Arquivo da categoria: Entrevistas

“Não vamos abrir nenhuma licitação enquanto não encerrar as abertas”

Há menos de três meses no Ministério das Comunicações (Minicom) , o ex-chefe de gabinete do ministro Paulo Bernardo (quando estava no Planejamento) e atual secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica da pasta, Genildo Lins de Albuquerque Neto, já sentiu o tamanho do desafio que tem sob sua coordenação.

De cara, vai ter que lidar com 35 mil processos de radiodifusão que se acumulam no ministério. São pedidos de outorgas e também de alterações técnicas das emissoras. O senador e ex-ministro das Comunicações de Lula, Eunício de Oliveira, deu ideia do tamanho do problema. “Tinha processo lá de 1982”, disse ele, em audiência pública realizada no Senado nesta quarta-feira (16).

Fazer esses processos tramitarem de forma mais ágil é a prioridade de Genildo. Tanto que estipulou a meta de fazer isso em um ano e meio. Pelo menos Genildo não terá mais que lidar com a investigação de irregularidades das emissoras, que vai ficar totalmente a cargo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) neste momento.

Confira nesta entrevista um pouco mais do que pretende fazer o secretário Genildo no Minicom.

O que está se pensando em fazer para dimiuir o tempo de tramitação de um processo de renovação ou concessão de outorga no ministério?

Um processo até ir para a Casa Civil vinha no Ministério das Comunicações quatro vezes. Agora ele vai vir duas. Uma vez com a homologação da licitação e exposição dos motivos e encaminha para o Congresso. Depois volta só para assinar o contrato. Tudo isso é tempo de análise.

Você acredita diminuir um processo em quanto tempo?

Qualquer reformulação de processo, o ideal é você medir o processo atual, vê o que dá para fazer e melhorar. A gente não tem tempo para medir o processo atual. A gente esqueceu ele, pegou de parâmetro e estamos começando um procedimento novo. Diminuir os passos de um processo já diminui muito o tempo de análise dele.

Dos 35 mil processos que de radiodifusão que tramitam no Minicom, quantos são pedidos de concessão ou renovação de concessão?

A maioria são de alteração de características técnicas, aprovação de local e emissão de licença de funcionamento. Essa parte de engenharia é muito trabalhosa. Tem que analisar o projeto, encaminhar para a Anatel verificar.

Não é necessário destinar mais funcionários para fazer isso​?

A gente pega o que tem e adequa os procedimentos para usar o pessoal que temos à nossa disposição. Não posso ficar chorando, dizer que não vou fazer porque não tenho pessoal.

O ministro comentou que o governo quer criar critérios para concessões de emissoras educativas. Eles podem ser criados pelo ministério? E que critérios seriam esses?

Claro. A lei diz que o ministro escolhe por oportunidade e conveniência dele. Então ele pode escolher ou ele pode escolher dentro “esses” de critérios. Esses critérios ele mesmo vai estabelecer.

A gente está esperando uma conversa com o Ministério da Educação para ver o que a gente vai fazer. Já está bem adiantado e quando estiverem prontos vamos anunciar.

Enquanto isso o que acontece com os pedidos de outorgas educativas?

Estão parados esperando os critérios.

Hoje há uma dificuldade em saber quem são os concessionários das emissoras. Vocês estão pensando alguma mudança em relação a isso?

A ideia é em um médio prazo conseguir juntar todas as informações e divulgá-las na internet. A outorga, o tipo de serviço, a entidade (ou empresa ou associação) e o sócio dirigente. O problema é ter tempo de reunir tudo isso.

E ter uma estrutura compatível também. Não dá para gente botar uma planilha de excel na internet porque toda vez que tiver que fazer uma alteração vai ter que tirar e colocar de novo. A gente está estudando uma forma de simplesmente alimentar, sem precisar fazer revisão do sistema.

Seria algo parecido com o sistema da Anatel?

O problema é que ele não é muito amigável para colocar todas as informações sistematizadas. Você consegue pegar por entidade, mas não consegue integrar as informações.

E para quando seria isso?

O problema é que peguei todo o meu pessoal para acabar com meu estoque (de processos). A gente vai ter que tentar ao longo do tempo ir organizando isso. A prioridade é o tratamento do estoque.

Em relação aos critérios de concessão e renovação de outorgas de rádio e TV. Está se pensando em fazer mudanças?

O critério é o que está na lei. O primeiro critério é técnico para classificar. E dos classificados quem pagar mais leva. Agora assim, não vamos abrir nenhuma licitação enquanto não encerrar todas as abertas.

Mas no momento da renovação não é um pouco mais fácil analisar os critérios técnicos e de conteúdo para avaliar se a emissora merece ter sua outorga renovada?

Não necessariamente. O governo não tem um indivíduo que passa o dia vendo televisão e ouvindo rádio.

No processo de renovação, olha-se o histórico da entidade. Existe um princípio no Direito que não se pode dar duas penas pelo mesmo crime. Se o concessionário cometeu uma infração e foi condenado a pagar uma multa ou uma suspensão, não posso não renovar a outorga dele porque ele fez isso. O que posso fazer é, se durante a concessão ele cometeu uma penalidade passível de cassação, pedir a cassação da entidade. São coisas diferentes.

No Código Brasileiro de Telecomunicações já existem essas regras (previsões de multas, suspensão e cassação). E se for suspenso duas vezes, a terceira é cassação. A norma já estabelece isso.

O problema é que não acontece na prática…

Na prática, o departamento de acompanhamento e fiscalização estava assoberbado por uma interpretação jurídica inadequada. A partir da nova interpretação jurídica de que a fiscalização técnica é toda da Anatel, o departamento agora tem recursos materiais e humanos para executar toda fiscalização de conteúdo.

Hoje os contratos com as emissoras de rádio e TV não são públicos e não se sabe as obrigações que elas devem cumprir. O Ministério pretende mudar isso?

Elas são obrigadas a fazer aquilo que está no CBT. Um contrato público não pode inovar.

Porque então eles não são públicos?

Um contrato é muito simples. Tem o nome do contratante, o nome do contratado a obrigação de cumprir a lei e acabou.

E como será o regulamento de sanção das emissoras que o Minicom está fazendo?

O CBT estabelece uma regra que prevê multa, suspensão e cassação. Tem uma outra regra no Código que diz que qualquer pena pode ser substituída pela de multa. É a prática do Ministério até hoje. Se a lei permite, as administrações anteriores acharam por bem aplicar a conversão da pena em multa em todos os casos, menos de cassação. A nossa ideia é deixar claro quais são os casos em que poderá se converter a suspensão em multa. Só isso já muda muito.

