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A necessidade de desmistificar a tecnologia

O sociólgo Armand Mattelart é um dos mais respeitados intelectuais da área da comunicação. Nascido na Bélgica e graduado na França, morou no Chile, onde, de 1962 a 1973, foi professor da Universidade Católica de Santiago e contribuiu com o governo de Salvador Allende. Expulso depois do golpe do general Pinochet, retornou à Europa, onde lecionou na Universidade de Paris VII, Paris VIII e Rennes 2.

Atualmente, é professor emérito de ciências da informação e da comunicação na Universidade de Paris VIII e presidente do Observatoire Français des Médias. É autor de diversos livros sobre temas relacionados à comunicação, entre os quais: "Para ler o Pato Donald" (Paz e Terra, 2002), "A comunicação-mundo" (Vozes, 1996), "A globalização da comunicação" (Edusc, 2000), "História da utopia planetária" (Sulina, 2002) e "História da sociedade da informação" (Loyola, 2002).

Para Mattelart, uma sociedade da informação diferente só será possível negando às tecnologias o privilégio de representar o fator exclusivo da mudança. "Nenhuma apropriação do meio tecnológico por parte do cidadão pode subtrair-se à crítica das palavras que, teoricamente apátridas, se insinuam continuamente na linguagem comum", defende. Coerente com essa convicção, o autor recusa-se a adotar fórmulas como "aldeia global" ou "sociedade global da informação", preferindo confiar em uma "arqueologia dos conceitos" que faça surgir os significados e os usos político-sociais sedimentados em cada termo.

Se "aldeia global" remonta à "representação 'igualitarista' do planeta", à "visão fideísta de uma sociedade planetária" horizontal e flexível, "comunicação-mundo" é, pelo contrário, um termo que, segundo as intenções de Mattelart, permite olhar para a mundialização em ação sem mitificá-la, porque nasce da consciência de que "a desigualdade das trocas continua a indicar a universalização do sistema produtivo e técnico-científico".

Para Mattelart, de fato, "entre os discursos utópicos sobre as promessas de um mundo melhor por meio da técnica e a realidade das lutas pelo controle dos meios de comunicação, existe um contraste impressionante". Um contraste que deve ser levado em consideração se queremos construir uma sociedade da informação diferente, que será realizável sob a condição de negar à tecnologia "o privilégio de representar o fator exclusivo da mudança", e de fazer com que sejam os cidadãos, e não as lógicas estatais securitárias, definam os usos macrossociais das novas tecnologias.

O jornal Il Manifesto sem encontrou com Armand Mattelart em Roma, onde foi convidado para apresentar o volume "Democrazia e concentrazione dei media" [Democracia e concentração das mídias].

Há alguns dias, foi publicado o relatório anual sobre o estado do jornalismo norte-americano ("State of the News Media", do Pew Project for Excellence in Journalism), em que foram analisadas, entre outras coisas, as repercussões da crise econômica sobre o sistema midiático. O senhor considera que a crise pode comprometer posteriormente o pluralismo da informação?

A crise econômica não fez outra coisa a não ser acelerar algumas lógicas já presentes nas sociedades de natureza capitalista e se combinou com um outro elemento importante de aceleração, a guerra contra o terrorismo. As mídias foram, de fato, instrumentos indispensáveis para legitimar a idéia da guerra e para justificar a tese de que existiam armas de destruição em massa no Iraque.

O problema do pluralismo da informação, portanto, se tornou alarmante já com a guerra contra o terrorismo, a partir de 2001, e hoje é agravado pela crise econômica. Vários governos buscaram se aproveitar da situação para assegurar uma "tomada" mais sólida dos sistemas midiáticos, e com isso quero dizer o sistema audiovisual e o das novas mídias, incluindo a Internet.

Hoje, nas democracias liberais, parece-me que a tendência é legitimar a ideia de que os Estados devem dispor de maior poder sobre as mídias. Dou-lhe um exemplo concreto: na França, Sarkozy decidiu eliminar a publicidade da televisão pública, mas por trás dessa escolha se esconde a tentativa de introduzir um mecanismo com o qual a presidência quer se assegurar da nomeação dos responsáveis do serviço público, reforçando o poder que exerce sobre a TV pública.

Esse exemplo, junto com tantos outros, revela o surgimento sempre mais evidente de lógicas autoritárias, e é à luz de tais lógicas que devemos analisar a questão do pluralismo das mídias. Por isso, é muito importante que os movimentos e as forças sociais de oposição intervenham não tanto sobre as mídias em si mesmas, ou a partir das mídias, mas a partir das ruas, das manifestações. Só desse modo poderemos contestar a tentativa de instaurar um rígido controle estatal sobre as mídias.

Em "História da utopia planetária", o senhor escreve que "a chave de volta do modelo tecnoglobal de reorganização das sociedades" segundo o modelo neoliberal é a segurança, e o senhor dedicou um dos seus livros, "La globalisation de la surveillance. Aux origines de l'ordre sécuritaire" (Editora La Découverte, 2007), justamente às sociedades da vigilância e à difusão das lógicas de segurança. Pode nos explicar qual é a ideia principal do seu livro?

A difusão das políticas de segurança é uma questão essencial, porque remete ao próprio modo em que definimos as sociedades em que vivemos. Uma vez, falava-se de sociedades industriais, depois de sociedades disciplinares – é só pensar em Foucault ou em Deleuze, que evocavam a "sociedade do controle" –, ou, ainda, as sociedades administrativas, as sociedades em que os princípios de organização administrativos se estendem a todas as instituições da sociedade.

