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Depois da posse, as polêmicas

Emília Ribeiro tomou posse no conselho diretor da Anatel nesta quinta (11), em solenidade que, prevista para ser restrita, acabou contando com a presença de alguns empresários e jornalistas, além de assessores e técnicos da Anatel e do ministro das Comunicações Hélio Costa.

Ao final da solenidade, Emília Ribeiro falou a este noticiário e tocou em alguns temas polêmicos. Ela mostrou simpatia pela defesa de empresas brasileiras fortes e que tenham condições de competir internacionalmente, mas disse que no caso da fusão entre Oi e Brasil Telecom, isso deve acontecer com contrapartidas. Ribeiro também se mostrou favorável a ajustes na regulamentação da banda larga e à definição de políticas que tratem, em alguns níveis, a banda larga como um serviço público. Confira os principais pontos da entrevista:

Entre convergência e concentração, qual é o maior desafio para hoje para a agência?
Os dois são desafios complicados, para mim e para a agência. São dois assuntos em evolução. Todos buscam a convergência e a tecnologia avança nesse sentido. Mas o fim, o benefício ao consumidor, é sempre uma questão maior. Na questão econômica, faltam estudos mais concretos em relação ao benefício da concentração ao país, às necessidades do consumidor. São dois temas muito importantes para os quais a agência tem que se preparar, inclusive revendo a questão de sua estrutura. Esta reestruturação da agência, aliás, é necessária.

Como fica, do seu ponto de vista, a separação de tarefas e a cooperação com o Cade?
Quero visitar cada conselheiro do Cade separadamente, mas pelo que eu vi no conselho consultivo, a cooperação já existe e é intensa. O embaixador Ronaldo Sardenberg vem trabalhado muito isso e a cooperação já ocorre normalmente nos atos de concentração, as anuências prévias.

A Anatel também tem um papel duplo de olhar o lado dos consumidores e o lado das empresas, interesses que muitas vezes são conflitantes. Qual é a sua prioridade?
As duas. As empresas precisam competir com saúde, vivas, e temos que olhar se não se perde o lado do consumidor. O país precisa crescer, as empresas precisam ser saudáveis, sobretudo as empresas brasileiras. O papel das agências é justamente esse equilíbrio, com imparcialidade e cuidado. A gente sabe que há conflitos e é aí que a agência entra.

Outro dilema clássico das agências é a separação entre a atividade técnica e a política. Na prática a gente sabe que essa separação não acontece sempre. Como, do seu ponto de vista, isso tem que ser tratado?
O papel da agência reguladora não é de fazer políticas de governo. Isso quem faz é o ministro Hélio Costa. A agência implementa, referenda, conduz da melhor maneira possível. Acho que hoje, com o embaixador Sardenberg e com o ministro Hélio Costa, as coisas estão bem, não vejo nenhum problema nem nos trabalhos técnicos da agência nem no trabalho político do ministério. A agência está tranqüila.

E a agência propor ao governo caminhos para as políticas, já que ela é quem acompanha o mercado, as tecnologias, o dia-a-dia da indústria, há espaço para isso?
Sim, ela pode colaborar. O PGR é um exemplo, ou a idéia de informatização das escolas, onde o papel da Anatel foi importante. Acho que ela pode participar mais, e eu sempre vou tentar levar as idéias da agência ao governo.

Há uma área muitas vezes esquecida na Anatel, mas importante, que é a área de comunicação de massa, onde a agência tem um papel regulador, mas dividido com o Ministério das Comunicações. O que pode ser feito para melhorar a regulação nessa área?
Essa pergunta é complicada. Essa área de comunicação social está passando por uma transformação, por uma revisão total. Inclusive no Plano Geral de Outorgas, quando o governo pediu para a agência a revisão, ele deu um sinal de que queria rever a regulamentação como um todo. E há o Plano Geral de Atualização da Regulamentação na pauta. É um momento de regular não só o que existe, mas o que virá, e é difícil prever o futuro. Temos a banda larga, por exemplo. Como ela fica? É um serviço de valor adicionado? Não é serviço nenhum? É serviço de telecomunicações? Isso vai demorar, mas tem que ser feito.

Qual o serviço que merece mais atenção e mais trabalho de revisão da regulamentação?
Para mim, é a banda larga, que não está regulamentada. Ela é muito importante para o País, estamos vivendo um avanço de tecnologia de transmissão de dados. Essa é a grande discussão.

Como você vê a discussão sobre a banda larga pública?
É uma discussão que me agrada muito e que está apenas começando. Ela precisa ser amadurecida, discutida mais. O que o país precisa não é de banda larga pública na casa de cada cidadão, mas de uma banda larga pública tratando de serviços específicos para todos, como segurança pública, defesa nacional, saúde, cultura. Já houve um pontapé inicial com o backhaul e a conexão nas escolas públicas. A banda larga tem que ser discutida.

No começo da nossa conversa você ressaltou a importância de que as empresas brasileiras sejam saudáveis. A partir da mudança no PGO, caso seja permitido, a Oi vai pedir para assumir o controle da Brasil Telecom. Você já tem opinião formada sobre essa questão?
Com relação a empresas brasileiras, como um todo, todos queremos empresas fortes, que possam competir, se expandir. Sobre a compra de uma empresa pela outra, ainda não vi estudos sobre isso, mas o que me preocupa é o consumidor. O que vai trazer para o país, qual o serviço que teremos atendendo as classes menos favorecidas, com que qualidade? Que contrapartidas? Essa é a minha preocupação, mas essa questão não está na pauta.

