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“As telefônicas cobram a maior tarifa do mundo”

Em entrevista exclusiva para Caros Amigos, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende fala sobre assuntos da maior relevância para o desenvolvimento brasileiro, como a questão das patentes, o lobby das empresas de telefonia e suas tarifas mais caras do mundo, a questão dos transgênicos e as ações e programas do governo federal, como o de inclusão digital e a olimpíada de matemática. Conheça as posições do ministro Sérgio Rezende.

Hamilton Octávio de Souza – Podemos começar com a tua chegada ao ministério. Por que você foi escolhido? Fale um pouco dessa experiência nesse ministério tão importante para o país.
Quando eu terminei a minha graduação não havia iniciado ainda os programas de pós-graduação no Brasil. Eu era muito estudioso e queria fazer mestrado e doutorado. O mestrado no Brasil começou no ano em que eu saí, em junho de 1964. Aí fiz o doutorado, voltei e fui ser professor da PUC, onde eu tinha estudado. Eu estava lá, mas não estava satisfeito nem com o Rio de Janeiro nem com a PUC. Porque sendo um físico experimental, o instituto de física da PUC tinha sua área experimental muito concentrada em física nuclear. Não havia muito espaço, e naquele tempo não existia apoio institucional para começar novos laboratórios. Eu tive dois estudantes pernambucanos que eram parte de uma turma de cinco engenheiros que resolveram sair ao mesmo tempo para fazer o mestrado. Eles queriam voltar e fazer um grupo de física lá na federal de Pernambuco. Era 1969. Eu tinha uma certa atração pelo nordeste, e fui com o compromisso de ficar uns três anos. O grupo logo se destacou, porque foi o primeiro grupo de pesquisa para valer da federal de Pernambuco. Então chegou a época da campanha para o governo do Miguel Arraes, a campanha foi em 1986 e fui convidado para coordenar a elaboração do programa de ciência e tecnologia. Arraes criou a primeira FAPESP do nordeste. Eu continuava na universidade e não queria sair, mas em 1990 acabei sendo o primeiro diretor científico da fundação. Em 94, Arraes foi eleito governador, e me chamou para ser secretário de ciência e tecnologia. Aprendi muito com ele no sentido do que a ciência pode fazer para ajudar a população. Quando terminou o mandato dele, eu voltei para a universidade em tempo integral, e aí quando o Lula foi eleito em 2002 – eu já tinha participado um pouco da elaboração do programa de governo de Lula em 94, mais em 98 e mais em 2002 – o Arraes sugeriu a Lula que eu fosse para o ministério. Mas aí o partido indicou o ministro Amaral e eu acabei indo pra FINEP, que é um fundo muito importante. O Amaral saiu depois de um ano, entrou o Eduardo Campos, e quando ele saiu para ser deputado, mais ou menos eu era o candidato natural e foi assim que eu me tornei ministro.

José Arbex Jr – Um dos eixos de sustentação do neoliberalismo é o direito de patente, que virou um eixo de dominação cultural e intelectual dos países que produzem tecnologia e adquirem o controle sobre o mercado mundial. Me parece que a política do governo Lula em relação ao direito de patente é terrível, não avançou grande coisa em relação aos tucanos. Se pegarmos a questão da vacina contra a Aids, o direito de quebra de patente… Então, não fica claro se o governo brasileiro é pelo direito de quebra da patente sempre que interessar a população pobre do mundo. Eu queria saber a sua opinião sobre isso.

