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Frank La Rue: liberdade de expressão com pluralidade e diversidade

Em visita ao Brasil, o relator da ONU, Frank La Rue, disse que liberdade de expressão é um direito humano e que para a construção de uma verdadeira democracia é necessário garantir o acesso de todos à informação e aos meios de comunicação, com pluralidade e diversidade. Ele leva do Brasil relatos de violação à liberdade de expressão e a possibilidade de receber um convite oficial de retorno ao país. Veja como foram as atividades do relator na última semana.

A visita ao Brasil do relator da Organização das Nações Unidas pela Liberdade de Expressão, Frank La Rue, movimentou o debate sobre a democratização da comunicação no país. Ele participou de audiências com autoridades do governo e de debates em Brasília e São Paulo a convite do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Por onde passou, deixou a mensagem que a liberdade de expressão é um direito humano e que para a construção de uma verdadeira democracia é necessário garantir o acesso de todos à informação e aos meios de comunicação, com pluralidade e diversidade.

La Rue volta para casa com novas missões. Disse que irá produzir uma notificação a partir dos relatos que ouviu e documentos que recebeu sobre violações à liberdade de expressão no país, e, a pedido do procurador federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Aurélio Rios, escreverá uma nota técnica sobre a relação da vinculação horária da classificação indicativa de obras audiovisuais veiculadas pelas emissoras de TV aberta com o exercício da liberdade de expressão. Do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ouviu sobre a possibilidade de ser convidado oficialmente para uma análise da situação brasileira de liberdade de expressão.

Em todas as reuniões que participou com autoridades em Brasília, Frank La Rue ressaltou a importância da liberdade de expressão para a democracia e disse que a regulação dos meios de comunicação deve ser discutida com a sociedade. Também deixou claro o seu temor quanto ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida contra a Classificação Indicativa. “Não posso entender que em algum país uma Corte Suprema esteja disposta a prejudicar os direitos das crianças por conta de outros interesses”. O relator esteve com parlamentares na Câmara dos Deputados, com os ministros da Comunicação, Paulo Bernardo, e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, com o Procurador Federal Aurélio Rios, além do Secretário-Geral do Itamaraty, Ruy Nogueira.

Nos debates em que participou na Universidade de Brasília e na Câmara Municipal de São Paulo, o relator falou sobre a concentração dos meios nos países, elogiando a Ley de Medios da Argentina, e a lei de comunicação que entrará em consulta pública no Uruguai. “A informação e participação são dois pilares essenciais da democracia, mas, por outro lado, a grande concentração e o monopólio dos meios é um atentado à liberdade de expressão e à democracia”. Frank La Rue conversou também sobre internet, direitos humanos, democracia, censura, liberdade de imprensa, dentre outros assuntos (veja notícias relacionadas aqui).

Convidado pelo Fórum Nacional pela Democratização (FNDC) para participar de atividades da campanha “Para Expressar a Liberdade”, o guatemalteco teve reunião com representantes da sociedade civil para a entrega de relatorias de violações de direitos de liberdade de expressão no país. Ouviu relatos de crimes contra jornalistas, censura praticada por grandes empresas de comunicação brasileiras, como no caso da Falha de S. Paulo, e criminalização constante pela mídia aos movimentos sociais, denúncia entregue pela CUT ao relator, dentre outros.

Para Rosane Bertotti, coordenadora do FNDC, a presença de La Rue no Brasil foi importante tanto para tentar abrir o diálogo com o governo quanto para unir a sociedade em torno da pauta que pode mudar o país. “Está é talvez das lutas mais árduas que o movimento social tem na sua pauta. Precisamos resgatar o que é mais sagrado, que é o direito à liberdade de expressão. A leitura sobre a necessidade de democratização da comunicação é a mesma há mais de 20 anos. Houve avanços na economia, na democracia, mas não no que diz respeito à comunicação. Esta campanha precisa ser brasileira, a presidenta precisa dizer que quer fazer essa mudança”, finaliza.

