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Quem quer ser um bilionário?

Os três irmãos herdeiros de Roberto Marinho têm se destacado porque foram classificados, pela revista Forbes, como três das dez pessoas mais ricas do Brasil – e entre os 130 do mundo. Divididos, cada um tem R$ 17 bilhões e alguns milhões de casas decimais; somados, chegam a mais de R$ 51 bilhões. Este valor é maior do que toda a riqueza produzida em um ano (PIB) por cerca de 70 países do mundo.

Engana-se, no entanto, quem vê nessa informação exemplos de "self-made men", como se tivessem conquistado tal patrimônio com muito trabalho. O mercado de TV, na linha do “capitalismo à brasileira”, deixa claro o grau de cumplicidade entre governos e o capital privado e de que forma os empresários dependem do Estado, que tanto atacam, para sobreviver. Para tanto, há boas doses de retroalimentação e mesmo de coincidência de interesses – cerca de 30% dos senadores e de 10% dos deputados são donos de mídia.

Anedótico, o início da TV por aqui se dá em 1950, com o contrabando de aparelhos por Assis Chateaubriand, que logo presentou o presidente Dutra com um exemplar. Em seguida, veio a Globo (1965), que cresceu à sombra da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), que lhe garantiu a infraestrutura de rede. Em troca, houve um global apoio político à repressão.

Essa relação é parasitária: um levantamento da Folha de S. Paulo mostrou que, nos 18 primeiros meses, o governo Dilma Rousseff deu mais de R$ 161 milhões para a mídia comercial. Destes, o grupo Globo, sozinho, ficou com R$ 53 milhões, e a Record, com R$ 24 milhões. Isso somente da administração direta. Ainda assim, a Globo é acusada de sonegar milhões em impostos, fato que, obviamente, só é notícia no seu principal concorrente.

Em resumo, os concessionários de televisão, sobretudo os Marinho, apesar de explorar um serviço público, pouco se preocupam com diversidade e pluralidade. Mal disfarçados de “liberais” e de empresários bem-sucedidos, estão mais interessados em manter seus feudos de um capitalismo sem riscos – garantido até agora, em grande parte, por um estado muito conivente e pouco regulador.

Daniel Fonsêca, jornalista, é doutorando em Comunicação (UFRJ) e integra o Coletivo Intervozes.

 

O esquema Globo de publicidade

Mais de 16 milhões de comerciais por ano e um relacionamento com 6 mil agências. Esse é um resumo do desempenho da Rede Globo junto ao mercado publicitário brasileiro, orgulhosamente exibido na página de internet da emissora.

Líder na arrecadação de verbas publicitárias entre todos os meios de comunicação, a Globo também mostra sua força em cifrões. Somente em 2012, os canais de TV (abertos e por assinatura) das Organizações Globo arrecadaram R$ 20,8 bilhões de reais em anúncios, segundo informe divulgado pela corporação.

Por trás dos números, porém, se esconde uma prática que os grandes grupos de mídia preferem ocultar: o pagamento das Bonificações por Volume (BV), apontado por especialistas como um dos responsáveis pelo monopólio da mídia no país.

Monopólio

Desconhecidas pela grande maioria da população, as Bonificações por Volume são comissões repassadas pelos veículos de comunicação às agências de publicidade, que variam conforme o volume de propaganda negociado entre eles.

A prática existe no Brasil desde o início da década de 1960. Criada pela Rede Globo, seu objetivo seria oferecer um “incentivo” para o aperfeiçoamento das agências. Com o tempo, outros veículos aderiram ao mecanismo, que hoje é utilizado por todos os conglomerados midiáticos no Brasil.

O pagamento dos bônus, no entanto, é alvo de críticas de militantes do direito à comunicação, que argumentam que a prática impede a concorrência entre os meios de comunicação na busca por anunciantes. Isso porque, quanto mais clientes a agência direcionar a um mesmo veículo, maior será o seu faturamento em BVs.

Para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Venício Artur de Lima, a prática fortalece os grandes grupos, já que leva anunciantes aos meios que recebem publicidade. “Exatamente por terem um volume alto de publicidade é que eles [meios] podem oferecer vantagens de preço”, explica.

