Nas telas, uma nova política de financiamento

Historicamente, o modelo de financiamento da indústria do cinema e do audiovisual foi constituído a partir de investimentos por parte dos agentes privados mediante patrocínio ou renúncia fiscal. Em 2007, segundo dados do Ministério da Cultura, estas fontes de receitas movimentaram mais de R$ 1 bilhão, sendo apenas 10% deste total recursos próprios de empresas. Estas soluções geraram um quadro calcado no controle privado dos recursos públicos para esta que é uma área vital à cultura brasileira.

Ao longo do ano de 2008, especialmente a partir da entrada do novo ministro Juca Ferreira, o Ministério da Cultura colocou na agenda pública a revisão deste modelo e dos mecanismos de financiamento da cultura no país, especialmente da Lei Rouanet. Uma das ações integrantes do esforço de busca por um novo paradigma para os investimentos nesta área foi o lançamento do Fundo Setorial do Audiovisual, realizado no mês de novembro no Rio de Janeiro.

Criado por meio da Lei 11.437 de 2006 e regulamentado pelo Decreto 6.299 de 2007, o FSA é uma modalidade específica do Fundo Nacional de Cultura e tem como objetivo potencializar os investimentos diretos do Estado em toda a cadeia produtiva do setor audiovisual. Com R$ 74 milhões previstos para aplicação em 2009, o fundo traz inovações ao ampliar a lista de quais os agentes da cadeia a serem financiados, indo além do tradicional custeio da produção, e ao introduzir o elemento do risco nos projetos selecionados, desconstruindo o financiamento integral prévio característico de várias obras realizadas no país.

O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin, foi um dos artífices do complexo esforço de desenho da arquitetura do Fundo. Ele falou à reportagem do Observatório do Direito à Comunicação sobre a relevância da iniciativa e detalhou como funcionarão as linhas, as formas de acesso aos recursos e as contrapartidas da parte dos beneficiários.

Qual é a importância do FSA para a cadeia produtiva do audiovisual?
Em primeiro lugar, ele coloca um montante significativo de recursos no setor. Em segundo lugar, ele induz um maior nível de risco, o que gera maior responsabilização dos agentes, uma vez que não será dinheiro que entra sem compromissos e sem contrapartidas. Em terceiro lugar, ele gera maior integração entre os agentes de mercado. Outro impacto importante é uma maior previsibilidade dos investimentos, já que a captação de recursos por incentivo fiscal é imprevisível. Assim, há um fluxo contínuo que traz uma regularidade importante para a economia do setor para sua estabilização.
Acredito também que o fundo induza a um aprimoramento dos modelos de negócio. Quando as novas linhas de financiamento começarem a ser operadas, teremos também outras conseqüências benéficas, como a maior aproximação das universidades com o mercado, porque linhas de pesquisa serão estimuladas, e a modernização do parque da infra-estrutura, tanto para a reforma de salas como para laboratórios de finalização de imagem e som.

O que motivou o movimento do governo federal e da Agência Nacional de Cinema (Ancine) de criação do fundo?
As políticas públicas de fomento da produção audiovisual são implementadas desde 1993, desde quando o Presidente da República sancionou a Lei do Audiovisual. O Artigo 1º instituiu a possibilidade de patrocínio por empresas que gostariam de transferir para produção de obras impostos que deixavam de pagar. O Artigo 3º estava aberto apenas para distribuidores estrangeiros que passaram a poder investir, tornando-se sócios do produtor, até 70% do imposto que eles teriam que recolher por esta remessa de direitos de royalties às suas matrizes no exterior.
Estes, que tornaram-se os dois principais mecanismos, e mais outros como os Funcines resultaram em um processo de terceirização, no qual o Estado delega aos responsáveis pelo marketing cultural e aos distribuidores estrangeiros a prerrogativa de decidir quais serão so filmes brasileiros produzidos. Como os resultados comerciais do cinema brasileiro têm se mostrado aquém dos recursos que governo tem colocado para produção e distribuição, evidenciou-se a importância do investimento direto do Executivo Federal sem extinguir nenhum dos mecanismos vigentes que foram sendo refinados.
Sem a criação de nenhum outro imposto, de nenhuma nova taxa, criou-se um fundo setorial para o audiovisual que é resultado de longo esforço de diagnóstico do setor audiovisual resultante em um planejamento de linhas de financiamento que possam gradualmente ir superando os pontos de estrangulamento com vistas a uma econômica setorial sustentável.

