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“As telefônicas cobram a maior tarifa do mundo”

Em entrevista exclusiva para Caros Amigos, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende fala sobre assuntos da maior relevância para o desenvolvimento brasileiro, como a questão das patentes, o lobby das empresas de telefonia e suas tarifas mais caras do mundo, a questão dos transgênicos e as ações e programas do governo federal, como o de inclusão digital e a olimpíada de matemática. Conheça as posições do ministro Sérgio Rezende.

Hamilton Octávio de Souza – Podemos começar com a tua chegada ao ministério. Por que você foi escolhido? Fale um pouco dessa experiência nesse ministério tão importante para o país.
Quando eu terminei a minha graduação não havia iniciado ainda os programas de pós-graduação no Brasil. Eu era muito estudioso e queria fazer mestrado e doutorado. O mestrado no Brasil começou no ano em que eu saí, em junho de 1964. Aí fiz o doutorado, voltei e fui ser professor da PUC, onde eu tinha estudado. Eu estava lá, mas não estava satisfeito nem com o Rio de Janeiro nem com a PUC. Porque sendo um físico experimental, o instituto de física da PUC tinha sua área experimental muito concentrada em física nuclear. Não havia muito espaço, e naquele tempo não existia apoio institucional para começar novos laboratórios. Eu tive dois estudantes pernambucanos que eram parte de uma turma de cinco engenheiros que resolveram sair ao mesmo tempo para fazer o mestrado. Eles queriam voltar e fazer um grupo de física lá na federal de Pernambuco. Era 1969. Eu tinha uma certa atração pelo nordeste, e fui com o compromisso de ficar uns três anos. O grupo logo se destacou, porque foi o primeiro grupo de pesquisa para valer da federal de Pernambuco. Então chegou a época da campanha para o governo do Miguel Arraes, a campanha foi em 1986 e fui convidado para coordenar a elaboração do programa de ciência e tecnologia. Arraes criou a primeira FAPESP do nordeste. Eu continuava na universidade e não queria sair, mas em 1990 acabei sendo o primeiro diretor científico da fundação. Em 94, Arraes foi eleito governador, e me chamou para ser secretário de ciência e tecnologia. Aprendi muito com ele no sentido do que a ciência pode fazer para ajudar a população. Quando terminou o mandato dele, eu voltei para a universidade em tempo integral, e aí quando o Lula foi eleito em 2002 – eu já tinha participado um pouco da elaboração do programa de governo de Lula em 94, mais em 98 e mais em 2002 – o Arraes sugeriu a Lula que eu fosse para o ministério. Mas aí o partido indicou o ministro Amaral e eu acabei indo pra FINEP, que é um fundo muito importante. O Amaral saiu depois de um ano, entrou o Eduardo Campos, e quando ele saiu para ser deputado, mais ou menos eu era o candidato natural e foi assim que eu me tornei ministro.

José Arbex Jr – Um dos eixos de sustentação do neoliberalismo é o direito de patente, que virou um eixo de dominação cultural e intelectual dos países que produzem tecnologia e adquirem o controle sobre o mercado mundial. Me parece que a política do governo Lula em relação ao direito de patente é terrível, não avançou grande coisa em relação aos tucanos. Se pegarmos a questão da vacina contra a Aids, o direito de quebra de patente… Então, não fica claro se o governo brasileiro é pelo direito de quebra da patente sempre que interessar a população pobre do mundo. Eu queria saber a sua opinião sobre isso.

Concordo com a avaliação de que a propriedade intelectual é uma forma de dominação dos países que desenvolveram o conhecimento antes para a aplicação, mas também não sou tão radical a ponto de achar que não deva haver nenhuma proteção de propriedade intelectual. Porque se fosse, também teria que ser favorável a não ter propriedade intelectual de nada, direito autoral. E eu acho que deve haver alguma proteção. Em relação à propriedade intelectual da área farmacêutica, área da saúde, a questão é grave, por isso eu disse que a gente tem que dividir. Tanto que eu acho que na área da tecnologia da microeletrônica ter a proteção da propriedade intelectual durante algum tempo é uma forma de manter um certo sistema que é financiado pelos royalties daquilo, e que mantém, digamos assim, a evolução do conhecimento aplicado. Em relação à questão farmacêutica, e levando em conta a necessidade que o mundo tem, como grande parte do mundo, aí eu concordo com você que o governo avançou pouco. Agora, teve alguns avanços, como você sabe, para alguns medicamentos, para algumas vacinas, o governo tomou alguma posição. Mas isso realmente não foi uma bandeira do governo que teve outras bandeiras reconhecidas internacionalmente.

