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Em torno da polêmica política cultural

Que algo não vai bem nas políticas da cultura é fora de dúvida. Nunca, desde o período Collor, a política oficial na área foi tão contestada, e por tantos lados. Surpreendentes lados, além do mais. Históricos e respeitáveis militantes petistas fazem críticas contundentes, enquanto figuras conhecidas no campo cultural se alinham a encarniçados conservadores na defesa de uma ministra do PT. Tentemos propor o problema de fundo numa perspectiva ampla, ainda que à custa de rodeios necessários.

Fazer política cultural nunca foi fácil. Quando não se tem uma concepção clara das relações entre sociedade, Estado e cultura fica ainda mais difícil. A questão desagradável é: como juntar esses três termos sem fazer violência a nenhum deles? Pior: sem fazer violência à cultura, o elo frágil nessa cadeia? Mas qual intervenção na cultura não lhe faz violência? Eis o grande desafio de qualquer proposta séria de política cultural: mexer com essa coisa imponderável com a leveza sem a qual ela sufoca, junto com a firmeza suficiente para lhe dar força.

Cultura ou é tudo, uma espécie de atmosfera que respiramos nos menores gestos, ou é nada, porque cada vez que tentamos prendê-la numa das formas que assume ela nos escapa sob outra forma. Ou então, aprisionada nas redes administrativas, ela se converte em terreno bem demarcado no interior da produção e circulação simbólica. Essa última condição é que faz brilhar os olhos dos gestores mais apressados. Até porque desse modo ela pode ser definida, classificada e avaliada, mediante o uso de qualificativos: é popular, é nacional e assim por diante, tudo dependendo de quem tenha o poder de "ocupar o espaço" e de impor a sua definição.

Entre a cultura na sua acepção mais genérica possível (segundo a qual é nela que se dá a tradução no registro simbólico da vida humana, convertendo-a em experiências organizadas e peculiares a épocas e lugares) e suas expressões singulares bem mapeadas (a dança x na cidade y) há um enorme espaço, que se oferece às políticas.

A questão da formulação e implementação de políticas na área ganhou importância no Brasil com a criação do Ministério da Cultura em 1985 e assumiu forma constitucional a partir de 1988. Ao reservar-se todo um ministério a essa questão seguia-se um pouco o caso exemplar da França, que, no governo De Gaulle, consoante a vertente napoleônica da orientação republicana, criou em 1959 aquele órgão de difusão mundial da "grandeur" gaulesa. E fez questão de legitimá-lo na figura de um ministro grande intelectual, André Malraux. É verdade que isso se fez sem esquecer a frente interna, na qual viriam a se elaborar políticas inovadoras como a da "animação cultural", cujas repercussões no Brasil merecem atenção.

Entre nós quem fez o papel de Malraux foi Celso Furtado, a quem se deve a concepção básica das leis de incentivo (batizadas na origem com o nome do então presidente Sarney, para depois se converter em Lei Rouanet) e, sobretudo, uma concepção abrangente da cultura como foco de políticas, centrada na ideia de criatividade. Depois disso, a rotina gerencial, mesmo quando competente, passou a se impor, como que dando razão àqueles que viam com reserva a própria criação do ministério.

Em 1984, quando se discutia essa criação, eu argumentava contra ("Cultura é cultura", "Folha de S. Paulo", outubro/1984), em termos que retomo agora. "A política cultural não segue a lógica da cultura – qual seria? -, mas a lógica da influência, do prestígio e do poder. Para isso ela cria suas instituições, seus gestores, seus funcionários, como condição para poder exercer-se. No limite, cria um ministério. A ideia da criação de um Ministério da Cultura não é, portanto, aberrante. Tem sua lógica, mas é uma lógica perversa. Ela repousa numa confusão que tem importância decisiva para entender como essas coisas se dão: aquela que no lugar do que é público coloca aquilo que é oficial. Enfim, aquela pela qual a clássica oposição liberal entre esfera pública e esfera privada fica sufocada nas malhas da esfera oficial, que acaba se identificando com a do aparato estatal".

