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Na luta pelas rádios comunitárias

José Luiz do Nascimento Sóter, eleito diretor executivo da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), durante o sexto Congresso da entidade realizado no final do ano passado, ratifica a importância das rádios comunitárias (Radicom) como “uma das mais significativas formas práticas de se fazer comunicação pública no país”. Apesar da formação em Técnicas Agrícolas, desde sua adolescência Sóter esteve ligado ao processo de ações pela democratização da informação, em especial, no trabalho junto à Abraço, "na conquista por espaço de comunidades que vivem afastadas e sem acesso aos meios de comunicação".

Na entrevista concedia a este e-fórum, Sóter assinala os próximos passos por um caminho que atenda os preceitos estipulados na lei que criou as Radicom. O dirigente fala também sobre a nova gestão da entidade.

Quais são os maiores problemas enfrentados pela Radicom? Como contornar os mesmos?
Continuamos com a mesma pauta requentada a cada semana, a cada mês, que é a perseguição pela Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Nós tivemos fechamento de diversas emissoras em Minas, Belém e também na Paraíba. E isso faz com essa seja uma pauta constante. Sentamos com a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos – do Ministério da Justiça, para discutir como mudar essa política. Nesse encontro ficou acertado que iremos fazer um seminário jurídico com a participação da Secretaria, da Abraço, do Ministério Público, com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República e os parlamentares que tenham atuação na área comunitária. Esse evento visa tratar essa questão com a finalidade de ver quais são os nós na legislação que propiciam a existência dessa ação repressora do Estado com as Radicom.


Atualmente há um grande número de rádios em mãos de Igreja e políticos, como a Abraço vê isso?

A Abraço faz um mea culpa. Na verdade, quem participou ativamente da conceituação de radiofonia comunitária/pública – que inclusive resultou num código de ética – desde a criação e regulamentação desse serviço, não teve forças e competência para poder também capacitar as comunidades para que elas pudessem ocupar e se apropriar desse espaço. Resultou na falta de estrutura para estarmos fazendo essa capacitação e consultoria às comunidades, orientando qual o melhor processo e caminho para chegar a uma concessão/autorização perante o Ministério das Comunicações (Minicom).

Assim, abriu espaço para que comunidades "bem assessoradas" saíssem à frente e obtivessem permissão para “trabalhar” em detrimento do nosso pessoal. Grande parte dos lugares onde existe uma emissora de baixa potencia nas mãos de um “picareta”, seja ele, religioso, político ou econômico, existe uma comunitária que não conseguiu sua autorização.

A nossa proposta é dar luz para a questão da entidade sem fins lucrativos, aberta à participação de toda comunidade, o que foi sacramentado na norma complementar nº 01/2004, que especifica que todos os cidadãos residentes na área de abrangência de uma determinada emissora tenham o direito de se filiar à mesma. Tendo o direto de voz e voto. Esse é um elemento que nós vamos utilizar, a partir de agora, em relação às emissoras que já foram autorizadas. E vamos capacitar as comunidades. Para isso, estamos elaborando projetos como um programa de capacitação das comunidades para que, utilizando a legislação, elas possam se apropriar dessas emissoras que foram usurpadas por esses segmentos.


Como tornar mais viável a existência das radicom perante as barreiras perante as concessões?

Para contornar essa questão conceitual e de princípios, o caminho mais fácil e educativo é o de capacitar as comunidades. Atuar em várias frentes, como na Secretaria dos Diretos Humanos, do Ministério da Justiça, para que ajudem, dando apoio político para uma mudança na legislação. Também há outra ação conjunta com as forças organizadas da sociedade, para que se faça uma pressão e se convoque a Conferência Nacional de Comunicação, onde, com certeza, todos esses embróglios na comunicação serão tratados e apontadas soluções a curto, médio e longo prazo.

Nosso objetivo é que todos os municípios tenham os seus avisos de habilitação editados. Também queremos que sejam atendidos aqueles que estão excluídos do meio de comunicação, exemplo: povoados, aldeias indígenas, quilombolas, totalmente desassititidos de meios de comunicação, queremos que seja ampliado o espectro de aviso de habilitações para atender a esses nichos.


Quais os principais pontos e desdobramentos resultantes do 6º Congresso?

Nós tivemos, logo após o congresso, um período de recesso, mas mesmo durante ele, a nova diretoria começou a se mobilizar para atender a agenda que foi defendida no encontro, que é a reorganização da entidade. Para isso, estamos revendo as secretarias junto com a coordenação executiva. Estamos também elaborando um seminário de planejamento para o início de março no Rio de Janeiro.

Os coordenadores regionais estão criando seus planos de luta para esse planejamento. A secretaria de comunicação está construindo um portal para Abraço e estamos discutimos algumas ações políticas, como a questão do Conselho Consultivo da Anatel, a Comissão pró-Conferência e a participação efetiva das Abraços estaduais e radicoms nessa convocação.


Quais os rumos para os próximos anos da Abraço?