A partir de 2001, parece-me, ao invés, que a "necessidade" de intervir contra o terrorismo constituiu o pretexto para afirmar um outro tipo de sociedade: a sociedade da suspeita. Desse modo, o problema da segurança nas democracias liberais encontrou sempre mais frequentemente uma "solução" por meio do recurso à tecnologia, da vídeo-vigilância aos testes de DNA, aos passaportes eletrônicos.

Entramos em uma era em que o modo de governar e o exercício do poder se baseiam na rastreabilidade dos indivíduos e dos grupos sociais. Contextualmente, está em curso uma profunda transformação da própria idéia do Estado e dos modos em que se exerce a sua autoridade, por meio de uma radical revisão do direito penal e graças à configuração de um novo "perfil jurídico estatal". O Estado sempre mais frequentemente é reestruturado a partir de uma noção, a de segurança nacional, que contradiz a ideia da separação dos poderes e privilegia o poder executivo sobre o legislativo e o judiciário.

Só considerando essa reconfiguração poderemos compreender as novas formas de vigilância. Buscarei explicar esse fenômeno, que é de natureza geral, com um exemplo: há um ano, na França, foi publicado o relatório sobre a segurança nacional. A coisa mais interessante desse relatório é que se faz referência à noção de segurança nacional a partir da ideia do risco internacional, em outro termos, Al Qaeda.

Na França, portanto, como nas outras democracias liberais, vem-se afirmando a ideia de que a gestão da segurança interna e da externa estão intimamente ligadas. Isso, entre outras coisas, equivale a dizer que a função do Exército se define sempre mais como uma função de controle do território, dando vida a fenômenos como o relatado no filme "Tropa de elite", no qual, com o pretexto da luta contra o narcotráfico, as tropas especiais do Exército brasileiro intervêm nas favelas.

O senhor sempre foi crítico com relação aos que atribuem virtudes taumatúrgicas às tecnologias e creem que as redes de informação podem, por si mesmas, revolucionar as relações sociais e derrotar as lógicas de marginalização social e política. O perigo, segundo a sua análise, é que a difusão das redes de informação pode transformar a marginalização em apartheid. Pode nos explicar melhor o que o senhor quer dizer?

A partir do telégrafo, todas as tecnologias contribuíram para "desfechar" o mundo. Se analisarmos a história da comunicação, nos damos conta que os sistemas de comunicação tornaram possíveis os fluxos de mercadorias, pessoas e ideias, e, nesse sentido, a comunicação, sem dúvida, tem um valor positivo. Porém, as sociedades liberais se fundam sobre a ideia da ordem, que implica um controle dos fluxos: falamos tanto de liberdade de comunicação e de informação, mas nas democracias liberais não se pode efetuar verdadeiramente uma livre escolha se esta contradiz os fundamentos do liberalismo, a razão de Estado e a do mercado.

Para voltar à sua pergunta, desde o início da história da comunicação existiu uma "ideologia da comunicação", segundo a qual os desenvolvimentos da tecnologia automaticamente favorecem a democracia. Pessoalmente, acredito que se trate de uma ideologia salvífica, redentora, que defino como "tecno-determinismo". A ideia de que as redes da informação por si mesmas podem garantir maior democracia não me convence: de resto, a contribuição da Internet à revitalização do espaço público é de porte muito reduzido se comparado aos outros usos do mesmo instrumento, enquanto nos últimos dez anos pouco ou nada foi feito para resolver a questão do abismo digital.

No que se refere ao potencial democrático da rede, acredito que a rede descentralize, mas ainda estou convencido de que, a partir da descentralização, podem-se produzir novas formas de poder e de marginalização. Por isso, hoje considero que é importante contrastar a ideologia da comunicação defendida por aqueles que colocam todas as suas esperanças na tecnologia em si mesma e que, ao mesmo tempo, é essencial um trabalho de reapropriação social das tecnologias. A possibilidade de se apropriar e de gerir socialmente a tecnologia é uma questão de natureza estratégica fundamental.

O senhor é um dos maiores estudiosos da mundialização dos sistemas de comunicação, mas, diferentemente de outros especialistas na matéria, sempre recusou polemicamente o que define como "o mito tecnoliberal do Estado-nação". Em "História da sociedade da informação", o senhor reprova, por exemplo, Nicholas Negroponte por "não deixar de bater na tecla do fim do mediador coletivo que é o Estado-nação". Qual é a sua posição?

O mito do pós-nacional impediu que se compreendessem as forças geopolíticas que operaram, e que operam, nas sociedades contemporâneas. É uma noção muito vaga, que se encontra nos documentos oficiais da Unesco, nos escritos dos teóricos da esquerda e nos dos "doutrinários tecnocráticos", como Negroponte. Sobretudo, é uma ideia que traz consigo o risco de que sejam negados os recentes processos de reconfiguração das funções do Estado, por muito tempo desaparecidos do horizonte crítico. Segundo esse mito, hoje, de um lado, estaria a sociedade civil e, do outro, os atores econômicos transnacionais, enquanto que o futuro nos reservaria apenas o choque entre essas duas forças.

O que falta é o papel que o Estado desempenha e continuará a desempenhar, que tenta se redefinir justamente a partir da discrepância entre esses dois atores. Como vimos, à medida que o Estado reforça as funções do Exército, recupera o direito ao uso da força e da violência e se coloca de novo como regulador do sistema internacional, o mito do fim do Estado-nação se choca com a evidência dos fatos.