Lúcia Rodrigues – O programa de inclusão digital é um programa prioritário do governo Lula? Que resultados o senhor pode apresentar?
Nós temos resultados bons, mas, digamos assim, não tão significativos, tão amplos quanto gostaríamos de ter. Há um gráfico comparando a penetração da internet em vários países, e o que tem a maior penetração é a Suécia, onde 85% da população usa internet banda larga. E o Brasil está lá embaixo. Quero chamar a atenção disso porque com frequência o Brasil é comparado com a Suécia, até Portugal está na frente. Mas é muito diferente você fazer inclusão digital em um país que tem 800 milhões de hectares, 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados e que tem 190 milhões de habitantes e em Portugal que tem 20 milhões de habitantes. Mas os avanços foram grandes em algumas áreas. Em primeiro lugar, hoje o computador está acessível a uma parcela cada vez maior da população e isso é resultado de programa de governo, que foi o programa “Computador para todos”, que começou a desonerar e a incentivar determinadas atividades. Hoje compra-se computador no Brasil a um preço bastante razoável, então muita gente tem computador em casa. Há algum tempo o governo achava que o grande instrumento da inclusão digital seria a inclusão por meio das escolas públicas. Há três ou quatro anos há um programa de fazer a internet chegar a quase totalidade das escolas públicas. Isso não andou com a velocidade esperada porque resolveu-se fazer isso por meio das concessionárias de telefonia, que trocaram obrigações que tinham da lei geral de telecomunicações de colocar postos de telefone por chegar a certo número. E elas não chegaram aonde deviam chegar. E a instalação de laboratórios de informática nas escolas públicas que está sendo patrocinada pelo Ministério da Educação está avançando, mas ainda não chegou aonde chegaria. Agora essa é uma das razões para que o governo decidisse tomar um caminho diferente para a banda larga. Uma das razões pelas quais mais gente não tem ligação de internet em casa é porque a ligação é muito cara. Então o governo resolveu que vai reativar a Telebrás. Não está decidida ainda a forma, mas praticamente o que vai acontecer é que ela vai atuar nos lugares aonde as concessionárias não vão chegar.

José Arbex Jr. – Aqui no Brasil a Aneel já aprovou uma portaria permitindo internet pela rede elétrica. Na  Venezuela isso funciona a pleno vapor. Você vai no meio da mata amazônica, se chega luz na tribo indígena eles têm conexão com a internet. Por que no Brasil isso está atrasado e não está funcionando? Eu tenho um palpite: lobby da Telefônica e das empresas de telefonia. Eu queria saber se é isso, porque o programa “Luz Para Todos” foi um sucesso, chegou no Brasil inteiro. Então, se o Brasil inteiro tem energia elétrica a pergunta é: ‘por que o Brasil inteiro não tem internet? Resposta: porque está faltando vontade política do governo para enfrentar a Telefônica e outras empresas de telefonia. Ou não?
Faltou… Isso deveria ter sido feito com mais decisão há três anos. Você sabe que a Telebrás vai, inicialmente, começar a operar com as fibras que estão colocadas nas linhas de transmissão que foram colocadas pelas empresas estatais brasileiras. Isso foi feito pela Eletronet que era um empresa estatal que foi vendida a preço de banana para a AES, e quando a AES faliu, o governo quis recuperar as fibras ópticas e não conseguiu. Isso se arrastou na justiça, e finalmente ganhou-se na justiça há quatro meses. O que agora vai ser feito com a Telebrás está sendo discutido há três anos. Faltaram algumas condições. Você tem toda razão em relação ao lobby das telefônicas. É um lobby muito poderoso, elas são muito fortes, cobram uma tarifa que é a maior do mundo em telefonia celular, em internet e assim por diante. São muito fortes, tem todo um capital internacional atrás delas e o governo fez um esforço grande pelo meio do BNDES para formar uma empresa nacional mais forte, juntando a Oi com a Brasil Telecom, agora o grupo Telemar, que é um grupo razoável.

José Arbex Jr. – Mas o governo Lula ancorado em movimentos sociais, tendo um apelo extraordinário junto à população, se ele convoca uma entrevista coletiva e denuncia isso, ele arrebenta com esse lobby, não é? Por que o Lula não faz isso?
Eu gostaria muito que ele fizesse isso e que desse certo, mas o país é mais complicado do que isso e você sabe. As nossas elites estão aí, os caras respaldam isso…

José Arbex Jr. – O Arraes não lutou contra as elites a vida inteira?
Lutou a vida inteira e pagou muito por isso. Lula teve a percepção numa certa altura, provavelmente ele não teria sido reeleito, ele não teria talvez passado pelo escândalo do mensalão, né?

José Arbex Jr.- Mas o senhor acha que vale a pena ser reeleito para não fazer?
Eu acho que valeu a pena porque ele está fazendo muita coisa, tem muita coisa sendo feita e você sabe disso.

Hamilton Octávio de Souza – Sobre essa reunião ministerial que aconteceu recentemente, eu li que uma das funções da reativação da Telebrás seria que o governo pudesse levar o serviço às populações que economicamente não interessa para as telefônicas, e também assumir todo serviço do próprio Estado, aquilo que faz parte da comunicação dos setores públicos, dos três poderes. Afinal, o governo vai assumir esse serviço dentro do setor público ou vai ficar pagando para o setor privado fazer esse serviço?
É um dos pilares da ideia, o governo federal paga uma quantidade enorme de dinheiro para essas prestadoras. O sistema de telecomunicações no Brasil fatura 120 bilhões de reais por ano aproximadamente. As empresas de televisão, de radiodifusão faturam dez vezes menos, ou seja: telecomunicações é dez vezes mais e essas coisas estão convergindo. Esse grande faturamento é das empresas estrangeiras que estão aqui. Então, uma das ideias é exatamente isso, não só o governo economizar, mas ter o domínio dos meios de comunicação utilizado para os seus fins. Qualquer país que tem soberania, tem segurança nacional, tem domínio.