Como será a relação da agência com o Congresso daqui para frente?
No que depender de mim, bem estreita, bem próxima. Tenho uma paixão pelo Congresso. Nos meus 27 anos de serviço público, 20 foram no Congresso. É uma casa muito rica, em que pode-se muito debate. Estou animada.

Os desafios da EBC para formar uma rede pública

A jornalista Tereza Cruvinel preside a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) desde a sua criação, há pouco mais de 10 meses. Solicitada a fazer um balanço deste período, ela avaliou que o maior avanço produzido até agora foi a realização de um grande debate sobre o setor. A infraestrutura sucateada, amarras administrativas e o orçamento limitado constituíram os maiores entraves para a consolidação da nova emissora pública de radiodifusão, que tem como proposta formar uma rede de emissoras associadas e com compartilhamento da programação, para “fazer a diferença”.

Em visita ao Rio Grande do Sul para fazer a palestra da aula inaugural do curso de Comunicação Social e do Programa de Pós-graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, no último dia 25 de agosto, Tereza Cruvinel defendeu a proposta de construção de uma rede e do compartilhamento de grades para dar autonomia à televisão pública do País. “Estamos discutindo com as TVs universitárias e comunitárias um modelo de associação e buscando também associações bilaterais, onde for possível, também, procuramos desenvolver co-produções. Que sejam boas pra todos”, idealiza.

Segundo a presidente da EBC, hoje a emissora oferece 47,8% da programação para as educativas estaduais. “Infelizmente, no RS, a TVE não está em rede conosco e tampouco numa situação tranqüila, do ponto de vista de sua sobrevivência. Não vejo aqui (RS) vontade de reestruturá-la de forma a fortalecê-la e depois se integrar à TV Brasil,” lamentou Tereza.

A EBC, empresa criada para prestar serviços em radiodifusão pública, tem na TV Brasil o desafio mais ousado, de acordo com sua presidente, pois se propõe a ser a primeira rede nacional de TV pública do país. “A TV Brasil é, sem duvida, o projeto mais importante da EBC. Implantá-la e fazer com que seja reconhecida como uma TV pela cidadania, uma TV generalista, é nosso desafio”, afirmou a jornalista.

Tereza citou as principais dificuldades a serem superadas, entre elas, a renovação da programação e a infra-estrutura. “O sistema público é complicado, sujeito a muitas regras. Estamos tentando criar, este ano, bases estruturais para alterarmos esse complexo de comunicação, para torná-la cada vez mais pública e com uma gestão mais eficiente”, explicou.

Cruvinel foi entrevistada pelo e-Fórum em 25/08/08. A seguir, uma síntese das suas principais considerações.

Qual a sua avaliação sobre esses 10 meses de atuação na EBC? Quais as maiores dificuldades?
As dificuldades são muitas, sobretudo não conseguir até agora, por exemplo, produzir a renovação da programação no sentido desejado. E não é por falta de vontade, mas por amarras administrativas. Nós só conseguimos orçamento próprio da EBC em junho. Então, produzimos pouca coisa nova esse ano. Também a infraestrutura é muito ruim, vamos fazer uma grande licitação. Esse foi um ano de enfrentar um grande debate – o que fizemos. Mas eu acho que a gente ainda não fez muita diferença. Já fizemos alguns produtos importantes, como organizar o calendário das festas populares. Mas, como ainda estamos em plena época implantação, estamos mais é criando condições para que no próximo ano a gente venha a fazer a diferença.

Quais os maiores desafios da TV pública brasileira?
Na TV pública não podemos apelar para conquistar audiência. Nós temos artistas, programas educativos, culturais, informativos que contribuem para a cidadania. Assim, não podemos apelar, queremos fazer uma programação diferenciada, e acho que o segredo está em combinar o conteúdo de qualidade elevada com um formato interessante. Esse é o desafio – um formato que atraia o telespectador, que está cansado das receitas que estão por aí. Eu reconheço que não é um trabalho fácil. Além disso, o setor público é lento, depende de licitação, concurso público, tudo é muito difícil. Temos que encontrar a forma de gestão adequada e com agilidade.

E sobre a realização de um novo Fórum de TVs Públicas? Qual é a sua opinião sobre a retomada do debate?
Eu não sei exatamente para o que seria esse novo fórum. Se for uma revisão do modelo da EBC, sou contra, porque isso já foi vencido. Foi tão duro aprovar uma lei, que se for para aprovar outra, não vejo sentido. Ouvi dizer, no encontro da Abepec [Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais], em Belém, que era para discutir o marco regulatório das TVs estaduais. Se for para isso, acho que tem que acontecer nos estados e não no âmbito federal.

Como conseguir que a TV Brasil cubra o território nacional, considerando as particularidades de cada região? Que políticas precisam ser adotadas?
A construção de uma rede, em associação com as TVs estaduais, educativas, universitárias e comunitárias, é a forma de conseguir autonomia para esse tipo de televisão que pretendemos, assim como o compartilhamento de grades que permita mais dinâmica. Estamos propondo às TVs estaduais oito horas de transmissão simultânea – quatro da TV Brasil e quatro da própria emissora. Discutimos com emissoras universitárias e comunitárias um modelo de associação e buscamos ainda parcerias bilaterais para desenvolver co-produções. Buscamos um modelo de associação que seja bom pra todos.