A meta principal é criar uma estrutura forte em todas as pontas do sistema –regional, estadual e municipal. Para isso, fizemos uma reforma estatutária, onde se enxugou a diretoria para uma executiva com oito pessoas. Criamos cinco regionais que não fazem parte dessa executiva e instituirão quatro órgãos vinculados, que atuarão na prestação de serviços para liberar a entidade enquanto representação política. Esses órgãos serão constituídos em uma rede que lincará todas as rádios comunitárias filiadas à instituição, uma agência de notícia para produzir os conteúdos que alimentarão nossas emissoras, uma agência de publicidade e propaganda para captar os recursos, visando garantir a sustentabilidade, e a escola de formação de comunicação voluntária para capacitar o nosso pessoal e a comunidade.


Diante das transformações do modelo radiofônico, com a convergência de sinais e surgimento de espectros públicos, quais as considerações a se fazer em relação à Radicom?

Para nós, as rádios comunitárias constituem a essência de uma radiodifusão pública, é a expressão desse segmento e estaremos trabalhando na defesa da mesma, buscando a união daqueles que se colocam no campo de defesa desse modelo de radiodifusão. Temos que construir uma interface que interligue os integrantes da luta para fazer uma comunicação séria no Brasil.

A respeito da radiodifusão digital, conseguimos barrar a implantação do serviço pelo Ministério das Comunicações, para dar mais prazo ao debate. É essencial que tenhamos um padrão digital aberto, e que a tecnologia adotada seja de fácil assimilação, porque se for nos moldes que estavam sendo trilhados, iríamos ficar totalmente excluídos, pelo custo dos equipamentos e demais gastos que inviabilizariam a radio publica e comunitária.

Outra questão é que, se há novos produtos, tem de haver a abertura de novos processos, não pode simplesmente transferir um canal digital para os são detentores de um analógico. Sem isso, você vai agregar mais canais para aqueles que já possuem o monopólio da comunicação.

A possibilidade de você democratizar é justamente abrir esses canais para atender todos os segmentos da sociedade. E essa democratização no espectro poderia solucionar uma parte dos problemas das radicom, visto que elas são invadidas por outros que não tem serviço destinado ao seu segmento e se apropriam do nome usando o serviço que deveria ser comunitário.


Como e quando você iniciou a luta pelas radicom?

Comecei atuando em outras áreas de democratização na adolescência. Participei do movimento estudantil, de movimentos culturais e ecológicos. Sempre lutando pela democratização de alguma coisa no país. E a comunicação veio no bojo dessa discussão, da regionalização da produção cultural, artística e jornalística. Constituindo a ponte entre esses movimentos para a obtenção de espaço, uma vez que os meios de comunicação se centralizam em pequenos e fechados grupos. Um processo que começou em outras batalhas e que foi se transformando até chegar à democratização da comunicação, e dentro dela a definição de uma radiodifusão pública e de rádio comunitária.

Destaque desses 11 anos de atuação da Abraço?
O principal destaque é que a Abraço conseguiu que o movimento chegasse a diversos os municípios em pouco tempo. Em todas as regiões do Brasil que tomaram conhecimento da possibilidade de construir um meio comunitário esteve ou está a Abraço.

Qualidade na TV?

A qualidade da programação é determinada pela audiência? Ou a audiência determina a qualidade da programação? Na entrevista deste mês, Esther Hamburger, antropóloga e professora do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), mostra como esse falso “dilema do ovo e da galinha” é construído e distorce a relação entre emissoras de televisão, público e pesquisas de audiência. Fala também sobre mecanismos de regulamentação e o que seria uma programação de qualidade, que foge ao estereótipo do que é estabelecido como o “gosto da audiência”.

As emissoras, quando questionadas pelos críticos de TV a respeito da má qualidade da programação, rebatem dizendo que veiculam aquilo que o público quer assistir, medido pela audiência. Como você vê essa questão?
Na resposta das emissoras a essas críticas está embutida a idéia de que uma programação de qualidade não segura audiência. Acho isso um grande preconceito. A televisão brasileira já teve uma qualidade reconhecida dentro e fora do Brasil. Quem tem memória da televisão nos anos de 1980 e 1990, por exemplo, lembra que a TV aberta era tida como um veículo de aprendizagem, porque trazia muita informação. E as pesquisas de audiência são uma medida nesse jogo da interlocução entre as emissoras e o público. Acontece que esse padrão de medida, no caso brasileiro, era muito distorcido, e ainda é. Por exemplo, até o final dos anos de 1990, essas pesquisas, inclusive o Ibope, excluíam as populações de baixa renda por não serem consideradas consumidoras. O anunciante só estava interessado no público a partir de um determinado poder aquisitivo, daí essas populações ficarem de fora do sistema. E como no Brasil tudo é paradoxal, isso significou que a televisão nivelou sua programação por cima ou pela média em vez de nivelar por baixo, como é o caso da TV americana, que até recentemente era uma coisa de muito pouco interesse. O paradoxo está no fato de que a TV comercial em geral é pensada como “nivelada por baixo” – porque essencialmente não é para ser provocativa, ela visa à reprodução de consensos –, mas a TV brasileira, até o fim dos anos 90, nivelou pelo meio ou por cima, resultando em uma qualidade de programação melhor, que hoje se perdeu. E se perdeu por esse preconceito dos programadores. Hoje, se a grande maioria é reconhecida como consumidora, a audiência é nivelada por baixo.

