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“Ninguém vive feliz se não puder falar”

Se você é a favor da liberdade de expressão para todos, do acesso universal à banda larga de qualidade, do fomento à tecnologia nacional, do fortalecimento das rádios e TVs comunitárias, da proibição de que políticos sejam donos de meios de comunicação, da garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e do respeito e proteção aos direitos fundamentais do adolescente e da criança na programação da grande mídia, talvez ainda não tenha percebido, mas você é a favor da regulação da comunicação. Ou seja, de um novo Marco Regulatório das Comunicações, único meio de garantir o direito à voz para todos.

Para debater esta importante questão, o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) realizou na última sexta-feira, 04 de maio, o Seminário "Os Desafios da Liberdade de Expressão", em São Paulo. Cerca de 250 pessoas entre representantes de entidades nacionais e estaduais do setor de comunicação e movimentos sociais organizados participaram do evento.

Fica cada vez mais claro que quem censura o debate sobre a liberdade de expressão é a própria mídia. A recente denúncia do envolvimento da revista Veja com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (DEM), que trocavam favores por capas para derrubar governos, coagir o Judiciário e amedrontar políticos, é um exemplo da necessidade urgente de um Marco Regulatório das Comunicações capaz de acabar com os desmandos da grande mídia e garantir o direito humano à informação democrática e liberdade de expressão.

A deputada federal e presidenta da Frente Parlamentar pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão com Participação Popular, Luiza Erundina (PSB-SP), sugeriu que, a partir do encontro, fosse elaborado um projeto de iniciativa popular.

A sugestão veio quando a mesa mencionou as últimas e já conhecidas promessas do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, de que em breve o governo irá apresentar à sociedade uma proposta de Marco Regulatório das Comunicações, em formato de perguntas.

A proposta de Erundina foi imediatamente apoiada pelo jornalista Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador. "Não podemos esperar que esse processo seja capitaneado pelo governo, mas sim pela sociedade", alertou Vianna. O jornalista destacou a necessidade de se fortalecer iniciativas como a do jurista Fábio Konder Comparato que, em 2010, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. A ação foi encampada pelo PSOL e, no mês passado, ajuizada por Comparato no STF. A petição inicial requer ao Supremo Tribunal Federal (STF) que determine ao Congresso Nacional a regulamentação de três artigos da Constituição Federal (220, 221 e 223), relativos à Comunicação Social.

No evento, o FNDC apresentou os 20 pontos considerados essenciais para a proposta do Marco. Dentre eles a criação de um Conselho Nacional de Comunicação, com composição representativa dos poderes públicos e dos diferentes setores da sociedade civil; a participação cidadã em todos os processos de formulação e implementação de políticas de comunicação no país; maior transparência e pluralidade nas outorgas de programação de serviços de rádios e audiovisuais; fortalecimento das rádios e TVs comunitárias; garantia de produção de conteúdo nacional e regional e estímulo à produção independente.

Outra bandeira fundamental incluída na proposta, e que vem sendo defendida pelo Instituto Telecom, é a universalização dos serviços essenciais de voz, radiodifusão e, em especial, a infraestrutura de rede em alta velocidade (banda larga) que devem ser oferecidos em regime público. O Instituto Telecom manifestou sua preocupação com o fato de já estar acontecendo a regulação das telecomunicações sem qualquer participação da sociedade civil. Defendeu ainda que o debate sobre as comunicações e telecomunicações seja único, já que ambas são a base para a liberdade de expressão no Brasil e em qualquer lugar do mundo.

Desde que a discussão do Marco Regulatório das Comunicações teve início no país, ainda que de forma tímida se comparada a maior parte da América Latina, o setor privado vem tentando tomar para si a bandeira da liberdade de expressão. Preocupada em combater este equívoco e conquistar o apoio da população, a plenária decidiu por unanimidade iniciar imediatamente uma campanha em defesa da liberdade de expressão e pelo novo Marco Regulatório para as Comunicações.