Mas continua existindo um perigo: que no novo intervencionismo do Estado ou nas nacionalizações dos bancos se reconheça um elemento necessariamente positivo. O Estado regulador, pelo contrário, é um falso progresso: é verdade, precisamos de regras e deve-se regular o funcionamento dos circuitos bancários, mas, para que a regulamentação sirva verdadeiramente para revitalizar a democracia, deve ser associada a novos atores sócio-políticos, aqueles até agora permaneceram excluídos. É preciso reencontrar as raízes da soberania popular, porque, de outra forma, as novas formas de regulamentação tenderão inevitavelmente a reforçar o poder do Estado sobre os cidadãos.

Devemos indicar novas formas de participação para a sociedade: se não as encontrarmos, a solução das grandes questões colocadas pela crise climática, pela crise financeira (que é uma verdadeira crise de civilização), pela crise alimentar, nos levará rumo a sociedades ainda mais autoritárias.

* Tradução – Moisés Sbardelotto – Instituto Humanitas Online

A agenda da CCTCI para o ano de 2009

A indicação do deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO) para a presidência da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados surgiu como surpresa para os políticos, jornalistas, consultores e ativistas que acompanham as atividades do órgão. Nos últimos anos, a Comissão foi dominada pela temática das comunicações, tendo tido presidentes ligados a esta área, como o petista Walter Pinheiro (BA), que dirigiu o órgão em 2008.

Diferentemente deste perfil, Eduardo Gomes envolveu-se historicamente com temas ligados ao setor elétrico. Foi vereador na capital de seu estado, Palmas, e está na Câmara dos Deputados desde 2003. Esta biografia é uma grande influência na linha que o parlamentar pretende adotar à frente da CCTCI. Em entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação, o novo presidente destacou a importância dos temas em discussão em 2008, como o PL 29 [que altera a regulamentação da TV por assinatura] e o substitutivo da deputada Maria do Carmo Lara ao projeto que altera a Lei das Rádios Comunitárias (9.612/1998).

Mas declarou que pretende dar mais atenção a questões relacionadas à área de Ciência e Tecnologia, objeto de “certa desvantagem” nos últimos anos entre os trabalhos da Comissão. Entre elas estarão o esforço para recuperar o orçamento do setor e a discussão sobre o repasse de verbas às Fundações ligadas a universidades.

Como você pretende conciliar o escopo amplo de assuntos abarcados pela CCTCI? Haverá prioridade para algum tema?

Minha intenção é dar destaque a assuntos que tramitam na Comissão e segmentos que entram no ano legislativo com uma certa desvantagem. O que vai nortear os trabalhos da Comissão neste ano foi estabelecido em anos anteriores, como a Conferência Nacional de Comunicação, e a análise de alguns projetos, como o PL 29. Minha intenção é reforçar a importância destes dois temas, mas promover equilíbrio entre assuntos que são tão importantes quanto estes e que estão sob a responsabilidade nossa.

É o caso da recuperação do orçamento de Ciência e Tecnologia. As nações que estão sofrendo fortemente os impactos da crise estão planejando sua sobrevivência com base no fortalecimento dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Aqui estamos fazendo o contrário. O orçamento desta área recebeu corte significativo de mais de R$ 100 milhões em relação à proposta original e vamos lutar para recuperá-lo. Outra questão é a captação de recursos dos fundos setoriais pelas fundações das universidades, que são penalizadas por terem sofrido um tratamento linear a partir de casos de três ou quatro que fizeram mau uso do dinheiro. Não podemos punir todas porque algumas se comportaram de maneira errada.

Há outros assuntos interessantes, como a propriedade intelectual, o direito autoral e as tecnologias assistidas para pessoas com deficiência. Vamos tentar distribuir tarefas, aproveitar que não venho com uma visão de um segmento específico para realizar um trabalho suprapartidário de modo a atender as demandas do processo legislativo. E aquilo que eu não conseguir aprovar durante o ano, pretendo, pelo menos, deixar um olhar mais atento para estes segmentos que não estão nesta pauta pré-estabelecida.

Como você está pensando a atuação da CCTCI no processo da Conferência ao longo do processo?

A Comissão teve papel fundamental na estruturação orçamentária da Conferência, iniciativa dos parlamentares da Comissão que assegurou R$ 8,2 milhões no Orçamento da União para o evento. A participação não estará restrita aos parlamentares que irão fazer parte da organização da Conferência. Ela se dará com o conjunto das demandas legislativas que sairão do processo. Somos responsáveis no momento pré e pós-Conferência. A Comissão vai ser orientada, em parte, pela pauta da Conferência e vai contribuir com os debates que serão feitos aqui. A questão numérica é um debate que pode desperdiçar energia. Acho mais importante ampliar a participação de outros segmentos da sociedade, como o terceiro setor.

O tema mais polêmico do ano de 2008 na Comissão foi o PL 29. Já há uma estratégia em relação à ele?

A primeira coisa é aguardar a vinda dele da Comissão de Defesa do Consumidor para a nossa, que é a comissão de mérito. A segunda estratégia é realizar debates prévios com os segmentos envolvidos no projeto, fortalecendo as convergências e aprofundando a discussão sobre as divergências. Precisamos dar conseqüência legislativa a este projeto, porque senão a realidade vai nos impor, ou através da tecnologia, ou através do cidadão, uma realidade que vai tornando parte do projeto obsoleto. Por isso confio no processo legislativo, realizaremos um esforço para aprovar aquilo que é bom e deixando de aprovar aquilo que não é.

A grande polêmica do PL são os mecanismos referentes ao conteúdo. O ex-presidente da CCTCI Walter Pinheiro sinalizou neste ano que estes dispositivos poderiam ser retirado do projeto para garantir a aprovação da permissão de entrada das empresas de telecomunicações no negócio da TV por assinatura. Você acha que é um caminho provável para a tramitação desta matéria?