Quem é essa audiência?
Tudo isso [a relação entre programador, público e as pesquisas de audiência] é, na verdade, um jogo imaginário, porque não existe audiência concretamente. Você não junta no Estádio do Morumbi a audiência da novela das oito. Audiência é uma categoria simbólica, não existe de fato. Você não toca nela, você não distribui um questionário para ela. Você faz um questionário para poucas pessoas que compõem um coletivo que você está inventando. Audiência é um conceito construído de acordo com algumas noções sobre quem é essa audiência. O Rubem Fonseca [escritor brasileiro] tem um conto muito interessante que se chama “Mulher”, e conta a estória de uma revista feita para um público chamado de “mulheres de classe C”. A redação é toda de homens e quem narra o conto é um jornalista demitido de uma seção policial de um jornal diário e que só consegue emprego naquela revista. Ele é contratado para cuidar de uma seção de cartas do leitor. Começa a inventar a personagem que ia responder às cartas e inventa também cartas que essa personagem recebe. Depois de um tempo, ele começa a receber cartas de verdade, com consultas de verdade. No fim da narrativa, vem um técnico de pesquisa de audiência e revela para aquela redação que o público deles não era de “mulheres de classe C”, como eles imaginavam e construíam. Eles atingiam, na verdade, “homens de classe B”. A última revelação do conto é que uma das pessoas que se correspondia com o jornalista era o próprio editor da revista, que era gay, tinha uma vida secreta e revelava isso nas cartas. Então, é legal pensar justamente esses desentendimentos que surgem a partir das distorções das pesquisas de audiência. O que se faz na TV aberta, muitas vezes, é imaginar um outro que você solenemente despreza.

Então, a suposta escolha da audiência não determina muita coisa…
Não. Acho que a programação é basicamente determinada pela produção, por quem controla a programação. O público tem capacidade para optar entre aquilo que vai ao ar na TV aberta. Mas essa capacidade de escolha do telespectador é muito limitada; há um menu bastante limitado de programas a serem escolhidos. E eles são muito parecidos entre si. Para falar em qualidade da programação, temos que pensar fundamentalmente em quem está produzindo. Sem dúvida isso é mais importante do que pensar no público, em um primeiro momento. Quem está produzindo é quem tem efetivamente a possibilidade de fazer algo interessante ou não.

Discutir qualidade na programação passa por determinar mecanismos de regulamentação para as emissoras e produtores?
Isso não tem a menor dúvida. E acho que a demanda do público não é só por medidas como a classificação indicativa, que gerou tanto debate. Acho bom de fato ter lá uma classificação indicativa, mas não acho que seja a principal questão, porque as pessoas são capazes de olhar e ver se querem que seus filhos assistam aquilo ou não. Acho que a demanda do público é por respeito e por uma programação que não subestime a inteligência das pessoas. É qualidade nesse sentido: uma programação estimulante, desafiadora, que faça crescer. É muito mais barato fazer um programa de auditório – não que não existam bons programas de auditório, mas é uma das coisas mais baratas que tem. E aí você coloca a culpa na audiência pela falta de investimento em programas de qualidade maior, mais elaborados. Agora, as melhores coisas na TV brasileira foram feitas com risco, já que não se enquadravam no que é veiculado normalmente. Mas acho que é isso que o público espera: coragem de quem detém a capacidade de produzir de inventar coisas novas.

O que seria uma programação de qualidade?
Não sei se qualidade é um termo bom. Não existe algo objetivo que a defina. O que pode ser bom para mim não é bom para o outro, por exemplo. Qualidade pode ser apenas a qualidade técnica, ou só qualidade ideológica – um bom programa que ninguém assiste por ser tecnicamente ruim, por exemplo. Então o que é uma coisa que escapa do estereótipo? Acho que é algo inteligente, como as séries Hoje é dia de Maria e Cidade dos Homens, o programa infantil Castelo Rá Tim Bum, só para citar algumas das muitas iniciativas que vemos por aí e que tiveram muita audiência. De certa forma, esses programas são “independentes” e representam a desproporcionalidade entre o que se tem de energia e capacidade de realização e aquilo que efetivamente ganha espaço de difusão na TV aberta.

A Artigo 19 e a liberdade de expressão no Brasil

Os militares voltaram aos quartéis e a censura à imprensa, em tese, foi abolida. Entretanto, prevalecem no Brasil outras formas de censura, como a autocensura dos jornalistas, a concentração dos meios de comunicação e a censura à documentos e informações de interesse público, conforme alerta Paula Martins, coordenadora da Artigo 19 no Brasil, uma organização não governamental internacional com sede em São Paulo que atua na promoção e proteção da liberdade de expressão.

Nesta entrevista, Paula Martins avalia a liberdade de expressão no Brasil.