Hamilton Octávio de Souza – Isso passou na reunião ou não?
Isso aí passou na reunião, é primeira prioridade. A Telebrás vai prestar serviço pago. Para o setor público não vai ser nessa mesma conta. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, usa a Rede Nacional de Pesquisa, a RNP, rede que faz chegar internet de banda larguíssima a 400 entidades, todas universidades e centros de pesquisa, foi a primeira rede de internet do Brasil. Foi em 92, antes da internet ser comercial, só que o tronco, o backbone, ele é alugado da Embratel.
Quando chega nas cidades, aí temos as redes metropolitanas que nós fizemos em parceria com estados e universidades. Isso está em 20 cidades atualmente. Nós então pagamos a Embratel, nós vamos pagar uma quantia menor para Telebrás que vai ser uma empresa. Ela não vai poder fazer de graça. A Telebrás vai fornecer serviço para o governo federal, estaduais e municipais que quiserem, vai chegar às escolas, hospitais e postos de saúde. Isso está no espírito central do projeto, mas, há algum tempo não pensava nisso. Mas aí foi ficando claro que vai chegar também nos domicílios. Aí chega nos domicílios com o rádio, com wimax, ficou muito mais barato, essas empresas estão ganhando muito dinheiro porque ficou muito mais barato e as tarifas continuam lá em cima.

Para ler a entrevista completa e outras matérias confira a edição de março da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

“Lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo”

[Título original: “Lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo”, diz pesquisadora]

O Ministério da Cultura (Minc) está prestes a submeter à consulta pública um anteprojeto para a reforma da Lei de Direitos Autorais, antes de encaminhar o texto para votação no Congresso. Depois de seguidos atrasos no processo (leia mais aqui) a previsão é que a consulta se inicie em meados de abril, de acordo com Rafael Pereira Oliveira, coordenador-geral de Difusão de Direitos Autorais e Acesso à Cultura do MinC.

Sobre a necessidade de reformar o texto da lei para compatibilizá-lo com o direito à educação, o Observatório da Educação entrevistou a advogada Carolina Rossini , professora de propriedade intelectual.

Carolina é fellow no Berkman Center for Internet and Society na Universidade de Harvard e coordenadora do projeto Recursos Educacionais no Brasil: Desafios e Perspectivas. Ela é autora do relatório The State and Challenges of Open Educational Resources in Brazil From Readers to Writers, acessível aqui (em breve será disponibilizada uma versão em português) e pode ser contatada pelo e-mail crossini@cyber.harvard.law.edu

A atual lei de direitos autorais apresenta limitações em relação ao direito à educação? Quais?
A atual lei de Direitos Autorais Brasileira (LDA) – Lei 9610/98 – é uma das mais restritivas do mundo, apresentando grandes barreiras à educação e à cultura. Nesse sentido, recente estudo da organização Consumers International, que comparou leis de mais de 16 países, concluiu que a lei brasileira é a quarta pior no que diz respeito ao acesso ao conhecimento. No direito autoral, todo uso de uma obra protegida – uma música, um plano de aula, um livro, um artigo científico etc. – tem que ser autorizado pelo detentor do direito patrimonial sobre tal obra (assim, por exemplo, não estamos falando somente do autor, mas do editor a quem o autor cedeu ou licenciou seus direitos).
Entretanto, reconhecendo que muito de nossa criatividade e inovação são processos de construção sobre criações passadas, a LDA – conforme autorizado em tratados internacionais – traz o que chamamos de exceções e limitações. Exceções e limitações são aquelas hipóteses em que as obras protegidas podem ser livremente utilizadas sem a necessidade dessa autorização prévia ou pagamento aos titulares de direitos.
Na atual lei, essas hipóteses – previstas nos artigos 46 a 48, sendo especificamente relevante ao tema educação os incisos I d; II, III, IV, VI, VIII do art. 46 – são muito restritivas e não adequadas à realidade moderna das salas de aula, à capacidade de acesso e compra de materiais educacionais por instituições e seus estudantes ou mesmo ao cotidiano digital e da internet. Proibidas estão, por exemplo, a "cópia privada", a mudança de suporte, a cópia de segurança e a cópia feita para fins de preservação do patrimônio, entre outras.
Outra exceção e limitação não existentes e que hoje, tendo em vista o processo de reformulação da nossa LDA e a evolução da tecnologia, deve ser foco de nossa atenção, diz respeito às restrições impostas pelos chamados TRM – Technological Rights Managements, dos quais os DRM – Digital Rights Managements – são os mais conhecidos. Tais mecanismos tecnológicos, impressos em muitos dos bens digitais que consumimos hoje em dia – como músicas, livros etc. – trancam a obra e permitem controle remoto por parte do distribuidor. Muitas vezes isso significa que estamos alugando e não comprando um bem digital – veja, por exemplo, o que acontece com os livros digitais acessíveis pelo leitor Kindle. Agora, imagine o efeito disso em educação.

Quais são as consequências dessas restrições?
Uma das consequências internacionais de tal realidade foi a ameaça dos EUA em colocar o Brasil na famosa lista 301 em função de políticas internas de algumas universidades públicas em permitir cópia de livros e, nacionalmente, a ação da ABDR de processar e fechar fotocopiadoras em universidades.
Enquanto isso, vivemos uma realidade que massacra o estudante que tem escassos recursos para adquirir livros universitários ou, quando tem suficiente, não consegue comprar livros visto que – segundo um estudo do Gpopai/USP – uma média de 30% de livros estão esgotados… Sem contar livros estrangeiros e raros.
Sendo que, para não esquecermos o ensino fundamental e médio – que também enfrentam grandes desafios em relação à qualidade, atualidade e adequação do material didático, apesar da constante melhoria garantida pelo Plano Nacional do Livro Didático –, a falta de maior flexibilidade dos direitos autorais em relação a uso educacionais impede, por exemplo, que um professor – mesmo dentro de diretrizes curriculares – crie seu próprio livro a partir do remix de materiais que considere mais adequados à sua sala de aula ou a cada um de seus alunos.