“Quero ter perenidade das ações”

[titulo original: Nova secretária do Audiovisual propõe metas de eficiência para o cinema brasileiro]

A brasiliense Ana Paula Santana, de 29 anos, teve uma carreira meteórica. Entrou no Ministério da Cultura (MinC) em abril de 2002, como estagiária na extinta TV Cultura e Arte, e agora é a nova secretária do Audiovisual. Diferentemente dos três últimos antecessores, Orlando Senna, Silvio Da-Rin e Newton Cannito, não tem a experiência prática do cinema.

– Venho do lado público, do Estado, um dos pilares de sustentação do audiovisual no Brasil. Sei fazer tudo na SAv (Secretaria do Audiovisual) porque passei por todas as áreas – diz ela, que foi coordenadora de intercâmbio cultural, chefe de gabinete, assessora internacional e jurídica do secretário e diretora de programas e projetos audiovisuais.

A nova secretária acredita ser possível uma boa articulação entre a SAv, o Conselho Superior de Cinema e a Ancine (Agência Nacional de Cinema). Ela prefere esperar a oficialização do nome de Vera Zaverucha como diretora da Ancine para falar mais sobre o assunto. Vera acaba de ser convidada pela ministra Ana de Hollanda e aceitou substituir Manoel Rangel. A futura diretora conhece profundamente a estrutura da agência. Foi uma das principais articuladoras do órgão e participou de seu começo, em 2002. Tinha se transferido ano passado para o Sesc Rio, onde trabalhava como consultora para área de cinema e audiovisual. Antes, era superintendente de acompanhamento de mercado da Ancine.

O GLOBO – Quais serão as primeiras ações da sua gestão?

ANA PAULA SANTANA – Assinamos em 2009 uma produção cooperada entre Brasil e Cuba que resultou num filme de animação de 15 minutos,"Caminho das gaivotas", que tem origem em cantigas de ninar dos dois países. Montou-se uma equipe de Cuba e do Brasil, trabalhou-se pela internet, tivemos imersões aqui e lá. Pois essa produção vai resultar agora na política de formação e incentivo de coletivos criativos e na política de animação.

Detalhe essas duas políticas.
O primeiro programa que quero lançar é o do coletivo criativo. Vou selecionar coletivos já existentes e potencializá-los. Falar: "Apresente-me um plano estratégico, diga-me qual a sua política de empreendedorismo, crie uma marca, que o governo vai investir X." Em vez de chamar o cara da trilha no fim do filme, bote o músico junto com o cineasta, o animador com o artista plástico, o estilista junto com alguém de teatro. Todo mundo junto para pensar coletivamente um produto. Minha ideia é ir além: montar um coletivo, selecionando indivíduos para ficar em imersão numa residência. Filmar isso 24 horas e talvez virar reality show. Mostrar na internet e aprimorar o coletivo a partir da intervenção de quem está vendo.

E a política da animação?
O talento brasileiro para animação é único no mundo, mas, hoje, se eu tivesse R$ 10 milhões para investir, investiria na formação de mão de obra, em que temos uma grande deficiência, e não na produção. Tenho um projeto, que está sendo finalizado, de criar a primeira escola técnica de animação, que ofereça teoria, dê capacidade produtiva e tenha prática.

Que problemas você identifica no audiovisual brasileiro?
Tem uma lacuna na cadeia produtiva brasileira que é a do desenvolvimento do processo criativo. Afinal, o processo é muito mais importante que o produto final. Se o processo é ruim, o produto final é ruim. Mas hoje as leis de incentivo pedem o roteiro pronto. Não quero roteiro pronto, quero a proposta. O cara dizer: "Vou investir X do orçamento no desenvolvimento do projeto, Y na produção, Z na distribuição. Meu produto tem possibilidades de cinema, TV e plataformas digitais." Quero que ele me apresente um plano de negócios, um plano estratégico de produção, uma análise de oportunidade, quais os parceiros. O risco na atividade cinematográfica sempre foi um fator desconsiderado, porque ela sempre foi sustentada e apoiada pelo dinheiro público.

Dê um exemplo de sair do produto para o processo criativo.
O FICTV, que está sendo finalizado. É a produção, em dois anos, de três séries de TV para o público de 16 a 29 anos das classes C, D e E. Não foi uma mera entrega de dinheiro do poder público a uma produtora. Tivemos seminários, preparação de elenco, noção de planejamento de produção, acompanhamento de consultores desde o desenvolvimento do roteiro. Vamos entregar para a TV Brasil programas de ponta.

Em que isso vai melhorar a cadeia produtiva brasileira?
Prefiro cinco longas de baixo orçamento que tenham qualidade, com um processo que abarque muito mais gente e chegue ao público, do que 20 só para satisfazer a produção. Quero ter perenidade das ações. Que seja um voo Brasil-Tóquio, e não uma ponte-aérea Rio-SP. Que a atividade audiovisual seja considerada lucrativa e rentável para quem quer investir, como os outros segmentos da indústria no Brasil.

Não tem o risco de soar como interferência no trabalho do cineasta?
Daremos bases de aprimoramento. A questão autoral é dele. Não vai ter consultor dizendo: "Mude seu roteiro." Mas ele pode ouvir conselhos. Pretendo que o cineasta mostre para o Estado como ele pensa seu processo. A produção brasileira não considera um fator determinante, que é o gosto do consumidor. Não estou condenando os filmes autorais, estou querendo que a produção se desenvolva no sentido de achar o público para sua obra. Certos produtores autorais não têm noção do público para o qual estão produzindo. Quero que o cinema autoral dê feedback para o Estado: "Olha, o público que quero atingir é esse, que se interessa por essa estética e essa linguagem." Na minha gestão, vai ter espaço para a experimentação, para o autoral e o comercial, mas vai ter cinema buscando eficiência para dar retorno e contrapartida ao público final, que é quem paga a conta. O espectador paga para aquilo que desperta desejo, pode ser uma comédia romântica, um besteirol americano ou um filme supercabeça.

Você é a mais nova secretária a ocupar a SAv. Como sua juventude pode pesar a favor da secretaria?

Quero trazer o Ministério da Educação para vários projetos. Ano passado até riram de mim quando falei que a gente está desconsiderando um público tremendo para o cinema brasileiro. No Enem tem bibliografia obrigatória, vamos propor para o MEC uma filmografia brasileira que contemple a diversidade cultural do país. Quero que a ministra leve a proposta para o ministro Fernando Haddad. Minha geração se afastou da cultura brasileira. Ela não conheceu nenhum movimento significativo de pensar e refletir em termos de identidade. Quero que minha geração faça o terceiro movimento antropofágico do Brasil, que culmine em 2012, 90 anos depois da Semana de Arte Moderna.

“A mídia hegemônica está mais agressiva”

Professor de Comunicação da UFRJ, Marcos Dantas é um respeitado teórico da comunicação e tem uma rica trajetória ativista. Nesta entrevista exclusiva ao Vermelho, ele nos fala da luta pela democratização das comunicações no Brasil de hoje.