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Qual é a avaliação que a senhora faz da liberdade de expressão no Brasil?
Em princípio temos uma mídia livre e uma sociedade civil bastante ativa. Não se pode comparar nossa situação atual com um contexto de ditadura ou um contexto de violência explícita contra a mídia e seus profissionais como ocorre, por exemplo, em algumas regiões do México. No entanto, ainda existem sérios obstáculos ao pleno exercício da liberdade de expressão, obstáculos que vão além da restrição à liberdade de imprensa.

Dentre esses obstáculos ressaltamos um arcabouço legal defasado e deficiente, a falta de incentivo à radiodifusão pública e comunitária, a ausência de um verdadeiro pluralismo e diversidade na mídia, pressões sobre o exercício do jornalismo decorrentes de ações judiciais muitas vezes abusivas, e ainda, alguns casos de violência, seja ela na forma de ameaças ou agressões.


O que fazer diante desse quadro?
É importante ressaltar que essa situação demonstra inobservância dos padrões e mesmo obrigações internacionais assumidas pelo Brasil em tratados e fóruns internacionais.

A revisão do marco legal aplicável à matéria nos parece uma medida urgente e fundamental. Isso inclui a revisão da Lei de Imprensa e do Código Brasileiro de Telecomunicações (e suas alterações posteriores), de forma a adotar normas que garantam a liberdade de expressão e os demais direitos humanos, em um ambiente efetivamente democrático, num novo período crucial que é o da convergência tecnológica.

Para garantir que isso ocorra, é importantíssimo colocar em prática mecanismos que garantam que a revisão do marco legal seja feita de forma participativa e democrática, por exemplo, com a realização da conferência nacional de comunicações, já prometida pelo governo federal.


Por que a legislação brasileira que rege a liberdade de expressão está incompleta?
Porque diversos artigos, principalmente as garantias constitucionais, carecem de norma adicional e infraconstitucional que explicite e detalhe seu conteúdo. O direito de acesso à informação pública, por exemplo, até hoje não foi regulamentado – não existe determinação de prazos, responsabilidades e recursos para os requerimentos de informação apresentados a órgãos públicos. Em termos operacionais, embora o direito já exista hoje de forma inequívoca, seu pleno exercício pode ser comprometido pelo silêncio da lei.


Quais são os dispositivos mais repressivos na legislação?
Alguns exemplos são a possibilidade de censura a espetáculos e diversões públicas;  a inadmissão da prova da verdade em acusações de crime de calúnia praticada contra Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Chefes de Estado ou de Governo estrangeiro, ou seus representantes diplomáticos;  a possibilidade de proibição em alguns casos da entrada no país de jornais, periódicos, livros e outros impressos estrangeiros (nos termos do artigo 60);  a possibilidade de apreensão de impressos que incitem “à subversão da ordem política e social”;  ou a possibilidade de determinar a suspensão da impressão, circulação ou distribuição de jornal ou periódico, inclusive sem autorização judicial.   A maioria destes artigos não tem sido aplicada pela Justiça, mas ainda assim fica a pergunta: porque então não os revogamos definitivamente?


Como a senhora vê a concentração dos veículos de comunicação em poucos grupos empresariais?
A concentração da mídia é uma tendência mundial, além de ser uma tendência brasileira. De acordo com pesquisa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (Os Donos da Mídia) seis empresas de mídia controlam o mercado de TV no Brasil, um mercado que gira mais de 3 bilhões de dólares por ano. Estas seis principais empresas de mídia controlam, em conjunto com seus 138 grupos afiliados, um total de 668 veículos midiáticos (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva (em um país em que 81% da população assiste à TV todos os dias, numa média de 3,5 horas por dia).

Neste contexto é imprescindível que as concessões de rádio e televisão observem critérios democráticos que garantam a igualdade de oportunidades de acesso para todos os indivíduos. E mais, que sejam processadas com total transparência.


Como a ARTIGO 19 vê a iniciativa do governo federal em lançar uma TV Pública?
A existência e mesmo a necessidade de um sistema público de radiodifusão são reconhecidas por diversos países em suas legislações nacionais e também no âmbito internacional como forma de garantir o pluralismo e a diversidade na mídia. Juntamente com o sistema privado e o comunitário, o sistema público é essencial para o pleno fluxo de informações e opiniões que caracteriza as verdadeiras democracias, sem restrições discriminatórias ou excludentes de determinados grupos.

A nova TV Brasil é um importantíssimo passo na direção da criação de um sistema publico de radiodifusão, ainda inexistente em nosso país, e que acreditamos ser um imperativo imediato. No entanto, a TV Brasil ainda não cria este sistema.

O futuro sistema deverá atender os princípios-base de um sistema público, ou seja: (i) a criação de estruturas apropriadas que assegurem sua independência, como Conselhos plurais e autônomos; (ii) a adoção de esquemas de financiamento que garantam o livre fluxo de informações e idéias e a promoção do interesse público; e finalmente, (iii) processos de prestação de contas que tornem os radiodifusores públicos responsáveis perante o público, tanto em relação ao conteúdo transmitido como em relação aos recursos gastos.


