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Nas telas, uma nova política de financiamento

Historicamente, o modelo de financiamento da indústria do cinema e do audiovisual foi constituído a partir de investimentos por parte dos agentes privados mediante patrocínio ou renúncia fiscal. Em 2007, segundo dados do Ministério da Cultura, estas fontes de receitas movimentaram mais de R$ 1 bilhão, sendo apenas 10% deste total recursos próprios de empresas. Estas soluções geraram um quadro calcado no controle privado dos recursos públicos para esta que é uma área vital à cultura brasileira.

Ao longo do ano de 2008, especialmente a partir da entrada do novo ministro Juca Ferreira, o Ministério da Cultura colocou na agenda pública a revisão deste modelo e dos mecanismos de financiamento da cultura no país, especialmente da Lei Rouanet. Uma das ações integrantes do esforço de busca por um novo paradigma para os investimentos nesta área foi o lançamento do Fundo Setorial do Audiovisual, realizado no mês de novembro no Rio de Janeiro.

Criado por meio da Lei 11.437 de 2006 e regulamentado pelo Decreto 6.299 de 2007, o FSA é uma modalidade específica do Fundo Nacional de Cultura e tem como objetivo potencializar os investimentos diretos do Estado em toda a cadeia produtiva do setor audiovisual. Com R$ 74 milhões previstos para aplicação em 2009, o fundo traz inovações ao ampliar a lista de quais os agentes da cadeia a serem financiados, indo além do tradicional custeio da produção, e ao introduzir o elemento do risco nos projetos selecionados, desconstruindo o financiamento integral prévio característico de várias obras realizadas no país.

O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin, foi um dos artífices do complexo esforço de desenho da arquitetura do Fundo. Ele falou à reportagem do Observatório do Direito à Comunicação sobre a relevância da iniciativa e detalhou como funcionarão as linhas, as formas de acesso aos recursos e as contrapartidas da parte dos beneficiários.

Qual é a importância do FSA para a cadeia produtiva do audiovisual?
Em primeiro lugar, ele coloca um montante significativo de recursos no setor. Em segundo lugar, ele induz um maior nível de risco, o que gera maior responsabilização dos agentes, uma vez que não será dinheiro que entra sem compromissos e sem contrapartidas. Em terceiro lugar, ele gera maior integração entre os agentes de mercado. Outro impacto importante é uma maior previsibilidade dos investimentos, já que a captação de recursos por incentivo fiscal é imprevisível. Assim, há um fluxo contínuo que traz uma regularidade importante para a economia do setor para sua estabilização.
Acredito também que o fundo induza a um aprimoramento dos modelos de negócio. Quando as novas linhas de financiamento começarem a ser operadas, teremos também outras conseqüências benéficas, como a maior aproximação das universidades com o mercado, porque linhas de pesquisa serão estimuladas, e a modernização do parque da infra-estrutura, tanto para a reforma de salas como para laboratórios de finalização de imagem e som.

O que motivou o movimento do governo federal e da Agência Nacional de Cinema (Ancine) de criação do fundo?
As políticas públicas de fomento da produção audiovisual são implementadas desde 1993, desde quando o Presidente da República sancionou a Lei do Audiovisual. O Artigo 1º instituiu a possibilidade de patrocínio por empresas que gostariam de transferir para produção de obras impostos que deixavam de pagar. O Artigo 3º estava aberto apenas para distribuidores estrangeiros que passaram a poder investir, tornando-se sócios do produtor, até 70% do imposto que eles teriam que recolher por esta remessa de direitos de royalties às suas matrizes no exterior.
Estes, que tornaram-se os dois principais mecanismos, e mais outros como os Funcines resultaram em um processo de terceirização, no qual o Estado delega aos responsáveis pelo marketing cultural e aos distribuidores estrangeiros a prerrogativa de decidir quais serão so filmes brasileiros produzidos. Como os resultados comerciais do cinema brasileiro têm se mostrado aquém dos recursos que governo tem colocado para produção e distribuição, evidenciou-se a importância do investimento direto do Executivo Federal sem extinguir nenhum dos mecanismos vigentes que foram sendo refinados.
Sem a criação de nenhum outro imposto, de nenhuma nova taxa, criou-se um fundo setorial para o audiovisual que é resultado de longo esforço de diagnóstico do setor audiovisual resultante em um planejamento de linhas de financiamento que possam gradualmente ir superando os pontos de estrangulamento com vistas a uma econômica setorial sustentável.