E concluía: "A cultura, essa entidade fugidia, tende a escapar por entre as malhas grossas das redes coletoras de recursos. Enquanto isso as redes mais finas podem ficar ociosas, dispersas pela sociedade, ou então continuar colhendo, à margem dos organismos e processos oficiais, sua sempre renovada carga simbólica. O risco é que elas fiquem restritas, confinadas em universos privados, talvez à espera dos possantes aspiradores da indústria cultural. O desafio continua o mesmo: articular o processo cultural com outros processos sociais e políticos, não para definir seu campo e suas prioridades oficiais, mas para o converter de fato em coisa pública, pois essa é no fundo a sua vocação. A cultura é entidade multiforme e intrometida e, tendo liberdade, nada lhe escapa. Porém, como ela não existe de maneira fixa e palpável, sua liberdade só se realiza juntamente com todas as outras liberdades. E isso passa, é claro, pelas condições materiais para exerce-las. Portanto, sua plena realização só se dá juntamente com todas as outras, num aprendizado social e político que certamente não passa por nenhum ministério".

De passagem, interrogava se caberia àquele orgão "a regulamentação da concessão de canais de rádio e televisão, que atualmente está na área na qual se cruzam considerações tecnológicas com as de segurança nacional, sob o nome de 'comunicações' (área, de resto, cuja sombra incide fortemente sobre o processo cultural)". Nesse aspecto, convém lembrar que a antes citada França tem atualmente um Ministère de la Culture et de la Communication.

O dado importante, aqui, é que no período recente ocorreram mudanças que permitem pelo menos matizar aquelas reservas. A principal delas, claro, consiste no fortalecimento da sociedade nas suas relações com o Estado, que inclui o uso das novas tecnologias da comunicação. Avanço que se anunciou com força em certo momento e no entanto se revela vulnerável, como demonstra a situação presente na área cultural.

É fácil detectar o momento em que isso ganhou corpo. Foi na gestão Gilberto Gil-Juca Ferreira nos mandatos Lula, quando se adotaram políticas baseadas numa concepção ampla e generosa de cultura, de cunho antropológico, como então se proclamava (em contraste com concepções gerenciais-mercadológicas). Chamou-se a sociedade, criaram-se condições de participação mediante a associação em múltiplas redes, apostou-se no prazo mais longo para o aprendizado cultural, multiplicaram-se as formas de produção e distribuição.

Foi o brusco freio quando não reversão dessa tendência na atual gestão Ana de Hollanda que gerou o mal-estar manifestadoRedaçãoRedação em várias frentes, desde os participantes e produtores culturais atingidos por cancelamentos de projetos em andamento até amplos setores simpáticos a políticas nas quais reconheciam a marca das melhores vertentes democráticas. É por aí que se traça a linha divisória entre críticos e defensores da atual ministra. O que a vertente crítica não tem como aceitar é o retrocesso envolvido numa política tipo "o ministério dos artistas", pois isso equivale em converter o MinC em agência de reconsagração daqueles já consagrados pelo mercado. Ou então a conversão do ministério em agência de policiamento da circulação cultural, em nome da defesa de direitos autorais (com tudo o que isso representa em termos de envolvimento com entidades privadas de organização e conduta nebulosa).

O Ministério da Cultura está aí para ficar, para o bem ou para o mal. (Perguntem a qualquer presidente se é fácil fechar um ministério, salvo pelo seu desdobramento em outros dois.) Houve momentos, recentes, em que ele veio para o bem. Caso persista a orientação que se vem imprimindo a ele na atual gestão, só restará sua face sombria, e os danos serão irreparáveis.

Gabriel Cohn é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

O futuro da concessão da telefonia fixa

A estruturação dos serviços de telecomunicações no Brasil, consolidada a partir da Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9472 de julho de 1997) trouxe para o cidadão um crescimento enorme na oferta dos serviços de telefonia. Primeiro na telefonia fixa que saiu de cerca de 11 milhões de linhas de assinantes para mais de 40 milhões num período relativamente curto de 3 anos.