A ARTIGO 19 também se manifestou sobre o elevado número de indenizações por danos morais no Brasil. O que foi identificado?
A ARTIGO 19 está bastante preocupada com o alto número de casos de indenização por danos morais contra jornalistas e veículos de comunicação social e com a natureza destes casos.

Pesquisa realizada pela revista jurídica Consultor Jurídico indicou que hoje existe cerca de uma ação judicial para cada jornalista trabalhando nos 5 principais grupos de comunicação do pais. Proporção que nos foi confirmada pela percepção de jornalistas, representantes de classe e associações de mídia, embora inexistam números mais totais e precisos. O Consultor Jurídico também indicou que o valor das indenizações vem crescendo bastante nos últimos anos. Essa situação pode indicar uma tendência preocupante.

É importante que existam mecanismos que possibilitem a reparação de danos causados por matérias irresponsáveis ou mentirosas. Mas é também fundamental que estes mecanismos não sejam utilizados para manutenção de situações de abuso de poder. Além disso, as indenizações devem obedecer sempre padrões de proporcionalidade. É importante que pequenos veículos de comunicação não sejam obrigados a fechar suas portas em razão dos montantes indenizatórios fixados em juízo; do contrário, as ações judiciais podem vir a representar verdadeira repressão à liberdade de imprensa.


Há ainda relatos de censura prévia no Brasil?
Identificamos um número de liminares contendo determinações que, a nosso ver, constituem censura prévia.

Veja que a censura é em absoluto proibida pelo nosso sistema legal. Pode existir sim responsabilização por abusos, mas a posteriori. No entanto identificamos casos em que a circulação de jornais foi proibida, sites foram obrigados a se manter parcialmente “fora do ar”, foi imposto sigilo absoluto em relação a certos nomes, de forma antecipada…

É importante que essas instâncias de censura prévia cessem o quanto antes, ao mesmo tempo em que mecanismos sejam adotados para incentivar o jornalismo responsável.

Perceba que não estamos incentivando um jornalismo sensacionalista, superficial e sem padrões de qualidade e veracidade. Pelo contrario. No entanto, acreditamos que a censura prévia não pode ser considerada uma forma de coibir tal situação ou ser utilizada como controle de qualidade – se assim for, a maior prejudicada será a democracia, com poucas vantagens efetivas para as vítimas de abuso.


Muitos casos reportados referem-se a decisões de juízes de primeira instância. Quais seriam as razões para este quadro? 
Duas possibilidades existem: há um entendimento equívoco por parte de alguns juízes sobre quais seriam as restrições legítimas à liberdade de expressão; a outra seria a forte pressão sofrida por juízes de primeira instância.

Se o segundo caso se mostrasse verdadeiro, o próximo passo seria identificar de onde vem tal pressão, como ela é exercida e como anulá-la – nossa organização, no entanto, ainda não tem dados para ir tão longe na análise neste momento; pretendemos lançar uma pesquisa para aprofundar nossa análise desta situação.

Os juízes conhecem os limites da liberdade de expressão?
Enquanto jornalistas e associações de mídia reconhecem que a ausência de treinamento e qualificação adequada podem resultar em um jornalismo de baixa qualidade, eles apontam também para o fato de que a maioria dos casos de danos morais / difamação divulgados dizem respeito a situações de abuso de poder. Isso deve ser analisado com seriedade pelos juízes; o interesse público na divulgação e cobertura de certos temas também deve ser levado em consideração.

A idéia de que alguns juízes têm demonstrado um entendimento equivocado sobre os limites da liberdade de expressão parece ser confirmado pelo grande número de decisões modificadas em grau de recurso. De acordo com advogados que têm monitorado casos de indenizações por danos morais contra a mídia, instâncias superiores revogam ou modificam cerca de 80% das decisões julgadas procedentes em instâncias inferiores. Além disso, é importante considerar que quando um caso finalmente chega ao STF, muito do prejuízo à liberdade de expressão já se materializou, uma vez que um caso pode levar 10 anos para ser analisado em recurso à referida corte.


A falta de qualificação dos jornalistas explicaria o aumento de processos por danos morais e difamação?
Sim, também. Além da pressa muitas vezes a eles imposta na cobertura de certos temas. Neste sentido, gostaríamos de incentivar a mídia a desenvolver e estabelecer, no interior dos próprios veículos e no meio do setor, sistemas e procedimentos efetivos de auto-regulação, como treinamentos profissionais, padrões para reportagens, ombudsman, mecanismos de reclamação, um comitê de ética, etc. Essa iniciativa seguiria boas práticas adotadas pela mídia em diversos países ao redor do mundo.


Qual seria a melhor solução para toda essa situação?
Acredito que seria importante retomar as discussões sobre os limites legítimos à liberdade de expressão e sobre a importância do banimento da censura. Veja que censura e monitoramento social da mídia – para que cumpra suas obrigações legais e contratuais – são ações distintas. Uma deve ser banida e a outra priorizada. Mas elas são ações complementares na luta pela realização da liberdade de expressão no Brasil.

