“Quero ter perenidade das ações”

[titulo original: Nova secretária do Audiovisual propõe metas de eficiência para o cinema brasileiro]

A brasiliense Ana Paula Santana, de 29 anos, teve uma carreira meteórica. Entrou no Ministério da Cultura (MinC) em abril de 2002, como estagiária na extinta TV Cultura e Arte, e agora é a nova secretária do Audiovisual. Diferentemente dos três últimos antecessores, Orlando Senna, Silvio Da-Rin e Newton Cannito, não tem a experiência prática do cinema.

– Venho do lado público, do Estado, um dos pilares de sustentação do audiovisual no Brasil. Sei fazer tudo na SAv (Secretaria do Audiovisual) porque passei por todas as áreas – diz ela, que foi coordenadora de intercâmbio cultural, chefe de gabinete, assessora internacional e jurídica do secretário e diretora de programas e projetos audiovisuais.

A nova secretária acredita ser possível uma boa articulação entre a SAv, o Conselho Superior de Cinema e a Ancine (Agência Nacional de Cinema). Ela prefere esperar a oficialização do nome de Vera Zaverucha como diretora da Ancine para falar mais sobre o assunto. Vera acaba de ser convidada pela ministra Ana de Hollanda e aceitou substituir Manoel Rangel. A futura diretora conhece profundamente a estrutura da agência. Foi uma das principais articuladoras do órgão e participou de seu começo, em 2002. Tinha se transferido ano passado para o Sesc Rio, onde trabalhava como consultora para área de cinema e audiovisual. Antes, era superintendente de acompanhamento de mercado da Ancine.

O GLOBO – Quais serão as primeiras ações da sua gestão?

ANA PAULA SANTANA – Assinamos em 2009 uma produção cooperada entre Brasil e Cuba que resultou num filme de animação de 15 minutos,"Caminho das gaivotas", que tem origem em cantigas de ninar dos dois países. Montou-se uma equipe de Cuba e do Brasil, trabalhou-se pela internet, tivemos imersões aqui e lá. Pois essa produção vai resultar agora na política de formação e incentivo de coletivos criativos e na política de animação.

Detalhe essas duas políticas.
O primeiro programa que quero lançar é o do coletivo criativo. Vou selecionar coletivos já existentes e potencializá-los. Falar: "Apresente-me um plano estratégico, diga-me qual a sua política de empreendedorismo, crie uma marca, que o governo vai investir X." Em vez de chamar o cara da trilha no fim do filme, bote o músico junto com o cineasta, o animador com o artista plástico, o estilista junto com alguém de teatro. Todo mundo junto para pensar coletivamente um produto. Minha ideia é ir além: montar um coletivo, selecionando indivíduos para ficar em imersão numa residência. Filmar isso 24 horas e talvez virar reality show. Mostrar na internet e aprimorar o coletivo a partir da intervenção de quem está vendo.

E a política da animação?
O talento brasileiro para animação é único no mundo, mas, hoje, se eu tivesse R$ 10 milhões para investir, investiria na formação de mão de obra, em que temos uma grande deficiência, e não na produção. Tenho um projeto, que está sendo finalizado, de criar a primeira escola técnica de animação, que ofereça teoria, dê capacidade produtiva e tenha prática.

Que problemas você identifica no audiovisual brasileiro?
Tem uma lacuna na cadeia produtiva brasileira que é a do desenvolvimento do processo criativo. Afinal, o processo é muito mais importante que o produto final. Se o processo é ruim, o produto final é ruim. Mas hoje as leis de incentivo pedem o roteiro pronto. Não quero roteiro pronto, quero a proposta. O cara dizer: "Vou investir X do orçamento no desenvolvimento do projeto, Y na produção, Z na distribuição. Meu produto tem possibilidades de cinema, TV e plataformas digitais." Quero que ele me apresente um plano de negócios, um plano estratégico de produção, uma análise de oportunidade, quais os parceiros. O risco na atividade cinematográfica sempre foi um fator desconsiderado, porque ela sempre foi sustentada e apoiada pelo dinheiro público.

Dê um exemplo de sair do produto para o processo criativo.
O FICTV, que está sendo finalizado. É a produção, em dois anos, de três séries de TV para o público de 16 a 29 anos das classes C, D e E. Não foi uma mera entrega de dinheiro do poder público a uma produtora. Tivemos seminários, preparação de elenco, noção de planejamento de produção, acompanhamento de consultores desde o desenvolvimento do roteiro. Vamos entregar para a TV Brasil programas de ponta.

Em que isso vai melhorar a cadeia produtiva brasileira?
Prefiro cinco longas de baixo orçamento que tenham qualidade, com um processo que abarque muito mais gente e chegue ao público, do que 20 só para satisfazer a produção. Quero ter perenidade das ações. Que seja um voo Brasil-Tóquio, e não uma ponte-aérea Rio-SP. Que a atividade audiovisual seja considerada lucrativa e rentável para quem quer investir, como os outros segmentos da indústria no Brasil.

Não tem o risco de soar como interferência no trabalho do cineasta?
Daremos bases de aprimoramento. A questão autoral é dele. Não vai ter consultor dizendo: "Mude seu roteiro." Mas ele pode ouvir conselhos. Pretendo que o cineasta mostre para o Estado como ele pensa seu processo. A produção brasileira não considera um fator determinante, que é o gosto do consumidor. Não estou condenando os filmes autorais, estou querendo que a produção se desenvolva no sentido de achar o público para sua obra. Certos produtores autorais não têm noção do público para o qual estão produzindo. Quero que o cinema autoral dê feedback para o Estado: "Olha, o público que quero atingir é esse, que se interessa por essa estética e essa linguagem." Na minha gestão, vai ter espaço para a experimentação, para o autoral e o comercial, mas vai ter cinema buscando eficiência para dar retorno e contrapartida ao público final, que é quem paga a conta. O espectador paga para aquilo que desperta desejo, pode ser uma comédia romântica, um besteirol americano ou um filme supercabeça.

Você é a mais nova secretária a ocupar a SAv. Como sua juventude pode pesar a favor da secretaria?

Quero trazer o Ministério da Educação para vários projetos. Ano passado até riram de mim quando falei que a gente está desconsiderando um público tremendo para o cinema brasileiro. No Enem tem bibliografia obrigatória, vamos propor para o MEC uma filmografia brasileira que contemple a diversidade cultural do país. Quero que a ministra leve a proposta para o ministro Fernando Haddad. Minha geração se afastou da cultura brasileira. Ela não conheceu nenhum movimento significativo de pensar e refletir em termos de identidade. Quero que minha geração faça o terceiro movimento antropofágico do Brasil, que culmine em 2012, 90 anos depois da Semana de Arte Moderna.

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