Filho de um veterano comunista, o militar da Aeronáutica Sebastião Dantas, já falecido, Marcos Dantas desde cedo se interessou por política. Iniciou sua militância no PCB, indo pouco depois para a Dissidência da Guanabara (DI-GB) que mais tarde seria rebatizada de MR-8.

Começa a trabalhar como jornalista em 1970, sem ter sequer, devido às circunstâncias militantes da época, concluído um curso superior, como gosta de frisar. Passou por alguns dos mais importantes jornais do Brasil, dentre estes o Jornal do Comércio, onde trabalhou com Aloysio Biondi, e O Globo.

Dantas orgulha-se, particularmente, de ter escrito, com ajuda do então presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro, o hoje deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ) e do engenheiro e sindicalista Paulo Eduardo Gomes, hoje vereador em Niterói (RJ) pelo PSOL, o artigo que estabelecia o monopólio da Telebrás sobre as telecomunicações, depois revogado no governo FHC. “Tenho ódio eterno de FHC”, diz ele. “Imagina o orgulho que você pode sentir, ao abrir o livrinho da Constituição e poder dizer, 'este artigo fui eu que escrevi'”.

Em 2001, defende tese de doutoramento na Engenharia de Produção da COPPE-UFRJ, intitulada Os significados do trabalho. Toda sua investigação acadêmica sempre buscou relacionar os referenciais marxistas às transformações do capitalismo contemporâneo. Nesse entretempo, associando os compromissos políticos com as inevitáveis necessidades da sobrevivência, pôde participar de alguns momentos legislativos marcantes. Representando a Cobra (empresa de informática), esteve ativamente presente nos trabalhos da Constituinte de 1988, ajudando, junto com outros técnicos e professores, a redigir o capítulo sobre Ciência, Tecnologia e Comunicação.

Hoje Marcos Dantas é uma das principais referências do campo popular na luta pela democratização das comunicações, tendo representado a sociedade civil não-empresarial na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), como delegado do Estado do Rio. Clique aqui para conhecer um pouco mais sobre a trajetória de Marcos Dantas.

Vermelho – A mídia hoje está mais agressiva em defesa dos seus interesses?
Marcos Dantas – A mídia hegemônica está quantitativamente mais agressiva. É que a estrutura corporativa que temos hoje, no Brasil, consolidou-se por volta dos anos 1970, na esteira de importantes transformações pelas quais passava a sociedade brasileira àquela época. A sociedade está passando por novas e grandes mudanças políticas, econômicas, tecnológicas, culturais, que não podem ser atendidas por aquela estrutura. Ela não está sabendo acompanhar as mudanças. Então reage parecendo fera acuada. Mas, ao longo da história, ela sempre atuou como bloco. No período pré-64, por exemplo, toda a chamada “grande imprensa” (O Globo, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, etc.) apoiou o golpe. A única vez que a imprensa rachou foi na revolução de 1930, mas isso aconteceu porque a elite estava dividida e a imprensa expressou esse momento. Fora isso, a imprensa sempre atuou em bloco.

Muito se fala do poder de mobilização das novas ferramentas de comunicação. Alguns chegam a dizer que o que está acontecendo no Egito é a “revolução do twitter”. Como você vê esta questão?
No Manifesto Comunista de 1848, Marx e Engels escreveram que o telégrafo, então recém-inventado, seria um grande instrumento nas mãos do proletariado. Ou seja, cada vez que surge um meio novo e mais rápido de comunicações, surgem também essas esperanças revolucionárias. Evidentemente, Marx não era inocente. O que ele quis dizer é que quem inventou a telegrafia foi o capital, mas no momento em que essa tecnologia fica disponível, também as comunicações contra-hegemônicas podem ficar mais rápidas e mais baratas. O sujeito não precisava mais ir a pé ou a cavalo, de uma cidade para outra, para convocar os camaradas à luta. Tinha o telégrafo, tinha a ferrovia. Mas na mesma hora, claro, também tem a polícia esperando o militante na estação ferroviária. O meio continua nas mãos do capital! No caso do telégrafo, o que a burguesia fez? Adotou, em todos os principais países, leis que davam poder de censura ao funcionário dos correios, na ponta. Ele podia censurar uma mensagem se desconfiasse de alguma frase…

Na minha avaliação, a internet é o mais extraordinário panóptico que o capital já inventou. Tudo o que você escreve ali, pode ser visto por quem queira ver. Servidores de organizações como Google, Facebook e outras podem armazenar qualquer informação a respeito de qualquer internauta. É claro que eles preferem saber dos seus gostos e hábitos para lhe vender produtos e serviços. Mas talvez o FBI ou a CIA também gostem de saber dos seus gostos e hábitos… Há poucos anos, aconteceu um escândalo mundial, pouco divulgado no Brasil, devido a um sistema inventado pelos estadunidenses, denominado “Echelon”, pelo qual as suas grandes corporações podiam acompanhar as comunicações dos concorrentes e, com base nelas, tomar as decisões mais vantajosas.

Dizem que os EUA ganharam a licitação para montar o Sivam no Brasil graças a informações sobre os concorrentes obtidas via “Echelon”. Sei lá o que pode estar acontecendo agora nessa disputa pelos caças da FAB, mas eu não me admiraria em saber que as autoridades brasileiras, nas suas conversas a respeito, usam o Outlook Express, ou Gmail, ou Internet Explorer… Se você quer realizar uma revolução para valer, a primeira coisa a fazer é não usar internet. Nem celular. Os russos acertaram a cabeça de um líder checheno com um míssil guiado pelas frequências do seu telefone celular.

No fundo, essa prometida liberdade é um grande mecanismo de controle. Ela serve principalmente para falar muita abobrinha e, claro, para induzir comportamentos de consumo, como qualquer outro meio de comunicação. Mas isto não significa menosprezar ou desqualificar a internet. Uso muito, sou mesmo pioneiro (desde 1992, com linha discada) e já estudava o conceito de “ágora informacional” antes que a internet, enquanto tal, tivesse virado um fenômeno de massa no Brasil, depois de, não por acaso, ser apresentada ao país por uma novela da Globo. Certamente, o Google é uma extraordinária ferramenta de pesquisa. A minha velha Mirador, hoje em dia, apenas serve como belo enfeite de estante.

Trocar ideias pelo Twitter é muito interessante e divertido. É como uma reunião de amigos e amigas numa mesa de bar, todo mundo falando quase ao mesmo tempo frases entrecortadas, só que eu estou na minha casa, o outro no seu escritório de trabalho, um outro pode estar na Bahia ou Santa Catarina, até no Japão (se resistir ao fuso horário…). Aprende-se muito. A partir daí, penso que devemos disputar a internet, como também devíamos ter disputado o telégrafo ou a radiodifusão. Mas não é a internet que está moldando ou vai moldar a sociedade. É a sociedade, no bojo da luta de classes, que decidirá os rumos da internet. Sem essa consciência, a internet será aquilo que o capital quer que ela seja: um meio para acelerar negócios e, se necessário, de controle social. É fundamental disputar a democracia na internet, mas o discurso apologético acrítico conduz ao idealismo e não leva a nada realmente transformador.