No caso das indenizações, acreditamos também que soluções não-pecuniárias devam ter prioridade. Nossa posição é a de que as indenizações devem ser utilizadas para reparação e não para punição. Quando outras formas de reparação – que remediem efetivamente o dano causado pelas declarações difamatórias – estiverem disponíveis, elas deveriam ser preferidas aos pagamentos de montantes indenizatórios. Além disso, o valor das indenizações deveria obedecer a um teto a ser aplicado unicamente nos casos mais graves.

As oportunidades da fusão Oi/Brasil Telecom

Marcos Dantas é professor de disciplinas sobre tecnologias da informação e comunicação no Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ. Formado em Comunicação Social, é Mestre em Ciência da Informação pela ECO-UFRJ e Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE-UFRJ. Já exerceu as funções de Secretário de Educação a Distância do MEC (2004-2005), Secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações (2003), representante do Poder Executivo no Conselho Consultivo da Anatel (2003-2006), representante do MEC no Conselho Deliberativo e no Comitê Gestor do Programa TV Digital e representante do Governo no Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Em entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação, Dantas comenta a fusão da Oi (antiga Telemar) com a Brasil Telecom e defende que, havendo política por parte do governo, o negócio pode ser benéfico para a população brasileira e contribuir para um projeto de infra-estrutura pública de telecomunicações. A seguir, a entrevista na íntegra.

Qual sua avaliação sobre a fusão entre Brasil Telecom e Oi? Quais podem ser as vantagens e as desvantagens da operação?

Fico a vontade para falar, pois sempre defendi essa solução, sempre critiquei o fatiamento da Telebrás. No prefácio à segunda edição do meu livro "A lógica do capital-informação", publicada em 2002, eu dizia que o governo acabaria sendo forçado a promover essa fusão. Lamento que isso esteja sendo feito muito mais por pressão das próprias empresas do que por decisão estratégica do Governo Lula que, em tudo o que toca às comunicações, não disse a que veio. A fusão é lógica. O mercado de telecomunicações exige uma empresa de grande porte para atender às necessidades gerais da sociedade que o próprio mercado não atende. Não por acaso, em todos os países que se levam a sério, até no México, existe uma empresa assim. Isto não impede, aliás, também exige, que outras empresas menores, possam entrar, com agilidade, nos mercados mais dinâmicos. Telemar e Brasil Telecom, como também a Telefónica e a Embratel, operam em regime público, sob regime de concessão. Isto implica dizer que elas são delegadas do Estado para executar políticas de Estado. Logo, essa fusão só trará vantagens se o Estado (e, nele, o governo) fizer a sua parte. A fusão pode dar um novo salto à universalização. Em grandes áreas da Telemar, a telefonia ainda não está universalizada e não há nem o que falar da banda-larga. Nessas áreas, os investimentos não dão retorno, não existem "consumidores", o que não significa dizer que não existam cidadãos com direito a telefone ou banda-larga. A fusão adicionará à Telemar as áreas ricas da BrT: Brasília, Mato Grosso do Sul, regiões do Paraná e Rio Grande do Sul que se somarão ao Estado do Rio e a Minas Gerais, além de algumas capitais, na sustentação da nova empresa. Assim, essa megatele poderá se dotar de "vasos comunicantes" que transfiram receitas e que ajudem a sustentar e expandir a universalização no imenso Brasil pobre e até a baixar os preços de assinaturas e tarifas (noutros tempos, diríamos "subsídios cruzados" mas isto agora é palavrão…).

Mas, claro, não dá para imaginar que os investidores vão fazer isso por iniciativa própria. Será necessário que o Estado cumpra o seu papel regulador e fiscalizador, orientando políticas nesse sentido. A nova empresa, também, poderia vir a cumprir, nas telecomunicações, um papel semelhante ao da Petrobrás, tanto no desenvolvimento industrial-tecnológico, quanto na expansão do espaço geopolítico brasileiro. De novo, é necessário que o governo entenda isso. É preciso, pois, que nesta empresa, o BNDES não tenha um papel meramente financeiro, mas seja um sócio atuante, representando os interesses da sociedade. Para não falar da Anatel… Desvantagens? Bem, se o governo, BNDES, Anatel não cumprirem os papéis que lhes cabem, as desvantagens serão diretamente proporcionais às muitas vantagens (aí sim) exclusivas que os sócios privados da Telemar obterão com o negócio.

Oi e Brasil Telecom dizem que, isoladas, não sobreviverão à competição com a Telefónica ou com a Embratel. Este não é um argumento falacioso, dado o fato de que as empresas nacionais supostamente ameaçadas apresentam balanços muito melhores que o da Embratel e estão estrategicamente posicionadas na convergência fixo-móvel de uma maneira muito superior à da Telefônica?

A concorrência é global. A Telefónica não é uma empresa paulista, mas mundial, podendo contar, caso venha a precisar (para comprar a Telemig Celular, por exemplo) com recursos que a sua matriz espanhola lhe aporta a partir dos lucros que retira do Chile, da Argentina, do Peru, de muitos outros lugares. Além disso, não tem que manter uma rede funcionando nos cafundós do Pará… Também a Embratel: ela não é brasileira, mas braço de uma operadora que, depois da compra da MCI, tornou-se dona de uma rede efetivamente global de comunicações, estendendo-se, via Estados Unidos, da Europa ao Japão. Comparações de tamanho só valem se feitas com as corporações globais que com elas concorrem.