Acho que é um assunto que ficou tanto tempo marcando passo em alguns debates que a realidade pode impor um cenário que leve a isso. Como o projeto é abrangente e foi sendo apensado a outros, instruído a outros objetivos legislativos, de repente podemos recuperar o aspecto original. Pode ser que seja necessário fazer isso, mas não tem de ser uma visão só minha. Quando ele vier vamos escolher o relator, que terá um pepel importante nisso. O que estou tentando é estimular o debate prévio a partir da memória das discussões realizadas no ano de 2008, pontuando consensos e aquilo que é objeto de maior divergências.

Outro tema polêmico foi a revisão da Lei das Rádios Comunitárias (9.612/1998), na forma do substitutivo da ex-deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG). O texto da parlamentar buscou um meio termo mas revelou intensas discordâncias quanto aos caminhos para esta atualização da legislação para este serviço.

Este tema vai entrar no centro das discussões. Não entendo uma Conferência Nacional de Comunicação sem este tema ser discutido. E entendo também que a realidade das cidades brasileiras impõe um novo debate sobre este assunto. Sempre tive a curiosidade de saber se você tem uma localidade servida por uma radcom de raio restrita, ela não tem rádio comunitária. Há uma discussão de ajuste que precisa ser pautada na realidade. Ou o raio que está autorizado é pequeno, e do que conheço das rádios da minha cidade esta medida não é o que acontece na prática, de repente precisa ser maior. Mas também tenho conhecimento de casos onde o exagero é a marca, rádio pirata atrapalhando frequência de aeroportos, o que também envolve a fiscalização do Ministério.

E quanto aos encaminhamentos da sub-comissão de radiodifusão, presidida pela deputada Luiza Erudina (PSB-SP)? Eles deverão ser retomados este ano?

Este assunto foi levantado pela Erudina. Por questão regimental a sub-comissão não foi prorrogada, teve seu prazo encerrado. Agora precisamos discutir se iremos fazer isso ou se iremos retomar os seus encaminhamentos. Nós vamos levar este assunto para a Comissão.

Qual deve ser a pauta da CCTCI em relação à política de acesso à banda larga e inclusão digital?

A Comissão vai, com certeza, incluir na sua pauta de reivindicação a votação em plenário do PL do Fust relatado pelo Paulo Lustosa (PMDB-CE). Esta discussão deve jogar luz sobre este assunto. Não faz sentido haver um recurso tão robusto que serve apenas para cumprir superávit fiscal.

Um outro processo regulatório que avançou ao largo da Comissão foi a reformulação das políticas de telecomunicações, especialmente a mudança do Plano Geral de Outorgas (PGO), Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e a compra da Brasil Telecom pela Oi. A CCTCI deve se debruçar sobre estes assuntos?

O máximo que se pode fazer é retomar a discussão a partir daquele cenário que está consolidado, seja pela ação do mercado ou do agente regulatório. O que podemos fazer é tirar a lição deste caso. Os temas de telecom vão aparecer no bojo do debate sobre a convergência midiática. E aí temos que usar os instrumentos legislativos colocados, e trabalhar com os projetos em tramitação na Comissão. Mas a médio e longo prazo, estes temas deverão ser discutidos na Conferência.

A proposta de uma nova legislação para a comunicação argentina

Nesta quarta-feira (18), o Governo Federal da Argentina tornou pública sua proposta de uma nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais [veja aqui ]. O novo marco está voltado “a garantir o exercício universal para todos os cidadãos do direito de receber, difundir e pesquisar informações e opiniões e que constitua também um verdadeiro pilar da democracia, garantindo a pluralidade, a diversidade e uma efetiva liberdade de expressão”, conforme consta na apresentação do projeto.

A proposta visa, também, acompanhar o salto tecnológico gerado pela convergência midiática, democratizando a propriedade dos meios e colocando o foco dos serviços nos benefícios dos cidadãos. Uma das grandes mudanças apresentadas é a criação de um Conselho Federal de Comunicações audiovisuais, formado por parlamentares, gestores governamentais, representantes dos meios comerciais, estatais, universitários e sem fins de lucro, pesquisadores e trabalhadores do setor.

Quanto à propriedade, o projeto traz dispositivos de proibição ao monopólio com a limitação ao máximo de apenas 10 outorgas por concessionário. Ele também prevê a possibilidade de operação de meios por parte dos governos nacional, estaduais e municipais, além de permitir que fundações e outras organizações da sociedade civil explorem os serviços sem finalidades lucrativas.

Quanto à distribuição dos canais, são reservados para a emissora estatal (Rádio e Televisão Argentina Sociedade Estatal) geradoras e retransmissoras para que ela possa cobrir o território nacional, para os governos estaduais no mínimo duas estações de rádio (uma AM e uma FM) e um a TV aberta, para cada cidade uma rádio FM e para cada Universidade uma emissora de televisão aberta. Para os agentes sem fins lucrativos, ficam reservados 33% dos canais no espectro de radiofreqüências. Na legislação em vigor, há apenas a figura da concessão comercial.

O Observatório do Direito à Comunicação entrevistou o professor e pesquisador da Universidade de Buenos Aires Santiago Marino. Meste em Comunicação e Cultura pela UBA, Marino desenvolve investigações na área de políticas e legislação de comunicação, tendo participado das discussões da Coalizão por uma Lei de Radiodifusão Democrática, rede de entidades que apresentou contribuições que motivaram a publicação do Projeto de nova Lei de Serviços Audiovisuais.

Como você vê o projeto de nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais enviado pelo governo Cristina Kirchner ao parlamento? O que, na sua opinião, motivou o interesse da presidente por uma revisão legislativa?

