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SIP versus ONU

No dia 15 de outubro, ativistas da campanha Para Expressar a Liberdade construíram atividades de contraponto à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que realizava sua Assembleia Geral em São Paulo. Um ato público e uma contraconferência online fizeram o debate sobre de qual lado está a SIP na luta por liberdade de expressão na América Latina.

Mas o contraponto não aconteceu apenas no Brasil. No mesmo dia, enquanto a SIP criticava a ‘ley de medios’ da Argentina, o relator especial para liberdade de expressão da Organização das Nações Unidas, Frank de la Rue, declarava seu apoio à lei, pela maneira como ela estimula o pluralismo e a diversidade.

De fato, esses dois termos estão ausentes da agenda da SIP. A entidade, que reúne os donos da mídia do continente, não tem como parâmetros a diversidade de conteúdo e a pluralidade de ideias. A defesa que ela faz da liberdade é voltada à tentativa de resguardar direitos absolutos para as empresas de comunicação. Não é de se estranhar, portanto, que a SIP rechace iniciativas de regulação democrática da comunicação na América Latina. Colocadas em prática, elas distribuem o poder hoje concentrado em poucas empresas. É o caso do grupo Clarín, na Argentina, que tem até 7 de dezembro para se adaptar à nova lei e se desfazer das concessões que excedem o permitido.

A declaração do relator da ONU favorável à aplicação da lei na Argentina é muito importante, porque mostra que a posição da SIP está em completo desacordo com os padrões internacionais. Legislações como a aprovada na Argentina existem na maioria das democracias consolidadas, como Reino Unido, França, Alemanha e Estados Unidos. Não há registros de esses países terem sido acusados de antidemocráticos por conta disso.

No meio disso tudo, o Brasil segue na rabeira, já que o governo federal nem sequer abriu o debate sobre uma nova lei geral de comunicação. A presidenta Dilma Rousseff precisa ter clareza de qual lado faz, de fato, a defesa dos valores democráticos. Ao se ausentar da Assembleia da SIP, ela parece já ter entendido que não são eles. Falta agora se alinhar à posição da ONU.

João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

No mundo das ilusões da velha mídia

Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?

Em primeiro lugar, não poderia entender por que um governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem politica exterior aventureira, etc., etc. – tem 75% de apoio do povo.

Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.

Não poderiam entender como o PT – partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e ameace tirar dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – tão bem administrada pela competência dos tucanos.

Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se leem todos os dias que tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce. Por que o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar.

Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo os mais preparados para governar.

Leem numa revista semanal que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e tv do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só leem o que ela quer”.

Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.

E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?

Como entender que a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?

Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?

Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs.

Neoconservadorismo religioso: fé, dinheiro e comunicação de massa

Há algo de novo por trás dos azarões.

Os candidatos que surpreenderam por suas intenções de voto em algumas cidades do país podem não ser apenas “azarões”. Talvez sejam a face mais evidente de um fenômeno político que junta fé, dinheiro e comunicação de massa.

Os casos mais gritantes têm sido, até o momento, Celso Russomano, em São Paulo, e Ratinho Jr., em Curitiba. Mas eles não são os únicos. Ao contrário, expressam uma fórmula que tem feito sucesso. Não é um fenômeno que tende a tomar conta da política brasileira. Não representa um setor social majoritário. Não se vincula a um rígido padrão de classe. Mas se trata de uma maneira de se fazer política que tem ganhado corpo paulatinamente.

Uma legião de candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador será eleita fazendo uso dessa receita. Estarão alinhados aos que já têm assento federal. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP, 2011), a bancada evangélica eleita em 2010 mais que dobrou em relação à de 2006, passando de 36 integrantes para 73 parlamentares.

A fórmula garante sucesso pessoal, financeiro e político. É um meio de vida que tem na política um de seus braços; na comunicação, sua voz; na religião, sua plataforma.

