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PL 116, incômodos à direita e à esquerda

A aprovação pelo Senado da PL-116 assinala um importante avanço na construção do marco regulatório das comunicações, numa direção nacional e democrática. Importante avanço não significa – deveria ser óbvio – definitivas conquistas, mas expressa a introdução na agenda, agora como norma de direito, de algumas reivindicações dos movimentos sociais na Iª Confecom, dentre elas a proteção e fomento à produção e divulgação de conteúdo nacional, regional e independente, inclusive em canais de origem e programação estrangeiras.

É verdade que tem gente que ainda não entendeu as mudanças pelas quais passa a televisão em todo o mundo e no Brasil. Em países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Coréia e até na nossa vizinha Argentina, a televisão por assinatura é hoje o meio absolutamente dominante de acesso das famílias à radiodifusão. No Reino Unido, na França, na Alemanha, em outros países, ainda não é quase exclusiva, mas já equipara ou até supera a televisão aberta na disputa por audiências. No Brasil, gostemos ou não, o futuro não será diferente. O problema que se discute em todo o mundo e estamos conseguindo também discutir no Brasil é se essa evolução deverá ser deixada a critério exclusivo das "forças do mercado" ou se o Poder Público deve nela intervir para atender aos interesses maiores do País e (menores) dos consumidores. A PL-116 estabeleceu que os interesses maiores do País devem ser considerados nessa hora.

Pela primeira vez na história das Comunicações brasileiras, uma lei regulamenta o campo da produção e distribuição de conteúdos. Isto deveria estar sendo saudado por todos e todas. Por que é isto que interessa. Ninguém liga televisão para ver tela azul, seja na TV aberta, seja na TV paga. Você liga televisão para ver espetáculos, notícias, esportes, filmes, novelas etc. O Código de 1962, a Lei do Cabo de 1995, a LGT de 1997, nem elas, nem decretos ou portarias subordinados trataram alguma vez desse assunto. Tudo o que se refere a conteúdos está definido no artigo 221 da Constituição brasileira. Este artigo nunca foi regulamentado, logo nunca entrou em vigor. A PL-116 vai ao encontro de nossos princípios constitucionais. Poderia avançar mais? Sempre se poderá dizer que poderia avançar mais. Mas se, antes, o que tínhamos era 0 (zero), o resultado agora é um avanço de infinito por cento.

A PL, para organizar o mercado de conteúdo introduziu um marco inédito na legislação brasileira, abrigando princípios da legislação européia: separa claramente as atividades de produção, programação, empacotamento e distribuição. Isto que na TV aberta é tudo misturado, dificultando, entre outras coisas, a visualização e controle dos monopólios verticalizados, na TV por assinatura vai ficar mais transparente. Empresas, inclusive estrangeiras, interessadas em realizar essas atividades no Brasil precisarão se registrar na Ancine que passa, a partir de agora, a ampliar suas atividades e poderes também para o audiovisual eletrônico, saindo de gueto cinematográfico onde sempre a quiseram limitar.

Os poderes dados à Ancine nada tem a ver, nem de longe, com censura ou invasão de algum assim chamado "direito do consumidor", como pretendem seus opositores da direita e do DEM. A Ancine não dirá o que pode ou não ser veiculado, nem mesmo interferirá na classificação indicativa que permanece a cargo do Ministério da Justiça. Ela "apenas" dará o devido certificado de produção nacional ou independente para o que for produção nacional ou independente. Se boa ou ruim (critérios, aliás, muito relativos), o público dirá, não a Ancine.

Tudo que à Ancine caberá fazer é regulamentar e fiscalizar o cumprimento do sistema de cotas. Das cotas estão excluídos os canais ou horários dedicados a jornalismo, programas de auditório, esportes, religião, tudo o que não seja realmente dramaturgia, filme, desenhos, documentários. Muitos canais são exclusivamente jornalísticos ou esportivos. Continuarão sendo. Alguns misturam os gêneros. Os tempos de cotas só considerarão o tempo dedicado a filmes ou dramaturgia. Esses tempos ou canais, a PL define como "espaço qualificado".