Críticos da TV Brasil afirmam que a grade da emissora há pouco espaço para a produção audiovisual e muito para o jornalismo…
É o contrário! O jornalismo não constitui nem 5% da grade na TV Brasil. Há dois telejornais numa grade de 20 horas – um com duração de uma hora e outro de 30 minutos. Isso é mentira, coisa de quem não vê a televisão. Acho que é porque eu sou jornalista que gostam de dizer que eu só vou fazer jornalismo na TV pública. Mas é uma calúnia.

Qual sua opinião a respeito da realização da Conferência Nacional de Comunicação?
A EBC apóia e espera que ela se realize, porque só uma conferência nacional de pode rever completamente esses marcos regulatórios velhos, que já não mais combinam com o momento tecnológico que a gente vive.


O cinema no mundo convergente

A professora da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Anita Simis tem longa contribuição nos estudos acadêmicos da área de comunicação. Sua tese sobre Estado e cinema no Brasil fez profunda análise sobre o desenvolvimento da sétima arte no país e as razões que prejudicaram o florescimento de uma atividade cinematográfica brasilera estável e permanente ao longo do século XX. O trabalho se tornou uma referência e foi vencedor do Prêmio Itaú Cultural em 2007. A obra foi publicada em 1997 e ganhou um segundo volume este ano. Para a acadêmica, o cinema continua sendo importante na cadeia de valor do audiovisual, mas divide cada vez mais sua importância com as novas mídias.

Em sua pesquisa sobre a realidade do cinema, como tem visto o papel que este meio vem ocupando no novo cenário de convergência?
Quando penso no atual contexto de convergência, penso que o cinema, mais especificamente os filmes estão sendo exibidos em novos meios. Assim, além das salas de cinema, temos hoje a possibilidade de ver filmes na televisão aberta, na TV por assinatura, na TV junto com aparelhos de videocassestes ou de DVDs, nos computadores que possuem DVD ou que sejam ligados à Internet, e nos celulares. Com isto, há uma ampliação na maneira de ver filmes, mas que não significa necessariamente uma ampliação na diversidade do que é visto, pois a hegemonia na produção de audiovisuais ainda é da grande indústria norte-americana.

Como fica a posição do cinema na cadeia de valor do audiovisual hoje?
As salas de cinema ainda possuem uma grande importância nos lançamentos dos filmes, inclusive porque o sistema continua ainda hoje assentado sobre as cabeças de um lote de filmes. Ou seja, para se adquirir um blockbuster, o filme com grande lançamento, atores famosos, etc. o exibidor é obrigado a assumir ainda um lote de filmes menores. Mas, há também o fato de que esse blockbuster precisa jogar sua rede em um circuito globalizado e rapidamente puxar a rede com seus peixes. Quanto mais salas participarem desta rede, maior a possibilidade de arrecadar mais em pouco tempo. Nesta estrutura, a sala de cinema torna-se uma excelente alavanca, ou janela, para os outros meios da cadeia: DVD, TV por assinatura, TV aberta, etc. Mesmo assim, vemos experiências que tentam furar este modelo ao lançarem um filme primeiro na TV. Mas ainda são experiências.

O cinema tradicional, da sala escura com projeção, sofre hoje alguma ameaça na concorrência com outras formas de exibição de filmes? Como isso ocorre?

De fato, em termos de porcentagem em relação ao total da população, certamente nunca mais voltaremos à proporção da população que assistia cinema na década de 50. A título de exemplo, se nos EUA em 1950 tínhamos 41 horas por ano por habitante gastas com cinema, em 1996 tínhamos apenas 9,66, mas 1.360 com televisão. No Brasil – em 1950 – quase 7 horas de cinema e em 1996, 1200 horas, na maior parte em outras mídias, não no cinema. Isto significa que vemos cada vez mais filmes, mas não nas salas de cinema. Com isto, não quero dizer que haja um crescimento no número de salas, mas elas serão para um público menor em relação à proporção da população de um país e, neste sentido, creio que será cada vez mais uma forma de exibição para seletos privilegiados.

Com o barateamento das tecnologias de produção, pode-se dizer que há um crescimento da produção alternativa à Hollywood?
Certamente, em termos de números absolutos, sim. Mas proporcionalmente ao que Hollywood tem produzido para as diversas mídias, não. Ou seja, a hegemonia segue sendo norte-americana, leia-se Hollywood.

Como você vê a situação atual do cinema brasileiro? Qual é a sua avaliação sobre os quase seis anos da gestão Gilberto Gil no Ministério da Cultura no que se refere à política para o cinema brasieliro?

O cinema brasileiro, como sempre, continua lutando para ter o seu espaço. Creio que na gestão Gilberto Gil há novidades no sentido de se atender às novas mídias, a um público diversificado, desde o público espectador ao público que quer particpar do processo de produção do audiovisual. No entanto, depois da derrota com a lei da Ancinav [Agência Nacional do Audiovisual], houve um retrocesso que se configurou numa paralisia. Lentamente, há um início do que se possa chamar de retomada da política cinematográfica, incluíndo aí desde as leis de incentivo fiscal até o controle sobre a venda dos bilhetes de ingresso nas salas. Mas, é algo ainda tímido, talvez por conta do peso de nossa tradição conservadora, fortemente enraizada no meio cinematográfico.