Embora retrógrado em vários sentidos, o neoconservadorismo religioso é um fenômeno de novo tipo. Por sua relação umbilical com a religião e a comunicação de massa, não se equipara a qualquer espécie anterior de populismo. O neoconservadorismo também é uma novidade em relação ao velho conservadorismo elitista, golpista e liberal. Aquele conservadorismo da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de 1964, e que fez da Teologia da Libertação seu principal inimigo, nos anos 1970 e 1980, colhe agora o fruto do que plantou: o maior retrocesso do catolicismo em todos os tempos, seu afastamento entre os mais pobres, sua dificuldade em modernizar-se.

Segundo os dados do Censo de 2010, os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil nos últimos 10 anos. Saltaram de 15,4% da população para 22,2%. Passaram de 26,2 milhões para 42,3 milhões de brasileiros. Em 1980, esse percentual era de apenas 6,6%. (IBGE, 2010)

Os católicos, que em 2010 ostentaram um poderoso número de 64,6% da população, coincidentemente têm seu menor percentual no Rio de Janeiro (45,8%), estado onde o conservadorismo ortodoxo e o combate à Teologia da Libertação tinha sua organização mais consistente e sua liderança mais expressiva, Dom Eugênio Sales, arcebismo do Rio por 30 anos.

Não é na chamada “nova” classe média que o segmento evangélico mais cresce. É entre mais pobres. Mais de 60% dos pentecostais recebem até 1 salário mínimo. A segunda maior proporção está entre os sem religião (59,2% deles são pobres). Os católicos têm apenas a terceira maior proporção nessa faixa de renda (55,8% ).

O neoconservadorismo gosta de Estado, de políticas sociais, da promoção da igualdade. Talvez por razões cristãs, mas também porque se beneficiam dos tempos de bonança. Podem obter retribuição crescente dos fiéis que se julgam recompensados por alcançarem uma graça (emprego, pagamento de dívidas, aumento de salário, um tratamento médico).

Demagogos modernos

As características socioeconômicas ajudam a entender, mas são insuficientes para explicar o fenômeno por completo. Elas precisam ser vistas à luz da montagem de uma poderosa máquina política a serviço do neoconservadorismo religioso. Os nomes lançados à disputa municipal não foram escolhidos por sua posição na hierarquia religiosa. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, apenas 765 candidatos se declararam "sacerdote ou membro de ordem ou seita religiosa", sendo apenas 37 os candidatos a prefeito (apenas 0,24% do total), 39 vice-prefeitos (0,26%) e 689 (0,16%) os candidatos a vereador nessa condição, incluindo todas as denominações religiosas. (TSE, 2012)

A relação dos candidatos com suas igrejas é certamente um senhor reforço, na medida em que estão colados aos pastores que fazem sua pregação eleitoral de forma ostensiva, no púlpito e com o dinheiro dos fiéis, e a siglas partidárias patrocinadas por tais igrejas. Mas, para que os candidatos sejam competitivos, precisam de algo mais. Esse algo mais atende pelo nome de comunicação de massa.

Em um sistema eleitoral no qual as campanhas são muito curtas, o eleitor é cego diante de muitos candidatos, e o comunicador reina. O maior problema de um candidato é se tornar conhecido. O segundo é evitar ser rejeitado (conhecido negativamente).

O comunicador tem um horário eleitoral gratuito todo santo dia à sua disposição, conquistado, é bem verdade, por dotes pessoais. Ele deve ter talento na arte de atrair a atenção, de mobilizar paixões e ódios, de mexer com o sentimento das pessoas. Quando isso envolve pregação religiosa, a fidelidade tem tudo para ser bastante forte. O suficiente para aguentar três meses de campanha sob fogo cruzado.

O neoconservadorismo religioso pode ser uma novidade também por colher os frutos de um processo plantado desde 1997, quando se abriu espaço para uma nova leva de emissoras de rádio e TV e à renovação de antigas concessões. Em muitos casos, elas mudaram de dono e foram parar nas mãos de organizações religiosas, a ponto de se ter formado uma grande rede nacional de emissoras diretamente associada a uma dessas igrejas. Além disso, se tornou prática costumeira o aluguel de tempo de TV para programas de pregação religiosa. Algo aconteceu naquela época que transformou os evangélicos em uma força de grande peso midiático, antes mesmo de se tornarem uma força política e social de maior expressão.