Desde o início da gestão da presidenta Dilma Rousseff, o Brasil aguarda um posicionamento sobre a divulgação de uma consulta pública para a instituição de uma nova lei geral da comunicação, baseada nos pontos aprovados na I Conferência de Comunicação, realizada em 2009.

A campanha “Para Expressar a Liberdade” é organizada pelo FNDC, e tem a participação de dezenas de entidades do movimento social.

www.paraexpressaraliberdade.org.br

2012: hecatombe para os atores da informação

2012 em cifras

88 jornalistas assassinados (+33 %)
879 jornalistas detidos/interpelados
1993 jornalistas  agredidos o ameaçados
38 jornalistas sequestrados
73 jornalistas fugiram de seu país
6 colaboradores dos meios de comunicação assassinados
47 netcidadãos e jornalistas cidadãos assassinados
144 blogueiros e netcidadãos detidos

193 jornalistas encarcerados
(registrados até 18 de dezembro de 2012)

O ano 2012 foi particularmente mortífero. O número de jornalistas assassinados no exercício de sua profissão subiu 33% em relação a 2011. As zonas mais afetadas foram o Oriente Médio e a África do Norte (26 mortos), Ásia (24 mortos) e África Subsahariana (21 mortos). Só o continente americano experimentou una baixa –relativa– em relação ao número de jornalistas assassinados no âmbito de seu exercício profissional (15 muertos).

Desde 1995, o balanço nunca havia sido tão macabro. Nestes últimos anos, o número de jornalistas assassinados cresceu para: 67 em 2011, 58 em 2010 e 75 em 2009. Em 2007 esta cifra atingiu um pico histórico: 87 profissionais dos meios de comunicação foram assassinados, um menos que em 2012. Os 88 periodistas que perderam a vida este ano devido ao exercício de sua atividade profissional foram vítimas da cobertura de conflitos armados ou de atentados, morreram assassinados por grupos ligados ao crime organizado (máfia, narcotráfico, etc.), milícias islâmicas ou por ordem de oficiais corruptos.

“O número historicamente elevado de jornalistas assassinados em 2012 se atribui principalmente ao conflito na Síria, ao caos na Somália e à violência dos talibãs no Paquistão. A impunidade que gozam os autores das execuções favorece que continuem as violações aos direitos humanos, em particular ao direito à liberdade de expressão”, declarou Christophe Deloire, Secretario Geral do Repórteres sem Fronteiras.

Ao mencionar os atentados perpetrados contra os ‘atores da informação’, se fez no sentido amplo do término. Assim, destes 88 jornalistas assassinados, se considera os jornalistas cidadãos e os netcidadãos, que também se viram gravemente afetados (47 deles foram assassinados em 2012; enquanto que em 2011 foram 5), em especial na Síria. Trata-se de homens e mulheres que exercem a função de repórteres, fotógrafos ou videoastas para documentar a situação cotidiana e a repressão. Sem seu trabalho, o regime sírio poderia impor um silencio total sobre a informação em certas regiões e continuar com o massacre à porta fechada.

Para estabelecer estas cifras, Repórteres sem Fronteiras se baseia em dados precisos, levantados ao longo do ano graças a seu trabalho de vigilância das violações à liberdade de expressão. Nestas estatísticas, só se inclui aos jornalistas e netcidadãos que perderam a vida no âmbito de seu trabalho informativo. Repórteres sem Fronteiras não leva em conta os jornalistas ou netcidadãos que foram assassinados no marco de atividades estritamente políticas ou militantes, em todo caso, que não tenham relação com a gestão informativa.

Existem outros casos sobre os quais a organização ainda não conta com os elementos necessários para determinar sua situação, e que seguem em investigação.