No governo Lula foram poucos os avanços na comunicação. Em relação a esta área, qual a sua expectativa em relação ao governo Dilma?
Eu sou moderadamente otimista. Eu acho que é uma mudança grande colocar o Paulo Bernardo no Ministério das Comunicações. Mostra que esse Ministério terá no governo Dilma, uma dimensão estratégica que infelizmente não teve no governo Lula.

A questão é: qual roteiro vai seguir?

Ainda não ouvimos uma declaração programática do ministro. Ele parece estar, aqui e ali, soltando umas ideias para sentir como repercute. Pelo que está dito, banda larga e marco regulatório serão suas principais preocupações. Sobre a política de banda larga, sabemos o que o governo Lula deixou. Sobre o marco regulatório, sabemos que o governo Lula deixou algo, mas não sabemos o quê. Mas, sobre qualquer coisa, como o ministro integra o “núcleo duro” do governo, as decisões serão de governo, isto é, serão firmes, consistentes, duradouras (ao contrário, por exemplo, das decisões sobre TV digital no governo Lula), mas ainda não dá para termos clareza sobre os rumos.

No momento, a sensação que eu tenho é que o ministro Paulo Bernardo está ouvindo a todos. Isso é muito positivo, mas isso é uma característica do PT: ele ouve as forças políticas sociais, escuta o movimento social. O movimento popular tem um canal de interlocução. Mas não podemos esquecer que as comunicações envolvem interesses poderosos, o ministro também está ouvindo e não pode deixar de ouvir essas outras forças. O empresariado chega lá com propostas muito concretas, com temas objetivos. O movimento popular costuma chegar com bandeiras. Agora é hora de propostas, e propostas factíveis. É um cabo de guerra e não dá para saber ainda quem vai levar vantagem nisso.

Do ponto de vista da luta pela democratização da mídia, qual o tema mais importante hoje no Governo Dilma?
Sem dúvida, o marco regulatório é o debate mais importante. Todo mundo sabe, acho que isso já é consenso, que há um caos normativo no Brasil hoje em dia. Precisamos de uma legislação que contemple os avanços econômicos e tecnológicos dos últimos anos mas, ao mesmo tempo, introduza princípios democráticos e públicos. Toda reforma normativa no mundo tem sido feita em detrimento dos interesses públicos, conduzida pelas forças do capital. O Brasil, por suas características econômicas e políticas, poderia inovar aí, dando algumas aulas ao mundo. Mas isto vai necessitar, inclusive, de construção teórica, não apenas jurídica. Ao contrário do governo Lula, trata-se justamente de não fazer o óbvio.

No que consiste, a seu ver, a principal contradição entre as teles (empresas de telecomunicação como Oi, Telefônica, Sky) e as radiodifusoras (Globo, Bandeirantes, etc).

A principal contradição é a própria mudança no padrão de acumulação nas comunicações. Há um modelo decadente, esse da radiodifusão aberta, e outro ascendente, o dos “jardins murados”. Aquele se apoia na escassez de espectro, verdade até os anos 1970. Este se apoia no espectro ilimitado, na multiplicação ad infinitum de canais audiovisuais, no cabo, na atmosfera, no satélite, graças às tecnologias digitais. Se o objetivo é o lucro e se o lucro está na produção e programação de conteúdos, a apropriação desse lucro só é possível através de um novo modelo de negócios, baseado na assinatura ou no pagamento direto por serviço (pay per view).

 

Aí entram as teles: elas controlam a bilheteria de acesso aos “jardins”. Não é somente Oi ou Telefônica. As operadoras de celular estão vendendo conteúdo e somente conteúdo, elas não prestam mais um mero serviço telefônico. No entanto, são reguladas como operadoras de telecomunicações, não como provedoras de audiovisual. O problema dos radiodifusores é a ameaça de migração da audiência, da TV aberta para a TV por assinatura e internet.

O que acontece em todo o mundo mostra que essa TV aberta, generalista, que foi dominante na maior parte do século passado, está em decadência. No entanto, esse sistema, porque se apoiava num recurso escasso, era definido como serviço público, era publicamente regulado, dava ao Estado e à sociedade, nem que fosse teoricamente, um certo poder para influenciar nas elaboração de regras, inclusive regras quanto à missão cultural e educacional dos produtores e programadores. Por isso, temos os artigos da nossa Constituição.

Já os “jardins murados” são completamente controlados pelo capital financeiro. São vistos como investimento privado e externo a controles públicos. Assim, todos os princípios culturais, educacionais, éticos que devem condicionar a produção e programação de conteúdos deixam de estar subordinados a qualquer regulação pública. Isso virou um negócio exclusivamente privado. Se o movimento popular e democrático quiser intervir nessa situação tem que denunciar essa lógica e propor normas alternativas. Este é o nosso grande desafio. A cultura, a produção audiovisual e o entretenimento precisam continuar a ser regulados por critérios públicos, não importa se nos sete canais do VHF ou nos 300 canais do satélite.

Qual seria então, a principal bandeira?
A minha proposta, considerando a atual correlação de forças, é estabelecer uma rígida separação entre quem transporta o sinal e quem produz ou programa o conteúdo. É até possível defender isso porque é algo parecido com o modelo inglês e da maior parte dos países europeus. Na Grã-Bretanha, a BBC não é “dona” da frequência de transmissão. A transmissão é feita por uma empresa operadora, contratada por licitação, de nome Crown Castle.

Essa separação, tanto no ar, quanto no cabo ou no satélite, permite que você defina regras assegurando o uso das vias também pelos produtores público-estatais e pelos demais agentes não-comerciais (sindicatos, associações comunitárias, etc.). E permite multiplicar as vias para os canais comerciais, abrindo espaço também para pequenos negócios regionais e locais. Na outra ponta, a produção e a programação poderão ser alvo de regulação própria, nelas aplicando-se os princípios da nossa Constituição. Trata-se de acabar com essa divisão “radiodifusão”/“telecomunicações”, introduzindo outra, mais adequada aos novos tempos, “conteúdo”/“continente”.

O Ministério das Comunicações vem dando grande destaque ao Plano Nacional de Banda Larga. Do que até agora tem sido divulgado, qual sua opinião sobre o PNBL?
Com todo o respeito ao César Alvarez (secretário-executivo do Ministério das Comunicações e um dos principais formuladores do PNBL) e ao Rogério Santana (presidente da Telebrás), eu tenho sido um crítico desse plano. Não somente porque 512 kbps não é verdadeiramente banda larga. É a sua própria concepção que eu critico. Vai se repetir aí o que já acontece em outros serviços, no Brasil: uma solução ruim para os pobres e outra, mais ou menos boa, para quem pode pagar. É a mesma coisa na educação, na saúde… Quem puder pagar para ter a banda larga da Oi, da Telefônica, da Net, da TIM, vai continuar pagando, quem não puder, mas tiver pelo menos 30 reais sobrando por mês, contente-se com 512 kbps.