Max Weber, no seu famoso texto em que distinguia os políticos que viviam para a política daqueles que viviam da política, chamava a atenção para o fato de que o jornalista havia se tornado o grande demagogo moderno. Tomava a expressão em seu sentido clássico, ou seja, referindo-se a quem tinha o talento especial de ser um mestre na arte de convencer o público a tomar partido, a se decidir a favor ou contra uma opção.

A velha mídia tem feito um convite diário à demagogia por meio da esculhambação do entendimento sobre a política. A disseminação da descrença nas instituições faz grassar o moralismo rasteiro e a fé ritualística que disputa o lugar do debate sobre propostas. O neoconservadorismo agradece. Mesmo seus representantes mais toscos têm muito mais a dizer do que os candidatos engomados e da predileção indiscreta da mídia mais tradicional.

Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.

Lei de Acesso à Informação Pública: um balanço inicial

Uma vez superada a infausta fase de aprovação da aludida lei, as preocupações agora devem se concentrar em sua plena aplicação. É chegado o difícil momento da afirmação de todo o conteúdo transformador da lei, contra o qual militam, aberta ou ocultamente, a improbidade e a ineficiência administrativas.

Desde 1988, com a promulgação da vigente Constituição Federal, o amplo acesso à informação pública é a regra, e o sigilo, a exceção. Essa lógica republicana é extraída do texto constitucional com absoluta facilidade. A Lei de Acesso à Informação Pública (Lei n. 12.527/2011) não introduziu um valor novo na ordem constitucional brasileira, mas dotou de imprescindíveis garantias o direito fundamental de acesso à informação pública.

Aí está o verdadeiro caráter revolucionário da nova lei: passou-se de uma proclamação constitucional, em termos fluidos, para mecanismos concretos de transparência ativa– divulgação espontânea de informações públicas, independentemente de solicitação – e transparência passiva– divulgação de informações públicas em atendimento a uma solicitação. Além do que se estabeleceram procedimentos e parâmetros para eventuais restrições de acesso e se definiram as responsabilidades dos agentes públicos, civis ou militares, por possíveis violações ao direito de acesso à informação pública.

Uma vez superada a infausta fase de aprovação da aludida lei, o que, por si só, representou um inestimável avanço em termos democráticos, as preocupações agora devem se concentrar em sua plena aplicação. É chegado o difícil momento da afirmação de todo o conteúdo transformador da lei, contra o qual militam, aberta ou ocultamente, a improbidade e a ineficiência administrativas.

Primeiros levantamentos da CGU

No âmbito federal, as perspectivas são positivas. De acordo com levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU), nos três primeiros meses de vigência da lei os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal receberam 25.065 solicitações de informação, das quais, até o dia 16 de julho de 2012, 22.552 (89,97%) já tinham sido respondidas. Além disso, segundo o Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), criado pela CGU para acompanhar os pedidos de maneira centralizada, as respostas vêm sendo oferecidas no prazo médio de dez dias (o prazo legal é de vinte dias, prorrogáveis por mais dez).

Tais dados permitem reconhecer não só o nível satisfatório de atendimento do Executivo Federal, mas, sobretudo, a rápida assimilação da lei pela sociedade civil. Em dizer coloquial, ao que tudo indica a lei “pegou”.

Dificuldades de aplicação

Como se sabe, a Lei de Acesso à Informação Pública é endereçada indistintamente à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Lamentavelmente, contudo, ao contrário da União, os municípios estão demonstrando, de modo geral, um absoluto descaso com a transparência e, mais especificamente, com os deveres estabelecidos pela lei. Assim, por exemplo, em recente pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), de 133 cidades com mais de 200 mil habitantes, apenas 16 responderam a um singelo pedido de informação. Trata-se de um retrato da crônica ineficiência que caracteriza a maioria das administrações públicas municipais e, ao mesmo tempo, da cultura do sigilo que, infelizmente, ainda viceja no Brasil.

Tampouco é digna de aplausos a situação dos estados. Com raras exceções, os executivos, legislativos, tribunais de contas e ministérios públicos estaduais tardam no cumprimento da Lei de Acesso à Informação Pública.