Que alterações deveriam ser feitas na revisão da lei para garantir a efetivação do direito à educação?
Vou tomar a liberdade de começar a responder esta questão e, em seguida, expandir sua resposta para repensarmos políticas públicas focadas ao desenvolvimento e acesso a recursos educacionais.
Três questões parecem-me cruciais aqui, mas afirmo que não são as únicas. Uma diz respeito à cópia privada. Devido à realidade acima apontada, acredito que deveríamos ter uma exceção muito mais ampla e flexível.
Especificamente, a cópia deveria ser a priori permitida quando o objeto for um livro esgotado, raro ou não publicado no Brasil (o que, em geral, demonstra a falta de interesse dos atores de mercado em tal publicação, mas não dos consumidores). Mas não somente em tais ocasiões, tendo em vista o preço injustificável de livros didáticos e científicos no Brasil, a cópia para fins educacionais e sem fins lucrativos deve ser permitida em alguma medida mais flexível e que não gere condições injustificáveis. Por fim, creio ser essencial a criação de uma exceção para cópias de segurança (por exemplo, o backup de um livro digital) ou para fins de preservação – para que não percamos a riqueza depositada em nossas bibliotecas, pinacotecas etc.
Outra questão, inexistente em nossa LDA em vigor, e que pode impactar no direito de acesso a recursos educacionais, é a questão da propriedade dos direitos sobre trabalhos feitos sob encomenda ou resultantes de contratos entre empregado e empregador (exceção a se notar aqui é a do software, que – em geral – pertence ao empregador). A falta de disposição clara sobre isso significa que as partes estão livres para negociar. Tal fato, associado ao poder de mercado das editoras, gera incríveis custos ao governo em relação a compras de livros didáticos e recursos educacionais, que, mesmo quando feitos sob encomenda específica não pertencem diretamente ao governo, se isto não está estabelecido em contrato específico. Isso obriga à constante recompra de materiais e gasto de dinheiro público.
Ademais, ainda há que se pensar em como expandir projetos de digitalização de acervos de bibliotecas e universidades públicas para a garantia de acesso mais democrático a tais recursos educacionais, já que, no final das contas, todos nós somos pagadores de impostos e são nossos impostos que sustentam tais necessários empreendimentos.
Em relação a políticas públicas, muito há que ser feito em relação ao acesso aberto a recursos educacionais, livros e artigos científicos produzidos com dinheiro público direto (por exemplo, bolsas de estudo e salários etc.) ou indireto (por exemplo, isenção de impostos para toda a cadeia produtiva de livros no Brasil). Falamos aqui em incentivar a discussão sobre políticas que fomentem recursos educacionais abertos – aqueles recursos que, conforme definição da Unesco, possuem seus direitos autorais liberados por licenças abertas (como as licenças do Creative Commons) para consulta, utilização e adaptação por uma ampla comunidade de usuários, assistida pelas tecnologias da informação e comunicação.
Creio que muito desse equilíbrio necessário poderá ser visto no projeto de Lei de Direitos Autorais a ser em breve publicado para consulta pública. Estamos todos atentos ao que virá. Mas ainda existe muito debate pela frente sobre a questão de opções de políticas públicas sobre educação aberta – conforme traçada pela Declaração de Cidade do Cabo para Educação Aberta – e recursos educacionais abertos.

Como o direito à educação é tratado na legislação de direitos autorais em outros países? Pode dar alguns exemplos?
A Consumers International realizou um interessante trabalho de comparação de legislações que pode ser visto aqui , e apresenta maiores detalhes sobre como outros países tratam a questão de educação.
Ademais, e sendo mais próximo de meu trabalho, apresento o exemplo estadunidense que – ao invés de trazer uma lista taxativa de exceções e limitações – formulou o chamado fair use, ou "uso justo". Desta forma, qualquer uso será justo quando a análise dos quatro fatores a seguir demonstrar que o detentor do direito autoral não será injustificadamente prejudicado: finalidade do uso; natureza do trabalho copiado; quantidade e substancialidade do trabalho copiado e impacto no valor de mercado da obra.
Outra questão relevante em debate na Organização Mundial da Propriedade Intelectual diz respeito às exceções e limitações para deficientes visuais e auditivos para fins educacionais. O Brasil, entretanto, sai na frente, visto que nossa atual Lei já permite a produção de obras em braile.

“PNBL é bem vindo, mas poderia não ser necessário”

[Título original: Abramulti defende desagregação de redes em todas as plataformas]

Não se sabe ao certo quantos provedores de Internet há em todo o Brasil. Um levantamento realizado pela Abramulti (Associação de Provedores de Internet e Empresas de Comunicação Multimídia do Brasil) indica que existe pelo menos um em 4,5 mil municípios brasileiros. Como são enquadrados na categoria de valor adicionado, não precisam ter licença especial para funcionar. Somente os que prestam também serviço de telecomunicações é que necessitam de outorga do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), concedida pela Anatel. Os dados oficiais, da Agência Nacional de Telecomunicações, mostram que há cerca de 1,7 mil provedores SCM no país – número que inclui grandes operadoras, universidades, grandes provedores, departamentos estaduais de trânsito e de polícia e pequenos provedores. Como há pequenos provedores atuando em mais de uma cidade, é razoável supor que o número se encontre na casa dos milhares.