O governo enviará o projeto de Lei de Serviço Audiovisuais que apresentou ontem em alguns meses, logo após uma série de consultas e debates com os cidadãos sobre o tema. Esta iniciativa é muito valiosa, dado que nosso país tem um sistema de mídia fortemente concentrado, internacionalizado e pouco democrático, com vastos setores excluídos. Logo após o conflito com o agronegócio, que receberam um forte apoio dos meios comerciais – que, ademais, têm interesse econômico neste setor -, foi retomado o debate sobre a revisão da legislação da área e o Poder Executivo levou adiante a iniciativa.

Por que é importante alterar a atual legislação sobre a comunicação na Argentina? Quais são os principais problemas dela?

É importante porque a lei atual é uma norma de fato, sancionada em 1980 pela ditadura militar, que ademais foi reformada no período democrático com viés neoliberal, beneficiando a alguns (muito poucos) setores privados, permitindo a concentração (até 24 outorgas) e excluindo setores sociais sem finalidades lucrativas.

Qual a sua avaliação sobre o conteúdo do projeto? Ele traz avanços para democratizar os meios de comunicação na Argentina?

O projeto é muito interessante e muito estimulante, propõe avanços para democratizar a mídia como: garantir a divisão do espectro de modo equitativos (33% para cada tipo de meios, estatais, privados comerciais e sem fins de lucro), a redução do máximo de concessões (de 24 para 10), a proibição de controlar licenças de TV aberta e de TV a Cabo na mesma área, a integração da autoridade de controle de outorgas por parte das minorias políticas e a criação de uma comissão legislativa bicameral para acompanhar o setor, entre outros.

Há pontos que devem ser aperfeiçoados no projeto? Quais?

O que mais me preocupa é como se implementará o processo e como os grupos que hoje possuem 24 outorgas vão se desfazer delas.

O projeto deve sofrer críticas por parte dos empresários e de algumas forças políticas?

A propostas do governo já sofre oposição por parte dos empresários de meios e das forças políticas de oposição ao governo Kirchner, e será interessante ver quais argumentos usarão para defender a atual concentração de propriedade dos meios.

Você considera que há condições para a aprovação do projeto? Quando?

É muito difícil, embora seja tão necessário quanto urgente. O projeto é realmente muito bom.

“O jornalismo deve ser um curso autônomo”

Que a formação dos jornalistas não vai bem não é novidade para ninguém. Não precisa ser do campo da comunicação para perceber que muitas vezes falta profundidade nas matérias, contextualização dos fatos e cuidado na apuração, deficiências graves na boa prática do jornalismo. Em razão deste quadro, o MEC instituiu em fevereiro de 2009 uma Comissão de Especialistas para rever as diretrizes curriculares do curso de jornalismo.

Esta reforma pode ser o início de um importante passo para a mudança no perfil dos jornalistas. Até agora, a discussão tem se concentrado na oposição entre o atual modelo de integralidade do curso de Comunicação Social e a separação das habilitações como cursos autônomos.

O professor Luiz Gonzaga Motta, membro da Comissão de Especialistas formada pelo MEC e professor associado da Universidade de Brasília e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) desta universidade, é partidário da segundo posição. Na opinião do acadêmico, o jornalismo “é uma prática profissional de tradição muito consolidada, com séculos de exercício prático” e “não deve permanecer submetido a um curso de comunicação”. O Observatório do Direito à Comunicação conversou com o experiente professor sobre os trabalhos da Comissão e sobre os requisitos necessários a uma formação de qualidade para os jornalistas.

Como foi formada a Comissão de Especialistas? Você considera que nela estão representados todos os segmentos interessados no processo?

Os membros foram indicados ao presidente da Comissão, Prof. José Marques de Melo. Ele foi escolhido para esta função pelo MEC. Cada entidade indicou um nome. O presidente da Comissão, consultando o MEC, nomeou os membros. Eles não representam, certamente, todos os segmentos. Mas, representam todas as entidades da área acadêmica, a mais interessada, a mais envolvida e a mais afetada por qualquer mudança nas diretrizes curriculares.

Na sua opinião, é necessário que o jornalismo torne-se um curso autônomo em relação ao de Comunicação Social?

Sim, penso que o jornalismo deve transformar-se num curso autônomo, não permanecer como simples habilitação da comunicação social. Penso isso porque o jornalismo é uma prática profissional de tradição muito consolidada, com séculos de exercício prático. Ele não deve permanecer submetido a um curso de comunicação. Essa submissão nas últimas décadas resultou em cursos muito teóricos e muito críticos (num sentido negativista) sem relação com a profissão, sem uma inserção profissional necessária.

O que você acha que deve prevalecer na formação do jornalista nessa revisão das diretrizes curriculares do curso?

Um vínculo mais efetivo com a profissão, uma atualização política para atender as demandas de uma sociedade democrática onde a sociedade civil tem demandas próprias e novas, uma formação mais adequada aos recursos técnicos recentes (um jornalista multimídia, por exemplo, que seja capaz não só de escrever e editar textos, mas também produzir imagens e editá-las).

Qual é a melhor forma de garantir uma formação em jornalismo comprometida com as questões sociais? Pensar um profissional que saiba avaliar criticamente o meio em que está atuando profissionalmente é uma preocupação da Comissão de Especialistas?