Qual será a participação do Fundo no universo do fomento ao audiovisual?
O Brasil tem um total anual de investimentos no audiovisual de cerca de R$ 250 milhões, se tomarmos todos os mecanismos, incluindo aí a Lei do Audiovisual, Funcines, investimentos diretos feitos pela Secretaria de Auviodisual do Minc, editais de pequenos volumes de recuross feitos pela Ancine, além dos recursos investidos por estados e municípios via leis, programas e editais. Há uma diversidade grande de mecanismos criados pelo governo que possibilitaram a transferência deste montante. Se tomado o total de recursos que já estão no Fundo e que serão arrecadados, cerca de R$ 168 milhões, teremos um peso bastante grande do FSA neste conjunto de instrumentos de financiamento vigentes.

Quais receitas irão sustentar o fundo e quanto será injetado no setor?
O montante de verbas do Fundo vem da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). No caso da Condecine, o governo assumiu as despesas da Ancine para que os recursos da contribuição ficassem liberados apenas para o Fundo.
Para o ano de 2009, estão previstos para aplicação R$ 74 milhões, divididos em R$ 37 no primeiro semestre e R$ 37 no segundo. Como já há R$ 94 milhões arrecadados, entre os recursos já obtidos e esperados para o próximo ano teremos um total de R$ 168 milhões. A verba excedente poderá incrementar os R$ 74 milhões previstos para as linhas, mas também poderá ser destinada a outras linhas, como infra-estrutura, construção de salas de cinema ou conteúdos brasileiros em mídias móveis. Elas serão objeto de novas reuniões do comitê gestor do Fundo, que definirá novas prioridades e valores para investimento nestas modalidades ainda não contempladas, a serem lançadas ao longo do ano de 2009 e 2010.

Onde estes recursos serão aplicados?
Foram avaliadas e priorizadas quatro linhas para serem lançadas em 2008. A linha "A" contempla investimentos em produção de filmes longa-metragem para cinema, incluindo a co-produção internacional. Há uma prioridade, de cerca de 70% dos recursos, para complementação de obras, porque a idéia é botar o que está travado para fora. Há vários filmes que não conseguiram completar a captação de recursos e ficaram no meio do caminho.
Esta linha terá R$15 milhões no primeiro semestre de 2009 e R$ 15 milhões para o segundo semestre. Haverá duas modalidades de seleção dos projetos. Uma é a dos editais, caracterizada pela avaliação por um comitê dos projetos inscritos. Além destas chamadas periódicas haverá a modalidade de fluxo contínuo, na qual as propostas chegam e são analisadas.
A linha "B" será voltada à produção para TV de todo tipo. Ela contemplará produtoras e tem R$ 14 milhões para o ano, sendo metade no primeiro semestre e metade no segundo. Nesta linha de TV, a seleção será por meio do processo de fluxo contínuo. Um aspecto importante é que 5% do montante são apoio, recursos a fundo perdido.
A linha "C" irá beneficiar a aquisição de direitos de distribuição de obras cinematográficas. Nela, os distribuidores poderão captar, tomando recursos do Fundo e assumindo a responsabilidade de fazer retorno. Eles devem trazer a obra em fase de produção, ou seja, se quiser investir em uma determinada obra, ele vai adquirir os seus direitos com recursos do fundo. A linha irá possibilitar maior interação entre o distribuidor, que está mais ligado ao mercado, e o produtor, de maneira a otimizar o potencial comercial da obra. Estão previstos R$ 10 milhões para o primeiro semestre de 2009 e outros R$10 milhões para o segundo.
A linha "D" irá financiar a comercialização de obras cinematográficas de longa metragem. Nesta, os distribuidores chegam com a obra e assumem a responsabilidade pelo retorno. Ao produtor, cabe apenas a posição de interveniente no contrato. Estão destinados R$ 5 milhões no primeiro semestre e outros R$ 5 no segundo.

Apesar de o fundo incrementar o financiamento direto estatal, ele não resolve a dependência dos recursos incentivados. Qual sua avaliação sobre isso?
Não se pode reinventar a roda. O fundo cria mecanismos para aperfeiçoar o que existe. A aposta é que ele cada vez mais vá ser um mecanismo preferencial de investimento dos recursos públicos. Ele é mais maduro, ele induz a um comportamento de risco dos agentes. Ele trabalha com perspectiva de sustentabilidade, na medida em que recebe retornos de bilheteria. Eu diria que é um novo mecanismo. É uma nova janela, importantíssima, que se abre.

