolar um produto de jornalismo econômico para o ZAZ. Não foi exatamente um sucesso, mas eu o Marcelo nos demos conta de que “tinha jogo” — dali ia sair alguma coisa. Depois, o Caio Túlio Costa me chamou para fazer uma estação de TV na internet, e nós fizemos o UOLNews. A bolha da internet furou, o projeto teve que se reduzir, mas a semente estava lançada. Está lá. É provável que o caminho seja o YouTube, mas que vai ter televisão na internet, isso é óbvio. Os novos jornalistas já devem saber disso: a internet é um mercado de trabalho em expansão.

Quando surgiu a idéia de criar blog “Conversa afiada”?
O “Conversa afiada” surgiu quando fui fazer uma produção independente na TV Cultura de São Paulo. Era, basicamente, um talk show sobre assuntos de economia. Gostei muito de fazer aquele programa — era uma produção independente diária, no horário nobre, em que a minha empresa e a Cultura dividiam os custos e os lucros. Um formato que, sei, a Cultura reproduziu com outros profissionais. E que poderia se alastrar País afora, se a Globo não tivesse a hegemonia que teve e tem (por enquanto…), na TV aberta e na paga. Depois levei esse título para a Record e, agora, para o iG.

Por que o senhor classifica a mídia como conservadora?
Porque é. É a mesma imprensa que derrubou Vargas, tentou derrubar JK, derrubou Jango e tentou impedir a eleição de Brizola para Governador do Rio. Os jornais e revistas brasileiros são conservadores e, freqüentemente, como aquele personagem do Kubrick em “Dr. Strangelove” (“Dr. Fantástico”), não resiste e faz a saudação nazista. A imprensa brasileira, vira-e-mexe, levanta o braço e diz “Heil Hitler!”, com saudades de 1964. Além do mais, a imprensa brasileira é de qualidade inferior. Não comparo com os jornais ingleses, norte-americanos, franceses… europeus em geral. Falo dos argentinos, para começar. La Nación e Clarín são muito melhores do que qualquer jornal impresso brasileiro. Na nossa imprensa, temos um texto de ler em prantos. Não falo das ofensas à Língua Portuguesa, isso já nem conta mais, releva-se. O problema é a falta de precisão, concisão, clareza. E humor, elegância. No mundo inteiro, o melhor texto da imprensa é o da seção de esportes. E a do Brasil? Onde anda o Nelson Rodrigues, santo Cristo?

Que caminho a imprensa deve seguir?
Com a decadência da mídia impressa, o jornalismo vai continuar na televisão e se expandir para a internet e todos os caminhos que os novos meios abrirão. Não quero ser saudosista, até porque adoro trabalhar em televisão e na internet, mas a decadência da imprensa contaminou, de certa forma, todo o jornalismo brasileiro, porque, em qualquer lugar do mundo, a mídia impressa é o data bank da imprensa — em informação, talento, consistência…

Em 2005, o senhor publicou “Plim-plim: a peleja de Brizola contra a fraude eleitoral”, em que denuncia a trama que manipulou as eleições para o governo do Rio de Janeiro em 1982 com o apoio da Rede Globo, segundo informações do livro. A que se deve hoje seu posicionamento crítico em relação à emissora?
Minha posição contra a Globo se explica pela própria Globo. A emissora é protagonista de três episódios antológicos de manipulação da vontade popular. Em 1982, quando participou do complô para impedir a eleição de Brizola no Rio — o que procuro demonstrar no “Plim-plim”. Em 89, quando o “Jornal nacional” — toda a edição, em seu conjunto, e não só a “edição do debate” — ajudou a eleger Collor, contra Lula, na véspera da eleição, no segundo turno. E agora, como Raymundo Rodrigues Pereira demonstrou de forma irrefutável na CartaCapital, o mesmo telejornal levou a eleição para o segundo turno: como em 89, ignorou o desastre da Gol para não desarrumar a edição do “JN” que prejudicaria Lula. As Organizações Globo são contra os líderes trabalhistas desde Getúlio Vargas, está no seu DNA. E, agora, com o rebaixamento do Ministro das Comunicações, o fortalecimento de Dilma Roussef e a escolha de Franklin Martins, a Globo voltou a ser especialmente feroz contra o governo Lula. É a primeira vez, desde os anos militares, que o Ministro das Comunicações não manda…