 

2011

2012

Evolução

Jornalistas assassinados

66

88

+33%

Jornalistas detidos

1044

879

-16%

Jornalistas agredidos o ameaçados

1959

1993

+2%

Jornalistas sequestrados

71

38

-46%

Jornalistas que fugiram de seu país

77

73

-5%

Netcidadãos e jornalistas cidadãos assassinados

5

47

+840%

Netcidadãos detidos/interpelados

199

144

-27%

Os 5 países mais mortíferos para os jornalistas

Pese a aprovação da Resolução 1738 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que lembra aos Estados sobre a necessidade de proteger os repórteres que trabalham em zonas perigosas, a violência contra os jornalistas continua sendo uma das ameaças maiores para a liberdade de expressão. Em primeiro lugar, os assassinatos.

Siria, cemitério dos atores da informação
Em 2012 foram assasinados ao menos 17 jornalistas cidadãos, 44 jornalistas e 4 colaboradores dos meios de comunicação
Na Síria, a sangrenta repressão empreendida por Bachar el-Assad atingiu os atores da informação, testemunhas indesejadas das execuções cometidas por um regime encurralado. Em paralelo, os jornalistas também foram agredidos por certos grupos armados que se opunham ao regime, cada vez mais intolerantes com as críticas e prontos a tachar de espiões aos profissionais da informação que não difundiam seus discursos. A polarização da informação, a propaganda, as intenções de manipulação, a violência extrema que enfrentam os jornalistas e os jornalistas cidadãos, os obstáculos técnicos registrados, fazem do trabalho de levantar e difundir informação neste país, um verdadeiro sacrifício.

Um ano obscuro para Somália
18 jornalistas foram assassinados neste país da  África em 2012
Os jornalistas que perderam a vida na Somália em 2012 foram duas vezes mais do que em 2009, que havia sido até então o ano mais mortífero do país. A segunda quinzena do mês de setembro foi particularmente sangrenta: sete jornalistas foram assassinados, dois deles em menos de 24 horas; um foi decapitado, o outro, crivado de tiros. Os “clássicos”? Assassinatos planejados e atentados com bombas. Os jornalistas foram vítimas das milícias armadas, os shebab, mas também dos governos locais que tentavam calar os meios de comunicação. Os jornalistas somalis trabalham em condições espantosas, tanto na capital, Mogadíscio, como nas outras regiões do país. A falta de um governo estável há mais de 20 anos neste Estado falido, onde a violência se arraigou e a impunidade é a regra, alimentou este conto macabro.

Paquistão, um jornalista assasinado por mês
9 jornalistas e um colaborador dos meios de comunicação foram assassinados: entre a violência endêmica de Baluchistão e as represálias dos talibãs, um terreno minado para os repórteres
Pelo segundo ano consecutivo se registraram nove mortos no Paquistão, quer dizer, praticamente um jornalista por mês desde fevereiro de 2010. De 2009 a 2011 este foi o país mais mortífero para a imprensa e Baluchistão continua sendo uma das regiões mais perigosas do mundo. Com suas zonas tribais, sua fronteira com o Afeganistão, suas tensões com a Índia, sua caótica história política, Paquistão é uma das regiões mais complicadas de cobrir. Ameaças terroristas, violência policial, poder sem freio dos potentados locais, perigos inerentes aos conflitos nas zonas tribais, tantas armadilhas fatais no caminho dos jornalistas.

México, os jornalistas na mira do crime organizado
6 jornalistas assassinados
A violência –exponencial em seis anos de ofensiva federal contra os cartéis– se multiplica sobre os jornalistas que se atrevem a tratar temas relacionados com o narcotráfico, a corrupção, a infiltração da máfia entre as autoridades locais ou federais, e as violações aos direitos humanos atribuídas a estas mesmas autoridades.

Brasil: detrás do palco
5 jornalistas assassinados
No Brasil a mão do narcotráfico na fronteira com o Paraguai aparece claramente como a causa dos cinco assassinatos de jornalistas registrados, relacionados diretamente com o exercício de sua profissão. Três dos jornalistas que perderam a vida haviam denunciado a influência dos cartéis nos setores políticos e econômicos locais; outros dois eram jornalistas-blogueiros, que no general correm importantes riscos quando denunciam a implicação de uma autoridade ou um caso de corrupção.