No momento da reforma do setor, a telefonia móvel celular estava engatinhando e o acesso à internet em banda larga estava restrito às grandes empresas usuárias de serviços de telecomunicações.

Este cenário dos serviços de telefonia móvel celular logo se alterou experimentando taxas de crescimento elevadas e, no final de 2011, atingiu a marca de 242 milhões de linhas de assinantes.

Por outro lado, a telefonia fixa se estabilizou na faixa de 40 milhões de linhas de assinantes, fruto do elevado preço da assinatura básica local, que inacreditavelmente teve esta tarifa aumentada ano a ano e principalmente pela falta de competição neste segmento de telefonia fixa.

Os usuários, apesar dos preços elevadas dos serviços de telefonia móvel celular, preferiram pagar mais e fugir da parcela fixa da assinatura, optando pelos celulares pré-pagos (80% dos terminais móveis estão em planos de serviço pré-pago), onde a alternativa de controle da utilização e do custo parecia ser mais razoável.

Recentemente, após a regulamentação da portabilidade numérica aplicada as telefonia fixa e móvel, e com o crescimento da demanda por acessos à internet em banda larga, a telefonia fixa ganhou uma sobrevida e sofreu um incremento, motivado basicamente pela introdução da competição nestes dois segmentos de serviços. Dados recentes de janeiro de 2012 indicam que foram realizados 17 milhões de pedidos de troca de operadora e que cerca de 36% destes foram de assinantes da telefonia fixa. Neste esforço de sobrevida a telefonia fixa tinha, em 2011, cerda de 43 milhões de terminais de assinantes.

Outro aspecto que deve ser considerado é o elenco de empresas dispostas a prestar este serviço. Excluindo as concessionárias de telefonia fixa local nas suas áreas de concessão, podemos identificar 20 prestadoras de serviços de telefonia e de acesso à internet em banda larga com uma participação representativa no mercado.

A participação total do conjunto de empresas autorizadas a prestar o serviço de telefonia fixa, as conhecidas como entrantes, já atinge 28% deste mercado.

Novas bases

Estamos em 2012 e os contratos de concessão da telefonia fixa se encerram em 2025 e naquele momento novas bases deverão ser ajustadas entre o poder concedente e as empresas interessadas no objeto da concessão deste serviço de telefonia fixa, ou algo que possa substituí-lo.

Não resta dúvida que a tendência da telefonia fixa é de sofrer queda no número de assinantes, assim como em sua receita. Uma hipótese bastante otimista seria a manutenção dos níveis atuais de assinantes, mas com uma participação no mercado das concessionárias de telefonia fixa inferior a atual e possivelmente não superior a 20 milhões de assinantes, com uma concentração em áreas de baixa ou nenhuma competição. Este quadro já estaria considerando uma posição competitiva destas empresas com preços reduzidos e sem a imposição da assinatura básica.

Devemos também considerar que, no período, novas tecnologias estarão disponíveis no mercado e os serviços tradicionais de voz, como a telefonia, serão substituídos por soluções integradas de voz, dados, textos e imagem com preços bem mais acessíveis à população.

Mantido este cenário, as concessões de telefonia fixa estarão gradativamente perdendo o seu valor, uma vez que a perda de mercado e de receita será iminente e as empresas concessionárias continuarão com os compromissos de universalização e de continuidade do serviço.

Certamente este cenário não interessa ao poder concedente e muito menos às empresas que detem esta concessão.

A possível cobertura de custos destas concessionárias por outros serviços como acessos em banda larga, TV por assinatura e o Serviço Móvel Pessoal (celular para voz e acesso à internet) não é algo recomendável e até irregular. Segundo a regulamentação, estamos tratando de serviços em regimes diferenciados de prestação dos serviços. A telefonia fixa no regime público sobre a égide de contratos de concessão, com compromissos de universalização, entre outros, e os demais serviços no regime privado sobre a égide de termos de autorização.

Soma-se a este cenário uma maior intensidade na competição entre os serviços prestados no regime privado, o que tornaria esta hipótese de subsídios cruzados insustentável.