Sobre as minhas criticas à Globo e ao fato de eu ter trabalhado lá, gostaria de esclarecer que trabalhei na emissora e em muitas outras instituições — como já enumerei antes — com o mesmo entusiasmo, dedicação e profissionalismo. Mas há uma diferença interessante entre o regime da escravidão e o regime capitalista. Na escravidão, o dono da fazenda manda no escravo. No capitalismo, há uma troca: o trabalhador vende a sua força de trabalho e é remunerado por isso. O empregador compra a força de trabalho e paga. Roberto Marinho era meu empregador, não era meu dono…

O senhor comentou certa vez em seu blog sobre as duas “frias” que o Franklin Martins encontraria na Secretaria de Comunicação: acumular a distribuição de verbas do Governo com a política de informação do Planalto e a montagem de uma rede pública de televisão. Qual a sua sugestão para ele ser bem-sucedido nessas empreitadas?
O Franklin Martins é um excelente jornalista e um homem honrado. Ele tem tudo para se sair bem nas duas tarefas. Porém, permito-me reafirmar que acho uma fria reunir num mesmo saco informação e publicidade; e morro de medo dessa televisão do governo. Pode ser um sorvedouro de dinheiro; um cabide de emprego para jornalista de segunda categoria, mas amigo do amigo dos poderosos; fazer propaganda do Governo; e, o mais importante, não ter audiência nenhuma e não servir para nada. Entre outros erros estratégicos irreparáveis — como a derrubada de Goulart, a transferência da capital para Brasília… — acho que não ter uma emissora como a BBC no Brasil foi uma tragédia. Só que agora não dá mais tempo.

Como é o seu trabalho à frente do “Domingo espetacular”, na Rede Record? O senhor também participa da produção?
Sou apresentador e repórter do programa. Participo da produção e redação das minhas matérias. E já é muito serviço…

Mídia jovem e a nova contra-cultura

Em entrevista concedida ao Observatório do Direito à Comunicação, Mauro Dahmer, produtor e diretor de TV e responsável pela produção e redação das campanhas sociais e políticas da MTV Brasil, afirma que é equivocado pensar que o jovem é apático à política somente pela leitura institucional e diz que a juventude hoje está mais engajada nos processos de democracia direta, em movimentos de educação, cultura, comunicação, meio ambiente, sexualidade e música.

Observatório do Direito à Comunicação – O que é mídia jovem?
Mauro Dahmer – Se buscarmos um conceito estrito e limitado, deixamos escapar muita coisa, porque o próprio conceito de juventude não é algo sólido. A juventude para a mídia é uma invenção capitalista: um estilo de vida, um tipo de consumo. É um estilo de vida ao qual se dá o nome de jovem. A partir desta invenção, devemos pensar a mídia jovem, que surgiu na década de 60, com a música, quando as gravadoras lançavam bandas de rock e revistas no pós-guerra. Essa lógica foi se enquadrando no esquema da mídia de massa, de informação fragmentada para vender produtos. Hoje em dia, com a internet e com o atual estágio da democracia e as novas formas com que o capitalismo se organiza, a mídia jovem mudou. Está ligada a um fenômeno de consumo, informação e estilo de vida para um público consumidor, que pode ser jovem ou não. Uma pessoa de 60 anos consome mídia jovem, porque é mídia que vende um estilo de vida, que chega através da música, da revista. A mídia jovem é esta espécie de plasma, que reúne estilo de vida, informação, consumo e uma febre de comunicação incrível. Este plasma se identifica com um consumidor voraz de informação.

A MTV se define como mídia jovem?
Cada pessoa de cada área dentro da televisão pensa de uma forma. Mas enquanto veículo, ela se vê como mídia jovem. Certamente.

Além da MTV, o que o jovem tem disponível de mídia hoje?
Os jovens hoje vivem num paraíso, com uma geração inteira de ferramentas de comunicar e publicar. Só há um desafio que é popularizar estas ferramentas ainda mais, mas hoje, existe praticamente um 'playground' de comunicação.