Tradução: Bruno Marinoni

Regulação da mídia: O ruim sempre pode piorar

Apesar do trabalho desenvolvido há décadas por pessoas e/ou entidades da sociedade civil, e apesar do inegável aumento da consciência coletiva sobre a centralidade da mídia na vida cotidiana, não tem havido resposta correspondente dos poderes da República no sentido da proposta e/ou implementação de políticas públicas que promovam a universalização do direito à comunicação em nosso país.

Ao contrário. Ações que representariam avanços relativos, muitas vezes, não são cumpridas, se descaracterizam ou se transformam em inacreditáveis recuos – alguns, com apoio em decisões do Judiciário.

São muitos os exemplos. O principal deles é certamente a própria Constituição de 1988, cuja maioria dos artigos relativos à comunicação social não logrou ser regulamentada decorridos 24 anos de sua promulgação.

Outros, não menos importantes, incluem:

>> O decreto que criava o serviço de retransmissão de TV institucional (RTVIs), que foi revogado dois meses depois (2005);

>> O resultado do trabalho de duas comissões criadas no âmbito do governo federal para propor uma nova regulamentação para as rádios comunitárias (GT 2003 e GTI 2005), que nunca foi levado em conta;

>> O primeiro decreto sobre o modelo de TV digital (2003), que foi substituído por outro apontando para a direção inversa (2006);

>> O pré-projeto que transformava a Ancine em Ancinav (2004) que nunca chegou sequer a se tornar projeto, mas seus opositores foram contemplados com a criação do Fundo Setorial do Audiovisual (2006) e, mais recentemente, com a polêmica Lei 12.485/2011;

>> As diretrizes originais para a comunicação constantes da primeira versão do III Programa Nacional de Direitos Humanos, PNDH3 (2009) foram alteradas menos de cinco meses depois por novo decreto (2010): excluíram-se as eventuais penalidades previstas no caso de desrespeito às regras definidas; e exclui-se a proposta de elaboração de “critérios de acompanhamento editorial” para a criação de um ranking nacional de veículos de comunicação.

>> A convocação e realização da 1ª Confecom – Conferência Nacional de Comunicação, que produziu mais de 600 propostas que jamais saíram do papel (2009);

>> Os três decretos que finalmente geraram um anteprojeto de marco regulatório para a comunicação eletrônica (2005, 2006 e 2010) que nunca se tornou público

E por aí vai.

Temas recorrentes

Há de se registrar ainda decisões do poder Judiciário como:

1.A improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que sustentava a inconstitucionalidade de quatro artigos do decreto 5820/2006 (TV Digital);

2.A não regulamentação do “direito de resposta” em função da inconstitucionalidade total da antiga Lei de Imprensa;

3.O estabelecimento de uma hierarquia de liberdades que privilegia o direito das empresas sobre o direito do cidadão; e,

4.A recente criação de um Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa no Conselho Nacional de Justiça – onde terão assento as principais entidades representantes da grande mídia – com o objetivo de monitorar as ações judiciais que envolvem o que tem sido chamado de “censura judicial”. Na prática, mais uma proteção à liberdade das grandes empresas de mídia em detrimento do direito do cidadão.

Muitas dessas questões têm sido tratadas neste Observatório mais de uma vez, ao longo do tempo. Não há qualquer novidade nisso.

Os conselhos de comunicação

Há, todavia, um exemplo que merece referência especial pela constatação da incrível impotência de atores da sociedade civil – inclusive, de partidos políticos e parlamentares – além da imensa frustação que representa para aqueles que lutam pela universalização da liberdade de expressão no nosso país: os conselhos de comunicação.