Temos então que identificar o que estas concessionárias de telefonia fixa têm ainda de grande valor. Neste contexto, visualizamos a sua rede de telecomunicações, composta por uma infraestrutura de prédios, instalações, linhas de dutos, torres, postes e cabos de pares e de fibras ópticas e sistemas de multiplexação e transmissão. Estes recursos, além de suportar os serviços de telefonia fixa nas suas áreas de concessão, suportam também os demais serviços prestados no regime privado, como o acesso à internet em banda larga, à telefonia móvel celular e à TV por assinatura. Há ainda o atendimento às redes corporativas dos grandes clientes, que sem dúvida é a peça de maior rentabilidade, pela demanda agregada e a pela otimização periódica dos recursos da rede.

A atenção dada à questão dos bens reversíveis, que retornarão para a União ao final da concessão passa a ser decisiva, visto que os recursos da rede de telecomunicações, alocados efetivamente para o serviço de telefonia fixa, objeto da concessão, serão irrisórios se comparados com os alocados aos demais serviços prestados no regime privado.

Há que se considerar que grande parte dos investimentos realizados pelas concessionárias na sua rede de telecomunicações há muito tempo são destinados aos demais serviços e não à telefonia fixa, o que certamente vai provocar uma discussão sem precedentes com risco de grandes perdas para ambas as partes e em particular para o usuário consumidor.

A verdade é que cada vez mais estes novos serviços de telecomunicações fazem parte do dia a dia do cidadão, das empresas e das diversas organizações, sendo indispensáveis e, portanto, devem ter alguma garantia de sua continuidade. Outro aspecto é que as demandas são crescentes por bandas de comunicação cada vez mais largas, alocadas para os diversos serviços e consumidores, o que faz com que investimentos em redes de telecomunicações de suporte aos serviços também tenham que ter um grande crescimento.

Transformar a concessão

Imaginar que uma empresa privada focada exclusivamente no atendimento ao mercado possa realizar estes investimentos em rede de telecomunicações sem algum compromisso ou mesmo que o governo, a partir de uma empresa estatal, possa arcar com toda esta responsabilidade, me parece que estamos fadados ao insucesso.

Temos então que encontrar um espaço onde os investimentos sejam realizados para garantir o funcionamento seguro e ininterrupto da rede de telecomunicações e a sua demanda de crescimento gerada pelos serviços privados que serão suportados por esta rede.

Um caminho a ser avaliado seria o de transformar as concessões do serviço de telefonia fixa, o STFC (Serviço de Telefonia Fixa Comutada) numa concessão de rede de telecomunicações. A partir desta opção, seria definido o escopo inicial da rede de telecomunicações que estaria sob este regime de concessão, os compromissos de universalização, de continuidade e de expansão da rede de telecomunicações entre outras.

Este caminho se justifica pelas seguintes razões:

O que a União faria com os recursos da rede de telecomunicações devolvidos?
Passaria a operar a rede e os serviços de telecomunicações através de uma empresa estatal? Ou faria um processo licitatório para escolha de novos concessionários de serviços?

Estas são algumas das perguntas que, se respondidas a tempo, podem facilitar um processo de negociações de grande complexidade que giram em torno de uma solução adequada para o futuro das concessões da telefonia fixa no Brasil.

José Roberto de Souza Pinto é engenheiro, mestre em economia e consultor na área de telecomunicações.

Equador: uma lei para democratizar a comunicação

O Projeto de Lei Orgânica de Comunicação do Equador, que nesta quarta-feira (11) entrará em votação na Assembleia Nacional, estabelece as garantias e normas dos direitos da comunicação estabelecidos na Constituição de 2008, que é talvez a mais avançada na matéria no continente. Se a lei for aprovada, marcará um avanço significativo para as reivindicações históricas do movimento pela democratização da comunicação, não só do Equador, mas do continente.

Este projeto, cuja votação se anuncia fechada, abre o caminho para uma mudança estrutural chave, uma virtual “reforma agrária do ar”, ao estabelecer uma repartição das frequências de rádio e televisão em três partes: 34% para os meios comunitários, 33% para os meios públicos e 33% para os meios privados.

