“PNBL é bem vindo, mas poderia não ser necessário”

[Título original: Abramulti defende desagregação de redes em todas as plataformas]

Não se sabe ao certo quantos provedores de Internet há em todo o Brasil. Um levantamento realizado pela Abramulti (Associação de Provedores de Internet e Empresas de Comunicação Multimídia do Brasil) indica que existe pelo menos um em 4,5 mil municípios brasileiros. Como são enquadrados na categoria de valor adicionado, não precisam ter licença especial para funcionar. Somente os que prestam também serviço de telecomunicações é que necessitam de outorga do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), concedida pela Anatel. Os dados oficiais, da Agência Nacional de Telecomunicações, mostram que há cerca de 1,7 mil provedores SCM no país – número que inclui grandes operadoras, universidades, grandes provedores, departamentos estaduais de trânsito e de polícia e pequenos provedores. Como há pequenos provedores atuando em mais de uma cidade, é razoável supor que o número se encontre na casa dos milhares.

O número de provedores de SCM registrado pela Anatel cresceu 48,22% em 2008 e 35,26% em 2009. Esse aumento deve-se, em parte, a um esforço conjunto das associações de provedores e da própria agência para que as empresas deixem de atuar na informalidade, explica Manoel Santana Sobrinho, dirigente da Abramulti. Para ele, a idéia de que há muitas cidades sem acesso à internet, no Brasil, não é real. "Os provedores são pequenos, operam localmente, têm poucos funcionários e dão atendimento personalizado onde atuam", justifica Santana Sobrinho.

Na visão de Santana Sobrinho, a expansão dos serviços de banda larga no país, com melhoria de qualidade e queda nos preços, ocorreria naturalmente se as regras de concorrência previstas na legislação fossem aplicadas – e permitissem a essas empresas disputar o mercado em condições menos desiguais. "Enfrentamos imensas dificuldades em contratar nosso insumo principal, o link de internet", que é fornecido pelas grandes operadoras, com quem esses provedores disputam mercado, explica.

Você pode enumerar as conquistas importantes, nos últimos anos, das entidades que representam os provedores de acesso à internet?
Na realidade foram poucas conquistas e de pouco significado. A maior delas foi sermos reconhecidos como uma força nacional que promove a inclusão digital sem qualquer tipo de ajuda, subsídio e, muito pelo contrário, enfrentando imensas dificuldades em contratar nosso insumo principal, o link de internet.
No final de 2007, os provedores de internet, apesar de reconhecidos pela Súmula 304 do STJ como não sendo prestadores de serviços de comunicação, perderam a condição de optantes pelo Simples Nacional. Conseguimos a readmissão no Congresso e incluímos as pequenas operadoras de telecomunicações enquadradas como Pequenas e Médias Empresas (PMEs) também como optantes pelo Simples Nacional a partir de janeiro de 2009.
Outra mudança importante foi a alteração da Resolução 365 (para equipamentos de radiação restrita) pela Resolução 506. Isso permitiu maior tranqüilidade para as pequenas SCMs operarem nas freqüências não licenciadas. Mas criou outros problemas que a médio prazo vão inviabilizar o uso destas freqüências. Um exemplo é a permissão, sem autorização da Anatel, para que qualquer empresa faça uso delas fora de edificações. Estas empresas e até prefeituras não têm muito conhecimento de radiofreqüência e fazem uso indiscriminado de altas potências, causando imensas interferências.
As PMEs são isentas do pagamento do Fust e Fistel. Não por determinação da Anatel, mas porque demonstramos a eles que a Lei das Micro e Pequenas Empresas prevê o não pagamento de taxas e tributos federais.

Qual a sua opinião sobre o Plano Nacional de Banda Larga?
Desde o princípio nossa opinião é de que o plano é bem-vindo, mas poderia não ser necessário se as leis e normas já previstas para estimular a competição no mercado de telecomunicações e nunca regulamentadas de forma eficiente fossem cumpridas. Alguns exemplos:
1. Regulamentação da Interconexão de dados entre todas as empresas de telecomunicações (o conteúdo em si não pertence a ninguém, ele é criado por todos os usuários da internet), monitorada pelo plano de custos cuja implantação também é prevista;
2. Regulamentação da Exploração Industrial de Linhas Dedicadas (EILD) de forma a obrigar que as detentoras das redes de longa distância atendam as demais empresas com preços justos (monitoradas pelo plano de custos);
3. Regulamentação do uso dos pares metálicos locais (a desagregação de redes, prevista, permitiria a concorrência na banda larga e na telefonia) também monitorada pelo plano de custos;
4. Implantação de outras redes concorrentes, especialmente as de TV por cabo, mantendo-se a proibição para que as detentoras das redes locais operem também esta rede, criando concorrência entre redes. (Não há leilões de TV a cabo desde 2001);
5. Leilões das frequências com maior capacidade de banda por municípios, para permitir a desconcentração dos serviços móveis nas mãos de apenas três empresas;
Tudo isso está previsto na Lei Geral de Telecomunicações e nos primeiros regulamentos (inclusive regulamentos e contratos do STFC).