O jornalista hoje deve estar bem preparado para o exercício técnico-profissional, mas também para situar-se e atender às demandas de uma sociedade democrática. Hoje, não são só as redações que demandam serviços profissionais do jornalismo, mas também os políticos, os partidos, as igrejas, os sindicatos, as organizações da sociedade civil. Toda a sociedade está se organizando para ganhar visibilidade e conquistar capital simbólico no Brasil de hoje. Esse profissional precisa saber atender à demanda de voz destes segmentos, cuja característica é muito diferente das redações dos grandes jornais e emissoras. Mesmos as redações da grande mídia têm hoje demandas diferenciadas devido ao aumento do monitoramento e das cobranças dos segmentos mobilizados da sociedade.

Quais serão os próximos passos da Comissão?

As três audiências públicas já programadas. No Rio de Janeiro, no Recife e em São Paulo. Em cada uma, a prioridade será dada a um segmento interessado. No Rio, se manifestará a área acadêmica. Em Recife, o mercado e as corporações. Em São Paulo, a sociedade civil. Por fim, em junho, será realizada a reunião final da comissão em Brasília, para fechar suas sugestões ao MEC.

Concluído o relatório da Comissão, como a mudança será encaminhada?

A comissão fará sugestões, ela não tem poder deliberativo. O MEC fará posteriormente um documento final que será enviado ao Conselho Nacional de Educação.

“Pirataria é desobediência civil”

O ex-ministro da cultura Gilberto Gil concedeu entrevista a jornalistas da Terra Magazine em Salvador durante o Carnaval. Gil falou sobre a nova fase na carreira, sobre a versão baiana da mais tradicional festa popular do Brasil e sobre cultura, novas tecnologias e propriedade intelectual.

Nesta parte da entrevista, o compositor fala das discussões lançadas pela turnê de Banda Larga Cordel. Vê uma abertura democrática inexorável a partir da quebra dos monopólios das indústrias culturais, especialmente a fonográfica. E defende a pirataria como forma de resistência contra os obstáculos que impedem a circulação livre de conhecimentos.  "Pirataria é desobediência civil", crava.

A indústria fonográfica cedeu a essa nova democracia?
Sim. Se não cedeu ainda, parcialmente ou em alguns aspectos, é uma questão de tempo, não tem muito mais para resistir. Não sei em que base essa lógica de hegemonia e dominância do modelo industrial da cultura, seja lá por que for, em que base eles vão buscar sustentar uma visão de manutenção dos seus interesses intactos. Não sei. Não vejo. Falo de democracia exatamente nesse sentido. Há um ímpeto. Tudo o que eles próprios criam, tudo o que é produzido pelo mundo hegemônico da dominância capitalista, é elemento de fortalecimento da base democrática. Você pega todas as novas tecnologias, tudo o que está na Bolsa da Nasdaq, os grandes empreendimentos da indústria de ponta no mundo… Eu estava falando de um computador de dez dólares! Vai estar aí o projeto da Índia e do Japão. Quando você fala de um computador de dez dólares, de qual exclusão digital você pode estar falando a médio prazo? No momento em que você tenha computadores espalhados por aí, como é que você vai evitar o MP3, o MP4 e etc. etc. etc.? Não vai.

Ainda pode haver uma RIA, a sociedade das indústrias fonográficas americanas, que faz lobby no Congresso, ainda pressiona a Suprema Corte americana pra não dar ganho de causa aos jovens… Ainda pode, por quê? Porque é a classe média americana, a sociedade americana que tem computador. Mas os grandes mercados mundiais da música ainda estão com eles, que ainda vendem discos, ainda vendem DVDs. No momento em que um menino lá da tribo de não sei onde, da periferia, tenha computador, e as lan-houses estejam em todas as casas, cada casa seja uma lan-house (risos), em todas as favelas… Como eles vão controlar o desenvolvimento? Não é o desdobramento natural dos produtos, das tecnologias, dos instrumentos, das ferramentas, que eles mesmos ofereceram?

Certo…
Eles criaram o telefone celular. Há cinco anos, no Carnaval da Bahia, eu me lembro de um anúncio que dizia assim: "Compre seu celular pelo preço de um abadá" (risos). O marketing da comercialização feita pelos agentes aqui na Bahia já percebia o imbricamento. Uma coisa já está com a outra. O que o cartaz queria dizer? O cartaz dizia de uma acessibilidade nova, de uma popularização. Como o abadá era popular aqui no Carnaval, o celular também já era. Trate a idéia de adquirir o celular da mesma maneira que você trata a idéia de brincar o Carnaval.

No Brasil, não dá pra fazer uma inversão? Grande parte dos artistas se acomodou muito mais à visão conservadora do que a própria indústria fonográfica. Porque a indústria sente no bolso.
Sente mais rápido porque os artistas recebem por último! (risos) Eles recebem as migalhas que a indústria quer deixar pra eles. Mas quem recebe mesmo o volume polpudo é a indústria, eles é que sabem onde está o buraco. Eles estão começando… Mesmo que tenham chegado tarde também. Você vê que toda análise mais acurada que o sistema faz nos Estados Unidos e na Europa é de que eles chegaram tarde. Tanto é que eles não conseguiram muito mais, nem conseguem. A União Européia chegou primeiro do que eles, não é? Os fóruns informais mundiais, as redes mundiais, a blogosfera chegou primeiro. Todos chegaram primeiro do que eles.

Por que resistir?
Eles querem resistir. Porque isso é natural, eles são refratários, são acomodados, e são ciosos dos seus interesses, que eles tendem a interpretar como seus direitos. Acham que seus interesses têm que ser interpretados como seus direitos. Às vezes não são seus direitos, são só seus interesses, que não precisam ser respeitados como direitos. Não são direitos, não. A pirataria tem direito a desafiá-los. Pirataria é desobediência civil. Tem que ser vista assim, também. Não tem que ser vista só como criminalidade. Tem que ser vista como desobediência civil! Assim como os protestos das esquerdas, dos sindicatos…

É resposta à exclusão cultural?
É resposta à exclusão, um desafio para a criação de novos modelos, um desafio para a abertura de espaços mais democráticos, de participação. Não à toa está sendo politizada. O Partido Pirata já tem 2% do eleitorado na Suécia. Já tá concorrendo, já tem candidatos concorrendo na Alemanha. Por exemplo, nós já temos o OPP, o POP, Partido da Organização Pirata, na Suécia…

Tem que ser Pop mesmo…
É… No Brasil, devia ser Pop!