O número de provedores de SCM registrado pela Anatel cresceu 48,22% em 2008 e 35,26% em 2009. Esse aumento deve-se, em parte, a um esforço conjunto das associações de provedores e da própria agência para que as empresas deixem de atuar na informalidade, explica Manoel Santana Sobrinho, dirigente da Abramulti. Para ele, a idéia de que há muitas cidades sem acesso à internet, no Brasil, não é real. "Os provedores são pequenos, operam localmente, têm poucos funcionários e dão atendimento personalizado onde atuam", justifica Santana Sobrinho.

Na visão de Santana Sobrinho, a expansão dos serviços de banda larga no país, com melhoria de qualidade e queda nos preços, ocorreria naturalmente se as regras de concorrência previstas na legislação fossem aplicadas – e permitissem a essas empresas disputar o mercado em condições menos desiguais. "Enfrentamos imensas dificuldades em contratar nosso insumo principal, o link de internet", que é fornecido pelas grandes operadoras, com quem esses provedores disputam mercado, explica.

Você pode enumerar as conquistas importantes, nos últimos anos, das entidades que representam os provedores de acesso à internet?
Na realidade foram poucas conquistas e de pouco significado. A maior delas foi sermos reconhecidos como uma força nacional que promove a inclusão digital sem qualquer tipo de ajuda, subsídio e, muito pelo contrário, enfrentando imensas dificuldades em contratar nosso insumo principal, o link de internet.
No final de 2007, os provedores de internet, apesar de reconhecidos pela Súmula 304 do STJ como não sendo prestadores de serviços de comunicação, perderam a condição de optantes pelo Simples Nacional. Conseguimos a readmissão no Congresso e incluímos as pequenas operadoras de telecomunicações enquadradas como Pequenas e Médias Empresas (PMEs) também como optantes pelo Simples Nacional a partir de janeiro de 2009.
Outra mudança importante foi a alteração da Resolução 365 (para equipamentos de radiação restrita) pela Resolução 506. Isso permitiu maior tranqüilidade para as pequenas SCMs operarem nas freqüências não licenciadas. Mas criou outros problemas que a médio prazo vão inviabilizar o uso destas freqüências. Um exemplo é a permissão, sem autorização da Anatel, para que qualquer empresa faça uso delas fora de edificações. Estas empresas e até prefeituras não têm muito conhecimento de radiofreqüência e fazem uso indiscriminado de altas potências, causando imensas interferências.
As PMEs são isentas do pagamento do Fust e Fistel. Não por determinação da Anatel, mas porque demonstramos a eles que a Lei das Micro e Pequenas Empresas prevê o não pagamento de taxas e tributos federais.

Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Banda Larga?
Desde o princípio nossa opinião é de que o plano é bem-vindo, mas poderia não ser necessário se as leis e normas já previstas para estimular a competição no mercado de telecomunicações e nunca regulamentadas de forma eficiente fossem cumpridas. Alguns exemplos:
1. Regulamentação da Interconexão de dados entre todas as empresas de telecomunicações (o conteúdo em si não pertence a ninguém, ele é criado por todos os usuários da internet), monitorada pelo plano de custos cuja implantação também é prevista;
2. Regulamentação da Exploração Industrial de Linhas Dedicadas (EILD) de forma a obrigar que as detentoras das redes de longa distância atendam as demais empresas com preços justos (monitoradas pelo plano de custos);
3. Regulamentação do uso dos pares metálicos locais (a desagregação de redes, prevista, permitiria a concorrência na banda larga e na telefonia) também monitorada pelo plano de custos;
4. Implantação de outras redes concorrentes, especialmente as de TV por cabo, mantendo-se a proibição para que as detentoras das redes locais operem também esta rede, criando concorrência entre redes. (Não há leilões de TV a cabo desde 2001);
5. Leilões das frequências com maior capacidade de banda por municípios, para permitir a desconcentração dos serviços móveis nas mãos de apenas três empresas;
Tudo isso está previsto na Lei Geral de Telecomunicações e nos primeiros regulamentos (inclusive regulamentos e contratos do STFC).

Vocês operam para ter lucro, ou seja, realizam atividades empresariais. Acha correto afirmar que fazem inclusão digital?
Tudo que é artificial de alguma forma será burlado, pois ninguém se expõe ao risco empresarial à toa. Caso contrário, aplicaria seu dinheiro em ações especulativas ou outras atividades com menor risco. No entanto, empresas menores que atuam localmente tendem a ter um comportamento menos capitalista, pelo fato de lidarem diariamente com os seus clientes no dia-a-dia. O que realmente regula o mercado é oferecer condições para a competição, este sim o fator preponderante para diminuição de preços e melhoria dos serviços e do atendimento.

Por que vocês criaram a Unotel, que funciona como cooperativa que oferece capacidade de transmissão a provedores internet de todo o país?
As poucas concessionárias locais querem dominar o mercado. Se elas tiverem a posse de todos os tipos de rede esta dominação estará completa e serão instaurados monopólios regionais ou os duopólios costurados entre elas. Atualmente, elas detêm as redes do STFC, de celulares, de DTH (TV por assinatura via satélite) e de TV a por assinatura (Cabo e MMDS) em algumas localidades, além de serem detentoras de quase 100% das freqüências de rádio disponíveis.
Se houver novos leilões de TV a cabo e as operadoras passarem realmente a deter as redes a cabo em todas as localidades, será apenas uma questão de tempo para que esmaguem quaisquer outras concorrentes, mesmo de grande porte, pois as outras ainda dependerão delas nas interconexões de telefonia, de celulares e de dados.
A rede da Unotel é apenas uma rede de longa distância, as redes de última milha estão caminhando para serem todas delas. E pequenas empresas como as nossas ainda não tem sequer uma freqüência licenciada para operar.