Foi aprovada a criação de uma Comissão Geral de Organização, Articulação e Mobilização da Campanha que conta inicialmente com 15 entidades nacionais representativas de diversos setores da sociedade civil organizada. A primeira reunião da Comissão Nacional da Campanha está prevista para o dia 12 de maio, em São Paulo.

Novo marco regulatório, paradoxos e desafios

A campanha pelo Novo Marco Regulatório das Comunicações, lançada no seminário “Desafios da Liberdade de Expressão” no último 4 de maio pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), permeia-se de paradoxos. O primeiro reside na própria disputa semântica do termo. Reivindicada pelos empresários da comunicação e pelos movimentos sociais, “liberdade de expressão” possui atualmente dois significados totalmente contraditórios. Enquanto para os últimos, liberdade de expressão significa a possibilidade de acesso aos veículos de comunicação, participação social na gestão dos mesmos e diversidade cultural e informativa, os empresários divulgam-na como qualquer tipo de restrição à comunicação.

Esta generalização do discurso empresarial esconde o fato de que a maior censura é a concentração dos canais de comunicação em oligopólios que produzem uma política editorial excludente da pluralidade de visões divergentes aos interesses dos proprietários. Liberdade de expressão não pode ser compreendida somente como a liberdade dos empresários (e somente deles) de divulgarem produções que beneficiem seus interesses. Por isso, para romper com a situação e, realmente, promover a liberdade de todos e todas se expressarem, faz-se necessária a aplicação de uma legislação que iniba a oligopolização das comunicações, o monopólio da fala, os conteúdos excludentes e incentivadores do consumismo baseado na marginalização social. No Brasil, trata-se da criação de um Novo Marco Regulatório das Comunicações.

Mas como propagandear essas ideias se aos meios de comunicação que possibilitam a circulação destas informações em nada interessa a promoção deste debate público? Pelo contrário, os conglomerados midiáticos criam falsos preconceitos contra qualquer iniciativa de democratização da comunicação, invertendo semântica e autoritariamente o sentido para tachá-las de censura. A comunicação alternativa é única saída? A internet possui força suficiente para popularizar este debate sobre liberdade de expressão? Há, pelo menos duas, questões a serem consideradas.

Respeito à diversidade

Primeiro, há uma predominância do lúdico no uso da rede mundial de computadores no Brasil. Ao invés de buscar por notícias, pesquisa de conhecimentos ou serviços, a internet é prioritariamente diversão para os brasileiros. O segundo empecilho é que a internet tem se transformado em espaço de ampliação da influência dos conglomerados de comunicação (totalmente avessos a esta discussão). Os portais das mídias massivas cada vez mais concentram audiências e relevância nos mecanismos de busca, tornando-se referências também na rede global. Mesmo superando essas dificuldades, como divulgar as ideias da democratização da comunicação sem reflexões profundas? Como dialogar com o mal-estar cultural da oralidade predominante? Como criar campanhas publicitárias estereotipando questões tão densas?

Além dessas dificuldades de comunicação, há as divergências no próprio movimento pela democratização das comunicações. Enquanto alguns creem que o governo vive um momento ímpar, outros acreditam que as barreiras nunca foram maiores e o enfrentamento com o mesmo, necessário. Há diferenças sobre as concepções no Plano da Banda Larga, nas mudanças na Lei de Radiodifusão Comunitária, no financiamento público dos meios alternativos e comunitários, na obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo… No entanto, há uma convicção em comum: o Brasil precisa de um novo marco regulatório das comunicações que, além de reorganizar coerentemente a legislação brasileira com a Constituição Federal, possibilite a liberdade de expressão para todos e todas, respeitando a diversidade que caracteriza não só o movimento de democratização pela comunicação, mas toda sociedade livre do autoritarismo.