O Brasil já teve a pirataria avant-première, com Tropa de Elite.
Pois é! Coisas desse tipo. São antecipações irrecusáveis, que precisam ser feitas, porque são experimentalistas, são feitas com a missão generosa de ampliar os espaços, forçar a elasticidade. Não são necessariamente só associação criminosa. Então, a criação dos partidos da pirataria… Estou falando de três ou quatro países que já os têm, como a Suécia, uma civilização, uma sociedade irrepreensível, pelos nossos próprios padrões de leitura. Tá lá o partido advogando as questões da pirataria, colocando em leitos mais seguros, em canalizações mais convenientes a discussão sobre o que é propriamente crime, o que não é crime, o que deve ser descriminalizado, através de novas legislações. Uma idéia de que, ainda que seja pirataria hoje, não deverá mais ser pirataria amanhã.

Com sua obra, você abriu um flanco para a pirataria?
É evidente. Fiz propositalmente, pra dizer: nós precisamos ter bases experimentais para essa elasticidade, para essa visão nova, para essa nova formação de compartilhamentos. Fiz, fiz, porque fiz.

Mas foram dois flancos: na sua obra e no Ministério da Cultura, abrindo o debate.
Porque o Estado tem esse papel, o Estado renovado… Na nossa conversa anterior à entrevista, falávamos no papel da próxima eleição no Brasil. O discurso eleitoral vai ter que incorporar essas questões todas. Aqueles que almejem à presidência vão ter que cuidar dessas coisas, vão precisar falar dessas coisas, vão precisar trabalhar essas questões de uma forma mais adequada, mais contemporânea. Não vão poder ignorar essas questões. Ali, como ministro, eu disse: na parte que me toca, esse ministério é da Cultura e uma das questões a reformar no País é a Cultura, a interpretação do papel do Estado, do papel da sociedade, da sociedade do direito, o que é o Direito, quais são os direitos difusos que vão aparecendo cada vez mais, a partir de novas configurações de sociabilidade. Fiz mesmo. Fiz com toda consciência.

E o direito autoral? E a descentralização da cultura, que era uma das principais metas de sua gestão?
Claro, propriedade intelectual, direito autoral, patentes. O candidato (José) Serra, por exemplo, vai ser obrigado a colocar essas discussões fortemente na pauta dele. Porque ele, como ministro da Saúde, quebrou a patente (de medicamentos). Quer dizer, em função de interesses públicos. É isso! (risos) Vai ter que falar do assunto…

Pronto, jogou na agenda de Serra!
Na agenda… O Partido Pirata já devia estar cobrando… (risos)

No Banda Larga, você compôs suas músicas a partir dessa fragmentação, dessa pluralidade que está por aí. No próximo, depois de Banda Larga, a inspiração vai ser a mesma? Pra mais, pra menos?
Não sei. É aquilo que a gente falou: ainda estou vivendo uma inocência.

O que te inspira?
Ah, eu acho que por uma questão natural de estar nesse movimento, estar nessa tendência, vou ainda querer esclarecer um pouco mais. São questões novas, por exemplo, aquilo que a gente fala em "Os pais". Os pais são contra isso, contra aquilo outro, mas ao mesmo tempo são a favor das liberdades atuais. Então, acho que eu vou um pouco querer fazer isso nas produções artísticas, nos discos, pra usar uma expressão antiga. Os discos são tribunas, né? Tem disco pra tudo. Ecoam vontades, demandas, lutas, etc. Eu vou, provavelmente, querer fazer no meu próximo disco ainda uma plataforma de lançamento dessas idéias, dessas questões, desses questionamentos, dessas ponderações. Provavelmente. Mas eu não sei.

Começou a compor?
Já, mas eu ainda não comecei, digamos assim, a centralizar no conceito. "Quero uma canção que fale disso, quero uma canção que fale daquilo…" Ainda tô na base do laboratório com as substâncias ainda em separado, vendo como é que eu vou combinar, pra depois, quando eu tiver condições de produzir: "isso aqui é combinação desse elemento com esse", aí então eu vou escolher o que é que eu vou produzir. Eu misturei preto com vermelho, deu isso; misturei azul com amarelo, deu verde. Aí então que eu vou usar verde pra pintar isso. Vou usar vermelho pra pintar aquilo outro.

"Não tenho medo da morte" traz essa indefinição?
Ah, ali então… É aberto pra tudo. Ali, é aquilo: a gente é de uma transitorialidade absoluta, uma finitude, com horizonte irremediável. Tudo isso tem um fim, portanto só vale a pena, na verdade, aquilo que você amealhou, no sentido mais profundo dos valores. É aquilo que você botou na sua bolsa. É aquilo que você tem como valor, sua moeda de troca com a vida, com o mundo. Aquilo com que você se faz compreender. Aquilo com que você interpreta os outros para compreendê-los. Aquela música eu gosto. Só fiz o disco por causa dela.