A rigor, as cotas só afetam mesmo os canais exclusivamente dedicados a filmes, desenhos, documentários, quase todos eles estrangeiros, quase todos eles canais exclusivos de filmes estadunidenses. As cotas atingirão HBOs, TNTs, Cartoons Networks, Discoverys, Telecines etc. Quem se diz de esquerda e não percebe isto, está cego ou ainda não entendeu as mudanças no mundo nestas últimas décadas. Isto é, vive no passado. A Sky do Sr. Rupert Murdoch já entendeu e está bufando. E não me surpreenderia se, algum dia, o Wikileaks revelar que a Embaixada dos EUA também…

É verdade, as cotas são ridículas. Na Europa, são de 50% do horário nobre. No Brasil, somente 3h30 semanais. Poderia ser mais, mas as fortes pressões contrárias, a omissão do governo no apoio à PL 116 e o desinteresse dos segmentos comprometidos com as questões nacionais e democráticas, não permitiram maior avanço. Mesmo assim, são dois filmes por semana, um deles obrigatoriamente independente. A rigor, reconheçamos, a nossa indústria ainda não produz muito mais do que isso.

Há uma outra cota pouco falada. Nos pacotes ofertados, a cada três canais de "espaço qualificado", um deverá ser brasileiro. Hoje, pela atual Lei do Cabo, há exigência de apenas um único canal brasileiro, independentemente do número de canais contidos no pacote. Esse canal brasileiro perdido entre dezenas de estrangeiros costuma ser o "Canal Brasil".

Por fim, a PL 116 mantém todas as conquistas da velha Lei do Cabo quanto a canais obrigatórios. Afirmar o contrário, é mentira. Basta ler o artigo 32 da lei: as distribuidoras são obrigadas a transmitir, sem ônus para os assinantes, o sinal dos canais abertos disponíveis em sua área de concessão, dos canais público-estatais, comunitários, universitários etc. Nada muda neste quesito.

O que muda (em outro e muito importante quesito) é a possibilidade de se impedir que as distribuidoras controlem também empacotadoras, canais de programação e produtoras, inclusive espetáculos de grande repercussão pública (futebol?), possibilidades estas inexistente na Lei do Cabo. A atividade de distribuição, mera atividade de telecomunicações, continuará regulamentada e fiscalizada pela Anatel. Durante a vigência da Lei do Cabo, uma distribuidora como a NET, então 100% nacional, e todas as outras, também 100% nacionais, proporcionaram a invasão do Brasil pelos canais de televisão TNT, Warner, Sony, AXN, Fox, ESPN, CNN, Cartoon Network etc., etc. Agora, não importando se o capital de controle das distribuidoras for nacional ou estrangeiro, elas deverão abrir mais espaço para canais brasileiros de "espaço qualificado". Elas serão corresponsáveis pelo cumprimento das cotas por parte de programadores e empacotadores.

E são as cotas, isto é, a real veiculação de conteúdo nacional, regional e independente, são as cotas que realmente interessam. Não o capital da Telefônica ou da Oi – este, por sinal, não esqueçamos, ca-pital nacional.

A PL 116 aponta para o modelo que deveria ser seguido em alguma futura legislação brasileira. Ela separa claramente as atividades relacionadas ao conteúdo (produção, programação, empaco-tamento) das atividades de transporte e distribuição (telecomunicações). Este modelo poderia ser adotado até na TV aberta, como já o é na Europa (a tão citada BBC, por exemplo, não detém as freqüências de transmissão). Embora não diga explicitamente, a PL 116 trata a TV paga como a TV paga deve ser tratada, isto é como radiodifusão, assim como é tratada em todo o mundo: apenas mais um meio de difusão de conteúdo audiovisual televisivo. Importante é o canal de programação, não o caminho aéreo, cabeado ou satelital pelo qual trafega o sinal. Pela quebra de paradigma que introduz, a PL 116 incomoda muita gente, e não somente à direita…


Art. 16. Nos canais de espaço qualificado, no mínimo 3h30 (três horas e trinta minutos) semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser brasileiros e integrar espaço qualificado, e metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente.