Segundo o projeto de Lei, que reconhece a comunicação social como um serviço público que deve ser prestado com responsabilidade e qualidade, os meios comunitários são aqueles “cuja propriedade, administração e direção correspondem a comunas, comunidades, povos e nacionalidades, coletivos ou organizações sem fins lucrativos”. Operarão em igualdade de condições com os outros setores, mas se beneficiarão, também, de políticas públicas para sua criação e fortalecimento, como “mecanismo para promover a pluralidade, diversidade, interculturalidade e plurinacionalidade” (Art. 92). Além disso, sob a política de favorecer a economia solidária, prevê-se que as entidades estatais contratem publicidade e serviços em tais meios para a difusão de conteúdos educativos e culturais.

Outro aspecto importante da normativa é que impedirá a concentração oligopólica, ao estabelecer um limite para uma mesma pessoa (natural ou jurídica) de uma só frequência para matriz em AM, uma em FM e uma de televisão, em todo o território. Atualmente, cerca de 90% das frequências estão em mãos privadas. A lei prevê que para alcançar de forma progressiva a divisão aos setores público e comunitário, será priorizada a concessão a estes dois setores até alcançar as porcentagens correspondentes, utilizando as frequência disponíveis e as que serão revertidas ao Estado, pelos motivos dispostos na Lei e na Constituição.

Parte do espectro radioelétrico será liberado mediante a reversão daquelas frequências que foram concedidas sem seguir o devido processo legal ou cujos concessionários tenham feito uma utilização irregular das mesmas. A Auditoria de Frequências, realizada sob o mandato da Constituição, seria a base para determinar essas reversões, que poderiam ser mais de 200, segundo informou o Presidente da Assembleia, Fernando Cordero. Tais frequências deverão reverter-se de imediato ao Estado. Além disso, desde a consulta popular de 2011, a Constituição proíbe que as empresas de comunicação, seus diretores ou acionistas tenham participação acionária em empresas de outro setor econômico.

Outras medidas, destinadas a estimular a produção nacional, preveem a obrigação de ter 40% de conteúdo nacional nos meios audiovisuais e 10% de produção nacional independente. Nas rádios, 50% da música deve ser produzida, composta ou executada no Equador. Além disso, a publicidade deve ser produzida no país.

No projeto de Lei são estabelecidas também normas para uma utilização responsável da informação por parte da imprensa. Por exemplo, estipula-se que a informação publicada deve ser devidamente verificada e estabelece-se a obrigação – com as sanções correspondentes em caso de omissão – de retificação de informações falsas ou inexatas, e o direito de réplica quando uma pessoa considerar que a informação afeta seus direitos à dignidade, honra ou reputação.

Garante, ainda, os direitos dos profissionais da comunicação, como a cláusula de consciência, reserva da fonte e segredo profissional e direitos trabalhistas. Um dos temais mais polêmicos foi a titularização obrigatória de jornalistas. O debate girou em torno da questão sobre a violação ou não da liberdade de expressão da população, mas também sobre as garantias do direito cidadão de ser devidamente informado, o qual exige destrezas profissionais. Em sua última versão, o projeto de Lei prevê que quem exercer de forma permanente o jornalismo deve ter o título profissional (salvo editorialistas, colunistas de certas seções especiais e aqueles que comunicam em idiomas indígenas). Está previsto um prazo de seis anos para que quem já trabalha em um meio adquira seu diploma.

Uma lei construída com a sociedade

Assim como sucedeu na Argentina, boa parte da imprensa comercial e setores da direita têm unido forças, há 2 anos, contra o que, antes de se escrever uma linha, apelidaram de “lei da mordaça”, sob a premissa de quem em matéria de comunicação a melhor lei é a que não existe. É evidente que a lei afetará interesses poderosos, o que sem dúvida explica sua tenaz oposição, que justificam sob os protestos por “liberdade de expressão”. Um dos pontos mais polêmicos tem sido a composição do Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação – que tem entre suas funções elaborar o informe vinculante para cessão ou autorização de concessões de frequências – que para algumas vozes críticas concentra demasiado poder no governo de turno (se bem que o executivo só nomeia a um dos cinco representantes).