Qual será o impacto da iniciativa no setor de telecomunicações? Isso pode gerar impactos no setor de comunicações/mídia como um todo?

Com certeza. A megatele vai se posicionar melhor para concorrer com a Telmex/NET e também com a Telefónica. É natural que as Organizações Globo não simpatizem com a idéia. Por outro lado, como em tudo o mais, esse impacto, para o bem ou para o mal, depende dos rumos da regulamentação. O que sair da PL-29 dirá o que temos a temer, ou não… Mas se houver política, essa empresa poderá vir a ser um instrumento poderoso de fomento à indústria audiovisual brasileira.

A criação de uma "supertele" pode ser considerada boa simplesmente porque seu capital será nacional? Como fica a questão da concentração do mercado? O próprio Idec – Instituto de Defesa do Consumidor diz que a fusão pode ter impactos negativos para o cidadão…

Não se trata apenas do capital nacional. Ela será "boa", como tenho insistido, se tivermos política para aproveitar a oportunidade. Quanto ao mercado, não há porque se preocupar. Onde há renda, há mercado. Em cerca de 400 municípios brasileiros, as concessionárias enfrentam todo o tipo de concorrência. Na minha casa mesmo, eu tenho um telefone da Oi e outro da NET (e só não desliguei o da Oi porque ainda não confio plenamente na NET). Onde não há mercado não há, nem haverá, concorrência, ou seja, a maior parte do Brasil, com cerca de 45% de sua população (logicamente a mais pobre). Por que, em 2 mil municípios brasileiros não existe serviço de telefonia celular?

Como você vê o papel de uma supertele, cujo controle é majoritamente de órgãos estatais, na universalização da telefonia fixa e da conexão à internet para a população brasileira? A nova empresa poderia contribuir para um projeto de infra-estrutura pública de telecomunicações?

Acho que essa empresa deveria ser o grande instrumento do Estado para implementar uma política de universalização da telefonia e da banda-larga. Aliás, como eu disse, só assim a fusão fará sentido, representando uma espécie de troca entre aquilo que interessa à sociedade e aquilo que interessa a alguns de seus acionistas privados.

Apesar do governo ter acionistas com cotas representativas na nova empresa, dada a lógica de gestão das grandes corporações hoje, qual pode ser sua real incidência para que ela cumpra papéis estratégicos como acontece com a Petrobrás? Pode incidir, por exemplo, nos custos das tarifas ou na questão da assinatura básica da telefonia fixa?

Em qualquer grande corporação privada, hoje em dia, um sócio com 15% do capital tem muita força. O que tem 50% então… E o Estado, via BNDES, via fundos de pensão, vai ficar com algo próximo a isso. O Estado até hoje, na verdade, ainda não exerceu os seus poderes nessas duas empresas. Na BrT, o controle dos fundos é total! Espero que, agora, nas negociações que estão em curso, alguma coisa esteja sendo considerada nesse sentido. Pelo menos, algumas pessoas que o presidente Lula levou para o seu governo neste segundo mandato, ao contrário das que levou no primeiro, nos permitem acreditar que haverá mais competência na condução dessa questão. Espero não estar errado.

A mídia e a inclusão das pessoas com deficiência

Em 2007, a Escola de Gente completou seis anos. Trata-se de uma ONG fundada por jornalistas e publicitários que acreditam que a área da comunicação ainda é muito pouco utilizada em prol da inclusão dos mais diversos grupos, especificamente dos portadores de necessidades especiais. O principal objetivo da instituição é transformar políticas públicas em políticas inclusivas para que todos os cidadãos – com ou sem deficiência – exerçam seus direitos.

Ao longo dos anos, a Escola de Gente (www.escoladegente.org.br) vem promovendo oficinas, encontros e debates, defendendo o que chama de Mídia Legal. Ao mesmo tempo, publica livros e manuais com o intuito de melhor formar e informar os profissionais da área da comunicação sobre políticas de inclusão.

À frente da ONG, está a jornalista Claudia Werneck. Autora de nove livros sobre inclusão para crianças e adultos, recomendados pela Unesco e pelo Unicef, Claudia é consultora do Banco Mundial na área da inclusão e também possui o título de Jornalista Amigo da Criança, concedido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi).

Em entrevista ao site do RIO MÍDIA, Claudia faz um balanço sobre a relação entre mídia, infância e sociedade inclusiva.

Como a senhora avalia a relação entre a mídia e a criança?
É uma relação cada vez mais intensa, o que reforça a necessidade e a urgência de a mídia assumir sua função educadora a favor de uma sociedade inclusiva. Mídia para a infância não é, pela concepção da Escola de Gente, algo a ser desenvolvido apenas no âmbito do conteúdo, mas também no formato. É preciso, por exemplo, habituar a infância do Brasil com a estética e a ética de uma sociedade inclusiva que prevê a presença do closed caption e da Língua Brasileira de Sinais nas telas. No que se refere à cultura, as crianças e os adolescentes devem crescer percebendo como natural espetáculos teatrais com áudiodescrição e programas em braile para pessoas cegas, bem como livros que também sejam falados para quem não enxerga e/ou não é alfabetizado. A Escola de Gente entende que a relação mídia, sociedade inclusiva e infância enfrenta um processo de transformação, lamentavelmente, ainda bem lento.