 

Art. 17. Em todos os pacotes ofertados ao assinante, a cada 3 (três) canais de espaço qualificado existentes no pacote, ao menos 1 (um) deverá ser canal brasileiro de espaço qualificado.

 

§ 1º Da parcela mínima de canais brasileiros de espaço qualificado de que trata o caput, pelo menos 1/3 (um terço) deverá ser programado por programadora brasileira independente.

 

Art. 32. A prestadora do serviço de acesso condicionado, em sua área de prestação, independentemente de tecnologia de distribuição empregada, deverá tornar disponíveis, sem quaisquer ônus ou custos adicionais para seus assinantes, em todos os pacotes ofertados, canais de programação de distribuição obrigatória para as seguintes destinações:

 

I – canais destinados à distribuição integral e simultânea, sem inserção de qualquer informação, do sinal aberto e não codificado, transmitido em tecnologia analógica pelas geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, em qualquer faixa de frequências, nos limites territoriais da área de cobertura da concessão;

 

II – um canal reservado para a Câmara dos Deputados, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões; 14

 

III – um canal reservado para o Senado Federal, para a documentação dos seus trabalhos, especialmente a transmissão ao vivo das sessões;

 

IV – um canal reservado ao Supremo Tribunal Federal, para a divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça;

 

V – um canal reservado para a prestação de serviços de radiodifusão pública pelo Poder Exe-cutivo, a ser utilizado como instrumento de universalização dos direitos à informação, à comunica-ção, à educação e à cultura, bem como dos outros direitos humanos e sociais;

 

VI – um canal reservado para a emissora oficial do Poder Executivo;

 

VII – um canal educativo e cultural, organizado pelo Governo Federal e destinado para o desenvolvimento e aprimoramento, entre outros, do ensino a distância de alunos e capacitação de professores, assim como para a transmissão de produções culturais e programas regionais;

 

VIII – um canal comunitário para utilização livre e compartilhada por entidades não governa-mentais e sem fins lucrativos;

 

IX – um canal de cidadania, organizado pelo Governo Federal e destinado para a transmissão de programações das comunidades locais, para divulgação de atos, trabalhos, projetos, sessões e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal;

 

X – um canal legislativo municipal/estadual, reservado para o uso compartilhado entre as Câmaras de Vereadores localizadas nos Municípios da área de prestação do serviço e a Assembleia Legislativa do respectivo Estado ou para uso da Câmara Legislativa do Distrito Federal, destinado para a divulgação dos trabalhos parlamentares, especialmente a transmissão ao vivo das sessões;

 

XI – um canal universitário, reservado para o uso compartilhado entre as instituições de ensino superior localizadas no Município ou Municípios da área de prestação do serviço, devendo a reserva atender a seguinte ordem de precedência:

a) universidades;

b) centros universitários;

c) demais instituições de ensino superior.

 

§ 1º A programação dos canais previstos nos incisos II e III deste artigo poderá ser apresentada em um só canal, se assim o decidir a Mesa do Congresso Nacional.

 

§ 2º A cessão às distribuidoras das programações das geradoras de que trata o inciso I deste artigo será feita a título gratuito e obrigatório.

 

§ 3º A distribuidora do serviço de acesso condicionado não terá responsabilidade sobre o conteúdo da programação veiculada nos canais previstos neste artigo nem estará obrigada a fornecer infraestrutura para as atividades de produção, programação ou empacotamento.

 

§ 4º As programadoras dos canais de que tratam os incisos II a XI deste artigo deverão viabilizar, a suas expensas, a entrega dos sinais dos canais nas instalações indicadas pelas distribuidoras, nos termos e condições técnicas estabelecidos pela Anatel.

 

§ 5º Os canais previstos nos incisos II a XI deste artigo não terão caráter privado, sendo veda-das a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que configurem comercialização de seus intervalos, assim como a transmissão de publicidade comercial, ressalvados os casos de patrocínio de programas, eventos e projetos veiculados sob a forma de apoio cultural.