Há quem diga que é um exagero a afirmação de que há pequenos provedores em 4,5 mil municípios do país. Além do levantamento de vocês, há outro indicador de que esse número é plausível?
Costumo dizer apenas o seguinte: coloque os nomes de todas as cidades brasileiras em um jarro e retire 100 nomes de cidades. Se em pelo menos 80 dessas 100 cidades eu não puder lhe apontar quem é o provedor local, lhe pago um almoço. Brincadeiras à parte, não existe este indicador oficial e nem o interesse da Anatel de obtê-lo. Mas temos hoje 1,7 mil autorizações SCM das quais mais de 1,5 mil são MPEs que trabalham, como nossas empresas. Se cada uma delas operar em pelo menos três cidades não coincidentes já teremos as 4,5 mil cidades. Temos ainda mais de 1,8 mil provedores de banda larga não legalizados conhecidos, sendo que a maioria deles opera em cidades tão pequenas que obter a licença SCM se torna impossível.

Você afirma que “a expansão dos serviços de banda larga, com melhoria de qualidade e queda nos preços ocorreria naturalmente e sem distorções se as regras de concorrência previstas na legislação fossem aplicadas". O que quer dizer com isso?
Veja bem: um plano de custos dos serviços das concessionárias – previsto – permitiria saber os custos reais de venda de todos os serviços previstos para serem vendidos às demais operadoras, inclusive seria comprovado que o custo das redes de acesso de telefonia para uso da freqüência alta para banda larga (com a contratação ou não do telefone) é zero. Zero porque o custo de manutenção e expansão da rede de telefonia é o motivo de se cobrar assinatura de telefone no Brasil, pois esta assinatura prevê, entre outras despesas, exatamente a manutenção e expansão da rede de telefonia.
De posse do plano de custos dos serviços poderia ser regulamentada em bases reais a EILD (Exploração Industrial de Linhas dedicadas), a desagregação de redes, a interconexão de dados e telefonia (inclusive a celular). Na EILD, as linhas poderiam ser contratadas para o transporte telecom de longas, médias e curtas distâncias, melhorando a interligação de todas as empresas das redes locais até os pontos de troca de tráfego mais próximos. As concessionárias (aqui se encaixa também a Embratel, além de Telefônica e Oi) não deixariam de ganhar dinheiro com isto, apenas teriam que se esforçar mais na concorrência nos mercados locais.
A desagregação de redes, tanto a revenda de serviços (para as empresas ainda menores) quanto o line sharing (para empresas que empregam equipamentos próprios usando a freqüência alta para prestar banda larga), quanto o full unbundling – tudo isto deveria se aplicar a todos os tipos de redes: celular, TV a cabo, MMDS, telefonia fixa, WiMax, quarta geração do celular (LTE) etc. Todos ganhariam com isso, principalmente os usuários, e não se poderia questionar o equilíbrio econômico financeiro das concessionárias, porque quando compraram suas concessões essas regras já eram previstas. A interconexão de dados até hoje não existe. Ou se compra a banda das concessionárias e se “doa” o próprio tráfego a elas ou não entra no mercado.
Não devemos esquecer que tanto as redes que as concessionárias herdaram quanto as novas que construíram pertencem à União e que seu uso foi condicionado na concessão e nos contratos de modo a se evitar a duplicação de redes, porque isso aumenta os custos para os usuários. Implantar a desagregação de redes e o compartilhamento de infraestrutura estava previsto e seria uma obrigação legal, tanto da Anatel quanto das concessionárias.
A Anatel deveria fiscalizar também se as concessionárias estão ampliando suas redes em nome de outras operadoras do seu grupo que não têm obrigações de reversibilidade, ficando proprietárias destas redes ao final da concessão.

“O midiaeducador é uma resposta ao mundo globalizado, comercial e midiático”

[Título original: Em defesa do midiaeducador]

Professor da Universidade Católica de Milão e vice-presidente da Associazione Italiana per l’educazione ai media e alla comunicazione (MED), Pier Cesare Rivoltella, esteve esta semana no Rio de Janeiro, participando de uma palestra no Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Estudioso da relação entre mídia e educação, Rivoltella defende a formação de um novo profissional: o midiaeducador, que, além de atuar como educador para e com os meios, poderia atuar junto a empresas de produção e exibição em favor da qualidade das produções de mídia dirigidas para crianças e adolescentes.

É curioso como o debate da mídia nas escolas avança, mas de forma lenta em todo o mundo. Em 2007, conversei com o professor sobre a importância do novo profissional. Relendo a entrevista hoje, considero o tema ainda mais pertinente. Os desafios são os mesmos, assim como as resistências.

Confira:

Como o senhor definiria midiaeducação?
É um campo de pesquisa e intervenção relativamente novo e bastante abrangente. Tem o objetivo de promover uma educação com a mídia, por meio dela e sobre ela, levando em conta as implicações deste processo no dia a dia da sociedade e como esta própria sociedade interpreta esta influência. Antigamente, o binômio mídia educação era entendido apenas como um movimento que incentivava o uso dos aparatos tecnológicos (da mídia) no cotidiano escolar. Hoje, o conceito é outro, evoluiu. Midiaeducação é muito mais do que isso: é um campo de pesquisa e de ação que ultrapassa os muros da escola e que, portanto, merece estudo e atenção. Na Itália, estas duas áreas (comunicação e educação), infelizmente, não dialogam entre si. Os educadores não estabelecem nenhuma ligação com a mídia. Já os comunicadores acreditam que as questões educacionais não lhes dizem respeito – são problemas dos educadores. É muito difícil convencer os educadores de que a mídia é parte do processo de suas ações. Eles entendem a mídia apenas como ferramentas opcionais do seu trabalho diário na escola.