“É a RBS que governa o estado”

Na quarta-feira (10), o Ministério Público Federal de Santa Catarina entrou com uma Ação Civil Pública (processo nº. 2008.72.00.014043-5) contra o oligopólio da empresa Rede Brasil Sul (RBS) no Sul do Brasil. O MPF requer, entre outras providências, a diminuição do número de emissoras da empresa em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, de acordo com a lei; e a anulação da compra do jornal A Notícia, de Joinville, consumada em 2006 – que resultou no virtual monopólio da empresa em jornais de relevância no estado de Santa Catarina. O quadro geral da situação pode ser conferido a seguir, na entrevista realizada em novembro com Celso Tres, um dos procuradores que elaborou a medida judicial.

Desde 2006, o MP fala em processar a RBS pela compra do jornal A Notícia. Isso vai acontecer?
Sim, a ação está sendo instruída há dois anos, por meio de um Inquérito Civil Público (ICP), porque é bem complexa. Também participam vários procuradores no estado. A RBS tem uma posição totalmente dominante. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, são 18 emissoras de televisão, dezenas de estações de rádio, uma dezena de jornais. E a culminância disso foi quando a RBS comprou o jornal “A Notícia”, o que a tornou dona de todos os jornais de expressão dos dois estados.
Então, o que nós vamos discutir é essa questão do oligopólio à luz inclusive da lei que regula a ordem econômica, não é nem a lei da mídia propriamente dita. É tão grotesco isso, que nem essa lei que regula a atividade de economia em geral permite o oligopólio – obviamente, é muito menos lesivo numa sociedade você ter um oligopólio de chocolate, pasta de dente, do que ter oligopólio da mídia. Falo oligopólio, porque monopólio seria a exclusividade absoluta; mas a RBS tem posição quase totalitária.
A tendência da economia é a concentração e, por isso, certas compras de empresas têm que ser analisadas. Esse caso da RBS é um escândalo, ela governa o estado. Como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra do “AN”? O Cade é réu na ação porque aprovou isso.

O que vai ser requerido, especificamente, na ação?
Em linhas gerais, o que o MP demanda é: primeiro, que a compra do “AN” seja desfeita – eles vão ter que devolver o jornal para o antigo dono ou vender para terceiros; segundo, que seja cumprida a lei que diz que eles só podem ter no máximo duas emissoras no estado, ou seja, que acabe essa farsa que é de ser tudo da mesma família; e terceiro, o que eu acho mais importante, a implementação da programação local. A Constituição Federal determinou que é obrigatória a programação local. Só que em 20 anos nunca se adequou a lei. Então, o MP está querendo que a Justiça arbitre um percentual – 30% de programação local no âmbito do estado e 15% em cada região, no mínimo.
São inúmeros réus: todas as pessoas físicas da RBS, cada "emissora", o Cade; a União, por causa do Ministério das Comunicações (MC). E o MP pede para que a Justiça estabeleça uma multa por violação a um direito difuso, em razão da omissão do poder público. A gente vai entrar com a ação nos próximos meses e a sentença em primeiro grau deve sair em um ano.

O que foi feito no Inquérito?
O ICP não é um processo judicial, não tem contraditório, ou seja, quem é investigado não tem direito de resposta. Mesmo assim, o MP abriu pra RBS se manifestar e, inclusive, eles vieram com o mesmo discurso do Ministério da Comunicação. Eles [a RBS e o MC] se comunicaram, é uma piada. A mesma pessoa que redigiu a resposta do Ministério redigiu a da RBS, é uma coisa vergonhosa. O mesmo discurso: "Não, porque a lei diz que é a mesma pessoa física só que no caso não é." É chamar o legislador de imbecil.
Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.

Então o problema do oligopólio é a fiscalização?
A nossa legislação é desacatada porque o uso da radiodifusão sempre foi um benefício político. Essa relação do poder público está tão viciada que o MC não faz absolutamente nada para reprimir esses ilícitos e o caso da RBS é muito claro.
Na última eleição [para governador], isso ficou bastante evidente. A tríplice aliança de Luiz Henrique foi com a RBS; foi uma vergonha porque no primeiro turno a RBS anunciava que não ia ter segundo turno. Daí, deu segundo turno e eles anunciaram até um dia antes da eleição dizendo que a diferença era astronômica e, no final, deu 5% de diferença entre o Amin e o Luiz Henrique. Então não há dúvida de que a RBS elegeu o Luiz Henrique. Independentemente da pressão política, isso é irrelevante para o MP. Mas qualquer inocente sabe que a massificação de alguém que está na frente arrasa, induz o povo a votar.
Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias "emissoras", em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.
Hoje, na verdade, em SC, ou você trabalha na RBS ou você está fora. Você vai estar trabalhando ou em órgãos bem pequenos, espaço de trabalho inclusive bastante reduzido, caso do que eles fizeram com o “AN”. As matérias são as mesmas, teve um momento assim que chegaram ao ridículo de colocar a mesma manchete, a mesma matéria.
A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família. E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.