Vocês operam para ter lucro, ou seja, realizam atividades empresariais. Acha correto afirmar que fazem inclusão digital?
Tudo que é artificial de alguma forma será burlado, pois ninguém se expõe ao risco empresarial à toa. Caso contrário, aplicaria seu dinheiro em ações especulativas ou outras atividades com menor risco. No entanto, empresas menores que atuam localmente tendem a ter um comportamento menos capitalista, pelo fato de lidarem diariamente com os seus clientes no dia-a-dia. O que realmente regula o mercado é oferecer condições para a competição, este sim o fator preponderante para diminuição de preços e melhoria dos serviços e do atendimento.

Por que vocês criaram a Unotel, que funciona como cooperativa que oferece capacidade de transmissão a provedores internet de todo o país?
As poucas concessionárias locais querem dominar o mercado. Se elas tiverem a posse de todos os tipos de rede esta dominação estará completa e serão instaurados monopólios regionais ou os duopólios costurados entre elas. Atualmente, elas detêm as redes do STFC, de celulares, de DTH (TV por assinatura via satélite) e de TV a por assinatura (Cabo e MMDS) em algumas localidades, além de serem detentoras de quase 100% das freqüências de rádio disponíveis.
Se houver novos leilões de TV a cabo e as operadoras passarem realmente a deter as redes a cabo em todas as localidades, será apenas uma questão de tempo para que esmaguem quaisquer outras concorrentes, mesmo de grande porte, pois as outras ainda dependerão delas nas interconexões de telefonia, de celulares e de dados.
A rede da Unotel é apenas uma rede de longa distância, as redes de última milha estão caminhando para serem todas delas. E pequenas empresas como as nossas ainda não tem sequer uma freqüência licenciada para operar.

Há quem diga que é um exagero a afirmação de que há pequenos provedores em 4,5 mil municípios do país. Além do levantamento de vocês, há outro indicador de que esse número é plausível?
Costumo dizer apenas o seguinte: coloque os nomes de todas as cidades brasileiras em um jarro e retire 100 nomes de cidades. Se em pelo menos 80 dessas 100 cidades eu não puder lhe apontar quem é o provedor local, lhe pago um almoço. Brincadeiras à parte, não existe este indicador oficial e nem o interesse da Anatel de obtê-lo. Mas temos hoje 1,7 mil autorizações SCM das quais mais de 1,5 mil são MPEs que trabalham, como nossas empresas. Se cada uma delas operar em pelo menos três cidades não coincidentes já teremos as 4,5 mil cidades. Temos ainda mais de 1,8 mil provedores de banda larga não legalizados conhecidos, sendo que a maioria deles opera em cidades tão pequenas que obter a licença SCM se torna impossível.

Você afirma que “a expansão dos serviços de banda larga, com melhoria de qualidade e queda nos preços ocorreria naturalmente e sem distorções se as regras de concorrência previstas na legislação fossem aplicadas". O que quer dizer com isso?
Veja bem: um plano de custos dos serviços das concessionárias – previsto – permitiria saber os custos reais de venda de todos os serviços previstos para serem vendidos às demais operadoras, inclusive seria comprovado que o custo das redes de acesso de telefonia para uso da freqüência alta para banda larga (com a contratação ou não do telefone) é zero. Zero porque o custo de manutenção e expansão da rede de telefonia é o motivo de se cobrar assinatura de telefone no Brasil, pois esta assinatura prevê, entre outras despesas, exatamente a manutenção e expansão da rede de telefonia.
De posse do plano de custos dos serviços poderia ser regulamentada em bases reais a EILD (Exploração Industrial de Linhas dedicadas), a desagregação de redes, a interconexão de dados e telefonia (inclusive a celular). Na EILD, as linhas poderiam ser contratadas para o transporte telecom de longas, médias e curtas distâncias, melhorando a interligação de todas as empresas das redes locais até os pontos de troca de tráfego mais próximos. As concessionárias (aqui se encaixa também a Embratel, além de Telefônica e Oi) não deixariam de ganhar dinheiro com isto, apenas teriam que se esforçar mais na concorrência nos mercados locais.
A desagregação de redes, tanto a revenda de serviços (para as empresas ainda menores) quanto o line sharing (para empresas que empregam equipamentos próprios usando a freqüência alta para prestar banda larga), quanto o full unbundling – tudo isto deveria se aplicar a todos os tipos de redes: celular, TV a cabo, MMDS, telefonia fixa, WiMax, quarta geração do celular (LTE) etc. Todos ganhariam com isso, principalmente os usuários, e não se poderia questionar o equilíbrio econômico financeiro das concessionárias, porque quando compraram suas concessões essas regras já eram previstas. A interconexão de dados até hoje não existe. Ou se compra a banda das concessionárias e se “doa” o próprio tráfego a elas ou não entra no mercado.
Não devemos esquecer que tanto as redes que as concessionárias herdaram quanto as novas que construíram pertencem à União e que seu uso foi condicionado na concessão e nos contratos de modo a se evitar a duplicação de redes, porque isso aumenta os custos para os usuários. Implantar a desagregação de redes e o compartilhamento de infraestrutura estava previsto e seria uma obrigação legal, tanto da Anatel quanto das concessionárias.
A Anatel deveria fiscalizar também se as concessionárias estão ampliando suas redes em nome de outras operadoras do seu grupo que não têm obrigações de reversibilidade, ficando proprietárias destas redes ao final da concessão.

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