Desvios interpretativos

Também merece atenção a cobertura midiática que recebe a legislação. Embora de insuspeita relevância, a excessiva exploração jornalística da divulgação das remunerações dos agentes públicos encobre outros aspectos legais de igual ou superior importância, aos quais, sorrateiramente, começa-se a emprestar interpretações distantes – para dizer o mínimo – dos propósitos que animaram a edição da referida lei.

Exemplo eloquente encontra-se no fundamentalíssimo dispositivo que estende a aplicação da lei às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Não obstante os notórios e frequentes casos de desvios de recursos públicos operados nesse setor, já se descortina, sem qualquer alarde, uma tendência de interpretações orientadas a subtrair tais entidades dos deveres de acesso à informação pública. Ilustra essa tendência o Instituto Curitiba de Informática (ICI), associação privada sem fins lucrativos qualificada como organização social (OS) que, apesar das vultosas quantias anuais recebidas da Prefeitura de Curitiba, nega solenemente os pedidos de informação formulados pelo professor de Direito Administrativo e blogueiro Tarso Cabral Violin (blogdotarso.com).

Acesso à informação pública

Nos quadrantes de um Estado democrático de direito, em que o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal), os assuntos estatais a todos interessam. Eis por que a publicidade não é uma questão de escolha do administrador público. Trata-se de um dever inescusável, cujo descumprimento sujeita o infrator às penalidades previstas em lei.

Sabe-se, porém, que as normas jurídicas não são aplicadas automaticamente e que o administrador público – os exemplos indicados acima e a história o provam – não se renderá, num ato de iluminação divina, aos imperativos da transparência. É imperioso o engajamento da sociedade em prol do direito fundamental ao acesso à informação pública. Só assim o Estado brasileiro se despedirá do odioso patrimonialismo que sempre o acompanhou. Um grande passo foi dado. Os próximos dependerão, essencialmente, da participação dos cidadãos.

Pedro Serrano – Mestre e doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP e professor da Direito Constitucional da mesma instituição

Rafael Valim – Mestre e doutorando em Direito Admnistrativo pela PUC-SP e professor do curso de especialização em Direito Administrativo da mesma instituição

Bastidores de um julgamento e de uma “cruzada midiática”

O Supremo Tribunal Federal (STF) entrou na era do pop com o início da transmissão ao vivo dos seus julgamentos, em 2002. E, a despeito de alguns efeitos colaterais apontados com preocupação por estudiosos do Direito, como a exacerbação do ego dos atores sociais envolvidos, a iniciativa só revigora a democracia. Da mesma forma com que ministros se aproximam da população, a ponto de se tornarem heróis defendidos com o mesmo ardor que artilheiros da seleção brasileira, as mazelas do poder mais encalacrado da república são descortinadas aos olhos de quem quiser ver. E, pelo menos neste aspecto, o julgamento do “mensalão” tem sido, sim, emblemático.

Na sessão desta quarta (25), a 28ª do julgamento que a mídia tenta vender como o “maior da história”, os ministros relator, Joaquim Barbosa, e revisor, Ricardo Lewandowski, voltaram a se estranhar, como já havia ocorrido antes, e mais de uma vez. Mas o tom subiu mais do que o normal. Barbosa se irritou, entre outras coisas, porque o revisor considerou que não havia provas definitivas para condenar um réu que ele já havia taxado, antes, como culpado.

Bastante alterado, Barbosa acusou Lewandowski de fazer “vista grossa” aos autos, insinuou que o colega se valia de “hipocrisia”, entre outras acusações. O revisor, que deixou claro o seu direito a ter um entendimento diferenciado, reagiu e disse que se o relator não conseguia admitir a contradição, deveria propor a extinção da figura do “ministro-revisor”.

Outros ministros saíram em socorro de Lewandowski. “Cuidado com suas palavras. Vamos respeitar os colegas. Agressividade não tem lugar nesse plenário”, disse Marco Aurélio Mello. E, após a intervenção do presidente da corte, Ayres Britto, o “julgamento-espetáculo” prosseguiu sem a presença de Barbosa no plenário.