E isso não é contrato simulado, colocar tudo no nome da família inteira?
Essa questão da titularidade é uma questão criminal, porque é uma falsidade ideológica. Isso a gente vai verificar mais tarde. O objetivo, agora, é mudar a realidade. O MC diz que não controla isso porque a RBS está em nome de terceiros. É óbvio que é irrelevante que a concessão esteja no nome de A ou B, até porque – como é o caso de Blumenau, que não está no nome da família Sirotsky – retransmitem a mesma programação, essa é a grande questão, o conteúdo.
A lei diz que ter 20% do mercado é ter posição dominante e obviamente a RBS tem isso. E essa questão tem vários aspectos: direito à informação e direito à expressão, e também a questão da publicidade. Por exemplo, o “Diarinho” de Itajaí, o que a RBS faz com os caras? Na Rede Angeloni, faz contratos publicitários, impedindo que o supermercado coloque lá o “Diarinho” para os caras venderem. Então não existe concorrência, acabou. A concorrência é dizimada. Na Grande Florianópolis, eles lançaram o jornal “A Hora” a R$ 0,25, o que é claramente um preço inferior ao de custo, pra dizimar com a concorrência. Essas são as práticas deles.

Existe solução?
A questão é permitir a multiplicidade. A rede pública de televisão, com a criação da TV Brasil, poderia ter sido uma saída, mas o governo fez tudo errado. O correto seria que o Estado disponibilizasse canais, não adianta tentar produzir programação.
Seria fácil: criar 30 canais de TV para serem disponibilizados à população. Depois seria só colocar retransmissoras públicas nos centros urbanos, para os canais transmitirem programação independente. Uma medida simples, percebe? Bastava criar os canais e construir as retransmissoras. É uma questão tecnológica e de vontade política.
Custaria muito mais barato do que o governo tentar produzir programação e todos teriam oportunidade de fazer sua produção. O governo faria as retransmissoras, pura e simplesmente. Seria uma revolução na comunicação. A mídia, em pouco tempo, mudaria porque, com uma multiplicidade de canais, o canal com maior audiência chegaria a 15%, 10%, como é nos EUA, que é o correto.
Certamente se o governo viesse "Ah, vamos fazer aplicar a lei das duas emissoras", eles iam dizer, "Não! É uma lei da ditadura! O Lula é o Chávez." É uma besteira. O que diz a lei? Cada cidadão tem que ter um número x de canais, essa é a meta. Podia botar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) isso aí. É uma questão econômica, direitos individuais, gera muito emprego, oportunidades, veiculação comercial; atingiria em cheio a própria economia.

O principal modo de democratizar não seria combater o monopólio e o oligopólio?
O primeiro passo seria esse, mas, como eu falei, os órgãos do executivo são muito subalternos e também a RBS pode virar o governo. Qual a finalidade de um deputado federal que vai lá propor uma legislação mais rígida para isso? Se é um deputado de SC, a RBS vai fazer algumas reportagens contra o cara e ele está acabado. O cara não se reelege mais.

Você já foi ameaçado?
Não, por isso não.

Mundo digital e democratização

O cenário brasileiro de comunicação social é uma questão que realmente merece uma discussão extensa, diz o professor Cesar Bolaño no início da entrevista que concedeu à IHU On-Line. É exatamente essa profundidade que os movimentos sociais, a sociedade civil organizada e muitos pesquisadores da área da comunicação têm buscado fazer diante das novas possibilidades que as tecnologias digitais trouxeram.

Bolaño veio à Unisinos para participar do III Seminário de Pesquisa CEPOS – Economia Política da Comunicação como Meio de Análise Midiática. Aproveitamos para conversar com ele sobre esse paradigma proposto pela inserção das tecnologias digitais e as possibilidades que se criam a partir do seu desenvolvimento. Ele analisa que "os mediadores sociais estão muito iludidos com as novas tecnologias" quando, na verdade, estão sendo criadas novas formas de exclusão a partir dessa realidade. "Deveríamos pensar um pouco sobre o que estamos fazendo, qual é a realidade brasileira e como a comunicação deve pensar essa realidade", relatou.

Cesar Bolaño é graduado em Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de São Paulo (USP), e mestre e doutor em Ciência Econômica, pela Universidade Estadual de Campinas. Pela USP, obteve também o título de pós-doutor. Atualmente, é professor da Universidade Federal de Sergipe. Também é autor de Economia política da Internet (Aracaju: Editora UFS, 2007), Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? (São Paulo: Paulus, 2007) e Comunicação, educação, economia e sociedade no Brasil – Desenvolvimento histórico, estrutura atual e os desafios do século XXI (São Cristóvão-Sergipe: Editora UFS, 2008), entre outros.