 

§ 6º Os canais de que trata este artigo deverão ser ofertados em bloco e em ordem numérica virtual sequencial, sendo vedado intercalá-los com outros canais de programações, respeitada a ordem de alocação dos canais no serviço de radiodifusão de sons e imagens, inclusive em tecnologia digital, de cada localidade

 

* Marcos Dantas é professor da Escola de Comunicação da UFRJ, vice-presidente da União Latina de Economia Política da Comunicação – Capítulo Brasil (ULEPICC-Br).

 

O direito à informação pública

Em sua primeira sessão, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a resolução de que a liberdade de informação constitui o fundamento de todas as liberdades a que se dedica a ONU. De 1946 até hoje, o regime internacional de direitos humanos vem aperfeiçoando essa interpretação, a ponto de considerar a defesa e a promoção do direito à informação uma obrigação de todos os Estados. O Brasil garante o direito de acesso a informações públicas na Constituição Federal, mas não regulamentou, conforme padrões internacionais, de que modo esse direito deve ser exercido, na prática. O resultado é que órgãos governamentais não levam em conta o direito humano à informação no momento de divulgar ou classificar como sigilosa alguma documentação oficial.

No mundo, a compreensão da importância da regulamentação desse direito fez com que, nas últimas duas décadas, mais de 80 países aprovassem leis ou regulamentos nacionais de acesso a informações e dados públicos. Essas legislações se baseiam no princípio de que o Estado democrático funciona em nome de seus cidadãos. Portanto, informações e dados produzidos para a promoção do interesse público devem circular livremente.

Tais leis não passaram sem resistência nesses países, onde a mobilização foi importante para a aprovação de legislações progressistas. No Brasil, a resistência vem na forma da defesa do sigilo eterno, sob o qual documentos poderiam ter acesso restrito, por tempo indeterminado. O projoficial de Comunicaçãoeto de lei de acesso à informação pública em discussão no Senado Federal, PLC 41/2010, extingue o sigilo eterno, estabelecendo o teto de 50 anos para qualquer restrição de acesso. Esse projeto foi intensivamente debatido, de forma ampla e participativa, na Câmara dos Deputados, e teve pareceres favoráveis de três comissões no Senado. Na última comissão a apreciá-lo, os senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP) voltaram à questão do sigilo, afirmando que a liberação de documentos diplomáticos poderia ser uma ameaça ao Brasil. O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, contrariou essa interpretação ao anunciar que não tem documentos que possam comprometer as relações internacionais do país e, inclusive, já se prepara para se adaptar às exigências da futura lei.

Não existe fundamento para defender o sigilo eterno. Boas leis de acesso à informação oficial consideram o acesso como regra e o sigilo como exceção temporária. O PLC 41/2010 segue essa premissa e traz uma lista exaustiva de casos legítimos em que a informação pode ser classificada como sigilosa. Qualquer informação mantida pelo Estado que esteja fora dos casos listados não poderá estar sujeita a restrição de acesso.

A sociedade brasileira não deve se curvar ao desconforto de autoridades que ainda não compreendem o funcionamento do Estado democrático. Faz-se urgente a aprovação de um marco regulatório que dê melhores condições ao combate à corrupção e ao acompanhamento das políticas públicas, permitindo que a informação oficial se torne efetivamente pública. A informação é o oxigênio da democracia. Precisamos nos erguer para impedir que nossa democracia comece a sufocar.

* Paula Martins é coordenadora do escritório e do núcleo de acesso à informação do Artigo 19 no Brasil
** Arthur Massuda é oficial de Comunicação do Artigo 19
no Brasil

PLC 116: os avanços e retrocessos do projeto que regulamenta a TV por assinatura

O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação acompanhou desde o início o Projeto de Lei da Câmara 116 (antigo PL 29), sobre a abertura do mercado de televisão por assinatura (TVA) para o setor de telecomunicações, que atualmente tramita em regime de urgência no Senado Federal. Entre os principais aspectos do projeto estão a abertura ao capital estrangeiro no serviço prestado por meio de cabos e o estabelecimento de cotas e mais recursos financeiros para a produção nacional, regional e independente. O projeto também propõe que todo serviço que comercialize conteúdo audiovisual por meio de canais, independente do meio usado para sua veiculação e/ou transmissão, receba o mesmo tratamento regulatório. Atualmente, há diferentes normas a depender da tecnologia utilizada.