Concordo com a avaliação de que a propriedade intelectual é uma forma de dominação dos países que desenvolveram o conhecimento antes para a aplicação, mas também não sou tão radical a ponto de achar que não deva haver nenhuma proteção de propriedade intelectual. Porque se fosse, também teria que ser favorável a não ter propriedade intelectual de nada, direito autoral. E eu acho que deve haver alguma proteção. Em relação à propriedade intelectual da área farmacêutica, área da saúde, a questão é grave, por isso eu disse que a gente tem que dividir. Tanto que eu acho que na área da tecnologia da microeletrônica ter a proteção da propriedade intelectual durante algum tempo é uma forma de manter um certo sistema que é financiado pelos royalties daquilo, e que mantém, digamos assim, a evolução do conhecimento aplicado. Em relação à questão farmacêutica, e levando em conta a necessidade que o mundo tem, como grande parte do mundo, aí eu concordo com você que o governo avançou pouco. Agora, teve alguns avanços, como você sabe, para alguns medicamentos, para algumas vacinas, o governo tomou alguma posição. Mas isso realmente não foi uma bandeira do governo que teve outras bandeiras reconhecidas internacionalmente.

Lúcia Rodrigues – O programa de inclusão digital é um programa prioritário do governo Lula? Que resultados o senhor pode apresentar?
Nós temos resultados bons, mas, digamos assim, não tão significativos, tão amplos quanto gostaríamos de ter. Há um gráfico comparando a penetração da internet em vários países, e o que tem a maior penetração é a Suécia, onde 85% da população usa internet banda larga. E o Brasil está lá embaixo. Quero chamar a atenção disso porque com frequência o Brasil é comparado com a Suécia, até Portugal está na frente. Mas é muito diferente você fazer inclusão digital em um país que tem 800 milhões de hectares, 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados e que tem 190 milhões de habitantes e em Portugal que tem 20 milhões de habitantes. Mas os avanços foram grandes em algumas áreas. Em primeiro lugar, hoje o computador está acessível a uma parcela cada vez maior da população e isso é resultado de programa de governo, que foi o programa “Computador para todos”, que começou a desonerar e a incentivar determinadas atividades. Hoje compra-se computador no Brasil a um preço bastante razoável, então muita gente tem computador em casa. Há algum tempo o governo achava que o grande instrumento da inclusão digital seria a inclusão por meio das escolas públicas. Há três ou quatro anos há um programa de fazer a internet chegar a quase totalidade das escolas públicas. Isso não andou com a velocidade esperada porque resolveu-se fazer isso por meio das concessionárias de telefonia, que trocaram obrigações que tinham da lei geral de telecomunicações de colocar postos de telefone por chegar a certo número. E elas não chegaram aonde deviam chegar. E a instalação de laboratórios de informática nas escolas públicas que está sendo patrocinada pelo Ministério da Educação está avançando, mas ainda não chegou aonde chegaria. Agora essa é uma das razões para que o governo decidisse tomar um caminho diferente para a banda larga. Uma das razões pelas quais mais gente não tem ligação de internet em casa é porque a ligação é muito cara. Então o governo resolveu que vai reativar a Telebrás. Não está decidida ainda a forma, mas praticamente o que vai acontecer é que ela vai atuar nos lugares aonde as concessionárias não vão chegar.

José Arbex Jr. – Aqui no Brasil a Aneel já aprovou uma portaria permitindo internet pela rede elétrica. Na  Venezuela isso funciona a pleno vapor. Você vai no meio da mata amazônica, se chega luz na tribo indígena eles têm conexão com a internet. Por que no Brasil isso está atrasado e não está funcionando? Eu tenho um palpite: lobby da Telefônica e das empresas de telefonia. Eu queria saber se é isso, porque o programa “Luz Para Todos” foi um sucesso, chegou no Brasil inteiro. Então, se o Brasil inteiro tem energia elétrica a pergunta é: ‘por que o Brasil inteiro não tem internet? Resposta: porque está faltando vontade política do governo para enfrentar a Telefônica e outras empresas de telefonia. Ou não?
Faltou… Isso deveria ter sido feito com mais decisão há três anos. Você sabe que a Telebrás vai, inicialmente, começar a operar com as fibras que estão colocadas nas linhas de transmissão que foram colocadas pelas empresas estatais brasileiras. Isso foi feito pela Eletronet que era um empresa estatal que foi vendida a preço de banana para a AES, e quando a AES faliu, o governo quis recuperar as fibras ópticas e não conseguiu. Isso se arrastou na justiça, e finalmente ganhou-se na justiça há quatro meses. O que agora vai ser feito com a Telebrás está sendo discutido há três anos. Faltaram algumas condições. Você tem toda razão em relação ao lobby das telefônicas. É um lobby muito poderoso, elas são muito fortes, cobram uma tarifa que é a maior do mundo em telefonia celular, em internet e assim por diante. São muito fortes, tem todo um capital internacional atrás delas e o governo fez um esforço grande pelo meio do BNDES para formar uma empresa nacional mais forte, juntando a Oi com a Brasil Telecom, agora o grupo Telemar, que é um grupo razoável.