Qual sua opinião sobre a recente polêmica acerca do modelo de financiamento do cinema brasileiro e a iniciativa do Ministério da Cultura de propor sua reorganização?

É significativo que o aporte de fomento direto (apoio a projetos audiovisuais com recursos provenientes do orçamento da Ancine – Agência Nacional de Cinema) seja bem menor que o de fomento indireto (via leis de incentivo). De 2003 a 2006 o total de fomento direto foi de R$ 29.346.000 e o total de valores captados via mecanismos de incentivo nesses mesmos anos foi de R$ 476.895.000, ou seja, o fomento indireto foi 16 vezes maior do que o fomento direto. Mas, talvez, o que seja mais importante dizer é que este modelo não foi suficiente para tornar nossas produtoras de filme sustentáveis. Há que se construir uma política cinematográfica que de fato toque na ferida, que coloque estratégias que permitam o desenvolvimento de uma indústria audiovisual forte. Uma política cultural que abranja todos os elos econômicos da cadeia audiovisual, mas também outros setores que considero intimamente ligados, como a educação.

O controle da Internet é necessário?

Em tempos de web participativa e de propagação de informações em rede sociais, o Senado brasileiro aprovou um projeto de lei (PLC 89/03), que pretende regular algumas práticas comuns para quem navega na internet. O responsável pelo texto é o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT). Segundo ele, a intenção é criar um ambiente mais seguro para os usuários e que o projeto atende o interesse público. Porém, entusiastas dos softwares livres e participantes ativos de redes sociais e blogueiros não receberam muito bem a proposta do senador.

Em 24 de junho de 2008, o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira postou em seu blog que o "projeto de lei aprovado em comissão do senado coloca em risco a liberdade na rede e cria o provedor dedo-duro". A postagem alertava sobre armadilhas nas entrelinhas e problemas com interpretações legais. A partir disso, vários outros blogueiros concordaram com a análise e juntaram-se em um movimento, que agregou seguidores justamente no ambiente em que a lei pretende vigiar. O resultado foi uma petição online pelo veto ao projeto de cibercrimes – que, em um mês, ultrapassou as 100 mil assinaturas.

Graduado em Ciências Sociais (1989), mestre (2000) e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (2005), Sérgio Amadeu acompanha o andamento do projeto agora na Câmara e discute os impactos da lei na sociedade. Atualmente, ele pesquisa as relações entre comunicação e tecnologia, práticas colaborativas na internet e a teoria da propriedade dos bens imateriais. Seus estudos geraram dois livros: Exclusão Digital: a miséria na era da informação e Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento.
Nesta edição, o Monitor de Mídia questionou Sérgio Amadeu sobre a necessidade do controle das redes, opinião sobre o projeto de lei do senador Azeredo e a nova forma de lidar com a informação e o conhecimento na internet.

O Senado brasileiro aprovou no dia 9 de julho o projeto de lei (PLC 89/03) que transforma em crime várias atividades maliciosas cometidas pela internet. Agora, o projeto segue para aprovação na Câmara dos Deputados. O texto, entre outras coisas, condena a invasão de bancos de dados, a disseminação de vírus, a pirataria e a pedofilia. O senhor, no seu blog em 25 de julho, afirmou que "o resultado será um estado de vigilantismo". Por quê?
Os artigos do substitutivo aprovado pelo Senador Azeredo que dizem respeito ao roubo de senhas, spam, vírus e pedofilia não estão sendo questionados por ninguém. Estão mal escritos, mas não abrem espaço para criminalizar indiscriminadamente milhares de internautas. O problema está exatamente nos artigos 285-A e 285-B que buscam coibir o compartilhamento de arquivos pelas redes P2P (pessoa a pessoa), que querem impedir a cópia e o uso justo de obras cerceadas pelo copyright por violarem a seguranças de dispositivos de comunicação e redes restritas. Já o artigo 22 pretende privatizar parte das tarefas típicas do Estado, tornando provedores responsáveis pela vigilância de seus usuários. Além disso, criará um clima de incerteza e desconfiança em redes abertas, pois exige que todo o provimento de acesso guarde os "logs" (registros da navegação) de seus usuários por três anos. Para que servem "logs" sem a identificação de quem usava um determinado IP (endereço de computador ligado à internet)? Para quase nada, por isso, a lei de Azeredo exigirá uma regulamentação por parte da Polícia Federal, que poderá gerar o fim da comunicação livre e a navegação anônima na rede. O senador Azeredo quer impor um estado de vigilância permanente, o que é incompatível com o anonimato. Assim como estados totalitários não admitiam que máquinas de escrever fossem vendidas sem a identificação de seus compradores, o senador quer que toda vez que alguém entre na rede esteja plenamente identificado. Isso é inadmissível. Eu não quero que a Polícia, os crackers e nem as corporações saibam que horas eu vi sito o Youtube, faço compras na Amazon, abro meu Twitter ou faço uma determinada busca no Yahoo. Nem por isso, sou criminoso.

Em outra postagem foi afirmado que "os exageros que constam do projeto podem colocar em risco a liberdade de expressão, impedir as redes abertas wireless, além de aumentar os custos da manutenção de redes informacionais". De que forma isso ocorreria? Quais as conseqüências diretas aos usuários comuns da internet?