Para a Escola de Gente, o que seria a Mídia legal?
Uma mídia que não discrimina em função de diversidades e desigualdades. Que não releva as limitações, mas as ratifica e as percebe como a chave que abre possibilidades e modos de construirmos coletivamente uma sociedade inclusiva. É uma mídia que não coloca pessoas com deficiência como vítimas e entende que elas também não são, obrigatoriamente, heroínas. Pessoas com deficiência não precisam provar nada a ninguém. A mídia se torna mais legal quando intui que as grandes pautas sobre deficiência são justamente aquelas nas quais pessoas com deficiência falam dos livros que estão lendo, de uma questão que enfrentaram como consumidoras, de política, de economia, de acesso à cultura, enfim, se posicionam como cidadãos e cidadãs que vivem no mesmo mundo que o jornalista vive. Não fazem parte de um mundo à parte, de seres humanos que representam um "equívoco" da natureza e, por isso, merecem sempre pautas especiais. A mídia será 100% legal, no sentido jurídico dos direitos humanos e da paz, quando reconhecer e expressar que pessoas com deficiência são sujeitas de todos os direitos garantidos pela Constituição, e não de apenas alguns direitos.

Enquanto a mídia não é 100% legal o que ocorre?
A deficiência costuma gerar um tipo de emoção que impede o jornalista de manter a lucidez defendida no exercício diário da profissão. Toda notícia sobre deficiência parece ser entendida como uma superpauta, o que nem sempre é verdade. Além disso tudo, no afã de não discriminar, muitos profissionais da imprensa superestimam as pessoas com deficiência. O tema deficiência deve ser transversal a outras pautas de direitos humanos, educação, cultura, lazer, esporte etc. Perceber pessoas com deficiência como indivíduos que trabalham e atuam em diferentes grupos sociais coloca-os no mesmo patamar.

Os encontros, promovidos pela Escola de Gente, têm o objetivo de defender esta Mídia legal?
Tanto os encontros quanto os Manuais da Mídia Legal foram criados para dar consistência a dois princípios que a Escola de Gente defende desde sua criação: a atuação de uma mídia que assuma seu papel de agente de transformação social e a construção de uma aliança estratégica entre as áreas de comunicação e direito, daí o nome Mídia Legal. A questão é que os profissionais da mídia conhecem muito pouco a legislação brasileira que garante práticas inclusivas e abertas à diversidade e, por essa razão, raramente se beneficiam dessa legislação em suas matérias e investigações. Nossa proposta é disseminar conceitos e levar os profissionais a refletirem sobre formas sutis de discriminação que não são assim facilmente percebidas. E, principalmente, formar uma nova geração de profissionais de comunicação, de direito e de ciências sociais com essa mentalidade. Os assuntos escolhidos para os debates temáticos do Mídia Legal – ligados aos direitos da infância brasileira – já denotam a necessidade de que a visão inclusiva permeie todos os setores sociais. No documento Por um sistema público de comunicação, o Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), parceiro da Escola de Gente no Mídia Legal desde 2005, define como deveria ser pautada a grande mídia. Segundo o Intervozes, a mídia "deve responder à demanda da população por informação plural e diversa e garantir a representação da pluralidade e diversidade cultural brasileiras”.

A senhora acredita que a sociedade já percebe a Mídia legal como um direito?
Em outubro de 2005, a sociedade civil e o Ministério Público Federal se levantaram contra a Rede TV!, uma vez que a emissora, de forma homofóbica, estava violando os direitos humanos no programa "Tarde Quente", de João Kleber. Fez-se uma ação civil pública pedindo a cassação da emissora, a suspensão do programa, direito de resposta e indenização por dano moral coletivo. Esse foi e continua sendo um dos cases discutidos durante o Mídia Legal. Um exemplo de que a sociedade, pelo menos em parte, entende que os meios de comunicação devem promover o respeito aos direitos humanos e à dignidade do cidadão. E isso, sim, é um direito, e não um favor que foi concedido por parte das emissoras.

O que as crianças querem da mídia?
Acreditamos que as crianças e os jovens busquem nos veículos de comunicação formação, diversão e entretenimento. Mas, garantir o exercício de direitos humanos, principalmente quando estes se referem à infância, exige estudo e conhecimento de princípios por profissionais da mídia que lidam direta e indiretamente com a infância. Só que estes conteúdos devem ser oferecidos com base nos princípios de universalidade, inalienabilidade, indivisibilidade, interdependência e participação, apoiados na convicção do caráter público de todo ser humano desde o primeiro momento de sua existência. Quando falamos de ser humano, falamos de todo e qualquer ser humano, não importa de que forma ande, enxergue ou ouça.

Entrevista concedida a Marcus Tavares.