Como o senhor analisa o cenário brasileiro de comunicação social?
Essa é uma questão que merece uma discussão extensa. Eu vejo a discussão a partir do meu próprio campo de pesquisa. Sabemos que o Brasil tem uma força muito grande no campo da comunicação em nível internacional. Há muitos cursos, pós-graduações e uma relevância dentro da América Latina. No entanto, na minha modesta percepção, é um campo relativamente pouco crítico. É menos crítico do que, por exemplo, outros campos menores que existem na América Latina, onde existe um pensamento comunicacional mais engajado. Então, a nossa importância no cenário internacional é grande, mas deveríamos pensar um pouco sobre o que estamos fazendo, qual é a realidade brasileira e como a comunicação deve pensar essa realidade. No Nordeste brasileiro, por exemplo, não temos um programa de pós-graduação para discutir a questão do desenvolvimento, da miséria, da problemática da sociedade brasileira. Na verdade, muitas vezes estão discutindo coisas muito esotéricas. Esta seria a contribuição da Economia Política, das Políticas de Comunicação nessas áreas que ainda são minoritárias.

E como o senhor vê a pesquisa em comunicação nas outras regiões do país?
De modo geral, a pesquisa e os paradigmas são muito concentrados nas regiões Sul e, principalmente, Sudeste. Da maneira como o campo tem se estruturado, há uma tendência "natural" de todas as pós-graduações que se estabelecem fora desse eixo hegemônico tomarem este como espelho. Então, é muito difícil você propor algo alternativo e crítico de forma muito autônoma em função de como a comunicação se estrutura no Brasil. Acho que esse talvez seja o principal problema. Muitas vezes se reproduz aquilo que é feito em São Paulo, no Rio Grande do Sul ou na Bahia. São pólos que irradiam para o resto do Brasil, o que, em princípio, não é ruim, mas eu acho que é um problema, na medida em que nosso campo tem se caracterizado, a partir dos anos 1980, por um pensamento pouco vinculado com o pensamento social da realidade brasileira.

A internet hoje parece caminhar para uma democracia de acessos, ou seja, serviços que antes eram difíceis de trabalhar e caros hoje são oferecidos na rede de uma forma fácil e gratuita. Quais os impactos trazidos pela tecnologia digital na democracia de nosso mundo contemporâneo?
Esse é um tema fundamental, porque a questão das tecnologias é chave, é central, mas talvez não tenha sido discutida ainda na extensão que deveria em termos do desenvolvimento social, dos problemas fundamentais do povo brasileiro. Nós, da economia política, temos uma visão um pouco diferente, pois temos discutido as tecnologias a partir dos processos de dominação, de concentração e a questão do seu potencial democratizante e liberador de forma mais realista, menos utópica. De modo geral, se discute as tecnologias de uma forma muito desvinculada da problemática brasileira. A meu ver, é uma questão-chave. No entanto, precisa ser pensada na perspectiva da democratização do país, dos problemas de concentração de poder que existe na comunicação. Não é possível imaginar que a existência da internet tenha resolvido, como muitas vezes se imagina, o problema do controle da mídia no Brasil. De certa maneira, a reflexão sobre as tecnologias surge, muitas vezes, para mascarar a realidade. Muitas vezes, o pensamento, ao invés de esclarecer, acaba referendando uma tendência de encobrimento ideológica, típica do desenvolvimento.

Em sua opinião, que estratégias de políticas comunicacionais devem ser traçadas a partir do desenvolvimento que o digital permite?
Em primeiro lugar, é preciso pensar que a linha central do desenvolvimento do digital apresenta como objetivo ampliar a exclusão social. Nós tínhamos formas de exclusão social anteriores, no caso do Brasil muito graves, e a elas se agregou uma nova forma de exclusão. Isso porque, para você ter, hoje, condições de participar soberanamente da esfera pública, é preciso estar incluído digitalmente, o que faz com que, ao mesmo tempo, a imensa parte da população não esteja. É necessário estar com inclusão digital na perspectiva da universalização, ou seja, acesso universal de qualidade com banda larga para todos. Não é possível imaginar uma sociedade na qual alguns têm a capacidade de acesso doméstico em banda larga, enquanto outros precisem ir para uma lan house controlada pelo crime organizado da favela para ficar jogando videogame. Aliás, é possível imaginar sim, pois é essa a realidade que vivemos. É uma situação que cria mais exclusão social, por isso é preciso que o governo tenha uma política de inclusão digital em termos de infra-estrutura e de capital simbólico. Muitos dos nossos colegas estão iludidos com essas possibilidades, ou seja, muitas vezes os mediadores sociais estão muito iludidos com as novas tecnologias.