Por exemplo, no Artigo 285-B do projeto, está escrito que será crime "obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível". Com essa redação, pode ser considerado crime baixar um vídeo, uma música, copiar uma foto, sem a autorização do que será considerado legítimo titular. Práticas comuns de fanfics, jovens que modificam histórias conhecidas e as distribuem gratuitamente na rede, poderão ser consideradas transferência de informações em desconformidade com a autorização do legítimo titular da rede. Pegar um anime (animação japonesa) e traduzi-lo sem autorização, prática comum de milhares de fansubbers, também poderá ser criminalizada pela redação do Azeredo. A indústria do copyright sabe que para copiar um arquivo digital, antes é preciso acessá-lo e depois transferi-lo. Por isso, a Lei de Azeredo não atua sobre o direito de cópia e sim sobre o acesso e a transferência.
Este projeto reúne os interesses da comunidade de vigilância, dos banqueiros e da indústria de copyright, principalmente da Motion Picture Association of America (MPAA) e da Recording Industry Association of América (RIAA). Tem a clara intenção de substituir a cultura da liberdade, que prolifera na rede, pela cultura da permissão. Para isto, trabalha o artigo 22 que deverá ser regulamentado pelo Poder Executivo, provavelmente pela Polícia Federal. No parágrafo 1º desse artigo, está dito que haverá um regulamento e a necessidade de auditoria sobre os provedores de acesso. Repare que inúmeras empresas dão o acesso à internet para seus funcionários. Centenas de escolas e faculdades também garantem que seus alunos acessem a rede. Assim, essas empresas, escolas, cibercafés, telecentros, além dos grandes provedores, deverão estar em conformidade com a guarda de dados que o regulamento irá detalhar e a auditoria irá verificar. Quem fará tal auditoria? A Polícia Federal? Claro que não. Ela não tem efetivo suficiente, ela mal consegue vigiar nossas fronteiras, combater os corruptos e impedir a odiosa devastação da Amazônia. Tudo indica que a PF repassará esta atividade para empresas privadas que cobrarão pelos laudos. Quanto? Ninguém sabe. Se esse artigo da proposta do Azeredo for aprovado ele alavancará uma nova atividade lucrativa para os mercadores do controle.
Note ainda que o artigo 22 exige a guarda de dados da navegação dos usuários por três anos, mas ele não diz que será necessário que todos os usuários sejam identificados para acessar a rede. Não diz porque o regulamento irá exigir isto. Como já afirmei, não há nenhum sentido em guardar dados de um usuário anônimo, que entrou na rede e o provedor não tem como saber quem é. Por isso, a Lei do Azeredo dependendo de como for regulamentada ou será inócua e desnecessária ou inviabilizará as redes abertas de conexão, sejam com fio ou sem fio.

Existe uma forma de atuação das autoridades na internet que não fira os direitos de propagação de idéias, ou isso não é necessário?
Para que as autoridades não destruam a comunicação livre que conquistamos com a internet é necessário que seja construída um marco de direitos de navegação, um estatuto da cidadania digital. O direito que tenho de ir e vir, deve ser garantido no ciberespaço. O direito de acesso às obras cerceadas pelo copyright que tenho ao freqüentar uma biblioteca pública, deve existir também na rede. A defesa da privacidade e a intimidade que temos em nossas casas não podem ser destruídas quando nos conectamos. Assim como o Poder Judiciário só pode permitir a invasão de uma residência dentro de condições muito delimitadas, os agentes do poder de estado ou as grandes corporações não podem invadir e rastrear os computadores das pessoas. Enfim, temos que discutir direitos. O modo de garantir direitos humanos e sociais básicos e que permitem ter maior clareza para criar novos tipos penais em defesa da sociedade.

O PLC 89/03 foi intensamente criticado na blogosfera, principalmente por entusiastas dos softwares livres e dos chamados "creative commons". Esse movimento na web pode significar um princípio "anárquico" da propriedade intelectual na internet?
A propriedade sobre idéias é completamente diferente da propriedade sobre bens materiais. Veja o exemplo da Internet. Por que ela rapidamente se espalhou e recobriu o mundo? Principalmente porque ela permitia que todos os interessados copiassem e aplicassem em suas redes o conjunto de protocolos TCP/IP. Por que o termo PC durante muitos anos passou a ser sinônimo de computador? Porque a sua arquitetura aberta permitia que todos o copiassem sem violação de patentes e copyright. Isso permitiu a expansão dos microcomputadores por todo o planeta. No mundo das redes, em que os fluxos são imateriais, copiar não destrói, não desgasta, não danifica o arquivo copiado. Trata-se de um cenário distinto do mundo industrial que vive do controle da escassez. A informação não é escassa e quanto mais você a utiliza mais ela pode ser aperfeiçoada. No mundo das redes colaborar pode ser mais eficiente que competir e controlar. Ocorre que a velha Indústria Cultural, que enriqueceu intermediando e controlando, ao ver as possibilidades de autores e artistas se comunicarem diretamente com seus públicos, e vice-versa, percebeu que sua atividade de intermediação está sendo afetada. Desse modo, quer impedir que as qualidades das redes digitais se manifestem integralmente. Por isso, ela quer enrijecer o instituto do copyright, quer confundir autoria com propriedade e disseminar metáforas como verdades objetivas. Veja o absurdo: para impedir que Mickey Mouse caísse em domínio público, a lei norte-americana elevou o prazo de cerceamento das obras para 95 anos depois da morte do autor. Quando o copyright surgiu era para incentivar o criador. Que incentivo é esse que protege a obra 95 anos depois que ele morreu? A lei de propriedade intelectual precisa ser repensada para voltar a ser razoável. É preciso voltar a incentivar os criadores ao invés dos intermediários, incentivar o autor e não o defunto-autor. Brás Cubas iria gostar das aberrações que sofremos hoje.