Argumenta-se que o texto da Lei infringe convenções internacionais firmadas pelo Equador, o qual vislumbra possíveis ações ante os organismos internacionais se a lei for aprovada (ainda que de fato, em sua redação, tem tido o cuidado de respeitar as convenções vinculantes). A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) já qualifica de “preocupante” a Lei e é de se esperar que articulará uma campanha midiática regional para atacá-la, como se fez tantas vezes nos últimos anos, cada vez que algum dos governos tem tocado os interesses do poder comunicacional.

A última versão do projeto, publicado em 5 de abril, representa o fruto de mais de dois anos de audiências públicas, debates em meios, propostas e ações por parte de organizações e instâncias sociais, e diversas outras contribuições, que fazem com que esta lei seja uma das mais debatidas do país. Várias das propostas centrais, como a repartição igualitária de frequências, não provieram de setores oficialistas, mas de atores sociais. O governo tem mantido uma atitude ambígua frente à Lei, feito que impediu que se votasse dois anos atrás – como mandava a Constituição – quando o movimento político governante, Alianza PAIS, ainda tinha maioria na Assembleia. Em várias oportunidades o próprio presidente Rafael Correa reiterou que não é uma lei prioritária para o governo e, tanto no executivo como no PAIS há setores que se opõem à tese dos três terços na repartição de frequências. Foi somente no último mês de março que Correa expressou um claro respaldo a ela, o qual alinhou posições ao governo anterior.

Sem dúvida, o projeto tem vários erros e aspectos que poderiam ser melhorados. Por exemplo, a participação cidadã na gestão dos meios públicos não está muito clara, sendo um aspecto importante para garantir seu caráter público. Não obstante, com sua aprovação poderiam firmar as bases para uma reconfiguração e democratização profunda do cenário comunicação, atualmente dominado por uns poucos grupos de poder. Seguramente sua implementação não será um processo fácil. Assim como a repartição de terras, vai requerer processos de organização, proposta, criação de capacidades e luta, particularmente para consolidar o setor comunitário. Mas se conseguir esta primeira batalha, poderá contar com a legitimação das demandas e um campo de jogo mais igualitário.

Neste contexto, torna-se difícil entender que setores da oposição equatoriana mais identificados com a esquerda se alinham com as posições dos grandes meios comerciais e da direita. Sem dúvida, consideram que opor-se à lei é uma maneira de golpear ao governo, quando na verdade golpeiam ao movimento social que tem promovido a lei, e à população que se beneficiará dela; e de quebra, fazem um favor àqueles setores dentro do próprio governo, que não veem com bons olhos as medidas democratizadoras.

Se simpatiza ou não com um governo, não se pode renegar das próprias bandeiras históricas, quando este as adota como suas. Melhor começar a mobilizar mais intensamente e vigiar para que sua implementação seja efetiva. Se aprovado, não só beneficiará o país, mas servirá como um exemplo para o continente.

É com este sentido que a Rede de Intelectuais em Defesa da Humanidade tornou público seu apoio ao projeto de lei mediante uma carta aberta assinada, entre outros, por Ignacio Ramonet, Ana Esther Ceceña, Carmen Bohórquez, Marta Harnecker e Oscar Ugarteche, onde se afirma que é um projeto que “populariza o espectro radioelétrico equatoriano mediante uma redistribuição equitativa das frequências de rádio e televisão (…), elimina os monopólios, fomenta a produção nacional, promove a comunicação intercultural e plurinacional e garante a plena liberdade de expressão e informação”, e “será uma contribuição valiosa para a democratização das comunicações na Nossa América”.

Governo e Oi, nem tão simples assim

Quem vê a Oi pleiteando o reajuste da tarifa da ligação fixo/móvel, inclusive com ação na Justiça contra a Anatel, poderia se perguntar: quem é a Oi?