A história é conhecida, mas vale um breve resumo. Ponto principal de disputa na Constituinte de 1987-88, a criação de uma agência reguladora nos moldes da FCC americana se transformou, na undécima hora, no Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional (artigo 224). Regulamentado por lei em 1991, só foi instalado 11 anos depois, em 2002. Funcionou por quatro anos e ficou desativado por cerca de seis anos. Recentemente foi reinstalado de forma autoritária e sob protesto da Frentecom e do FNDC. Sua composição não traduz a ideia da Constituição de 1988, de um órgão plural com representação diversa. Há um claro predomínio de interesses empresarias.

Na primeira sessão do novo CCS, um representante da grande mídia propôs reduzir suas funções regimentais para que sua ação de assessoramento se restrinja apenas às demandas do Congresso Nacional, excluindo, por exemplo, a possibilidade de debate e encaminhamento das propostas aprovadas na 1ª Confecom.

Nos 10 estados (e no Distrito Federal) onde as Constituições e a Lei Orgânica preveem conselhos estaduais de comunicação – a exemplo do CCS –, até hoje apenas na Bahia ele foi instalado (2012) e, mesmo assim, com funcionamento precário.

Em pleno século 21, na contramão de países vizinhos e das democracias liberais consolidadas, permanecemos praticamente sem um único espaço democrático institucionalizado onde questões relativas à universalização da liberdade de expressão possam ser sequer debatidas.

No Brasil, no que se refere à regulação democrática da mídia, o ruim pode sempre piorar. E tem piorado.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros

Ninguém é dono da internet

Onde você estava quando o Google foi embora? Como você imaginaria um mundo com a internet fora do ar?

A internet é um espaço público, como uma cidade, um parque, o meio ambiente que, apesar de ter surgido num contexto de guerra, tornou-se o que é hoje por impulso do que o ser humano tem de mais nobre: a criatividade, inteligência e vocação para socializar, tornando-a uma importante e decisiva manifestação cultural.

E este espaço ainda está em estado bruto, sujeito ao poder dos grupos econômicos que veem na internet uma oportunidade infinita de lucros, bem como ao poder dos governos autoritários que encaram este valioso palco para as mais diversas e livres manifestações dos pensamentos e comunicação uma ameaça aos seus domínios.

É neste contexto que nasceu o projeto de lei (PL 2126/2011) do Marco Civil da Internet, resultado de um debate intenso contando com a participação significativa da sociedade iniciado em 2009 pelo Ministério da Justiça, que se deu por intermédio de dois processos de consulta pública, até chegar à Câmara, tendo como relator o deputado Alessandro Molon (PT-RJ).

Pretende-se com o PL o estabelecimento de princípios, garantias, direitos e deveres, bem como a definição de diretrizes para atuação dos Poderes Públicos para a regulação do uso da internet no Brasil.

O PL traz princípios fundamentais para a garantia de que a internet não será apropriada por interesses comerciais e que não servirá de instrumento para a discriminação social, o cerceamento da livre manifestação do pensamento e para o desrespeito à garantia da privacidade.

Sendo assim, é fácil entender o motivo pelo qual as teles têm mobilizado esforços significativos para impedir a aprovação do projeto. E seus esforços têm sido bem sucedidos, especialmente porque encontram respaldo na atuação retrógrada e marcada pelo viés oligárquico que domina o Congresso Nacional.

Foi assim que no último dia 20 de novembro, por uma manobra hábil do deputado Eduardo Cunha (PMDB), o deputado Arnaldo Farias de Sá (PTB) se prestou a apresentar requerimento de retirada do PL da pauta de votação pela quarta vez, acolhido pelo voto da maioria dos partidos, menos do PT, PSOL e PCdoB.

O golpe no PL poderá ter sido decisivo, pois o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), irritado com a manobra, anunciou que a partir daquele momento o projeto deixava de ser uma prioridade, o que significa um retrocesso.