O senhor acredita que a população latino-americana esteja preparada para receber as novas tecnologias digitais quando ainda vive situações políticas e sociais tão adversas?
A meu ver, ninguém está preparado para isso. A tecnologia digital é uma coisa a mais, e o importante é desmistificá-la. A juventude tem uma facilidade para receber e adaptar novos meios. Nesse sentido, os jovens que estão lidando com esses meios não têm uma visão tão mistificada quanto os mais antigos, que viram nas tecnologias digitais uma coisa, digamos, muito importante. Quem já está sendo criado nesse contexto já sabe quais os limites desse processo. Se você for conversar com os garotos e garotas, verá que existe uma consciência das possibilidades das tecnologias digitais. O problema é que eles não têm a consciência de até que ponto estão sendo manipulados. Essa é a função do educador, é o nosso papel, o qual, talvez, não estejamos cumprindo adequadamente.

Como o senhor vê essa mobilização que está sendo criada para atentar para a importância da realização de uma primeira Conferência Nacional de Comunicação?
A Conferência é o objeto principal da luta pela democratização hoje. Acredito que todas as ações pontuais têm a sua importância, mas está é reduzida pela maneira como se organizam hoje as forças sociais nesse campo. Aqui, agora, no segundo mandato do governo Lula, eu não creio que a luta parlamentar, por exemplo, como aconteceu agora com o PL-29, seja capaz de organizar isso.

Economia em rede e a indústria da cultura

No debate sobre direitos autorais e propriedade industrial, os criadores e o público são o centro do debate e não se pode desviar a atenção para os intermediários. A visão é de Marcelo D´Elia Branco, um histórico ativista do software livre no Brasil e atualmente coordenador da Associação Softwarelivre.org. Durante o "Seminário Internacional sobre Direito Autoral", Marcelo concedeu esta entrevista para a Fórum, onde afirma que já vivemos uma sociedade de rede e que o país precisa de uma reforma na Lei de Direitos Autorais para legitimar e legalizar práticas sociais importantes para o desenvolvimento e para a criatividade do nosso país.

Confira a entrevista.

Como a comunidade de software livre está contribuindo para o debate sobre direitos autorais e as novas tecnologias?
A comunidade de software livre foi a primeira na internet e a mais numerosa, então foi a primeira comunidade a conviver com as novas formas de relacionamento proporcionadas pela revolução digital e é exatamente por isso que ela tem uma contribuição importante neste cenário. Mas é obvio que o modelo de negócio do software livre, do linux, será para todos os bens da sociedade, seja culturais, seja o que for. A idéia de que o conhecimento tem que ser compartilhado; de que a inovação não está dentro de nenhuma negociação, mas fora dela; de que a sociedade esta conectada em rede, portanto é necessário aproveitar os potenciais inovadores de colaboração. Enfim, a idéia original do software livre será a de toda a sociedade daqui em diante. Há 20 anos, mesmo antes da internet existir, já era feito este debate. A internet viabilizou o novo modelo para o software, e deve viabilizar também para produção cultural e novos modelos da produção industrial.

Quanto às alterações e adequações da lei de direitos autorais no Brasil, como garantir que haja alterações?
Espero que exista alteração [na lei] e a iniciativa do MinC [Ministério da Cultura] em debater com a sociedade é uma iniciativa bastante importante, porque do outro lado está o lobby das industrias fonográfica, cinematográfica, dos softwares privativos e das grandes companhias telefônicas que enxergam a internet e esse novo modelo como ameaça. [Por isso,] precisam barrar e bloquear a inovação com leis restritivas de copyright. E justamente por tudo isso, o debate sobre a lei dos direitos autorais no Brasil é importante. Precisamos fazer uma alteração positiva e não uma reforma que coloque mais restrições. Precisamos de uma que legitime e legalize práticas sociais importantes para o desenvolvimento e para a criatividade do nosso país

Inúmeras iniciativas internacionais e até nacionais, por parte dos Estados ou de empresas, querem barrar a chamada pirataria. Qual sua opinião sobre aparelhos eletrônicos para identificar produtos piratas e o caso da Espanha, que elaborou e colocou em prática uma ferrenha política de arrecadação e controle dos direitos autorais?