Qual será a participação do Fundo no universo do fomento ao audiovisual?
O Brasil tem um total anual de investimentos no audiovisual de cerca de R$ 250 milhões, se tomarmos todos os mecanismos, incluindo aí a Lei do Audiovisual, Funcines, investimentos diretos feitos pela Secretaria de Auviodisual do Minc, editais de pequenos volumes de recuross feitos pela Ancine, além dos recursos investidos por estados e municípios via leis, programas e editais. Há uma diversidade grande de mecanismos criados pelo governo que possibilitaram a transferência deste montante. Se tomado o total de recursos que já estão no Fundo e que serão arrecadados, cerca de R$ 168 milhões, teremos um peso bastante grande do FSA neste conjunto de instrumentos de financiamento vigentes.

Quais receitas irão sustentar o fundo e quanto será injetado no setor?
O montante de verbas do Fundo vem da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). No caso da Condecine, o governo assumiu as despesas da Ancine para que os recursos da contribuição ficassem liberados apenas para o Fundo.
Para o ano de 2009, estão previstos para aplicação R$ 74 milhões, divididos em R$ 37 no primeiro semestre e R$ 37 no segundo. Como já há R$ 94 milhões arrecadados, entre os recursos já obtidos e esperados para o próximo ano teremos um total de R$ 168 milhões. A verba excedente poderá incrementar os R$ 74 milhões previstos para as linhas, mas também poderá ser destinada a outras linhas, como infra-estrutura, construção de salas de cinema ou conteúdos brasileiros em mídias móveis. Elas serão objeto de novas reuniões do comitê gestor do Fundo, que definirá novas prioridades e valores para investimento nestas modalidades ainda não contempladas, a serem lançadas ao longo do ano de 2009 e 2010.

Onde estes recursos serão aplicados?
Foram avaliadas e priorizadas quatro linhas para serem lançadas em 2008. A linha "A" contempla investimentos em produção de filmes longa-metragem para cinema, incluindo a co-produção internacional. Há uma prioridade, de cerca de 70% dos recursos, para complementação de obras, porque a idéia é botar o que está travado para fora. Há vários filmes que não conseguiram completar a captação de recursos e ficaram no meio do caminho.
Esta linha terá R$15 milhões no primeiro semestre de 2009 e R$ 15 milhões para o segundo semestre. Haverá duas modalidades de seleção dos projetos. Uma é a dos editais, caracterizada pela avaliação por um comitê dos projetos inscritos. Além destas chamadas periódicas haverá a modalidade de fluxo contínuo, na qual as propostas chegam e são analisadas.
A linha "B" será voltada à produção para TV de todo tipo. Ela contemplará produtoras e tem R$ 14 milhões para o ano, sendo metade no primeiro semestre e metade no segundo. Nesta linha de TV, a seleção será por meio do processo de fluxo contínuo. Um aspecto importante é que 5% do montante são apoio, recursos a fundo perdido.
A linha "C" irá beneficiar a aquisição de direitos de distribuição de obras cinematográficas. Nela, os distribuidores poderão captar, tomando recursos do Fundo e assumindo a responsabilidade de fazer retorno. Eles devem trazer a obra em fase de produção, ou seja, se quiser investir em uma determinada obra, ele vai adquirir os seus direitos com recursos do fundo. A linha irá possibilitar maior interação entre o distribuidor, que está mais ligado ao mercado, e o produtor, de maneira a otimizar o potencial comercial da obra. Estão previstos R$ 10 milhões para o primeiro semestre de 2009 e outros R$10 milhões para o segundo.
A linha "D" irá financiar a comercialização de obras cinematográficas de longa metragem. Nesta, os distribuidores chegam com a obra e assumem a responsabilidade pelo retorno. Ao produtor, cabe apenas a posição de interveniente no contrato. Estão destinados R$ 5 milhões no primeiro semestre e outros R$ 5 no segundo.

Apesar de o fundo incrementar o financiamento direto estatal, ele não resolve a dependência dos recursos incentivados. Qual sua avaliação sobre isso?
Não se pode reinventar a roda. O fundo cria mecanismos para aperfeiçoar o que existe. A aposta é que ele cada vez mais vá ser um mecanismo preferencial de investimento dos recursos públicos. Ele é mais maduro, ele induz a um comportamento de risco dos agentes. Ele trabalha com perspectiva de sustentabilidade, na medida em que recebe retornos de bilheteria. Eu diria que é um novo mecanismo. É uma nova janela, importantíssima, que se abre.

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