Neste momento em que o projeto caminha para votação pelo plenário do Senado, nos parece importante avaliar alguns aspectos do texto que será apreciado, sem tomar uma posição pró ou contra a aprovação do PLC116. Por conta das contradições internas ao projeto e dos recuos que o texto sofreu durante sua tramitação, nenhuma das opções nos parece defensável neste momento. Explicamos por quê.

Capital estrangeiro

Em relação ao PLC 116, um dos primeiros aspectos a se destacar é a total abertura que é concedida ao capital estrangeiro. Atualmente, a Lei 8.977/95, conhecida como Lei do Cabo, limita a 49% a participação do capital estrangeiro nos serviços de TV comercializados a partir dessa tecnologia. Ao propor a revogação dos dispositivos desta lei, o PLC 116 favorece ainda mais as gigantes multinacionais que atuam no mercado brasileiro de telecomunicações, já livres para atuar nas tecnologias de satélite e MMDS. Esse é um fator crítico, não circunscrito apenas ao debate de TV por assinatura, mas às telecomunicações em geral, já que esse é um setor altamente estratégico ao desenvolvimento e soberania nacional.

Vale destacar, porém, que a presença massiva do capital estrangeiro no cabo já existe por meio de brechas na lei e arranjos societários dos grupos econômicos, como é o caso da participação da Embratel (propriedade do multimilionário mexicano Carlos Slim) na NET Serviços. Este é o exemplo mais emblemático de desrespeito frontal ao espírito da lei atual. Essa violação é ainda mais grave pelo fato de o setor das comunicações não poder ser tratado como um segmento econômico qualquer. Além da evasão de bilhões de dólares ao ano, a presença de capital estrangeiro neste setor também pode significar a perda do controle editorial da produção simbólica do audiovisual nacional.

Cotas e diversidade cultural

O maior problema do projeto é que desde o início ele foi negociado para acomodar toda a gama de interesses comerciais envolvidos, tendo a defesa do interesse público sido deixada em segundo plano ao longo da tramitação. Ainda assim, ele manteve alguns avanços relevantes neste aspecto, com o aumento de recursos para a produção independente e regional e o estabelecimento de cotas nos canais e nos pacotes.

As cotas, ao contrário do que bradam os grupos de mídia, são instrumentos de valorização da cultura nacional e de consolidação da democracia, que só existe de fato se a diversidade é contemplada nos conteúdos veiculados. Atualmente, a produção nacional e independente responde por uma ínfima parte do conteúdo distribuído nos pacotes da televisão por assinatura brasileira. Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) apontam que apenas 1% do conteúdo veiculado pelos principais canais de filmes, séries e desenhos é brasileiro* (à exceção do Canal Brasil).

A proposta estabelece 3h30 de conteúdo nacional, sendo 1h45 de conteúdos nacionais independentes, respectivamente, em canais de conteúdo qualificado**. É importante ressaltar que no primeiro substitutivo ao projeto essas cotas eram de 7h e 3h30. Houve, portanto, um recuo considerável se analisarmos o percentual de conteúdo nacional nos canais que agregam maior valor artístico e cultural.

Esse baixo impacto é contraposto pelas cotas de canais brasileiros nos pacotes comercializados. Pelo menos 1/3 dos canais de conteúdo qualificado deve ser nacional, sendo que dois deles devem ter pelo menos 12 horas de programação independente. Neste aspecto, o PLC 116 avança consideravelmente ao fomentar o surgimento de novos canais com conteúdo brasileiro e independente, combatendo a hegemonia de canais estrangeiros na TV por assinatura. De acordo com dados de 2010 da Ancine, 85 do total de canais oferecidos no Brasil são estrangeiros contra 16 canais brasileiros e 15 canais com capital misto (como é o caso dos canais Telecine).