A indústria ameaçada pela nova realidade da internet, a indústria intermediária que silenciou – estou falando em Hollywood, indústria fonográfica, grandes editoras e agora as grandes operadoras de telecomunicação – precisam conter o avanço da internet e das novas formas de relacionamento colocando restrições, como os chips de controle que obrigam o consumidor, ao adquirir um DVD ou um CD, a só tocarem em determinados aparelhos. Há também as restrições na base do software DRN, que controla e vigia as cópias de distribuição. Tudo isso também se manifesta na legislação. A Espanha é o pior exemplo em que poderíamos nos inspirar, porque tem uma entidade arrecadadora chamada SGAE, que seria o ECAD espanhol, que hoje arrecada milhões e milhões de doláres a partir da venda de dispositivos eletrônicos em diretos autorais. Esse modelo de compensação da cópia privada instituiu na Espanha o emponderamento do SGAE, que hoje tem poder político de indicar ministros e secretários em todas as províncias do país. Ou seja, foi dado um poder para a entidade arrecadadora que não queremos no Brasil. Isso tudo criou um falso conflito entre artistas e comunidade de internet. Virou rotineiro assistir representantes da SGAE demonizando a internet e as novas práticas sociais que surgiram na rede e se colocando como representantes legítimos dos autores e dos criadores. A realidade é que a Espanha vive hoje um dilema, uma polarização entre artistas e internautas. E acredito que isso não aconteça no Brasil, os artistas sempre tiveram uma boa relação com o público, com o movimento alternativo e esse modelo que gera e estimula o conflito entre uso compartilhado das redes de colaboração da internet, uso de distribuição da cultura através das redes P2P [peer to peer] de relacionamento não é positivo nem para a classe artística, nem para os criadores e muito menos para a população que se movimenta pela internet.

Você acha que alternativas aos modelos tradicionais de negócios são viáveis?
Na realidade, na era industrial, só tínhamos um único modelo e mesmo o produtor, criador e artista alternativo, reproduzia-o de forma independente e esbarrava no monopólio de distribuição. Acredito que, na sociedade em rede, haverá muitos modelos e a capacidade de inovar na distribuição e na difusão é a realidade agora. As licenças Creative Commons são uma das alternativas, porque vão de licenças menos restritivas até as mais restritivas, e o próprio produtor escolhe qual a melhor forma para ele. Além de eliminar bastante o papel do intermediário, a aposta é no produtor cultural. É disso que o artista, o escritor e o músico precisam. A distribuição vive do monopólio e tem um papel parasita no mercado. Existem muitas outras iniciativas como o "um dólar por canção", liberação parcial dos CDs, a criatividade de ter um modelo novo é uma forma de ser vencedor nesse novo cenário. Essa idéia de um único modelo está superada na sociedade em rede. Vamos ter muitos modelos que garantam a sobrevivência dos criadores, dos artistas, músicos. Os criadores e o público são o centro do debate e não podemos desviar a atenção para os intermediários.

A negritude em primeiro plano

Antropólogo, cineasta e professor, Celso Prudente organiza, desde 2004, a Mostra Internacional do Cinema Negro. Em novembro, mês da Consciência Negra, a quinta edição da mostra destaca o tema “Música Religiosidade e Ontologia” e busca a autonomia da africanidade.

O que é o Cinema Negro? Qual foi sua motivação inicial para organizar uma mostra com esse tema?
O Cinema Negro não é só uma questão de preocupação temática, pois existem demandas de sintaxe. No livro “Reflexões sobre o Racismo”, Sartre estuda, entre outras coisas, os poetas negros das colônias francesas. Ele sugere o seguinte: os poetas negros têm um discurso que é longo; e esse verso longo não fere a linguagem poética, porque os negros têm o direito de ter um discurso longo, na medida em que eles têm uma história longa. Ao meu quase cego ver, esse fenômeno se repete em outras demandas artísticas e é possível localizar no cinema que surge no início da década de 80 a valorização do primeiro plano na figura do negro. Nessa época, alguns jovens cineastas do Brasil vão para a África, totalmente motivados pelo comportamento do Glauber Rocha, quando ele faz o “Leão de Sete Cabeças”, rodado no Congo-Brazaville, com músicas da Clementina de Jesus. O Glauber vai trabalhar com essa essência histórica dentro de um plexo cultural africano para sugerir que o discurso irreverente de uma estética emergente se dá com a presença histórica africana. É possível fazer uma observação fílmica – e não cinematográfica – em que o primeiro plano se coloca como um elemento norteador das relações de planos. Percebemos este mesmo fenômeno, por exemplo, com Ari Cândido, em “Por que Eritréia?”. A gente vai percebendo que esta questão do primeiro plano é importante, porque quando você coloca no centro aquele que foi desarticulado para a margem, você coloca a expressão de um resgate da sua história. Então você tem sim uma sintaxe do Cinema Negro. O Cinema Negro é o cinema que mostra, na estrutura do primeiro e do primeiríssimo plano, toda a expressão de conjunto cultural que traz relações do ser africano, que é furtado num processo de massificação, na qual lhe é negada a sua condição humana.

