Economia em rede e a indústria da cultura

No debate sobre direitos autorais e propriedade industrial, os criadores e o público são o centro do debate e não se pode desviar a atenção para os intermediários. A visão é de Marcelo D´Elia Branco, um histórico ativista do software livre no Brasil e atualmente coordenador da Associação Softwarelivre.org. Durante o "Seminário Internacional sobre Direito Autoral", Marcelo concedeu esta entrevista para a Fórum, onde afirma que já vivemos uma sociedade de rede e que o país precisa de uma reforma na Lei de Direitos Autorais para legitimar e legalizar práticas sociais importantes para o desenvolvimento e para a criatividade do nosso país.

Confira a entrevista.

Como a comunidade de software livre está contribuindo para o debate sobre direitos autorais e as novas tecnologias?
A comunidade de software livre foi a primeira na internet e a mais numerosa, então foi a primeira comunidade a conviver com as novas formas de relacionamento proporcionadas pela revolução digital e é exatamente por isso que ela tem uma contribuição importante neste cenário. Mas é obvio que o modelo de negócio do software livre, do linux, será para todos os bens da sociedade, seja culturais, seja o que for. A idéia de que o conhecimento tem que ser compartilhado; de que a inovação não está dentro de nenhuma negociação, mas fora dela; de que a sociedade esta conectada em rede, portanto é necessário aproveitar os potenciais inovadores de colaboração. Enfim, a idéia original do software livre será a de toda a sociedade daqui em diante. Há 20 anos, mesmo antes da internet existir, já era feito este debate. A internet viabilizou o novo modelo para o software, e deve viabilizar também para produção cultural e novos modelos da produção industrial.

Quanto às alterações e adequações da lei de direitos autorais no Brasil, como garantir que haja alterações?
Espero que exista alteração [na lei] e a iniciativa do MinC [Ministério da Cultura] em debater com a sociedade é uma iniciativa bastante importante, porque do outro lado está o lobby das industrias fonográfica, cinematográfica, dos softwares privativos e das grandes companhias telefônicas que enxergam a internet e esse novo modelo como ameaça. [Por isso,] precisam barrar e bloquear a inovação com leis restritivas de copyright. E justamente por tudo isso, o debate sobre a lei dos direitos autorais no Brasil é importante. Precisamos fazer uma alteração positiva e não uma reforma que coloque mais restrições. Precisamos de uma que legitime e legalize práticas sociais importantes para o desenvolvimento e para a criatividade do nosso país

Inúmeras iniciativas internacionais e até nacionais, por parte dos Estados ou de empresas, querem barrar a chamada pirataria. Qual sua opinião sobre aparelhos eletrônicos para identificar produtos piratas e o caso da Espanha, que elaborou e colocou em prática uma ferrenha política de arrecadação e controle dos direitos autorais?

A indústria ameaçada pela nova realidade da internet, a indústria intermediária que silenciou – estou falando em Hollywood, indústria fonográfica, grandes editoras e agora as grandes operadoras de telecomunicação – precisam conter o avanço da internet e das novas formas de relacionamento colocando restrições, como os chips de controle que obrigam o consumidor, ao adquirir um DVD ou um CD, a só tocarem em determinados aparelhos. Há também as restrições na base do software DRN, que controla e vigia as cópias de distribuição. Tudo isso também se manifesta na legislação. A Espanha é o pior exemplo em que poderíamos nos inspirar, porque tem uma entidade arrecadadora chamada SGAE, que seria o ECAD espanhol, que hoje arrecada milhões e milhões de doláres a partir da venda de dispositivos eletrônicos em diretos autorais. Esse modelo de compensação da cópia privada instituiu na Espanha o emponderamento do SGAE, que hoje tem poder político de indicar ministros e secretários em todas as províncias do país. Ou seja, foi dado um poder para a entidade arrecadadora que não queremos no Brasil. Isso tudo criou um falso conflito entre artistas e comunidade de internet. Virou rotineiro assistir representantes da SGAE demonizando a internet e as novas práticas sociais que surgiram na rede e se colocando como representantes legítimos dos autores e dos criadores. A realidade é que a Espanha vive hoje um dilema, uma polarização entre artistas e internautas. E acredito que isso não aconteça no Brasil, os artistas sempre tiveram uma boa relação com o público, com o movimento alternativo e esse modelo que gera e estimula o conflito entre uso compartilhado das redes de colaboração da internet, uso de distribuição da cultura através das redes P2P [peer to peer] de relacionamento não é positivo nem para a classe artística, nem para os criadores e muito menos para a população que se movimenta pela internet.

Você acha que alternativas aos modelos tradicionais de negócios são viáveis?
Na realidade, na era industrial, só tínhamos um único modelo e mesmo o produtor, criador e artista alternativo, reproduzia-o de forma independente e esbarrava no monopólio de distribuição. Acredito que, na sociedade em rede, haverá muitos modelos e a capacidade de inovar na distribuição e na difusão é a realidade agora. As licenças Creative Commons são uma das alternativas, porque vão de licenças menos restritivas até as mais restritivas, e o próprio produtor escolhe qual a melhor forma para ele. Além de eliminar bastante o papel do intermediário, a aposta é no produtor cultural. É disso que o artista, o escritor e o músico precisam. A distribuição vive do monopólio e tem um papel parasita no mercado. Existem muitas outras iniciativas como o "um dólar por canção", liberação parcial dos CDs, a criatividade de ter um modelo novo é uma forma de ser vencedor nesse novo cenário. Essa idéia de um único modelo está superada na sociedade em rede. Vamos ter muitos modelos que garantam a sobrevivência dos criadores, dos artistas, músicos. Os criadores e o público são o centro do debate e não podemos desviar a atenção para os intermediários.

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