Ismar Capistrano Costa Filho é doutorando em Comunicação pela UFMG, mestre em Comunicação pela UFPE, professor de ensino superior, jornalista e assessor de comunicação

Querem acabar com o regime público

Enquanto a sociedade  civil defende que a banda larga seja  prestada em regime público, um conselheiro da Anatel vem a público defender a migração do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) para o regime privado. A proposta foi feita no 29º Encontro Telesintese, realizado em Brasília, no dia 17 de abril, pelo conselheiro Jarbas Valente.

Membro do Conselho Diretor da Anatel, Valente propôs a criação de um serviço convergente, serviço de rede de banda larga, cuja licença compreenderia  todos os atuais serviços de telecomunicações (fixo, celular, banda larga, TV por assinatura). Segundo Valente, a proposta é dele, e não do Conselho Diretor da Agência. Mas se aprovada  será encaminhada  ao Ministério das Comunicações  para ser inserida na consulta pública sobre o novo marco regulatório.

O detalhe é que a proposta do conselheiro veio logo após a afirmação do ministro Paulo Bernardo, de que é contra a banda larga em regime público. Na mesma linha, o presidente da Anatel argumentou que é melhor  realizar a troca dos ativos da concessão por investimentos em banda larga.  Ou seja, todos alinhados com a antecipação do fim da concessão.

Presente ao seminário, o Instituto Telecom expôs imediatamente sua posição contrária, entendendo que a universalização da banda larga não acontecerá fora do regime público. A história da privatização demonstra claramente isto: o único serviço mais próximo de ser universalizado é o STFC, prestado em regime público e com metas contratuais que obrigaram as concessionárias a promover investimentos, coisa que não fariam se o regime fosse privado. No serviço celular temos uma rede com o menor tráfego do mundo, com a grande maioria só recebendo chamada. E a ampliação de cobertura só foi possível porque o Estado abriu mão de receitas no leilão de 3G, pois até aquele momento o Brasil só tinha celular nas regiões mais rentáveis.

Jarbas Valente fala em fomentar a pesquisa e desenvolvimento e a produção de tecnologia nacional. Se no regime público as concessionárias driblam por diversas  vezes as obrigações, no regime privado nada  as obrigará a investir nesta direção.

A proposta traz outra questão  gravíssima: a utilização de recursos do Fust e do Fistel  para garantir a expansão das redes das operadoras desse novo serviço convergente, isto é, recursos  públicos de graça para ampliar as redes privadas  de telecomunicações.

Ele chega a dizer que serão definidas metas de massificação (não de universalização, pois o regime seria privado), de qualidade, de cobertura. Ocorre que a melhor forma de garantir estas metas  é em regime público, com contratos de concessão e cláusulas claras em relação a esses pontos e às tarifas a serem cobradas. E, importantíssimo, à reversibilidade de bens.

Este item merece mais um parágrafo.  Na proposta do conselheiro Jarbas Valente seria feito um levantamento dos bens da concessão e o que fosse apurado seria investido em metas para o serviço convergente. Ou seja, tudo que fosse investido, inclusive com recurso público ficaria nas mãos do mercado, da iniciativa privada. Nada desta nova rede retornaria ao Estado.

Nós, do Instituto Telecom, consideramos a ideia absurda e deve ser refutada por todos os setores sociais envolvidos na construção de um marco regulatório democrático em nosso país. E não será abrindo mão dos recursos públicos que este caminho será trilhado. Vamos ao Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações, que será realizado no dia 4 de maio, em São Paulo, para defender a continuidade da luta pela banda larga em regime público e exigirmos do Conselho Diretor da Anatel a rejeição à proposta do conselheiro Jarbas Valente.

Rádios Comunitárias: As artimanhas do governo

Em outubro do ano passado, isto é, dez meses depois de assumir o Ministério das Comunicações, o ministro Paulo Bernardo editou uma nova Norma Técnica para as rádios comunitárias (RCs). A Norma 01/11 não tem novidade do ponto de vista político: é mais um dispositivo criado para legitimar o processo histórico de segregação e discriminação das RCs pelo Estado brasileiro.