Nós respondemos. A empresa faz parte do grupo que, em 1998, no processo de privatização do Sistema Telebrás, foi montado para não ganhar a concessão. Apesar disso, acabou levando 16 estados da Federação com apenas 1% de ágio sobre o valor proposto para a venda das empresas de telecomunicações que compunham essa área. Os recursos vieram, em boa parte, dos cofres públicos. Tanto que, ainda hoje, o governo detém 49% das ações da empresa – parte via BNDES (13%) e parte dos fundos de pensão – Previ, Petros e Funcef. Como acionista, o governo tem assento no Conselho de Administração da empresa.

Por causa disso, a Oi sempre se vangloriou de ser um grupo verdadeiramente nacional. E era, até a entrada da Portugal Telecom. Só que mesmo antes disso a Oi jamais teve qualquer compromisso com a indústria nacional, muito menos com o desenvolvimento e a pesquisa no país. Em 2008, quando assumiu o controle da Brasil Telecom, a empresa chegou a se comprometer a investir em pesquisa e na compra de equipamentos nacionais. Nada disto ocorreu. Ciência e tecnologia brasileiras nem de longe estiveram entre as suas prioridades.

Em 2010, quando estabeleceu sua parceria com a PT, prometeu mais uma vez investir em tecnologia, utilizando a expertise da empresa portuguesa, para implementar fibra ótica na última milha. E ainda anunciou que a inclusão no cenário internacional seria um dos seus desafios, chegando até mesmo a países africanos. No primeiro caso, ainda está engatinhando. No segundo, não há, pelo menos publicamente, nenhum projeto de alcançar outro continente.

Ainda em 2010 quando o governo federal lançou o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga), a Oi não economizou nas promessas e se colocou como a grande empresa que poderia dar suporte a este plano com sua rede nacional.

Não só nada disso se efetivou como, contrariando as expectativas do seu discurso, a concessionária se juntou às outras empresas no combate às cláusulas relativas à expansão da banda larga. E tenta descaracterizar o Termo de Compromisso assinado com a Anatel e o Ministério das Comunicações, refutando, sempre que possível, as metas de qualidade propostas pela Agência.

De quem é a responsabilidade por esse comportamento da Oi? Dos empresários que compõem o seu Conselho de Administração ou dos representantes do governo e dos fundos de pensão que não interferem na política definida pela empresa?

Como o descompromisso com o Estado e a sociedade faz parte da natureza dos empresários, que visam única e exclusivamente o lucro, é fácil concluir qual a resposta correta.

Afinal, o que faz o governo neste Conselho de Administração, se já abriu mão de parte desse poder para garantir a entrada da Portugal Telecom na Oi e continua a demonstrar total desinteresse em interferir na política da empresa? É essa postura passiva que influencia diretamente não só no descumprimento de metas de qualidade como nas políticas públicas governamentais, dentre elas a universalização da banda larga brasileira.

Por que o governo não cobra mais coerência da Oi, supostamente a grande parceira do Estado brasileiro? A Oi nunca deu qualquer bom exemplo à iniciativa privada. Ela poderia reduzir a assinatura básica, permitindo maior acesso da população aos serviços de telefonia fixa. Poderia se comprometer com a política do Aice (Acesso Individual Classe Especial) proposto, justamente, para viabilizar a telefonia fixa para os mais pobres. A Oi nunca fez nada disso.

E a questão não atinge apenas os usuários. O nível de terceirização na Oi é escandaloso. Milhares de trabalhadores que prestam serviço à empresa na instalação e manutenção da rede de telefonia e na área de teleatendimento – neste último caso via sua subsidiária, a Contax -, são submetidos a salários e condições de trabalho aviltantes.

O Instituto Telecom volta a cobrar do governo federal que assuma o seu papel e discuta as suas responsabilidades dentro do Conselho de Administração da Oi. Afinal, ela se comporta como uma empresa qualquer, sem nenhum compromisso público. A grande pergunta é: o que o Estado pretende da Oi? Uma questão simples assim.

TV Universitária: uma jovem senhora

A TV Universitária brasileira é uma jovem senhora de 40 anos. Mas com corpinho de 14.