Precisamos entender que a banda larga, por ar, cabo ou satélite será a futura infraestrutura de comunicação. O telefone de par trançado, o telefone fixo que só serve para voz ou fax, vai desaparecer daqui a pouco. Pela banda larga vai passar internet e televisão digital. Por isso, essa infraestrutura precisa ser universalizada. Isto não é o mesmo que massificar. Massificar significa estender o serviço ao máximo para quem pode pagar. Universalizar é determinar que, ao cabo de um certo período de tempo, digamos cinco anos, dez anos, com investimento público ou privado, dentro de um cronograma de médio e longo prazos, todos e todas terão direito à banda larga, conforme um determinado padrão de qualidade e por um certo preço regulado.

O governo, nos termos da lei atual, precisaria criar um serviço em regime público. A Conferência Nacional de Comunicações defendeu isso, com voto até do empresariado. Até do ponto de vista político-filosófico, trata-se de resgatar o princípio do serviço público, como eu discuti mais em cima. É isso que se espera de um governo de esquerda.

Como você vê o desenvolvimento futuro de uma mídia contra-hegemônica?
Você está falando de imprensa ou de “mídia”? Se “mídia”, isto engloba notícia, cultura, entretenimento, etc. Você quer um jornal para ser lido somente pela vanguarda, ou que tenha expressão na massa? Você quer um canal de TV que nem quem faz assiste, ou um canal para qualquer dona de casa assistir? A única vez que o nosso país contou com um poderoso jornal contra-hegemônico foi no governo Getúlio Vargas, que bancou a Última Hora. Como tinha dinheiro, a Última Hora pôde contratar os melhores profissionais da época.

Última Hora era um jornal igual aos outros: tinha esportes, polícia, espetáculos, coluna social, coluna de mulher “boa” (que fez a fama do Stanislaw Ponte Preta), tudo o que um jornal tem que ter para atrair o leitor comum, o leitor que não põe a política no primeiro lugar das suas preocupações, exceto em dia de eleições. Sem preconceitos. Ou com todos os preconceitos, se quiserem… (risos) Como era muito bem feito, foi um sucesso. Alcançou tiragens maiores do que os outros grandes jornais da época. Entretanto, o seu noticiário “sério”, vamos dizer assim, destoava do resto.

Na política e na economia (esta, à época, pouco importante no jornalismo), dava destaque para as notícias que interessavam ao governo e às forças que o apoiavam. Suas manchetes, títulos e lides, ou seja a técnica jornalística, eram usados para valorizar o que o restante da imprensa queria desvalorizar, para noticiar o que o restante da imprensa gostaria de esconder.

No entanto, apesar da sua enorme audiência, logo influência na formação da opinião pública, o jornal nunca foi um sucesso financeiro. Os grandes anunciantes o boicotavam. Sempre dependeu do apoio do governo e de alguns empresários que sustentavam a política de Vargas. Com o golpe de 1964, não demoraria a acabar. Talvez, hoje, com um governo de esquerda e, além disso, com os recursos que os sindicatos possuem, além de algumas alianças empresariais que podem ser feitas, talvez fosse possível edificar um jornal assim, ou melhor, um canal de TV assim, ou melhor ainda, um portal de internet assim, ou até tudo ao mesmo tempo, agora. No entanto, considerando as práticas corporativas dominantes, a mesquinharia da pequena política, o amadorismo, não vislumbro muito essa possibilidade no Brasil atual.

Vamos ter que continuar convivendo com jornais, revistas, sítios de internet feitos por nós para nós mesmos. Alguns até são bons, mas mesmo estes são mais opinativos do que informativos. O cidadão comum quer informação, mesmo que com algum tempero de opinião. Pode ser informação sobre a reunião ministerial de ontem, sobre o treino do Ronaldinho, sobre o paredão do BBB (arghh!!) ou sobre uma boa receita para o almoço de domingo, sem falar de filmes e espetáculos em cartaz. É informação que vende jornal, atrai audiência para a TV. Se quisermos construir uma mídia alternativa, temos que perder essa mania de ter opinião formada sobre tudo… (risos)

Para terminar, Dilma vai ou não enfrentar a mídia hegemônica?
Coragem ela tem. É determinada, racional. Mas, no governo, sabemos que pode não ser interessante acirrar os ânimos, muito menos agora, quando ela mal começou. Ela precisa de certa estabilidade. E precisa de apoio político. Na Argentina, Cristina Kirchner pôde fazer uma nova lei democrática, não porque vivia às turras com El Clarin, mas porque tinha povo na rua (eu disse, na rua, não no Twitter) e maioria real, não fisiológica, no Parlamento. Penso que a presidenta não colocou Paulo Bernardo no Ministério das Comunicações, à toa.

O governo terá uma política de governo, não de ministro, como era no tempo de Lula. Quero acreditar que ela, com o seu ministro, vai conduzir um reordenamento muito importante nas comunicações. O resultado vai depender de como o movimento popular vai conseguir intervir. Temos boas condições de formular propostas construtivas para ajudar o governo a enfrentar essa batalha mas, acho, que ainda falta melhor organização no nosso campo.

“Creative Commons é um bem coletivo”

A licença Creative Commons está em consonância com a lógica de interação da internet, pois permite que “o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento”, defende Sérgio Amadeu, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Diferentemente da lei de direitos autorais, o Creative Commons “pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor” e garante que as “obras sejam divulgadas, distribuídas, recombinadas, e deem origem a novas criações”, explica.

O defensor e divulgador do Software Livre e da inclusão digital no Brasil critica a postura da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que retirou o Creative Commons do sítio do ministério. Segundo o pesquisador, a iniciativa está na contramão da trajetória histórica do Ministério das Relações Exteriores em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. “Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura”, ironiza.

Amadeu ressalta que a resistência a licenças Creative Commons está diretamente relacionada à indústria da intermediação, que, antes do fenômeno da internet, detinha os direitos autorais de diversas produções. E dispara: “Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, a qual está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.”

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Amadeu participou da implementação dos Telecentros na América Latina e da criação do Comitê de Implementação de Software Livre (CISL). Também foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) da Casa Civil da Presidência da República e atualmente é professor na Universidade Federal do ABC (UFABC). É autor de, entre outros, Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento; Exclusão digital: a miséria na era da informação (São Paulo: Perseu Abramo, 2001); e Comunicação Digital e a Construção dos Commons: Redes virais, espectro aberto e as novas possibilidades de regulação.