Contudo, o mesmo projeto que define cotas traz também uma grande limitação para a sua efetividade, já que os artigos 21 e 41 prevêem um inaceitável relaxamento dessas obrigações. O primeiro dá ao agente econômico a possibilidade de solicitar dispensa para o cumprimento das mesmas. Ainda que a solicitação tenha que ser justificada, abre-se um precedente grave para a perda de efeito desse importante mecanismo. O segundo, ainda mais absurdo, estabelece que todas as cotas deixarão de viger após doze anos da promulgação da lei. Não se sustenta a ideia de que o conteúdo nacional e independente dependem apenas de um impulso para conquistar espaço. É acreditar que ao longo deste período as majors americanas, principais empresas de produção e distribuição de conteúdo no mundo, vão deixar de ter como estratégia de negócio o escoamento de seus produtos em toneladas para países em desenvolvimento como o Brasil.

Desagregação das redes e produção independente

Um ponto sempre defendido pelo Intervozes mas não contemplado por este projeto é a necessidade da desagregação das redes, que estabelece que quem possui a infraestrutura não pode prestar o serviço de distribuição do conteúdo (seja ele audiovisual, dados ou somente voz). Infelizmente o PLC 116 não trouxe essa perspectiva, mas ao menos propõe limites a atuação vertical das empresas nos diversos elos da cadeia produtiva.

De acordo com o texto, empresas radiodifusoras, produtoras e programadoras não podem atuar diretamente no elo da distribuição de conteúdos, mas podem deter até 50% do capital das prestadoras de serviços de telecomunicações. Estas, por sua vez, não podem prestar serviços de radiodifusão de sons e imagens, produção e programação, ficando limitado a 30% a participação de seu capital em empresas com essas finalidades. Entre as limitações verticais, estava previsto também um limite para as programadoras ligadas às empresas de radiodifusão não serem entendidas como produtoras independentes no setor de TV por assinatura, mas a última versão dá espaço para que elas sejam enquadradas nessa categoria.

De toda forma, o PLC amplia em mais de R$ 660 milhões os recursos para a produção independente, além de aumentar as atribuições regulatórias da Agência Nacional do Cinema (Ancine) sobre as empresas que comercializam canais de programação. Aspectos positivos, mas que demandam maior estruturação, acesso a mais dados sobre as obras financiadas e transparência da agência em seus processos – além de reforçar a necessidade da criação de mecanismos de participação popular em sua estrutura deliberativa.

Saldo final

O Intervozes acredita que o PLC 116, dentro de um contexto de crescimento acelerado da TV por assinatura no Brasil, traz formulações que enfrentam o desafio regulatório da convergência e colocam a cultura nacional e a diversidade como elementos centrais da construção simbólica. Contudo, os enormes recuos ocorridos desde o início da tramitação também deixam claro que a queda de braço entre o interesse público e privado ainda se dá de forma bastante desigual no país.

Concretamente, o Senado Federal está frente a um dilema sem boas saídas: a aprovação carrega consigo todos os avanços, mas todos os problemas do projeto. A não aprovação significa deixar de lado os referidos avanços e provavelmente deixar esse setor à mercê das vontades da Anatel, que já dá sinais de querer regulamentar o serviço diretamente em termos bem piores do que os do PLC 116.

Independentemente da escolha que será feita, é preciso urgentemente avançar para um novo marco legal que abranja todo o setor de comunicações, e se baseie na compreensão das comunicações como serviço público, em seu papel estratégico para o desenvolvimento, a soberania nacional e a superação de desigualdades. Essa nova regulamentação deve reconhecer a importância do pluralismo e da diversidade de conteúdo para a democracia e a cultura nacional e é a oportunidade para que se supere, de uma vez por todas neste setor, a lógica de políticas públicas moldadas e aprovadas em nome de interesses privados.

* ANCINE. TV PAGA – MAPEAMENTO . Rio de Janeiro. ANCINE. 2010. RELATÓRIO. TV PAGA. PROGRAMAÇÃO 2010. Rio de Janeiro, 2011.