Agora, sete meses depois de lançar a Norma, o Ministério das Comunicações encaminhou à Casa Civil da Presidência da República uma proposta de mudança no Decreto 2615/98, que regulamenta a Lei nº 9.612/98 das RCs. Antes de analisar a proposta do ministério, cabe a questão: por que o governo primeiro mudou a norma para depois mudar o decreto se o poder do decreto antecede a norma? Afinal, se o decreto for assinado, a norma vai ter que mudar para se ajustar ao novo decreto. Por que Paulo Bernardo lança uma norma técnica dez meses depois de assumir, e 16 meses depois apresenta um decreto para mudar esta norma?

A questão é bizarra, mas quem conhece o histórico do ministério sabe que as bizarrices estatais são comuns quando se trata de rádios comunitárias.

A proposta encaminhada à Casa Civil provavelmente foi elaborada pela Secretaria de Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações e pela Anatel. Ela propõe alterar sete artigos do Decreto 2.615/98. Uma análise mais acurada e não governista mostra que se propõem mudanças tímidas, covardes até, diante da dimensão do problema maior existente hoje: uma legislação que promove a exclusão do setor. Na verdade, fazendo uso da linguagem do senso comum, esse decreto é apenas mais uma tentativa de enrolação do movimento. Se as mudanças prosseguirem nessa velocidade, somente daqui a 10 mil anos teremos uma legislação justa para quem faz rádio comunitária.

Dez anos

A primeira alteração proposta é quanto ao alcance da emissora. A lei fala que a RC deve atingir o bairro ou a vila, mas o artigo 6º do decreto em vigor fixa o alcance em 1 quilômetro. O que está em vigor, portanto, é ilegal, pois um decreto não pode ir além do que diz a lei, e a Lei 9.612/98 não fala desse limite. Agora, finalmente, o Executivo pretende acabar com esta ilegalidade cometida pelo próprio Executivo propondo que a rádio atenda“um bairro, vila ou localidade de pequeno porte”. Ou seja, passados 14 anos, o Executivo decidiu seguir a lei. Deve-se comemorar quando o Estado resolve seguir a lei?

A segunda mudança proposta, no artigo 11, é burocrática. “Corrige-se” o texto anterior substituindo o termo “sociedades civis” por “associações comunitárias”. Uma mudança inútil para quem está focado no que é real, distante da papelada que alimenta o mundo kafkiano do Ministério das Comunicações, consumidor voraz de papéis inúteis. Outra mudança neste artigo inclui uma esquizofrenia típica do ministério: diz que os dirigentes devem “morar no bairro ou vila onde se pretende instalar a antena transmissora ouem um raio de até um quilômetro”. Isto é, o dirigente deve morar (sim, é autoritarismo) dentro do gueto de 1 quilômetro (determinado pelo artigo 6º do decreto) ou no bairro ou vila. Se a pessoa já é obrigada a morar dentro do bairro ou vila, para que serve este “ou”?

A terceira mudança é no artigo 17. A ideia é atualizar o que estava na Lei 9.612/98, determinando que o tempo de “concessão” de RC deve ser de dez anos, e não de 3 anos como diz hoje o decreto hoje em vigor. Portanto, mais uma vez não há o que comemorar. Tenta-se ajustar a redação do Decreto 2.615/98 a uma alteração feita em 2002 (por meio da Lei 10.610) que estabelece como de dez anos o tempo de validade da autorização da RC. Ou seja, o Executivo demorou dez anos para perceber que a lei mudou e que, portanto, é preciso mudar o decreto para se ajustar a lei!

A quarta mudança trata de um vespeiro: publicidade nas RCs. O texto original do decreto diz:

Art. 32 – As prestadoras do RadCom poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida(grifo nosso).

A nova proposta diz:

Art. 32 – As prestadoras do serviço de radiodifusão comunitária poderão admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, de pessoas jurídicas de direito público ou privado e de empresários individuais com atuaçãona área de alcance da transmissão (grifo nosso).