Nasceu num quarto de hotel?
Foi, em Sevilha. Eu tinha ido a Sevilha pra um encontro sobre internet, sobre novas tecnologias, onde estava o Antonio Damásio, neurocientista português, que fez "O erro de Descartes". Estava ele, Manuel Castells, o grande teórico catalão, o John Perry Barlow, do cyberspace, e vários outros desse campo. Estávamos nesse seminário, três ou quatro dias discutindo essas questões todas. Um dia, de manhã, eu acordei com aquela música. Eu escrevi toda, todo o poema, todo assim bru-bru-bru, as quatro estrofes. Cheguei no Rio depois, chamei meu filho Bem, mostrei a ele: "Olha, tem esse poema, essa letra… Vamos fazer alguma coisa? Queria fazer uma coisa meio toada nordestina". Aí ele programou na máquina um ritmo, eu peguei o violão e saí cantando… Fiz aquela melodia, sem nenhuma elaboração, sem nenhuma veleidade musical, propriamente, sem nenhuma pretensão de sofisticar. Nada. Como, diante daquelas palavras, um canto se esboçaria? E ele se esboçou daquele jeito, com aquela melodia, e aí pronto.

Na fase em que elaborou essa canção, você ainda estava em seu convívio direto com a política…
Tava, tava. Quando aparece o presidente ali…

Isso. Mas como é que, com todas aquelas indagações, você conseguia conviver com os vazios da política. Porque há um vazio em Brasília, o vazio da burocracia…
De tudo.

O vazio dos prédios, o vazio de algumas pessoas com que você era obrigado a conviver. Como era lidar com todos esses vazios?
A gente tem esse vazio total, de tudo. O vazio que está em todas as coisas. E cabe a nós, com nossa alma e nosso espírito, com nossa inteligência e nossa cultura, cabe a nós preencher esses vazios. É isso que a gente faz o tempo todo. É a obra do poeta. O poeta vai dando sentido à política. Porque ela é só discussão vazia, ela tem que ser necessariamente um vazio onde caibam todas as contradições dos discursos múltiplos. O que é o espaço político? É a ágora, onde todo mundo fala, onde todo mundo defende sua visão parcial, seus interesses. A política é o conflito, o choque, que só pode se dar no vazio. E só pode produzir vazio (risos). É vazio por forma e por conteúdo. A poesia é esse outro lado. É uma dedicação generosa a dar sentido às coisas, que é o papel do poeta. É isso que nós devemos continuar fazendo. Esse é o nosso papel.

Quais são os próximos passos de Banda Larga?
Banda Larga deve fazer agora algumas cidades do Norte. Faltam três do Nordeste, algumas do Norte (Manaus, Belém), algumas do interior de São Paulo, onde eu tenho compromisso por patrocínio. Um dos meus patrocinadores é a Telefônica, que tem interesses específicos em praças no interior de São Paulo, levar esse tipo de mensagem, essa associação de marca com o conteúdo cultural aproximado. Então, vou fazer cinco cidades do interior de São Paulo, e aí tem algumas capitais do Sul que ainda não fui, Porto Alegre e Florianópolis… E eu não quero também estender muito o Banda Larga, cobrir todo o território brasileiro…

Turnê ainda é um formato antigo?
É aquela coisa, eu não preciso… Primeiro, porque eu não tenho mais energia pra isso, nem nada. Segundo, porque os acessos múltiplos que todo mundo pode ter aos vários produtos do Banda Larga são franqueados, cada vez maiores… Claro, eu posso chegar com um show do Banda Larga, mas eu prefiro chegar com outra coisa, não fazendo só aquele repertório.

O acesso a Banda Larga é franqueado. O espectador pode tirar fotos, gravar, colher imagens. Mas qual é o saldo dessa experiência?
Eu não sei direito.

Da turnê.
Não sei. Não tenho muita curiosidade no sentido de usar a econométrica pra estabelecer isso, pra saber medir.

E no sentido do que você queria?
Estou lá, estou cantando, tem a sonoridade razoavelmente modificada com a banda, com os instrumentos, com os computadores, que também são um dos elementos do trabalho. Isso também está sendo levado pro público. A gente vai, provavelmente, fazer um DVD ou um produto similar, complementar, que falte… Mas eu tirei da cabeça essa questão. Fico mais preocupado na conformação geral do perfil de modelo do negócio. Qual é o modelo através do qual a gente vai ofertar, fazer essas ofertas novas e receber o pagamento por essas ofertas? Como a gente vai fazer essa troca com esses mercados que estão aí? Fico mais preocupado com esses traços gerais da remodelação do que, na verdade, com uma econometria clássica, que fica ali medindo resultado…

Mesmo da crítica?
Mesmo da crítica. Não quero saber. A crítica que ande junto, que caminhe. Porque eu entendo que a crítica tem todo o direito – até mais, o dever – de continuar fazendo suas leituras, suas interpretações, etc. O que é preciso, apenas, é que passem a trabalhar um pouco mais com essas novas lógicas. Eu, por exemplo, nas críticas de Banda Larga, ressenti um pouco essa questão, a exigência de um disco… "Ah, mas não é um disco!"

A crítica está presa a coisas que você já deixou?
Mas é isso que eu digo! Se eu estou dizendo que não é um disco, pra que discutir que deveria ser um disco? Discuta o fato: "não ser um disco: o que é isso, então?". Em não sendo um disco, como é, e pá e tal… Em que medida estamos suficientemente informados sobre "não ser um disco". Orientar a crítica. Não tô dizendo que deixem de criticar ou deixem de ver, de encontrar lacunas, de encontrar vazios, deficiências no trabalho. Mas, não. É um pouquinho caminhar junto com a proposta, caminhar pra onde a gente está caminhando. É só isso que eu achei: tinha um certo viés retrô na visão da crítica. Mas, tudo bem!