Qual seria a formação deste novo profissional?
O midiaeducador deve saber trabalhar com a comunicação e deve ter também conhecimentos da área educacional. Não se trata de um técnico da área, um especialista, mas de uma pessoa que conhece os meandros das duas áreas (comunicação e educação) e que sabe dialogar com todos os profissionais envolvidos em um processo de produção de mídia – agindo como um coordenador. Além das escolas, o mercado de trabalho carece deste profissional, seja nas empresas de comunicação, nas produtoras, nas agências de publicidade ou nos sets de filmagens. Atualmente, as empresas de mídia têm apenas uma visão mercadológica e comercial de seus produtos. Não apresentam nenhuma preocupação com as implicações e influências que seus produtos possam causar na sociedade, em especial nas crianças e adolescentes. Estamos pressionando as instituições italianas a aceitarem este novo profissional em seus quadros. O trabalho é lento, mas necessário.

Mas, na prática, qual a importância deste profissional para a sociedade?
O midiaeducador surge como uma resposta da própria sociedade ao mundo globalizado, comercial e midiático em que vivemos. É uma resposta de todos nós à Sociedade de Consumo do mundo ocidental. Este profissional representa a figura de um interlocutor entre a sociedade e as empresas de comunicação, entre a sociedade e o poderio da mídia. Portanto, é este profissional que garantirá, por exemplo, a qualidade da programação e o exercício dos direitos das crianças e dos adolescentes, bem como a formação de uma audiência crítica e reflexiva. Na Itália, vivemos uma situação peculiar. Nosso primeiro ministro exerce controle sobre as três redes de TV nacional e também é sócio do maior grupo editorial e televisivo italiano.

A Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo defende a formação do educomunicador, profissional ligado às áreas da comunicação e da educação que tem o objetivo de trabalhar estas questões dentro da escola. Midiaeducador e educomunicador seriam a mesma pessoa?
O chamado Educomunicador, difundido aqui no Brasil pela Universidade de São Paulo, por meio do professor Ismar de Oliveira, é o resultado do desenvolvimento do educador. É a nova fronteira do professor. Educomunicador é aquele que trabalha com a mídia na educação, na escola. Hoje, todos os educadores precisam ser educomunicadores, afinal é praticamente impossível trabalhar na escola sem articulá-la com a mídia. O midiaeducador é mais amplo. Ele não é um profissional que trabalha, prioritariamente, na escola. Ele é um profissional que está apto a trabalhar nas empresas de comunicação, gerenciando e supervisionando as produções de acordo com os interesses da sociedade e os direitos das crianças e dos adolescentes. São duas figuras muito importantes que se complementam, mas diferentes. Neste campo, podemos ainda identificar um terceiro profissional: o chamado educador de multimeios, que tem o objetivo apenas de alfabetizar a criança ou o adolescente no mundo eletrônico.

Neste sentido, como se dá a articulação entre a mídia e a educação nas escolas italianas? Os professores estão avançados neste processo, reconhecem a importância desta interface?
Os professores não estão preparados. Os cursos de formação não abrem espaço para esta discussão e consequentemente não preparam os profissionais para esta realidade. Muitos professores ainda acreditam que midiaeducação se resume apenas na utilização dos aparelhos na sala de aula. É difícil convencê-los de que a mídia deve ser parte do processo, deve estar articulada com o cotidiano dos alunos e que deve ser, inclusive, objeto de estudo. Para mudar este cenário, as universidades vêm desenvolvendo projetos e oferecendo cursos de atualização para os professores. Criamos também na Itália a Associazione Italiana per l’educazione ai media e alla comunicazione (MED), que tem o objetivo de intercambiar experiências entre os professores e divulgar projetos bem sucedidos para a sociedade. Avançamos, mas é preciso muito mais. É necessário que haja um comprometimento político para que efetivamente este campo de trabalho tenha êxito. Nos anos 90, não tínhamos praticamente nenhum curso sobre mídia e educação nas universidades. Hoje, 15 anos depois, pelo menos, 12 instituições já oferecem algum módulo nesta área.

E como as empresas de comunicação veem a importância deste novo profissional?
Com certa resistência. O midiaeducador está muito pouco presente. Os obstáculos ainda são muitos. A Itália carece, por exemplo, de uma regulamentação mais enérgica sobre a programação televisiva. A lei estabelece uma faixa horária especial reservada para o público infantil, que vai das 10 às 20 horas. No entanto, devido ao ritmo de vida cada vez mais acelerado, as crianças assistem, em sua grande maioria, à TV após as 20 horas. Em uma recente pesquisa, a MED entrevistou crianças e adultos sobre a qualidade da programação da TV. As crianças se mostraram mais críticas do que os adultos. Elas reivindicaram um conteúdo mais educativo e uma linguagem mais próxima de sua realidade. O fato é que o espaço para a TV Educativa na Itália é muito pequeno. Por outro lado, as TVs comerciais também não estão interessadas em investir recursos em novos formatos. Grande parte da programação televisiva italiana é importada.

“A rede de comunicação alternativa ainda é fraca, mas seu poder vem crescendo”

Em conjunto com vários empreendedores da comunicação, o diretor da Agência Carta Maior (publicação eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001), Joaquim Ernesto Palhares, contribuiu com a fundação recente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom), realizada no sábado (27), durante seminário em São Paulo.