** Canais de conteúdo qualificado, de acordo com a definição do projeto, são aqueles que veiculem majoritariamente em horário nobre conteúdos com maior valor artístico. O projeto não define examente o que é conteúdo qualificado, mas aqueles que não são: “conteúdos religiosos ou políticos, manifestações e eventos esportivos, concursos, publicidade, televendas, infomerciais, jogos eletrônicos, propaganda política obrigatória, conteúdo audiovisual veiculado em horário eleitoral gratuito, conteúdos jornalísticos e programas de auditório ancorados por apresentador”;

Globo: os princípios, a credibilidade e a prática

Deve ter sido coincidência. Todavia, não deixa de ser intrigante que os “Princípios Editoriais das Organizações Globo” tenham sido divulgados apenas algumas semanas após o estouro do escândalo envolvendo a News Corporation e um dia depois que um ex-jornalista da própria Globo tenha postado em seu Blog – com grande repercussão na blogosfera – que havia uma orientação na TV Globo para tentar incompatibilizar o novo Ministro da Defesa com as Forças Armadas.

Credibilidade: questão de sobrevivência

A credibilidade passou a ser um elemento absolutamente crítico no “mercado” da notícia. O monopólio dos velhos formadores de opinião não existe mais. Não é sem razão que as curvas de audiência e leitura da velha mídia estejam em queda e o “negócio”, no seu formato atual, ameaçado de sobrevivência.

Na contemporaneidade, são muitas as fontes de informação disponíveis para o cidadão comum e as TICs ampliaram de forma exponencial as possibilidades de checagem daquilo que está sendo noticiado. Sem credibilidade, a tendência é que os veículos se isolem e “falem”, cada vez mais, apenas para o segmento da população que compartilha previamente de suas posições editoriais e busca confirmação diária para elas, independentemente dos fatos.

O escândalo do “News of the World” explicitou formas criminosas de atuação de um dos maiores conglomerados de mídia do mundo, destruiu sua credibilidade e levantou a suspeita de que não é só o grupo de Murdoch que pratica esse tipo de “jornalismo”. Além disso, a celebrada autorregulamentação existente na Inglaterra – por mais que o fato desagrade aos liberais nativos – comprovou sua total ineficácia. As repercussões de tudo isso começam a aparecer. Inclusive na Terra de Santa Cruz.

Os Princípios da Globo

No Brasil ainda não existe sequer autorregulamentação e as Organizações Globo, o maior grupo de mídia do país, não tem um único Ombudsman em suas dezenas de veículos para acolher sugestões e críticas de seus “consumidores”. Neste contexto, a divulgação de princípios editoriais – sejam eles quais forem – é uma referência do próprio grupo em relação à qual seu jornalismo pode ser avaliado. Não deixa de ser um avanço.

A questão, todavia, é que o histórico da Globo não credencia os Princípios divulgados. Em diferentes ocasiões, ao longo dos últimos anos, coberturas tendenciosas que se tornaram clássicas, foram documentadas. E alguns pontos reafirmados e/ou ausentes dos Princípios agora divulgados reforçam dúvidas. Lembro dois: a presunção de inocência e as liberdades “absolutas”.

Presunção de inocência

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, adotado pela FENAJ, acolhe uma garantia constitucional (inciso LVII do artigo 5º) que tem origem na Revolução Francesa e reza em seu artigo 9º: “a presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística”.

Não é necessário lembrar que o poder da velha mídia continua avassalador quando atinge a esfera da vida privada, a reputação das pessoas, seu capital simbólico. Alguém acusado e “condenado” pela mídia por um crime que não cometeu dificilmente se recupera. Os efeitos são devastadores. Não há indenização que pague ou corrija os danos causados. Apesar disso, a ausência da presunção de inocência tem sido uma das características da cobertura política das Organizações Globo.