IHU On-Line – Como o senhor avalia, a partir dos primeiros movimentos deste governo, a política de compartilhamento do governo Dilma?
Sergio Amadeu – O governo Dilma tomou uma atitude bastante interessante a partir do Ministério do Planejamento, publicando uma diretiva do software público que garante o uso das licenças do software livre e priorizando-o dentro do governo. No mesmo dia, a ministra Ana de Hollanda manda tirar a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura, demonstrando-se contra a política de compartilhamento do governo Lula, continuada pela presidente Dilma. A ministra Ana de Hollanda não percebe que o próprio blog da Presidência da República, lançado pelo ex-presidente Lula, continua com esta licença e tudo indica que seu uso vai se ampliar dentro do governo.

Por quais razões o senhor imagina que ela retirou a licença Creative Commons do sítio do Ministério da Cultura?
Ana de Hollanda quer promover um retrocesso no que se refere ao compartilhamento, às redes digitais, à ideia de colaboração. Ela é ligada ao grupo do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que quer manter a lei de copyright do jeito que está, ou seja, não quer rever os abusos e os absurdos da lei.

Aqueles que propuseram indicação da ministra Ana de Hollanda esqueceram de perguntar o que ela achava sobre uma das principais áreas de projeção do Brasil no mundo na gestão do presidente Lula: a área de cultura. Ela quer realizar essa inversão de política no caso da cultura. Se vai conseguir, não sei, mas ela representa um retrocesso dentro de um quadro mais geral em que o governo avança e outras áreas, defendendo o compartilhamento. Certamente o Ministério da Justiça vai mandar proposta de marco civil pela internet, que garantirá a não criminalização dos jovens, pelo menos na regulamentação da internet, que participam de redes P2P (“Peer-to-Peer”). Entretanto, na contramão está o Ministério da Cultura. Então, percebo uma contradição no governo.

Como o senhor acha que a iniciativa da ministra irá repercutir no governo? Pode alterar as medidas já adotadas no que se refere à licença Creative Commons?
O governo vai ter de decidir quem tem razão: se é a ministra Ana de Hollanda ou aqueles que defendem, dentro do governo, a política implantada pelo ex-presidente Lula. Em algum momento isso vai ter de ser resolvido, não sei quando, mas certamente haverá de se ter um acerto na política do governo.

O Ministério das Relações Exteriores tem uma trajetória histórica em defesa da flexibilização das legislações de propriedade intelectual. Quer dizer, esta luta não é uma iniciativa dos ativistas. O Ministério das Relações Exteriores tem defendido, no caso das patentes, a subordinação do interesse social e a defesa da vida. No caso da polêmica dos fármacos, dos remédios da AIDS, no caso da propriedade intelectual, por exemplo, nós, ativistas, não concordamos, resistimos muito no final da rodada do Uruguai a tratar temas relativos à propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, o Brasil tem uma política de defender a criatividade e nós sabemos que para que se possa continuar com a inventividade, a criatividade, temos que ampliar a flexibilização desses bloqueios ao livre fluxo de conhecimento e de bens culturais, porque a base do conhecimento e a base da cultura é o próprio conhecimento e a cultura.

Neste caso a presidente não poderia ter feito uma intervenção, ter conversado com a ministra, como fez, por exemplo, com o Chefe da Segurança Institucional, general José Elito Siqueira, em outro momento?
Ela terá de fazer isso em algum momento, ou então ela vai, vamos dizer assim, mudar a própria política do ex-presidente Lula. Entretanto, os sinais dados são de continuidade dessa política de compartilhamento, de defesa das possibilidades de criação, da liberdade dos fluxos informacionais. Como o Ministério da Cultura foi o último a ter a sua direção indicada e como a presidente Dilma teve de enfrentar uma série de dificuldades para a composição das comissões no Congresso Nacional, acredito que não teve condições de se debruçar sobre esse tema. Teremos de aguardar para ver se a ministra irá parar só nesse ato simbólico ou se vai, de fato, continuar defendendo os interesses do ECAD.

O que o fato de o Ministério da Cultura ter tirado o selo de licença Creative Commons do seu sítio significa?
Essa atitude cria uma insegurança jurídica, uma dificuldade para poder continuar compartilhando, mas o maior fato é simbólico. Ana de Hollanda deu um sinal para todo mundo, dizendo: “Aqui não me vem com isso, eu mudei a política”. A consequência é principalmente política.

O que Ana de Holanda representa para o Ministério da Cultura do Brasil?
Não sei. Não a conhecia. Tanto é que, quando fizeram um texto a respeito dos riscos que representaria a nomeação dela, comentei que não a conhecia e iria esperar para avaliar.

Fiquei preocupado com essa ação de retirar o selo; é um sinal que ela mandou de retrocesso. Agora, se ela vai representar isso ou não, os fatos vão dizer. A questão é saber até onde ela vai com essa postura dela. De qualquer modo, ela representa um retrocesso e nada de novo na política cultural brasileira. Nada de novo, essa é a questão.

Como você avalia a lei dos direitos autorais no Brasil?
A lei do direito autoral é arcaica, extremamente dura no sentido de ser uma das mais ruins do planeta. Ela criminaliza fotocópia (xerox), por exemplo; ela mudou a lei que tinha antes, retirando o direito da cópia privada, claramente substituindo por uma ideia absurda de pequenos trechos, que nunca se sabe o que é.

Existem vários pequenos acertos a serem feitos, os quais permitem que ela se torne mais moderna, compatível com o mundo atual, e que reconheça o direito à pessoa, ao uso justo, ao uso privado de uma cópia para fins pessoais.

Outro aspecto importante a ser mudado – mas que penso que não conseguiremos alterar – é o prazo de duração de uma obra sorteada pelo copyright. O argumento da lei do direito de autor é de que a garantia de proteção serve para incentivar o criador. Entretanto, repare que a lei tem sido alterada, sendo estendido o prazo de proteção de uma obra que era de 14 anos, para 28, chegando ao ponto de uma obra só poder cair em domínio público depois de 95 anos após a morte do autor. No caso do Brasil, 70 anos após a morte do autor. Repare que a lei vem sendo alterada e o fundamento dela desapareceu, porque se o fundamento é incentivar a criação e o criador, não tem sentido proteger depois de sua morte.

Como diria Machado de Assis, não há nenhum sentido, a não ser a proteção dos interesses dos intermediários que detém a obra por contrato. A pessoa que fez um contrato passa a ser o dono da obra.

Essas alterações na lei servem muito mais para garantir a indústria da intermediação, do que para assegurar o direito do criador. Esses aparatos de intermediação, no mundo digital, passaram a ser desnecessários. A intermediação mudou de local, foi para própria rede. Então, em função desse novo contexto, é necessário fazer acertos na lei, que está longe de estar presente na proposta de reforma que foi feita pela sociedade civil.