José Arbex Jr. – Mas o governo Lula ancorado em movimentos sociais, tendo um apelo extraordinário junto à população, se ele convoca uma entrevista coletiva e denuncia isso, ele arrebenta com esse lobby, não é? Por que o Lula não faz isso?
Eu gostaria muito que ele fizesse isso e que desse certo, mas o país é mais complicado do que isso e você sabe. As nossas elites estão aí, os caras respaldam isso…

José Arbex Jr. – O Arraes não lutou contra as elites a vida inteira?
Lutou a vida inteira e pagou muito por isso. Lula teve a percepção numa certa altura, provavelmente ele não teria sido reeleito, ele não teria talvez passado pelo escândalo do mensalão, né?

José Arbex Jr.- Mas o senhor acha que vale a pena ser reeleito para não fazer?
Eu acho que valeu a pena porque ele está fazendo muita coisa, tem muita coisa sendo feita e você sabe disso.

Hamilton Octávio de Souza – Sobre essa reunião ministerial que aconteceu recentemente, eu li que uma das funções da reativação da Telebrás seria que o governo pudesse levar o serviço às populações que economicamente não interessa para as telefônicas, e também assumir todo serviço do próprio Estado, aquilo que faz parte da comunicação dos setores públicos, dos três poderes. Afinal, o governo vai assumir esse serviço dentro do setor público ou vai ficar pagando para o setor privado fazer esse serviço?
É um dos pilares da ideia, o governo federal paga uma quantidade enorme de dinheiro para essas prestadoras. O sistema de telecomunicações no Brasil fatura 120 bilhões de reais por ano aproximadamente. As empresas de televisão, de radiodifusão faturam dez vezes menos, ou seja: telecomunicações é dez vezes mais e essas coisas estão convergindo. Esse grande faturamento é das empresas estrangeiras que estão aqui. Então, uma das ideias é exatamente isso, não só o governo economizar, mas ter o domínio dos meios de comunicação utilizado para os seus fins. Qualquer país que tem soberania, tem segurança nacional, tem domínio.

Hamilton Octávio de Souza – Isso passou na reunião ou não?
Isso aí passou na reunião, é primeira prioridade. A Telebrás vai prestar serviço pago. Para o setor público não vai ser nessa mesma conta. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, usa a Rede Nacional de Pesquisa, a RNP, rede que faz chegar internet de banda larguíssima a 400 entidades, todas universidades e centros de pesquisa, foi a primeira rede de internet do Brasil. Foi em 92, antes da internet ser comercial, só que o tronco, o backbone, ele é alugado da Embratel.
Quando chega nas cidades, aí temos as redes metropolitanas que nós fizemos em parceria com estados e universidades. Isso está em 20 cidades atualmente. Nós então pagamos a Embratel, nós vamos pagar uma quantia menor para Telebrás que vai ser uma empresa. Ela não vai poder fazer de graça. A Telebrás vai fornecer serviço para o governo federal, estaduais e municipais que quiserem, vai chegar às escolas, hospitais e postos de saúde. Isso está no espírito central do projeto, mas, há algum tempo não pensava nisso. Mas aí foi ficando claro que vai chegar também nos domicílios. Aí chega nos domicílios com o rádio, com wimax, ficou muito mais barato, essas empresas estão ganhando muito dinheiro porque ficou muito mais barato e as tarifas continuam lá em cima.

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