O resultado desse processo, segundo o professor, é a dificuldade de sobrevivência dos veículos de menor capacidade econômica, que não têm recursos para as bonificações. “Você compara um blog ou um portal pequeno com um portal da UOL, por exemplo. Não tem jeito de comparar, são coisas desiguais”, afirma.

Antes restrita às mídias tradicionais, as bonificações vão ganhando novos nichos. De acordo com agências de publicidade e com o presidente do Internet Advertising Bureau (IAB), Rafael Davini, atualmente o Google também utiliza BVs. Segundo informações do mercado, o Google seria hoje o segundo grupo em publicidade no Brasil, ficando apenas atrás da Rede Globo.
 
Líder em BVs

O exemplo mais forte da relação entre bônus e concentração, para o jornalista e presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, é o caso da televisão. “Todos os canais fazem isso, é uma forma de manter a fidelidade da agência de publicidade com o veículo. Só que, como a Globo é muito poderosa, a propina é muito maior”, diz.

De acordo com dados do Projeto Inter-Meios, da publicação Meio & Mensagem, a publicidade destinada à TV aberta em 2012 foi de R$ 19,51 bilhões. Cerca de dois terços desse valor ficaram com a Globo.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores da Comunicação (Altercom) e editor da Revista Fórum, Renato Rovai, outro procedimento adotado pela emissora é o repasse antecipado dos bônus. “A Globo estabelece uma bonificação por volume de publicidade colocada e antecipa o recurso. Aí a empresa fica presa a cumprir esse objetivo. É assim que fazem o processo de concentração”, ressalta.

Borges critica ainda o silêncio midiático em torno do assunto. “É um tema-tabu, nenhum veículo fala. Como todo mundo utiliza, ninguém pode reclamar. Fica todo mundo meio cúmplice”, dispara.
 
Regulamentação

Em 2008, as bonificações foram reconhecidas e regulamentadas pelo Conselho Executivo das Normas Padrão (CNPE), entidade criada pelo mercado publicitário para zelar as normas da atividade. O CNPE classifica os bônus como “planos de incentivo” para as agências.

Dois anos depois, as bonificações foram reconhecidas também por lei. Elas estão previstas na Lei nº 12.232, que regulamenta as licitações e contratos para a escolha de agências de publicidade em todas as esferas do poder público. Segundo o texto, “é facultativa a concessão de planos de incentivo por veículo de divulgação e sua aceitação por agência de propaganda, e os frutos deles resultantes constituem, para todos os fins de direito, receita própria da agência”.

Para Renato Rovai, a aprovação do texto agravou o problema. “É uma corrupção legalizada. Nenhum lobby é legalizado no Brasil, mas o BV é”, critica o presidente da Altercom.

A Lei nº 12.232 também foi objeto de polêmicas durante o julgamento da ação penal 470, no caso que ficou conhecido como “mensalão”. Isso porque o texto original da lei permitia que as agências ficassem com o bônus, mas só para contratos futuros. Entretanto, uma mudança feita na Comissão de Trabalho em 2008 estendeu a regra a contratos já finalizados. O fato gerou discordância entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ayres Britto chegou a afirmar que as alterações foram feitas para beneficiar os réus do “mensalão”, acusados de peculato referente a desvios de Bvs.

Mudanças

Mudar a legislação, na avaliação do presidente da Altercom, é um passo fundamental para acabar com a prática das bonificações por volume. No entanto, são necessárias mais medidas para reverter o quadro atual da mídia no país. “É preciso mudar a regulamentação e criar um novo marco legal, incluindo as agências”, defende Rovai. Uma das propostas para isso é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular para as Comunicações. Criado por organizações populares, o PL visa, dentre outros objetivos, combater o monopólio no setor e garantir mais pluralidade nos conteúdos.

Em seu artigo 18, o projeto propõe que “os órgãos reguladores devem monitorar permanentemente a existência de práticas anticompetitivas ou de abuso de poder de mercado em todos os serviços de comunicação social eletrônica”, citando “práticas comerciais das emissoras e programadoras com agências e anunciantes”. Para se transformar em um projeto de lei, a proposta precisa de um 1,3 milhão de assinaturas.