Corremos o risco de deixarmos de ter a “Constituição da Internet”, como se comentou na imprensa internacional noticiando que o Brasil perdeu a oportunidade de se tornar uma referência geopolítica no cenário da regulamentação dos direitos da internet.

O objetivo das teles é levar a discussão do tema para a próxima reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT), que ocorrerá em Dubai a partir de 3 de dezembro. Os grandes grupos econômicos pretendem que na UIT – órgão marcado pela falta de transparência e sujeito às pressões dos poderosos – consigam definir orientações contrárias ao princípio da neutralidade das redes, de modo que as empresas fiquem autorizadas a discriminar o tráfego de pacotes de dados na internet, de acordo com o valor pago pelos consumidores. Traduzindo: quem pagar mais vai ter privilégio no tráfego.

Outro ponto fulcral para as teles: ao contrário do que estabelece o projeto, querem ter o direito de guardar e usar as informações privadas daqueles que usam suas redes.

Dezenas de entidades da sociedade civil, entre elas a PROTESTE – Associação de Consumidores – enviaram cartas a ANATEL – que representa nosso país na UIT – no sentido de deixar claros os interesses dos cidadãos brasileiros e as divergências com as pretensões das teles. Sabemos que elas hoje têm um poder de influência determinante na agência e seria lamentável ver o Brasil defendendo posição retrógrada quanto ao que foi recentemente reconhecido pelo Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de que, assim como a liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de telecomunicações também se constitui como direito humano fundamental a ser protegido por todos os países.

No meio dessa forte disputa, saudamos a União Europeia que, identificando a manobra dos grupos econômicos, no último dia 23 de novembro divulgou uma carta de diretrizes afinadas com os princípios expressos no PL do Marco Civil da Internet, especialmente no que diz respeito à neutralidade das redes.

Estamos, então, num momento crucial, pois, no fundo, o que as teles pretendem é exercer o poder de donas da internet; pretendem confundir infraestrutura com o espaço virtual criado a partir das redes de telecomunicações, sob o falacioso argumento de que não é justo que empresas de conteúdo como Google, Facebook, Netflix, entre outras , paguem pelo uso da internet o mesmo do que os pequenos consumidores.

Ocorre que, se essas empresas ocupam muito as redes é porque nós consumidores demandamos muitas informações; é este o maior valor envolvido na questão. Quanto mais as empresas de conteúdo pagarem às teles, mais caros ficarão os valores dos serviços contratados com os consumidores, trazendo consequências indesejáveis para a universalização dos serviços ofertados na internet.

A mobilização da sociedade civil neste momento é urgente e imprescindível; temos de ser eficientes para que o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, atuem de acordo com os anseios legítimos de nós que os elegemos, apoiando e fortalecendo os parlamentares comprometidos com o interesse público e com a aprovação do Marco Civil da Internet.

Participação social deve ser prioridade para Anatel

No último dia 14, o Conselho Diretor da Anatel aprovou um Plano de Trabalho para implementar diretrizes voltadas à ampliação de informações e inclusão dos usuários de serviços de telecomunicações nas decisões da agência. O plano é resultado das determinações contidas no item 9.3.3 do Acórdão nº 1.864/2012 do Tribunal de Contas da União (TCU) publicado em julho deste ano.

Dentro da avaliação feita pelo TCU desde a relatoria de 2005 e 2006 sobre a qualidade da prestação dos serviços de telecomunicações da agência, está a cobrança por uma melhor fiscalização do cumprimento das obrigações das prestadoras com os usuários e a necessidade de aumentar a participação social no processo de regulação da Anatel.

Algumas medidas para aumentar a inclusão da população já foram tomadas pelo órgão e merecem destaque como as transmissões ao vivo na internet das reuniões do Conselho Diretor e os sorteios dos relatores dos processos em tramitação. Mas ainda falta uma análise e ações mais aprofundadas em pontos estratégicos para o acesso democrático às atividades da agência e aos serviços de telecomunicações no país.