§ 1º Entende-se como patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para efeitos deste serviço, o apoio financeiro concedido a projetos, programas ou eventos vinculados à programação das emissoras de radiodifusão comunitária, bem como a cessão, para o mesmo fim, de bem móvel ou imóvel sem a transferência de domínio.

§ 2º O patrocínio de programas, eventos ou projetos implica, como contrapartida, a citação da marca, permitindo ainda a divulgação de informações dos produtos, serviços e contatos do patrocinador, ficando vedada a veiculação de seus preços e condições de pagamento(grifo nosso).

Conduta “premiada”

Esta proposta é uma “pegadinha”. Uma típica artimanha de quem quer manter a segregação das rádios comunitárias. Primeiro se nota uma mudança sutil no texto. O que está em vigor fala de “estabelecimentos situados na área da comunidade atendida”; o texto proposto fala de estabelecimentos situados “na área de alcanceda comunidade atendida”. Discretamente foi inserido o termo “alcance” para limitar a obtenção de patrocínio pelas RCs. Isto é, continua valendo a regra de que as RCs só podem fazer publicidade de quem estiver dentro do “campo de concentração” determinado pelo Estado. Em outras palavras: não mudou nada.

O mais importante nessa mudança do artigo 32 é a definição de apoio cultural. Aqui, mais uma vez, o Ministério das Comunicações/Anatel tenta impedir que a RC faça publicidade como os demais serviços de radiodifusão. Permite-se à RC fazer a divulgação do produto e da marca, mas não dos preços e condições de pagamento.

O Ministério das Comunicações poderia ser inteligente (sim, inteligente) e ousado (não dominado por ideias mofadas) e estabelecer regras éticas para a publicidade nas RCs. Isto serviria como norteamento das RCs para sua missão educativa, pedagógica. Mas o Ministério das Comunicações e, pelo visto, a Secretaria de Radiodifusão Comunitária do ministério, continuam submissos às grandes redes de comunicação – elas não admitem que a rádio comunitária pegue “o mercado publicitário”. Ocorre que a missão da RC não é ganhar dinheiro fazendo publicidade; a rádio comunitária quer, tão somente, ter sustentabilidade, sobreviver, pagar os que nela atuam, e, principalmente, captar recursos para bancar seu projeto maior, que é o desenvolvimento da comunidade, promover a cidadania e a solidariedade.

Por que propõem algo tão restritivo?

Não parece que a legislação – pelo menos no seu aspecto superficial – seja desconhecida pelos tecnocratas do ministério. O que se tem aqui, mais uma vez, é o ministério sustentando a velha política de segregação e discriminação do setor; uma postura ideológica de Estado que não muda.

Mas vamos à quinta proposta de mudança no decreto. Ela introduz duas alterações ao artigo 36. Primeiro, atualiza o texto para o prazo de “outorga” (dez anos). Segundo, estabelece que a RC tem que começar o processo de renovação da outorga três meses antes do fim do contrato. Antes o prazo era de um mês. Ruim para rádio, bom para burocracia estatal.

Quanto à sexta proposta de mudança no Decreto 2.615/98: o artigo 37, no original, estabelece cobrança pelos serviços burocráticos no processo de renovação; agora se propõe a dispensa de cobrança (a palavra “gratuita” está lá no texto). É um “ato caridoso” do ministério que deve ser olhado com o devido desprezo pelos que fazem rádio comunitária. Isto não muda a política de segregação.

Finalmente o governo propõe modificar o artigo 40. Ele trata das infrações cometidas pelas RCs. Hoje são 29 punições! O novo texto não altera nenhuma delas; não acrescenta nem elimina. Apenas estabelece que, como prêmio de boa conduta, as multas cobradas nas emissoras que não cometeram nenhuma infração antes podemser convertidas em advertência. Portanto é mantido o aparato punitivo (vide Michel Foucault, Vigiar e punir) e se dá um crédito para aqueles de boa conduta. Agora, observe-se que o texto fala no condicional – “podem” –, isto é, alguém, algo, um poder não muito claro é que vai decidir que rádios terão direito a este premiozinho de boa conduta.