Esse processo de retratar o negro de uma maneira positiva a partir da década de 80 ocorre também no resto do mundo, ou é um fenômeno brasileiro?
Aqui no Brasil, o Cinema Negro aparece com o Cinema Novo, que nasce como crítica ao cinema dos grandes estúdios. Mas o Cinema Novo é um fenômeno brasileiro, dentro de um ascenso cultural, internacional, de uma estética que se contrapõe às redes de dominação. Então, na mesma época, nós temos o Neorealismo na Itália, a Nouvelle Vague na França e o Undergound nos EUA. A maior expressão mundial do cinema negro é o Spike Lee, nos EUA.

Como está a produção do Cinema Negro hoje?
O Cinema Negro é muito novo, ele é uma estética emergente, que nasce no seio do Cinema Novo, porque a estrutura que permitiu o nascedouro do cinema negro entre nós, brasileiros, foi o Cinema Novo do Glauber. “Barravento” já é um testemunho do Cinema Negro. Mas nós temos esse ascenso na década de 80, a partir de um acúmulo de outras experiências. Na década de 70, nós tivemos o processo de descolonização da África, as lutas pelos direitos civis nos EUA e, aqui no Brasil, surge o Movimento Negro Unificado. Evidentemente, o Movimento Negro Unificado acabou sendo o grande elemento político de referência, tanto que os jovens realizadores que fazem Cinema Negro passaram por ele. O Zózimo Bubul, o Ari Cândido, eu, todos nós passamos pelo movimento, que conseguiu mostrar para o mundo que o Brasil não era o paraíso da democracia racial. Nessa perspectiva, o jovem negro já não se contentava mais de se ver discutido, ele passa a querer pautar a discussão, ele quer ser o protagonista e o grande escritor. É este o momento em que, no início da década de 80, esses jovens negros começam a pegar nas câmeras para escrever um Brasil a partir de um olhar também africanista.

O cinema – pelo menos a obra de alguns diretores – teve este papel de trazer o negro para o primeiro plano. E a televisão?
É evidente que os negros, os ibéricos, os ameríndios, os asiáticos não estão na TV, mas essa luta em favor do direito à personalidade existe. O negro se sente torturado diante de uma televisão em que ele só assiste ao outro e não consegue se ver. Nas poucas expressões – que são rarefeitas mesmo – ele é posto num processo de boçalidade, do inferior, do hilário, do desnaturado. Ele vai aparecer como o excessivamente engraçado, como aquele que não é, que não ama. É muito recente a presença das famílias negras na televisão. Quando o negro aparece numa novela, ele não ama, não tem amigo, não tem mãe, não tem pai, não tem irmão, ele não vai à quitanda e, mais grave que não ir à quitanda, é um personagem que não conhece o supermercado. Não conhecer o supermercado numa sociedade degenerada significa você não andar, você estar preso. A liberdade de uma sociedade degenerada, com relações meramente de mercado, é você consumir, porque quem vai pautar a televisão é o mercado e só agora é que a gente começa a ouvir falar dos produtos étnicos.

Qual é o norte da Quinta Mostra Internacional do Cinema Negro?
A Quinta Mostra está vivendo um momento muito interessante. Nós fechamos um processo, porque nós mostramos que ela veio para ficar, porque nós temos acúmulos que permitem que exista uma mostra. Os filmes estão dialogando com outros. Por exemplo, nós já passamos “Rio, Zona Norte”, porque o Nelson Pereira dos Santos, nesse filme, conta a história do Zé Ketti. Esse ano entra “Doces Bárbaros”, que fala do encontro entre o Gil e o Caetano. Entra também o filme “Partido Alto”. Então, esse encontro, que é musical, acontece agora num processo totalmente imagético. Essa mostra tem uma costura, é o tempo que dialoga com o lugar. Essa possibilidade de o tempo dialogar com o lugar é o alternativo, é o horizontal. Na sociedade de mercado, o tempo não dialoga com o lugar. Quem tem história não tem lugar e quem tem lugar não tem história. A nossa mostra é diferente, nós não estamos mais falando de uma resistência da cultura negra, nós estamos falando numa autonomia da africanidade.