Então a lei não é adequada para a internet?
Na verdade, a internet se expandiu e criou, ao seu redor e dentro dela, uma cultura digital, uma cibercultura. Uma das características importantes da cibercultura é a possibilidade de recombinação e de reconfiguração dos objetos digitais. Exatamente por causa da internet, as legislações de direito autoral do mundo todo, estão tentando bloquear as possibilidades criativas que a internet abriu. O que a internet fez foi desmistificar a criação. Ela separou efetivamente o conteúdo do seu suporte: um vídeo, uma película, a imagem e o texto do papel, tudo isso está liberado na rede.

Esse processo intenso de digitalização está preocupando a indústria da intermediação, que vivia do controle das criações a partir das dificuldades de compartilhar suporte. Agora, as criações estão digitalizadas, podem ser mixadas, recombinadas e distribuídas com muita facilidade. O mundo da escassez, que justificaria os altos preços de determinadas produções, não tem sentido na rede. Ela mudou muito as possibilidades criativas para melhor, só que como que a indústria da intermediação reage, ela faz uma conta completamente absurda e equivocada, ela diz assim: “Se as pessoas estão ouvindo mais música, muito mais música do que antes, como os nossos lucros não aumentaram com essa intensificação?” Então, eles pensam que estão perdendo bilhões. Entretanto, repare que a maioria dos jovens só baixou aquela música porque ela estava disponível gratuitamente. Segundo, os internautas nunca ouvem a maior parte das músicas que baixam; eles ouvem um trecho e nunca mais voltam a essa música. Se as pessoas tivessem que pagar pelas músicas, elas não as baixariam.

O mundo digital está acenando para a possibilidade de acessarmos uma diversidade inimaginável de conteúdos. Existe uma oferta de músicas e de bandas à disposição das pessoas, algo que não existia há alguns anos. Isto faz com que aquela grande indústria fonográfica tenha efetivamente a concorrência de milhares de músicas que estão na rede. Essa concorrência, portanto, essa diversidade cultural tem tomado a audiência de cantores e bandas lançados por gravadoras. Essa é a realidade.

Podemos dizer que a licença Creative Commons, da forma como está se desenvolvendo e sendo utilizada, gera uma cultura da economia do conhecimento?
Não. Penso que gera uma cultura do compartilhamento, uma cultura que pensa claramente na importância de direitos reservados ao autor, mas que garantam que determinada obra possa ser divulgada, distribuída, recombinada, e de origem a novas criações. É o reconhecimento de que a base da cultura é a própria cultura, que é um bem coletivo: isso é licença Creative Commons. Ela permite que o autor tenha uma licença juridicamente consistente, sem que seja preciso contratar um advogado. Isso facilita, regulariza as situações, dá segurança jurídica para o compartilhamento. É muito importante a licença Criative Commons.

Algumas pessoas argumentam que a ministra Ana de Hollanda retirou o símbolo da Creative Commons porque ele pertence a uma organização norte-americana e nós devemos defender o nacionalismo. Fizeram uma confusão propositada e equivocada do nacionalismo com uma licença de compartilhamento.

Se você entrar agora no sítio da rede Al Jazeera, que de norte-americana não tem nada, verá que eles disponibilizam seus conteúdos com Creative Commons. Isso, para mim, basta. O argumento anterior é usado pelo ECAD.

Qual é o impacto econômico que teremos com a flexibilização dos direitos autorais?
O impacto econômico é, primeiro, fortalecer novas criações, ou seja, redistribuir mais os recursos da riqueza da cultura, garantir o surgimento de modelos de negócios compatíveis às redes digitais. Teremos muito a ganhar consolidando o modelo de compartilhamento.

Na realidade atual brasileira, qual a função do ECAD?
O ECAD é uma entidade opaca, sem transparência, baseada no modelo industrial, no controle dos canais de acesso aos bens culturais. O mercado não quer saber da licença Creative Commons; ele quer cobrar tudo, porque ele já é uma estrutura que tem vida própria, que não tem nada a ver com a criação. Ele montou sua burocracia e a burocracia quer sobreviver; ela sobrevive na intransparência. Essa é a realidade. O ECAD vai a festinhas de aniversário cobrar as músicas que são tocadas. É ridícula a situação. Precisamos de uma estrutura de distribuição da renda, da disseminação ou da veiculação de bens culturais que seja adequada, transparente. Deveríamos ter outra estrutura, efetivamente transparente na distribuição dos frutos da criação, nos frutos econômicos da criação.

O Brasil "invadiu" o Orkut e é o país onde o Facebook mais cresceu na América Latina, além de ser um dos principais atuantes no Twitter. Como o senhor vê nosso país no cenário da comunicação digital no mundo?
O Brasil é um país que tem uma cultura tradicional, popular muito afeita ao relacionamento. Por isso que a presença brasileira nas redes sociais é muito grande. O brasileiro também tem uma cultura muito criativa, que durante muito tempo foi entendida como negativa – chamada, inclusive, de cultura da gambiarra. Mas, se for analisar, toda a criação importante no mundo digital é uma grande gambiarra, é uma recombinação, é uma solução para enfrentar um problema com os códigos que estão à disposição.

A cultura popular brasileira é muito próxima do que vem a ser ou do que são os traços mais importantes da cibercultura. O Brasil um país que mal começou a usufruir das redes.

O que falta ainda para o Brasil é dar um salto no sentido de aplicações massivas, aplicações que partam daqui e sejam implantadas pelos outros países. A dificuldade brasileira é a língua inglesa, que domina a rede.

Acredito que, na presença da nossa cultura, a digitalização das nossas práticas culturais, dos movimentos culturais, vai encantar cada vez mais o planeta e vai ampliar a diversidade cultural que temos no país. O Brasil tem um campo muito aberto no mundo digital e, insisto, ele mal começou.

Na sua avaliação, quais devem ser as prioridades do Ministério da Cultura?
Continuar a política administrada pelo ex-ministro Gilberto Gil, aplicar mais recursos e projetos digitais. Criar incentivos não só ao cinema, mas à digitalização, à indústria de games. Deveria se ampliar muito fortemente o uso de softwares culturais livres por parte dos movimentos, dos pontos de cultura.

Outra prioridade seria colocar mais recursos nos pontos de cultura, abrir mais editais de projetos com incentivo à produção do que existe no país. É preciso entender como nós podemos usar mais tecnologias abertas, colocar mais tecnologias livres à disposição dos produtores e criadores culturais do país.

 

“Não interessa que termo ou conceito seja empregado”

O capixaba Edgard Rebouças se notabilizou durante a passagem pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ao integrar o Observatório de Mídia Regional e coordenar a Campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania. Atualmente ele está de volta a terra natal, lecionando na  Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e já colocou em prática um Observatório no mesmo modelo.