A Fundação Getúlio Vargas fez uma análise minuciosa nos artigos da PL 89/03 e as conseqüências que isso poderá trazer. Na conclusão consta que "a imprecisão do texto e suas conseqüências imprevisíveis (algumas das quais listadas acima) demandam que sejam vetados no mínimo os artigos 285-A, 285-B, 163-A, parágrafo primeiro, Art. 6º, inciso VII, Artigo 22, III. Caso os artigos persistam, condutas triviais na rede serão passíveis de punição com penas de até 4 anos de reclusão". Isso quer dizer que pode ter havido despreparo ou falta de conhecimento específico por parte dos redatores?
Pode ser despreparo. Pode ser concepção. Pode ser despreparo de uns e concepção autoritária de outros. Não sei. Só sei que criaram figuras inusitadas como "titular de rede". Inseriram penas descabidas. Alguns certamente não pensaram no alcance da criminalização que sua redação irá abranger. O senador Azeredo disse em uma entrevista que os cidadãos de bem poderiam ficar tranqüilos, pois somente os criminosos é que teriam que se preocupar. O problema está exatamente na concepção do que deve ser considerado "cidadão de bem" e "criminoso".

No final de 2006, no artigo "Em defesa da liberdade na internet", você afirmou que a "internet corre perigo (…) tudo porque as gigantescas empresas que controlam a conexão física das telecomunicações estão se sentido ameaçadas". Recentemente, a Viacom pediu informações como parte de um processo bilionário contra o Youtube. Pode-se dizer que há uma nova forma de lidar com a propriedade imaterial e as grandes empresas não estão sabendo lidar com isso?
Sim. As grandes empresas querem manter o cenário de controle, típico do mundo industrial e da comunicação broadcasting. Na internet, até o momento, qualquer pessoa pode criar conteúdos, novos formatos e novas tecnologias. Esta liberdade incomoda a indústria. Um jovem pode criar um novo protocolo que em menos de um ano é capaz de retirar a lucratividade de um negócio de intermediação. Obviamente, a indústria não vê com bons olhos a criatividade fora de controle. Por exemplo, a criação da Voz sobre IP retirou renda das operadoras. Essa liberdade de invenção está sendo combatida pelas velhas corporações que acumularam bilhões no mundo industrial.

Por fim, é possível que os interesses de governos e grandes corporações convivam em harmonia com a prática da livre propagação de idéias? Como isso pode acontecer?
É possível desde que a sociedade reconfigure seus governos e que a liberdade de acesso aos bens comuns avance. Em um cenário de economia informacional, a igualdade de oportunidades se garante primeiramente com a liberdade de acesso. A liberdade de conhecimento e a diversidade cultural são vitais para que as Corporações não se tornem os novos Leviatãs.

* Reproduzido da edição nº 141 do Monitor de Mídia, projeto de acompanhamento da imprensa catarinense produzido por alunos e professores da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), sob a coordenação do prof. Rogério Christofoletti; integrante da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa (Renoi).

Contra os desequilíbrios na Lei de Direitos Autorais

Teve início na quarta-feira (30/7) no Rio de Janeiro o primeiro seminário do Fórum Nacional de Direito Autoral. O Fórum é uma iniciativa do Ministério da Cultura para discutir os problemas da legislação referente ao tema e propostas de mudanças. O primeiro seminário tem como tema "A Defesa do Direito Autoral: Gestão Coletiva e Papel do Estado", que visa problematizar principalmente os desequilíbrios entre autores, intermediários e o público fruidor de cultura e a situação atual do Estado nesta atividade. Além deste evento, serão realizados mais quatro seminários nacionais, um internacional e 11 oficinas regionais.

Mais do que levantar a discussão, o Ministério da Cultura está participando do Fórum Nacional de Direito Autoral com uma posição clara pela mudança na Lei de Direitos Autorais. Sobre as razões para isso e as propostas do órgão, o Observatório do Direito à Comunicação conversou com o coordenador-geral de direitos autorais da pasta, Marcos Alves de Souza.

Qual é o objetivo do Fórum Nacional de Direito Autoral?
O Fórum tem por objetivo fazer um amplo debate com a sociedade e com os interessados no campo autoral sobre a necessidade ou não de revisão da legislação bem como de revisão do papel do Estado neste setor. O Ministério da Cultura acha que é preciso mudar a Lei do Direito Autoral porque ela apresenta uma série de problemas. Também acha que o papel do Estado precisa ser diferente, porque hoje não temos papel nenhum. Mas antes de tomar qualquer atitude em relação à mudança, queremos consultar a sociedade e interessados se é isso mesmo ou não.