Burocracia poderosa

Em síntese, pode-se afirmar que as mudanças que estão sendo propostas não se destinam à solucionar os grandes problemas das rádios comunitárias. A maioria dos problemas – ou todos? – têm como foco a legislação em vigor e esta, em seu cerne, não é alterada. Boa parte dessas sete mudanças somente atualizam o decreto em aspectos formais e burocráticos, e assim reforçam o caráter discriminador da legislação. Os pequenos avanços são suspeitos, uma vez que não resolvem, mas, pelo contrário, criam uma situação conflituosa. É o caso da definição de apoio legal, que continua contendo restrições.

Há “avanços” que deveriam ser apresentados com constrangimentos: é o caso do fim do alcance de 1 quilômetro. Esse limite, imposto por um decreto que se baseia numa lei tirana, é uma ilegalidade mantida há 14 anos; eliminá-la não vai resolver o problema porque ele antecede a isto. De fato, vai continuar havendo guerras entre as RCs para operar na mesma região com a mesma frequência. A existência de uma lei que restringe a operação de RC a um canal (e fora do dial, se possível, como quer a Anatel) contraria o que diz um dos 14 princípios defendidos pela Amarc mundial:

“7. Reserva de espectro.
Os planos de gestão do espectro devem incluir uma reserva equitativa em todas as bandas de radiodifusão, em relação aos outros setores ou modalidades de radiodifusão, para o acesso de meios comunitários e outros não comerciais, como forma de garantir sua existência.”

Mudar um decreto depois de mudar uma norma, portanto, não é tanto uma bizarrice como parece na primeira leitura. O ato decorre dessa postura ideológica do governo que, quando se trata de rádio comunitária, desconhece a ordem das coisas para tentar colocar a rádio dentro de uma “disciplina” que ela cria e sustenta. E para isso segrega e discrimina, impondo frequências fora do dial, criando guetos ou campos de concentração.

Mudar a norma e o decreto, e nada mexer para mudar a lei ou anistiar os que estão sendo punidos, é decisão política, ideológica. O governo poderia fazer mudanças na legislação das rádios comunitárias, mas tem escolhido sacramentar a que está em vigor. E para se legitimar junto ao movimento abre “consultas públicas”, manda representantes para os eventos, faz uso de um discurso democrático, apresenta-se como aliado e aberto ao diálogo. Depois, “consultado o movimento”, soberanamente distribui as migalhas, as sobras do banquete, e mantém tudo como está.

Se quisesse, de fato, alterar a legislação em vigor, o governo poderia propor uma nova lei regulamentando as RCs, eliminando aqueles pontos que são típicos de governos tiranos. Depois faria um decreto. E por fim uma norma. Nessa ordem. Começar pelo fim, editando uma norma (e muito pior que a anterior), já sinaliza para onde o governo quer que o movimento das RCs siga: para lugar nenhum.

Não cabe citar aqui as mudanças na legislação para torná-la mais justa. O governo já sabe. Ocorre que fazer isso – uma legislação não tirana – seria contrariar os interesses das grandes redes, mudando uma postura ideológica determinada ao Estado por essas mesmas redes. Os tecnocratas de plantão não têm coragem de fazer diferente.

A possível edição de um novo decreto com essas mudanças propostas somente alicerça o temor do que pode acontecer se o governo resolve construir um novo marco regulatório para as rádios comunitárias. Se continuar com esta postura ideológica – distribuindo migalhas para manter a mesma linha de controle, vigilância e punição do setor – nada de positivo irá acontecer. De fato, com este decreto e a norma o governo Dilma Rousseff deu, pelo menos, dois sinais do que pretende fazer.