Acontece que o relator vem construindo uma relação bastante sólida com a mídia, dentro e fora do plenário da corte. Nos seus votos, reverbera, coincidência ou não, o veredito que as redações já haviam fechado antes mesmo do início do julgamento: todos os réus são culpados e o STF só precisa oficializar isso o mais rápido possível. Barbosa, além de condenar com pulso firme, mantendo-se fiel à tese da denúncia, é o “garoto-propaganda” da cruzada midiática por agilidade a qualquer preço na condução do processo. Nos bastidores, desafia a convenção de que ministro não fala sobre processos em andamento e atende com incomum presteza os jornalistas que o procuram ao final de cada sessão. Mas, para se resguardar de possíveis críticas, o faz sempre em “off”.

Off é a redução da expressão “off de record” que, em inglês, significa fora dos registros. Segundo o Manual de Redação da Folha de São Paulo, “designa informação de fonte que se mantém anônima”. Conforme o de O Globo, “é um caso especial de declaração, em que a fonte não é identificada”. No jornalismo estadunidense, significa informação que deve ser usada apenas para a condução da reportagem, jamais para ser lançada como verdade inquestionável. No jornalismo tupiniquim, entretanto, o “off” serve de salvaguarda também para todo tipo de manipulação da informação, como aquelas reveladas recentemente com o escândalo Veja-Cachoeira. Onde enquadrar, então, a prática recorrente de Barbosa?

A intenção confessa do relator parece nobre: ajudar a dirimir as dúvidas de uma categoria que, em geral, muito pouco familiarizada com os pormenores do direito. O “off”entra como estratégia necessária para o magistrado manter a devida discrição e o necessário distanciamento dos fatos. O resultado, porém, é outro: suas intervenções sempre ultrapassam o limite de possíveis respostas objetivas a dúvidas técnicas. O relator reafirma a superioridade das suas teses jurídicas, cobra agilidade no voto dos demais colegas e críticas posições discrepantes, em especial as do revisor.

É preciso reconhecer que, no início, havia até uma certa resistência por parte dos jornalistas. “O Barbosa de novo não, gente”, “É preciso variar a fonte”, “Ele só fala em off”, comentavam. “Não tem jeito. A gente mal começa a pronunciar ministro e ele já está aqui”, reclamava outro. “Ele é muito grosso. Eu tenho até medo de dirigir uma pergunta para ele”, confessava uma “foca”. Mas agora, passados quase dois meses do início do julgamento, a questão parece pacificada. Ninguém mais questiona a supremacia do relator como “comentarista oficial” do processo.

E, assim, ele assume cada vez mais ares de editor-geral de toda a imprensa dita “livre”. De uma feita, reclamou dos jornalistas que contrapunham seus argumentos com as teses da defesa. De outra, atacou o delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha, que criticou, via imprensa, a inclusão de duas das rés no processo. “Todo agente público tem uma série de limitações: precisa ser discreto, manter o sigilo. Foi um deslize gravíssimo [a concessão da entrevista com comentários sobre a ação]”, afirmou, em “off”. Contra senso? A imprensa sequer discute. A prática institucionalizada parece perfeita para ambos. O ministro abastece a mídia com o combustível necessário para justificar esses sete anos de “justiçamento” dos réus do “mensalão”. E Barbosa, em contrapartida, é alçado ao posto de herói nacional, com direito a foto de primeira página transvestido de super-homem. Está tudo nos jornais.

Quem ler, ouvir ou assistir as reportagens sobre a sessão de julgamento do mensalão desta quarta, pode até comprar o “conto de fadas” de que o “herói” Joaquim Barbosa só estava defendendo a sociedade brasileira do seu arqui-inimigo Ricardo Lewandowski, que tentava inviabilizar as condenações de “corruptos inveterados”. Quem assistiu à sessão ao vivo, entretanto, terá outra percepção: a de que o relator, ego inflamado, pode estar tentando intimidar os ministros que acolhem interpretações, das leis e dos fatos, divergentes da sua. Algo indefensável em um órgão colegiado de Justiça.