O grupo que criou a Altercom vem se organizando mais concretamente desde o ano passado, a partir da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Insatisfeitos com as associações que representam os empresários da mídia, como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o coletivo resolveu se articular para criar uma entidade que defenda os interesses do campo da mídia progressista.

Além da participação de empresas, a Altercom conta também com a presença de empreendedores individuais, como os blogueiros Luiz Carlos Azenha (Vi o Mundo), Rodrigo Vianna (Escrevinhador), Marcelo Salles (Fazendo Media), Eduardo Guimarães (Cidadania.com) e Marco Aurélio Weissheimer (RS Urgente).

O que motivou a criação da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação?
A necessidade de contar com uma entidade que defenda os interesses políticos e econômicos das empresas e empreendedores do campo da mídia progressista. As entidades que representam as grandes empresas de comunicação (como ABERT e ANJ) defendem fundamentalmente os próprios interesses.

Quais são os objetivos centrais da Associação?
A entidade terá como objetivo defender interesses políticos e econômicos das empresas e empreendedores de comunicação comprometidos com os princípios da democratização do acesso à comunicação, da pluralidade e da liberdade de expressão. Entendemos que, quanto mais proprietários e empreendimentos de comunicação houver no país, maior será a liberdade de expressão: essa é uma das idéias centrais que anima a criação da Altercom, que defenderá também critérios mais claros e justos na aplicação de verbas públicas em publicidade.

A Associação já tem pautas de trabalho prioritárias?
As prioridades agora são organizativas: elaborar a Carta de Princípios, o estatuto da entidade e conseguir novas adesões pelo país.

Quem está participando da iniciativa e quem poderá participar?
O seminário de fundação da entidade, realizado dia 27 de fevereiro, em São Paulo, contou com a presença de cerca de sessenta empresários e uma dezena de convidados especiais. A Altercom deverá reunir editoras, sites, produtoras de vídeo, de rádio, revistas, jornais, blogueiros, agências de comunicação e tantos outros que não se sentem representados pelas entidades que defendem os interesses da Abril, Globo, Folha, Estadão, entre outros grandes grupos.

A ideia é organizar os gestores dos veículos de comunicação ou também seus trabalhadores?
Ambos. A idéia é estimular a participação e o compartilhamento tanto na produção de conteúdos quanto na discussão sobre os problemas que são comuns.

O grupo que está fundando a Associação participou da Confecom. Consideram que tiveram vitórias no processo?
A própria criação da Altercom representa uma grande vitória. As primeiras reuniões que discutiram a necessidade de uma entidade como essa iniciaram ainda nas conferências estaduais preparatórias e ao longo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), no final de 2009. A partir daí, conseguimos construir um entendimento comum em torno da criação de uma entidade alternativa cujos objetivos e compromissos não são coincidentes com aqueles da grande mídia.

Qual a principal diferença da iniciativa do Fórum de Mídia Livre?
Não há grandes diferenças do ponto de vista dos princípios que as duas iniciativas defendem. O Fórum representa um ator importante na luta pela democratização dos meios de comunicação e pelo fortalecimento da mídia livre. Ele propôs um debate que não se limita à reivindicação por critérios democráticos na distribuição de verbas públicas para o setor de comunicação. Há uma dimensão política nesta disputa que envolve um enfrentamento com fortes estruturas de poder político e econômico ligadas ao grande capital financeiro. A Altercom representa uma iniciativa operacional nesta direção.

O que se pretende propor em relação ao financiamento dos veículos alternativos, que se configura como um dos principais desafios para eles?
No terreno econômico, a associação defenderá, entre outras coisas, uma regulamentação mais justa e clara das verbas públicas de publicidade, de modo a estimular a diversidade de opiniões existente na sociedade brasileira. Além disso, procurará articular pequenos e médios empresários e empreendedores do setor para disputar também parte da verba dos anunciantes privados. A Altercom pretende ainda abrir espaço para centenas de empreendedores individuais, grande parte deles blogueiros, espalhados por todos o país.

 

Existe alguma intenção de se criar algum novo veículo de comunicação ou algum agregador de conteúdos dos que se juntarem à Associação?
No momento não há nenhuma proposta neste sentido. Talvez no futuro.

Na sua avaliação, existe uma comunicação alternativa forte no Brasil hoje? Se não, quais os motivos principais que contribuem para o atual quadro?
Comparando com a grande mídia tradicional, a rede de comunicação alternativa ainda é fraca, mas seu poder vem crescendo enormemente e já não pode ser ignorado. Há fortes indícios que apontam para a perda de influência da mídia tradicional, especialmente no caso dos jornais impressos. Por outro lado, vem crescendo a capacidade de sites, portais e blogueiros independentes influírem no debate público do país. E tudo indica que esse poder cresce a cada dia. O circuito tradicional da grande mídia ainda é forte, em resumo, mas vem perdendo força e espaço para essa rede de comunicação alternativa.

Quais as dificuldades para se fazer bom jornalismo na internet?
São basicamente as mesmas que existem para se fazer jornalismo em outros espaços: cultivar boas fontes, compromisso com a verdade e com o interesse público, ao invés de fazer um jornalismo subordinado aos interesses privados deste ou daquele grupo. Quem seguir estes princípios, estará fazendo bom jornalismo em qualquer tipo de mídia. Quem não seguir, bem, estará fazendo outra coisa.