A defesa do termo controle social ou público deixou de ser consenso dentro das organizações da sociedade civil e ameaça ser substituído, caso essa tendência de revisão predomine, o professor considera uma derrota?
No fundo, não interessa que termo ou conceito seja empregado, o que é necessário é um entendimento de que da forma como está é que não pode ficar. E me parece que há sim uma percepção, inclusive ganhando corpo fora do grupo que discute a democratização das comunicações, de que algo precisa ser feito em relação a pontos como a concentração da propriedade de veículos, os custos dos serviços – telefonia, internet e TV por assinatura –, a qualidade dos mesmos, incluindo ai o conteúdo de programas de televisão e coberturas “jornalísticas”. Se isso terá nome de controle social ou não, interessa pouco, o importante é que a sociedade tenha à disposição mecanismos para interferir daquilo que recebem, adquirem e usam; da mesma forma que existe o Código de Defesa do Consumidor. Ou alguém ainda defenderia hoje o princípio de que se um açougue estiver vendendo carne estragada, basta entrar no açougue do lado?!

Setores intitulados de esquerda na política encamparam timidamente o termo controle social aos meios de comunicação, hoje quase não mais o utilizam e até abominam (Dilma propaga que o único controle é o remoto). Isso é fruto de desconhecimento, estratégia ou concepção convergente aos empresários?
Gosto muito de um sociólogo americano: Edward A. Ross. Foi ele quem mais ou menos fundou o conceito de controle social, lá no início do século passado. Entre seus argumentos, há três se enquadram muito bem no caso das comunicações no Brasil. 1) Ele dizia que o controle social procura harmonizar atividades potencialmente conflitantes, verificando umas e estimulando outras. No nosso caso não há nenhum tipo de verificação das atividades midiáticas, tampouco estímulo a que novos atores entrem no processo. 2) Que o controle social regula objetivos e ações incompatíveis. Qualquer um pode ler o artigo 221 da Constituição para ver que quase nenhuma das finalidades ali descritas são cumpridas. E por fim, mas não por último, 3) Que a opinião pública tem um papel importantíssimo nas iniciativas de controle social. O problema é que em nossa sociedade midiatizada a opinião pública foi expropriada de seus verdadeiros donos, passando a ser virtualmente exercida pelos meios de comunicação; dessa forma, se a mídia fala que controle social é censura os tomadores de decisão – Executivo, Legislativo e Judiciário – acreditam. Ou pior, fingem acreditar, e aceitam isso como sendo a voz da opinião pública. Nos Estados Unidos, as ideais de Edward A. Ross deram a base para a criação das agências reguladoras, mas isso somente após o fracasso do modelo ultra-liberal com a crise de 1929. Será que teremos que vivenciar também uma crise, para a presidenta entender que o controle remoto não é a solução?

A regulação de conteúdo se tornou o maior entrave para pautar o termo controle social e as reformas regulatórias nos meios de comunicação na era Lula? Quais são os obstáculos para destravar esse debate?
Eis ai mais equívoco conceitual alimentado pela grande mídia, e engolido pelos tomadores de decisão. De onde tiraram que não pode haver regulação de conteúdo? A Constituição fala apenas de proteção ao jornalismo e a manifestações artísticas, políticas e ideológicas. E contanto que não firam outros princípios também constitucionais, como discriminação, invasão de privacidade, preconceito e outros. E fala ainda de conteúdo sim; quando está bem claro que deve haver programação regional, independente, cultural, artística; quando fala da publicidade de produtos nocivos à saúde; da classificação indicativa; e ainda que devemos proteger crianças e adolescentes com absoluta prioridade. O que deve ficar claro é que todo jornalismo é conteúdo, mas nem todo conteúdo é jornalismo.

Em que grau a TV brasileira pode ser enquadrada em termos de qualidade de conteúdo, no que tange o respeito aos direitos humanos?
Temos muitos programas bem feitos na televisão brasileira. Mas, infelizmente, esta não é uma regra ao longo da programação de uma mesma emissora, por exemplo. Continuam havendo vários desrespeitos não só com quem é exposto nos programas, mas também com quem está assistindo. E não venham com aquela de “controle remoto” como critério de qualidade. O princípio da maximização de lucros com a minimização de investimentos passou a ser regra na televisão, e não somente no Brasil. Dessa forma, mesmo havendo uma grande oferta de programas, o que se vê o mais do mesmo. Sendo que o argumento é sempre do “dar o que o povo quer”. Aí temos que resgatar aquela fala de Ariano Suassuna, citando Capiba: “dizem que cachorro só gosta de osso. Se só dão osso, como vai gostar de filé?”

O professor considera que houve degradação no conteúdo da radiodifusão nos últimos anos, por que?
Não se pode falar em degradação, pois não há necessariamente algo no passado que tenha sido superior ao que assistimos hoje em dia. Rádio e televisão sempre foram usados como veículos ideais para o sensacionalismo, o grotesco, a miséria humana, enfim, para todo tipo de baixaria. Há alguns anos escrevi um artigo intitulado “Desafios da televisão brasileira na era da diversificação ”, onde dizia que em meados dos anos 1990 o que estava em jogo era exatamente o risco da perda da qualidade e respeito internacional conquistados. Revendo com um pouco mais de atenção aquelas afirmações, e resgatando as funções de educar-informar-divertir da radiodifusão, pode-se observar que no fundo, ao longo da história, foram alguns relances de boa qualidade, sobretudo em algumas minisséries e novelas e um ou outro programa jornalístico.

No processo de reforma regulatória, é possível e interessante a construção de consenso da Abert e Anj com setores organizados da sociedade civil que estiveram na Confecom?
Não há consenso possível. Pois os interesses são muito diferentes. De um lado há o mero interesse privado, de outro o interesse público. O boicote e até sabotagem que os grandes grupos midiáticos fizeram – e continuam fazendo – à Confecom são bem sintomáticos disso. O empresariado brasileiro do setor se comporta de um modo bem patrimonialista em relação a seus interesses, algo que grupos americanos e europeus já superaram a quase meio século. Não há nada de errado em empresas visarem lucros, mas pela dupla característica da atividade, a responsabilidade social também tem que ocupar papel de destaque nas estratégias e encaminhamentos A saída está na competência dos grupos de pressão em convencerem os tomadores de decisão que o interesse público é que deve prevalecer. Sabendo que tal tarefa será dificílima. Se o presidente Lula, que tinha mais de 80% de apoio popular, não teve peito para enfrentar os grupos midiáticos e marcou a Confecom para os 44 minutos do segundo tempo, imaginem com o atual governo, que no primeiro dia após a vitória eleitoral, vimos a presidenta dar entrevista nos telejornais da Globo e da Record dizendo que só acredita em controle remoto! Devemos é desafiar o Executivo e o Legislativo a saírem do cômodo papel da omissão e pararem de adorar a secular política da não política para o setor da mídia.