Mulheres e o marco regulatório da comunicação

Foi sancionada no dia 27 de fevereiro deste ano, na Câmara de Vereadores de Fortaleza, através da Mesa Diretora, a proposta do presidente da Casa Walter Cavalcante (PMDB) de exibição missas e cultos, aos domingos, na rádio e TV Fortaleza. Sabemos que o fundamentalismo cristão foi – e ainda é – um dos principais aliados do patriarcado na opressão às mulheres.

A resolução, de nº 005/2013, nos fez refletir sobre o papel de nós, feministas, na construção de uma outra comunicação. Será que há possibilidade de construirmos uma comunicação não machista? Qual nossa tarefa? Quais debates estão ocorrendo no Brasil sobre a comunicação? A comunicação é uma pauta das mulheres?

Estamos cansadas de saber que a mídia nos invisibiliza, mercantiliza nosso corpo e nossas vidas e impõe um estereótipo que, na maioria das vezes, não reflete a nossa realidade. A comunicação, desde os mais antigos registros da humanidade, sempre esteve sob o controle dos que têm o poder. Ora, a nós mulheres, cujo processo de exclusão do poder se dá pelo nosso papel da reprodução, resta-nos uma mídia que legitima e naturaliza a discriminação, o sexismo, o machismo e a violência contra a mulher.

As informações disseminadas em qualquer época estão longe de serem neutras – afinal, a neutralidade é algo que só aprendemos (e que só existe) na faculdade. Assim, quem detém os meios de comunicação hegemoniza uma visão social de mundo, inclusive no que tange ao papel da mulher na sociedade. Cotidianamente, ocorrem a exibição e a circulação de fatos e imagens da mulher, no mínimo, constrangedores, que nos inferiorizam seja através das peças publicitárias, seja por meio de produções como novelas, programas humorísticos, letras de música, etc.

O Brasil possui, segundo o estudo Donos da Mídia, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), 9.477 veículos de comunicação, mas apenas quatro grupos nacionais controlam diferentes mídias, gerando um evidente oligopólio na comunicação. A Rede Globo de Televisão possui 340 veículos, o SBT tem 195, a Rede Bandeirantes, 166, e a Rede Record, 142. A comunicação concentrada e globalizada se constitui um fundamental instrumento ideológico das classes dominantes.

Não há um marco regulatório que coloque princípios, diretrizes e regras nítidas para a garantia da comunicação como direito. E, por ela ser um direito, deve estar submetida ao controle social. O debate sobre a necessidade de democratização da comunicação no Brasil tem sido feito há muito tempo. Em 2009, através de uma grande pressão social, foi convocada, no governo do presidente Lula, a I Conferência Nacional de Comunicação. Mais de 600 propostas, desde o fim do oligopólio no setor até o estímulo a produção independente, foram aprovadas para a democratização da comunicação.

Em 2012, mais uma vez por meio de mobilização da sociedade, foi lançada a campanha “Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo“, articulada pelo FNDC. A campanha coloca como pauta do dia para o Brasil a discussão de uma nova Lei de Regulação da mídia.

Para nós, feministas, que fazemos o contraponto à forma como a produção de conteúdos é criada e veiculada hoje na mídia, é extremamente importante intervir de forma ativa e sistemática para alterar o contexto que se apresenta carregado de estereótipo e preconceito contra as mulheres, em todas as fases de nossas vidas. É impossível dissociar a mudança dessa forma de produção dos pontos estruturais da comunicação para construir uma perspectiva declasse, gênero, raça, etnia e orientação sexual.

Precisamos de mecanismos reais que possam fortalecer as ações pontuais de conteúdo e produzir impactos nas políticas públicas de comunicação.

Por isso, compreendemos que a luta feminista passa, também, pela construção e pela efetivação de um novo Marco Regulatório da Comunicação no Brasil.

Laryssa Praciano é militante da Marcha Mundial das Mulheres do Ceará.