Certa vez Mao Tse Tung deixou claro: numa guerra a primeira coisa a saber é quem são os seus aliados e os seus inimigos. No caso das rádios comunitárias, alguns inimigos são visíveis – a Abert, as igrejas, os donos de grandes emissoras, certos parlamentares… – e outros se passam por aliados. É o caso do governo e, mais especificamente, do Ministério das Comunicações. No discurso, as rádios são tratadas como aliadas, mas na prática o ministério sustenta a legislação e a repressão, ratificando a burocracia, a fiscalização e a punição, sem propor mudanças consistentes. Por que o governo tem tanto medo das rádios comunitárias?

Dioclécio Luz, jornalista, autor do livro A arte de pensar e fazer rádios comunitárias, e integra o Conselho Político da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc-Brasil)

A telefonia fixa em 2025

A discussão dos caminhos para o STFC – Serviço de Telefonia Fixa Comutada – é bastante complexa. Por diversas vezes, em eventos e documentos, o Clube de Engenharia e o Instituto Telecom vêm arguindo o Ministério e a Anatel a esse respeito: o que fazer com a rede em 2025, no encerramento dos contratos de concessão? Chegamos a dizer na plenária de um evento em Brasília, na presença do Minicom e da Anatel, que o que sobraria da rede fixa seria “cabos enterrados e um montão de ferro-velho das centrais de comutação”, tendo em vista que as operadoras a partir de um determinado ponto não estariam mais interessadas em investir numa rede que teriam que devolver à União, e pela própria decadência do serviço.

Alem do mais, está cada vez mais difícil estabelecer a separação do serviço prestado pela rede telefônica fixa, dos demais serviços, já que o fenômeno da convergência em telecomunicações criou domínios comuns em equipamentos e sistemas instalados. Na infraestrutura da rede telefônica fixa, hoje, trafega toda sorte de serviços, desde internet até vídeo, dados e mensagens. Questiona-se, inclusive, a propriedade dessa prestação múltipla de serviços suportada na RTPC (Rede de Telefonia Fixa Comutada), que poderia vir a configurar subsídio cruzado, o que não é permitido pela Lei Geral de Telecomunicações – LGT.

Na opinião do Clube e do Instituto, a adoção da banda larga como serviço prestado em regime público sucedâneo do STFC, pela sua importância estratégica, parece ser a alternativa mais interessante para a nossa sociedade, mesmo considerando o tremendo desafio para sua implementação. Na verdade, essa é provavelmente a mais importante proposta que a sociedade civil (via Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações – FNDC) vem colocando como discussão a ser feita no Marco Regulatório que está por vir.

É claro que todos no Ministério e na Anatel têm consciência do grande problema que se avizinha com o final dos contratos de concessão. Por certo devem estar preocupados para que bens reversíveis à União não se desvalorizem e continuem a ter o valor significativo do esforço material e humano relativo à sua construção.

Eles sabem do problema, mas têm fugido à discussão de assumir a banda larga como serviço prestado em regime público. Em diversos eventos, em cada momento, vislumbram um tipo de problema, sem nunca o enfrentarem. Sabem que o processo é demorado e politicamente arriscado. No entanto, se tivessem iniciado o processo logo após a Confecom, em 2009, onde a proposta primeiramente apareceu, a esta altura já teríamos uma nova realidade em prática.

Existem algumas propostas de abordagem do problema da RTPC no futuro, mas todas carecem de aprofundamento, acordos e tempo para implementação. Acreditamos que uma solução seja viável e negociável entre governo, prestadores de serviço e representantes civis, tendo em vista a importância para a sociedade, no longo prazo. É tempo de abrirmos uma discussão ampla, levando em conta as alternativas possíveis, e decidirmos com soberania e pragmatismo essa questão vital para a continuidade dos serviços em nosso país.

O Clube de Engenharia e o Instituto Telecom vêm se colocando à disposição para esta discussão e esperamos poder contribuir em qualquer fórum em que formos chamados a participar.

Márcio Patusco é Conselheiro do Clube de Engenharia e membro do Conselho Consultivo do Instituto Telecom