O fórum "Alô Brasil", por exemplo, foi citado neste Plano de Trabalho como uma ferramenta de estímulo e participação social já disponível e em funcionamento. De acordo com a Anatel, o fórum, contribuiria inclusive, "na diminuição da assimetria da informação dos consumidores e de seus representantes em relação às prestadoras”.

No entanto, o evento teve apenas seis edições em 2011 em diferentes estados (DF, MG, AC, SP, BA e RS) e o Conselho Consultivo, principal espaço democrático de atuação e representação de todos os setores -governo, mercado, microempresas e sociedade civil- dentro da agência) em nenhum momento foi convidado a participar.E até este mês ainda não há previsão para a realização do evento em 2012.

Para a Anatel, o Fórum Alô Brasil, também seria o espaço para aperfeiçoar e ampliar as ações de proteção dos direitos do consumidor estreitando o relacionamento com organismos de Defesa e Proteção dos Direitos do Consumidor como Procons, Idec e Conselhos de Usuários, além do governo e sociedade civil em geral e as próprias empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações. O mais importante é que esses espaços e fóruns sejam postos em prática e não se limitem a apenas alguns parcos encontros até a sua extinção, como ocorreu com o Fórum Brasil Conectado criado para debater o Plano Nacional de Banda Larga, (PNBL), ainda em 2010 e engavetado até hoje sem nenhuma notícia, ou satisfação.

Procedimentos importantes como reuniões prévias com entidades dos consumidores para a elaboração da regulamentação antes da minuta, ou da realização de Consultas Públicas foram feitos apenas ocasionalmente. O prazo para conclusão desta ação é 13 de janeiro de 2013.  Vemos esta medida como positiva, mas salientamos a necessidade de ampliação do número de entidades que devem ser ouvidas previamente às consultas.

Segundo o documento, algumas entidades como a Fundação Procon (SP), a Fundação Procon (DF), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), além do Ministério da Justiça participaram na concepção do regulamento das obrigações de universalização. Mas, é preciso ampliar consideravelmente este processo, assim como pensá-lo dentro do regulamento interno da agência.

Outra ação assertiva neste ano foi o lançamento na rede do “Fique Ligado” com o objetivo de dar acesso ao público em geral da situação dos telefones públicos e quais estão em funcionamento e em manutenção. O problema é que as fontes das informações fornecidas são justamente as próprias concessionárias. Não é à toa que no mapa georreferenciado no documento, a situação tenha melhorado bastante. Uma realidade bem diferente da constatada nas ruas de todo o Brasil que conta apenas com uma rede sucateada, telefones sujos e sem nenhuma condição de funcionamento.

Sugerimos que a Anatel fiscalize diretamente esta rede. A construção destes dados precisa ser feita a partir do cruzamento das informações das operadoras e da própria agência. Instrumentos de fiscalização popular como o “Fique Ligado” têm que ser mais divulgados na rede e nos espaços públicos.

O Instituto Telecom, responsável pela produção do parecer do Conselho Consultivo sobre o relatório anual de 2011 da Anatel, já sugeria que várias medidas deveriam ser tomadas para garantir a redução da assimetria de informação dos consumidores e de seus representantes em relação às prestadoras. A ausência de dados próprios é na visão do Instituto, um dos principais problemas enfrentados pela agência que a impede, inclusive, de cumprir pontos essenciais como a elaboração de um modelo de custos para todos os serviços que estão sob sua responsabilidade. Assim como a divulgação de informações mais condizentes e reais para o consumidor.

Chamamos a atenção para a necessidade de considerar todo o trabalho e função do Conselho Consultivo neste Plano de Trabalho divulgado. Espaço este que com certeza poderia ser um dos principais atores a auxiliar a Anatel a cumprir o seu papel e desafio de diminuir a histórica distância e falta de diálogo com a população. Este sim, pode ser um dos primeiros passos para alcançar a tão esperada participação social nas telecomunicações.