Um exemplo: no auge da disputa eleitoral de 2006, diante da defesa que o PT fez de filiados seus que apareceram como suspeitos no escândalo chamado de “sanguessugas”, o jornal “O Globo” publicou um box de “Opinião” sob o título “Coerência” (12/08/2006, Caderno A pp.3/4) no qual afirmava:

“Não se pode acusar o PT de incoerência: se o partido protege mensaleiros, também acolhe sanguessugas. Sempre com o argumento maroto de que é preciso esperar o julgamento final. Maroto porque o julgamento político e ético não se confunde com o veredicto da Justiça. (…) Na verdade, a esperança do PT, e de outros partidos com postura idêntica, é que mensaleiros e sanguessugas sejam salvos pela lerdeza corporativista do Congresso e por chicanas jurídicas. Simples assim.”

Em outras palavras, para O Globo, a presunção de inocência é uma garantia que só existe no Judiciário. A mídia pode denunciar, julgar e condenar. Não há nada sobre presunção de inocência nos Princípios agora divulgados.

Aparentemente, a postura editorial de 2006 continua a prevalecer nas Organizações Globo.

Liberdades absolutas?

Para as Organizações Globo a liberdade de expressão é um valor absoluto (Seção I, letra h) e “a liberdade de informar nunca pode ser considerada excessiva” (Seção III).

Sem polemizar aqui sobre a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa – que não é mencionada sequer uma única vez nos Princípios – lembro que nem mesmo John Stuart Mill considerava a liberdade de expressão absoluta. Ela, como, aliás, todas as liberdades, têm como limite a liberdade do outro.

Em relação à liberdade de informar, não foi exatamente o fato de “nunca considerá-la excessiva” que levou a News Corporation a violar a intimidade e a privacidade alheia e a cometer os crimes que cometeu?

O futuro dirá

Se haverá ou não alterações na prática jornalística “global”, só o tempo dirá. Ao que parece, as ressonâncias do escândalo envolvendo o grupo midiático do todo poderoso Rupert Murdoch e a incrível capilaridade social da blogosfera, inclusive entre nós, já atingiram o maior grupo de mídia brasileiro.

 

A ver.

* Venício A. Lima é professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.

Telebrás, 13 anos depois

Os que defendem a privatização costumam dizer que o Brasil tinha um serviço ineficiente, que a linha custava uma fortuna e que foi a privatização que permitiu a expansão do serviço. Na verdade, poucos lembram que o serviço de telefonia era privado até 1962, e ali sim era muito ineficiente. A Telebrás estatal foi responsável pela grande expansão do setor, pela possibilidade das ligações intermunicipais e por fazê-lo chegar a áreas remotas do país.

O problema é que no final da década de 70 as estatais começaram a ser usadas para segurar a dívida externa e para controlar a inflação. Havia também um problema de modelo de negócio. O sujeito comprava a linha por um preço cara e depois pagava uma ninharia pelo serviço. A falta de investimento passou a conter a expansão e a gerar um mercado paralelo de linhas. Mesmo assim, de 1970 a 1990, enquanto a população brasileira cresceu 50% e o PIB 90%, a planta instalada de terminais telefônicos do Sistema Telebrás cresceu 500%.

O que aconteceu na preparação da privatização foi a revisão do modelo. O governo subiu a tarifa de assinatura básica mais de 1500% (!), voltou a investir (R$ 21 bilhões entre 1995 e 1998, como lembrou Aloysio Biondi, uma das poucas vozes críticas ao processo à época) e preparou o terreno para as empresas privadas assumirem. O que veio a seguir foi a consequência óbvia: a demanda represada gerou a expansão do setor, mas o custo aumentou absurdamente. A assinatura que era R$ 0,69 em 1994 é hoje mais de R$ 40, e o serviço já dá sinais de declínio.

Em resumo, a expansão percebida veio da mudança do modelo, e não da venda da Telebrás para quatro consórcios privados. Com a privatização, o Brasil perdeu o controle sobre suas redes e seus satélites, gerou um serviço caro para os usuários e agora pena para tentar fazer essas empresas atenderem ao interesse público. Não dá mesmo para dizer que foi um bom negócio.

*João Brant é membro da Coordenação Executiva do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.