Seu ar jovial é graças às suas próprias características de adolescente – ainda indefinida quanto a sua personalidade, mezzo rebelde/obediente e independente/dependente. Mas também porque, para boa parte das pessoas, ela nasceu em 1995, com a Lei do Cabo. Poucos sabem que a verdadeira data de nascimento é de quatro décadas atrás, com o surgimento da ainda muito ativa TV Universitária de Recife.

Seus 40 anos, inclusive, foi menos comemorado do que merecia. Uma parte, imagino, pelo recato natural da senhora que não a deixa falar muito de si. Outra porque também se esconde em uma timidez construída por um ambiente onde as primas ricas, as TVs comerciais, são o destaque hegemônico da família.

O problema é que falamos muito pouco de nós mesmos. Como retraídos nerds, ficamos recolhidos em nossos pequenos estúdios e ilhas de edição, produzindo, produzindo, produzindo, na vã esperança que o mundo olhará para nós com um ar de orgulho e compreensão. Vá lá, nem precisa ser o mundo. O(A) Reitor(a) já estaria de bom tamanho!

Bem, é dura a realidade, mas geralmente o(a) Reitor(a) – e boa parte da comunidade acadêmica – tem mais o que fazer. Neste momento, algum outro setor da IES está batendo à porta solicitando que o seu pedido passe para a parte de cima da pilha de prioridades. E a nossa solicitação da compra de uma nova câmera afunda um pouco mais.

Mas também não condenemos assim tão rápido os tímidos guerreiros das TVs Universitárias. Afinal, são os únicos que matam um dragão por dia, mas têm que frequentar as aulas nas noites.

A TV Universitária brasileira é contemporânea de um grupo crescente de jovens adultos. Mesmo com quatro décadas, ainda mora com os pais. Mas não é só culpa sua. É uma relação de co-dependência entre pais e filhos, entre reitorias e suas TVs. Como na patologia, um se apóia no outro nas suas fragilidades, e não em suas forças.

E é filha, muitas vezes, de pais complicados. Ou relapsos, sem dar a atenção devida às potencialidades de sua cria; ou exigentes demais, cobrando da filha o que ela, ainda, não dá conta de fazer, por pura falta de apoio financeiro, estrutural (e emocional, porque não?) dos próprios pais.

Boa parte das reitorias considera suas TVs como mais um castelo feudal dentro da estrutura acadêmica. Algo a ser mantido ou rechaçado conforme a configuração política da reitoria ou do curso de comunicação social. Caso alguém defenda que isso é normal em todos os departamentos de uma universidade, comparo a TV com o departamento jurídico: pode-se mudar o reitor ou o diretor do curso de direito, mas ninguém irá questionar a necessidade da existência do departamento. No máximo muda-se a coordenação, o que é natural e esperado, mas está fora de questão a sua eliminação do organograma. A experiência já nos mostrou que a TV Universitária não conta com esse privilégio.

Não tenho dúvidas para falar da qualidade da produção das televisões universitárias, um sopro de ânimo neste hegemônico mundo televisivo brasileiro comercial, excelente em qualidade técnica mas pobre no resto. Diversidade de conteúdos, fontes, formatos, lugares, produtores. Ideias, ideais, visões de mundo… Tudo que as instituições de ensino se propõem a oferecer em um mundo ideal. E que boa parte das equipes das TVs Universitárias pelo país afora se mata para fazer e veicular.

Um retrato que ainda nos surpreende: a TV Universitária brasileira cresceu 700% desde 1995! Nenhum outro segmento de televisão cresceu tanto. Aliás, desconfio que nenhum país tenha tantas televisões universitárias em seu território. E ainda com um enorme potencial pois, apesar destes números, apenas 6% das IES do país tem sua televisão.

A TV Universitária, assim como a universidade brasileira, é diversa e assim deve ser. Nos orgulhamos dessa diversidade pois é justamente contra a hegemonia que lutamos. Mas é, antes de tudo, uma luta diária para agradar os pais, para que eles fiquem devidamente entusiasmados e, finalmente, o Reitor libere a compra daquela câmera!

Cláudio Márcio Magalhães é professor universitário, presidente da Associação Brasileira de Televisão Universitária.