Quais são os problemas que o ministério vê?
Em primeiro lugar, tem uma série de problemas menores, mas que causam insegurança jurídica que estão relacionados a definições problemáticas logo no início da lei. O primeiro grande bloco de problemas diz respeito ao desequilíbrio que a lei proporciona na relação entre o criador e o intermediário, as pessoas ou empresas que investem na divulgação das obras. A parte da lei que lida com as relações contratuais permite a cessão total e definitiva de direitos, o que leva os autores a perderem o controle sobre suas obras. Recentemente, reportagens sobre os debates do lançamento do Fórum mostraram artistas, como Zé Ramalho e Erasmo Carlos, que quiseram lançar suas músicas por outras gravadoras e as editoras musicais impedindo isso porque os direitos foram todos cedidos para as editoras. É comum nas legislações uma proteção maior ao autor, vedando cessão definitiva e prevendo revisão dos contratos se houver desequilíbrio. Ela está desequilibrada pró investidores intermediários.

E o conflito entre os direitos dos autores e os direitos do cidadão ao acesso às obras culturais?
Nossa lei é uma das mais rígidas do mundo. Ela está extremamente desequilibrada do ponto de vista de quem consome obras protegidas. Direito autoral não é absoluto, está sujeito a limites, como o prazo de proteção. Mas toda legislação autoral tem uma parte que trata das limitações e exceções ao direito autoral, aquelas utilizações de obra que qualquer um pode fazer sem precisar de autorização prévia e sem ter que remunerar os detentores dos direitos. O nosso capítulo de exceções e limitações é muito restrito, ou seja, as nossas exceções estão em desacordo com nossa realidade social, econômica e cultural, tornando a lei rígida para o cidadão comum. Isso é outro problema que queremos discutir com a sociedade no Fórum.

A possibilidade de copiar trechos de obras é vista pelo MinC como uma destas restrições?
Em alguns países, existe entre as limitações (ao direito autoral) a permissão para cópia integral para uso privado. A não permissão leva a uma situação absurda de que MP3, MP4 e Ipod estão na ilegalidade do ponto de vista autoral, a não ser que as pessoas copiem apenas pequenos trechos. Como ninguém faz isso, ao copiar uma música inteira para o Ipod, a pessoa, mesmo que tenha comprado legalmente um CD, vai violar direito autoral duas vezes: a cópia para o computador e depois a reprodução para o Ipod. Isso é só uma parte, mas tem outras. Bibliotecas, arquivos e museus não podem digitalizar obras a não ser que as obras caiam em domínio público. Então, as bibliotecas se vêem impedidas de fazer cópia de segurança ou digitalizar acervos e há várias leis de outros países que permitem que se faça cópias sem demandar autorização ou remunerar para as atividades as quais se destinam.
Nossa lei prevê que para transformar livro em braile não precisa de autorização. Com esforço, você pode entender que isso estende-se para audiobook. Mas não tem nada que garanta direitos ao deficiente auditivo. Já houve quem reclamasse no ministério de que a tradução para Libras (Língua Brasileira de Sinais) é uma violação de direito autoral, porque se estava traduzindo uma obra protegida. Isso torna este capítulo anacrônico. As limitações para usos educacionais são muito restritas. Tratam apenas de "apanhados de lição", mas este termo gera uma interpretação muito dúbia.

Ainda em relação ao acesso, tem havido um debate forte sobre restrições tecnológicas a cópias na TV digital. Há um Projeto de Lei com esta medida tramitando na Câmara e recentemente a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) colocou em consulta pública normas com este tipo de proteção. Como o ministério tem se posicionado diante disso?
Estes mecanismos anticópias não existem só para TV digital, mas também para Internet, TV e DVD. A posição do ministério é radicalmente contra a existência disso no Brasil. Os mecanismos de proteção tecnológica são de dois tipos: alguns regulam acesso e outros restringem a utilização. O MinC é contra ambos e não tem nenhum problema com informações sobre gestão de direitos, os metadados que identificam os autores dos titulares de direitos de um arquivo digital que contém uma obra. Já em relação aos mecanismos de proteção, somos contra. Será um retrocesso se a lei permitir isso. Se alguém quebra uma medida destas, comete um ilícito civil e criminal também. E nós achamos que não é o caso de ter isso na nossa legislação, seja porque são ineficazes, seja porque representam uma ampliação dos direitos autorais no ambiente digital. Se eu posso copiar pequenos trechos e uma medida tecnológica me impede de fazer isso, as poucas limitações que eu já tenho se vêem mais limitadas ainda por conta desta proteção.
Além disso, as restrições tecnológicas também prejudicam o acesso e utilização de obras caídas em domínio público, podem ir contra a própria vontade dos autores das obras que eventualmente licenciem o uso via Creative Commons. Em qualquer âmbito, seja na TV digital ou em outras mídias, nos opomos a isso. Então nossa idéia é debater a retirada disso do Projeto de Lei, ou se for o caso de manter que sejam compatíveis com o domínio público, as limitações e exceções, a vontade do autor e que se houver uso abusivo da medida tecnológica que se penalize isso.
Com relação à consulta pública na ABNT, é importante lembrar que ABNT produz normas técnicas que não são vinculantes, elas só se tornam vinculantes se aparecerem em um dispostivo legal. Não se obrigando a adoção da norma técnica… De qualquer forma, o ministério está apresentado posições na consulta pública da ABNT.