SIP versus ONU

No dia 15 de outubro, ativistas da campanha Para Expressar a Liberdade construíram atividades de contraponto à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que realizava sua Assembleia Geral em São Paulo. Um ato público e uma contraconferência online fizeram o debate sobre de qual lado está a SIP na luta por liberdade de expressão na América Latina.

Mas o contraponto não aconteceu apenas no Brasil. No mesmo dia, enquanto a SIP criticava a ‘ley de medios’ da Argentina, o relator especial para liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas, Frank de la Rue, declarava seu apoio à lei, pela maneira como ela estimula o pluralismo e a diversidade.

De fato, esses dois termos estão ausentes da agenda da SIP. A entidade, que reúne os donos da mídia do continente, não tem como parâmetros a diversidade de conteúdo e a pluralidade de ideias. A defesa que ela faz da liberdade é voltada à tentativa de resguardar direitos absolutos para as empresas de comunicação. Não é de se estranhar, portanto, que a SIP rechace iniciativas de regulação democrática da comunicação na América Latina. Colocadas em prática, elas distribuem o poder hoje concentrado em poucas empresas. É o caso do grupo Clarín, na Argentina, que tem até 7 de dezembro para se adaptar à nova lei e se desfazer das concessões que excedem o permitido.

A declaração do relator da ONU favorável à aplicação da lei na Argentina é muito importante, porque mostra que a posição da SIP está em completo desacordo com os padrões internacionais. Legislações como a aprovada na Argentina existem na maioria das democracias consolidadas, como Reino Unido, França, Alemanha e Estados Unidos. Não há registros de esses países terem sido acusados de antidemocráticos por conta disso.

No meio disso tudo, o Brasil segue na rabeira, já que o governo federal nem sequer abriu o debate sobre uma nova lei geral de comunicação. A presidenta Dilma Rousseff precisa ter clareza de qual lado faz, de fato, a defesa dos valores democráticos. Ao se ausentar da Assembleia da SIP, ela parece já ter entendido que não são eles. Falta agora se alinhar à posição da ONU.

João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Para expressar a liberdade

No dia 27 de agosto, foi lançada a campanha “Para expressar a liberdade”, uma iniciativa de dezenas de entidades da sociedade civil que acreditam que uma nova lei geral de comunicações é necessária e urgente. Reproduzo aqui parte da apresentação da campanha, um texto escrito a várias mãos:

“Neste 27 de agosto, o Código Brasileiro de Telecomunicações completou 50 anos. A lei que regulamenta o funcionamento das rádios e televisões no país é de outro tempo, de outro Brasil. Em 50 anos muita coisa mudou. Superamos uma ditadura e restabelecemos a democracia. Atravessamos uma revolução tecnológica e assistimos a um período de mudanças sociais, políticas e econômicas que têm permitido redução de desigualdades e inclusão.

Mas estas mudanças não se refletiram nas políticas de comunicação do nosso país. São 50 anos de concentração, de negação da pluralidade. Décadas tentando impor um comportamento, um padrão, ditando valores de um grupo que não representa a diversidade do povo brasileiro. Cinco décadas em que a mulher, o trabalhador, o negro, o sertanejo, o índio, o camponês, gays e lésbicas e tantos outros foram e seguem sendo invisibilizados pela mídia.

Temos uma lei velha e que representa valores velhos. São 50 anos de negação da liberdade de expressão e do direito à comunicação para a maior parte da população.

Por isso, precisamos de uma nova lei, que reflita o tempo que vivemos. Um tempo de afirmação da pluralidade e da diversidade. De busca do maior número de versões e visões sobre os mesmos fatos. Um tempo em que não cabem mais discriminações de nenhum tipo. Tempo de reconhecer um Brasil grande, diverso e que tem nas suas diferenças regionais parte importante de sua riqueza. Tempo de convergência tecnológica, de busca da universalização do acesso à internet, de redução da pobreza e da desigualdade. Tempo de buscar igualdade também nas condições para expressar a liberdade. De afirmar o direito à comunicação para todos e todas.”

A campanha é aberta a adesões pela página www.paraexpressaraliberdade.org.br.

João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.