Olhando para o conteúdo, o jovem é representado na mídia?
Tem um tipo de jovem no Brasil que foi construído como mercado consumidor, em função da conjuntura política e econômica. Aquele jovem idealizado, empreendedor, desejo de consumo das grandes empresas, conectado, globalizado. A publicidade e 90% dos veículos de comunicação erraram muito feio ao mirar o jovem comum, porque não entenderam o jovem, nem o que acontecia com o jovem. Estes veículos produziram um maniqueísmo que, de tão produzido, acabou vencendo. O resultado é que o jovem da mídia hoje é uma espécie de subproduto cultural. É estúpido quem não enxerga que o jovem, com as novas tecnologias, passa a produzir uma cultura genuína. Basta olhar para o Youtube, o My Space, o Orkut e outras ferramentas de convergência, das quais o jovem se apropria e com as quais promove um movimento similar ao que a contra-cultura produziu, vendendo disco, mas digerindo o mal estar com uma consciência crítica da própria indústria. O veículo comercial tem uma idéia maniqueísta do jovem. Sempre tem uma balada, uma banda, uma linguagem nova, experiências novas que acabam prevalecendo. Claro que a indústria depois vai atrás e se apropria daquele dado genuíno e transforma em produto a ser consumido, mas é fato que, em alguns casos, o processo tem acontecido de forma invertida. E não é a cultura de massa que dita a regra, mas ela copia as ações genuínas que são criadas pelos jovens. O mercado chega depois. A rua fala antes.

O jovem fazendo mídia é capaz de mudar o cenário da comunicação ou do espaço público?
Quem faz mídia é o jovem. E a transformação tecnológica se beneficia da familiaridade do jovem com a tecnologia. A revolução tecnológica está muito ligada ao ambiente capitalista e reproduz a lógica americana de informação, tecnologia e segurança. É uma situação complexa, porque, ao mesmo tempo em que carrega uma cultura democrático-capitalista norte-americana, tem um gene anarquista na internet, que garante uma experiência completamente nova do ponto de vista do que entendíamos como mídia. O que era mídia no Brasil até 1999? Podíamos definir uma empresa, seu alcance, etc. Hoje, isso não é mais possível. Hoje, a informação e o uso e a manipulação da tecnologia não estão mais na mão do jornalista, da empresa, da grande corporação. As corporações determinavam o fluxo de informação da sociedade. Hoje, uma idéia nova pode ocupar um papel chave pela dimensão da conectividade global. Falta criatividade na mídia jovem para ocupar estas possibilidades que as tecnologias oferecem. Tem mais tecnologia disponível do que criatividade para dar conta. Aí, entra a importância da universalização. Porque mesmo a televisão vai sofrer modificações no seu formato e na sua forma de recepção – por celular, por computador – , que vão transformar necessariamente as formas de fazer imagem em movimento. Estas inovações podem, no limite, universalizar as oportunidades de veiculação. Um dia, pode ser possível que todo mundo que produz comunicação possa veicular sua produção. Estas possibilidade ficam claras, por exemplo, com fenômenos como o Orkut, que virou algo mais relevante do que qualquer caderno de juventude em jornais ou revistas do país.

O jovem é crítico em relação ao que lê, ouve e vê?
O jovem vê a mídia como um campo democrático e se sente à vontade com ela. A mídia “velha” tradicional é muito institucionalizada e isso é um problema de toda sociedade e suas instituições, que se encerram em si mesmas e comprometem um espaço que deveria ser público, confinadas nelas próprias. A mídia brasileira ficou careta. Teve momentos de abertura, mas hoje em dia ficou restrita a uma espécie de elite e gestão de poder, o jogo político. Esta mídia tradicional é difícil de se mexer, tem esquemas políticos comprometidos. Com mídia jovem é diferente. Todo mundo se sente dono do produto, ocupa. E, de alguma maneira, a mídia jovem não preocupa ninguém, porque é vista pela mídia tradicional como uma espécie de “loucurinha”. Quando o jovem ocupa a mídia, ele é aberto, participa, inova, fala o que quer. A mídia tradicional coloca todo mundo de gravata e com a mesma cara, a mesma postura, a mesma respeitabilidade, independentemente da condição ética, por exemplo. Mesmo o maior pilantra, se estiver de gravata na TV, é respeitado. Esta hipocrisia beneficia a própria instituição. Quando a MTV pediu para seus telespectadores prepararem os ovos e tomates para a eleição [no ano passado, numa campanha institucional], a mídia tradicional reagiu pesadamente. Falta um ambiente democrático saudável para entender que as coisas são mais complexas. Se defendêssemos o voto nulo, seria legítimo. Afinal de contas, vivemos num país com liberdade de expressão. E a mensagem era somente óbvia. O problema é que os atingidos ficaram preocupados. Fazer uma ação como esta é provocar a reflexão que é positiva para a mídia, a democracia, a sociedade e a reflexão do papel da mídia.