Mas não se corre o risco de ter uma norma não-vinculante, mas que todos os fabricantes passem a utilizar?
Corre-se o risco. Por isso que queremos levar a discussão da lei. Mesmo com vazio legal, se não há nenhuma lei que obrigue o fabricante a utilizar, ele utilizará ou não conforme sua conveniência. Quando houver maior disseminação da TV digital e telespectadores começarem a tomar contato com o modo como esta tecnologia funciona, que há possibilidade de você ter set top boxes que permitem cópia e outros que não, aqueles que permitem cópia vão ter preferência no mercado. Então, haverá fabricantes com interesse em vender aparelhos sem mecanismo anticópia por conta da maior atratividade ao consumidor. Então, nós não vemos com bons olhos a adoção de medidas de proteção tecnológica na TV digital, porque mesmo levando-se em consideração a proposta dos radiodifusores – que argumentam que só vão limitar a uma cópia na alta definição –, vale lembrar que a alta definição de hoje será a baixa definição de amanhã. Se tivermos isso incorporado no nosso sistema, poderemos ter prejuízo grande em um futuro que não está distante, porque a evolução do padrão de definição é muito rápida.

Mas como fica o papel do Estado em relação ao sistema de direitos autorais?
Até 1990, existiu uma instituição, o Conselho Nacional de Direito Autoral. Ele foi desativado e, de 1998 para cá, a Lei dos Direitos Autorais retirou todas as prerrogativas do Estado de atuar. O Estado tem papel muito limitado. Não temos instrumentos para agir no campo autoral e isso nos leva a uma situação um tanto quanto anacrônica, pois, ao mesmo tempo que não podemos fazer nada, todos reclamam com o Ministério da Cultura em relação aos problemas da Lei do Direito Autoral. O Estado poderia atuar, por exemplo, na função de supervisão das relações. É direito privado, mas muitas vezes se está regulando atividades de interesse público, como o acesso à cultura. Por isso a necessidade de uma supervisão estatal, inclusive nas atividades de gestão coletivas de direitos.
Também é muito interessante que o Brasil volte a contar com uma instância de mediação e arbitragem, como muitos outros países contam. Ao invés de todos os conflitos irem para o Judiciário, abarrotando os tribunais, boa parte deles poderia ser resolvido em uma instância de mediação e arbitragem em âmbito administrativo. As questões relacionadas à preservação das obras em domínio público também é uma função importante, pois estamos vendo cada vez mais casos de apropriação indevida, privada, de obras em domínio público. A ausência estatal no campo autoral já teve tempo o bastante, estamos no 11o ano de vigência da lei, e entendemos que a opção de desregulação total do direito autoral já se mostrou equivocada por conta do grande número de problemas.

Nesta situação, que perde e quem ganha?
Quem tem mais poder econômico. Se você leva em consideração, em uma relação de autores e intermediários, o autor sempre é a parte hiposuficiente e acaba sendo prejudicado. E quando se dá uma relação entre intermediário e usuário, é este que acaba prejudicado. Agora se o usuário é um radiodifusor, aí inverte a lógica. Direito autoral é campo totalmente desregulado, portanto vale a lei do mais forte. Se eu sou uma parte na relação, para eu entrar no mercado, eu preciso me sujeitar às condições que a empresa que domina o mercado impõe pela via contratual. Isso geralmente envolve a cessão total, que acaba sendo a única forma de me inserir no mercado. Só que eu entrego tudo e acabo me beneficiando muito pouco do direito autoral.

O que o ministério propõe como modelo alternativo?
Achamos que as relações devem estar mais equilibradas. No campo da relação entre o criador e o intermediário, a lei deve prever que os contratos não possam permitir a cessão definitiva de direitos, pelo menos para a maior parte das áreas. Em algumas, talvez seja necessário ter cessão definitiva. No Brasil, nossa lei não prevê esta proteção ao autor. Nas relações com o usuário, deve haver uma revisão do capítulo de limitações e exceções que as tornem compatíveis com a nossa realidade. Por exemplo, o direito de cópia privada com remuneração eqüitativa, limitações para uso educacional, para pessoas portadoras de necessidades especiais, para bibliotecas, etc. Isso não é rebaixar direitos, flexibilizar direitos. A gente não está defendendo nada que não exista em outras legislações, apenas achamos que a nossa é muito restrita.

Há formas de o autor gerenciar ele próprios seus direitos? As licenças como Creative Commons atuam nisso?
Muitas vezes pessoas confundem licenças alternativas com gestão individual, mas não é. Creative Commons é licença. Uma música que tenha atribuição para uso não comercial em Creative Commons, se ela é tocada em uma rádio, há um uso comercial, portanto, ao autor cabe direito de remuneração, radiodifusor tem que pagar. A própria licença é compatível com sistema de gestão coletiva. Isso já está ocorrendo em alguns países. Não são modelos conflitantes. Mas, por outro lado, nem todos os tipos de obras exigem gestão coletiva.
Há mercados em que a gestão é feita de forma individual: o caso do livro. O autor negocia seus direitos de maneira individual junto à editora. Por outro lado, as novas tecnologias, a Internet, trouxeram facilidade para a produção, a distribuição e o uso de obras protegidas. Isso facilitou ao criador livrar-se ou não necessitar do intermediário para disponibilizar obras ao público, reduzindo a distância entre o criador e seu público. Isso é uma revolução mundial, que tem trazido resultados interessantes. Tem situações em que pessoas que não tinham condição de se inserir no mercado conseguiram, a partir da Internet, se tornarem conhecidas. É o caso do BNegão, que ganhou público forte fora do Brasil quando não tinha espaço aqui.