A TV pública que está sendo pensada no Brasil deve atender a estas preocupações?
A TV deve ser voltada para a juventude, mas não deve achar que vai fazer programação para jovem, porque vai cair no truque da publicidade. Hoje, o jovem não gosta de ser considerado um nicho, de ser considerado jovem. O jovem de hoje vive um estilo de vida que tem pelo menos 50 anos. A garotada não olha pro Robert Plant achando um saco ser velho, olha se identificando com ele. E além disso, não existem mais os conflitos de comportamento que existiam antes entre jovens e adultos. Os conflitos são outros e são novos. Então, a TV pública não pode cair na armadilha deste maniqueísmo oportunista de querer ser jovem. Tem que ser feita por jovens e eles devem fazer a TV ser relevante para eles. Querer tutelar o jovem aponta para o fracasso. Os jovens têm que ser donos da TV pública, porque são donos do Brasil, e isso não é uma decisão de mercado, mas de interesse público. O canal público deve ser relevante, inteligente e de qualidade e deve ter coragem de levantar questões de interesse público. E relevância não se mede com audiência, apesar de achar importante que este canal seja competitivo em relação aos comerciais. E não pode ser careta. Não pode se acomodar e não enfrentar pautas complicadas e temas espinhosos.

Outra questão política recente é a classificação indicativa. A MTV foi uma das primeiras emissoras a se posicionar e foi a favor da medida. Como foi a discussão na emissora e qual a avaliação em relação ao resultado do processo?
Para a MTV, está claro o quanto a classificação indicativa foi fruto de um diálogo com a sociedade civil durante dois anos, promovido pelo Ministério da Justiça para consolidar algo que já estava previsto na legislação e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Quando a mídia tradicional começou a reagir, logo nos chamou atenção, porque eles – em especial a Globo – estavam no processo desde o começo e o desconheceram depois de concluído. Questionaram e fizeram um movimento para dizer que era censura. Criaram uma cortina de fumaça que mais complicou do que esclareceu o que estava em jogo. Respondemos com o nosso ponto de vista e tínhamos claramente uma posição a favor da classificação e da responsabilização das emissoras pelo conteúdo que elas veiculam. Inclusive, fomos advertidos por veicular uma vinheta considerada imprópria para o horário em que foi ao ar…

O jovem que faz comunicação participa da vida política do país?
A América Latina é cheia de gente jovem que endereça bem os problemas da juventude e não é cega, nem apática ao que está rolando. Acabo de voltar de uma viagem a México e Jamaica, onde filmei parte de um documentário sobre sexualidade e política e percebi que, na realidade, a juventude se sente impotente frente às políticas de Estado e econômica. Vejamos a corrupção e a violência policial, retrato da prepotência pública em relação à juventude. Quantos jovens são vítimas da prepotência policial? Recentemente no Rio de Janeiro, no complexo do Alemão, o país inteiro viu policiais com escopetas, revólveres, fuzis, armas apontadas para os jovens cercados pela Força Nacional de Segurança e por favela de todos os lados. É uma situação da qual o jovem é consciente. Sabe que há corrupção, que não tem saneamento básico, que não tem educação de qualidade, não tem emprego e tenta construir seu lugar no mundo consciente do buraco em que ele está metido. O jovem é apático para a participação política institucional, porque ele não se sente estimulado a estar no esquema do jeito que é hoje. O jovem de hoje está mais ligado em processos de democracia direta. Por toda América Latina, encontramos jovens engajados em movimentos de educação, cultura, comunicação, meio ambiente, sexualidade, música e, de alguma forma, engajados em processos de produção radicalmente mais democráticos e mais construtivos. Não dá pra dizer que o jovem é apático, porque não quer se filiar a um partido político e fazer carreira na política institucional. O Brasil não reconhece esta vertente da democracia [a direta], porque é um país de lobistas e hipócritas.