Arquivo da categoria: Análises

Rádios comunitárias e livres no celular

Por Bruno Marinoni*

Os centros urbanos estão cada vez mais povoados por pessoas que transitam de lá para cá com seus fones de ouvido, seja nos ônibus, metrôs, trens, barcas ou mesmo a pé. A prática de se ouvir playlists ou transmissões de rádio por meio dos telefones celulares parece se alastrar na esteira da epidemia dos smartphones. Em meio a isso tudo, rádios livres e comunitárias vão construindo o seu caminho para se incorporar às novas tecnologias. Exemplo disso foi a criação do Radcom, aplicativo para Android e IOS que reúne e disponibiliza transmissões dessas emissoras espalhadas por todo o mundo.

Brasil, Argentina, África do Sul, Nicarágua, Alemanha e Suíça são apenas alguns dos países que já possuem emissoras conectadas ao aplicativo. Embora muitos comunicadores populares e ativistas já dominem boa parte das novas tecnologias e transmitam programação por meio da internet, essa não é a regra. Além disso, diante das inúmeras possibilidades de navegação no mundo virtual, a localização dessas iniciativas nem sempre é tão fácil. Por isso, a proposta de disponibilizar os conteúdos para dispositivos móveis representa uma das frentes de batalha que a comunicação não-corporativa tem que enfrentar hoje.

O agrupamento das rádios comunitárias e livres em um mesmo aplicativo que facilita o acesso pode ser uma estratégia importante de fortalecimento e visibilidade dessas iniciativas. A luta por um lugar no espectro eletromagnético se ampliou e vai ganhando novos contornos ao ter que lidar com a convergência digital. Para conhecer e difundir conteúdos independentes, basta fazer o download do aplicativo, que está disponível aqui. Mesmo quem ainda não aderiu ao software livre não precisa ficar de fora. O Radcom funciona também em sistemas operacionais como Windows e Mac, além, claro, do Linux.

*Bruno Marinoni é doutor em Sociologia pela UFPE e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Marco Civil da Internet: só em 2014?

Por Bruno Marinoni*

Continua se arrastando a novela do Marco Civil da Internet, no Congresso Nacional. Tramitando em regime de urgência na Câmara, a proposta tranca a pauta de votações devido à falta de acordo entre as lideranças partidárias e à pressão das empresas de telecomunicações, que buscam esterilizar o chamado princípio da neutralidade de rede, contido no documento. O governo que, no primeiro momento, após a repercussão da espionagem americana, agiu para acelerar a aprovação da regulamentação dos direitos na rede mundial de computadores, agora parece interessado em utilizar os processos burocráticos da tramitação em regime de urgência como estratégia para travar outras votações, como a da PEC do Orçamento Impositivo.

Além disso, o Marco Civil enfrenta nada menos do que a liderança do PMDB na Câmara, o que faz com que o PT corra o risco de uma fratura na relação com o seu principal aliado político, às vésperas das eleições de 2014. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Telerj durante o governo Collor, defende com afinco os interesses das teles no Congresso e demonstrou bastante irritação quando o Intervozes, durante sessão da Comissão Geral que debateu o tema, advertiu que os parlamentares seriam cobrados pela sua decisão em relação ao Marco Civil.

Defensores do direito à comunicação, da liberdade na internet, da neutralidade de rede e da privacidade reivindicam a urgência da votação. Na última terça-feira, 26, movimentos sociais e a Frente Parlamentar pelos Direitos Humanos realizaram um novo ato, na Câmara, em defesa do texto proposto pelo relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ). A manifestação se soma a outras já realizadas para defender o ambiente democrático da Internet, como o “Grito da Liberdade”, ocorrido, no início de novembro, no Rio de Janeiro.

Diante dos seguidos adiamentos, a votação pode ficar apenas para o ano que vem. A pressão vai aumentando com o anúncio do governo de que vai realizar a primeira “Reunião Multisetorial Global Sobre Governança da Internet”, evento internacional proposto após as denúncias de que o governo estadunidense estaria espionando outros países por meio das tecnologias de informação. Segundo Carlos Afonso, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), “O diálogo do Brasil com as principais entidades internacionais envolvidas com a manutenção e o desenvolvimento das tecnologias da internet a partir das propostas do discurso na ONU resultou na ideia de um encontro internacional pluralista para discutir o futuro da governança da internet à luz dessas violações maciças de direitos”.

O Brasil pode promover um evento internacional em que vá se apresentar como vanguarda da defesa dos direitos fundamentais na internet, tendo aprovado o Marco Civil com a garantia da neutralidade de rede e outros pontos inegociáveis. Pode, por outro lado, promover um fiasco internacional se não votar a matéria, pois mostrará o descompasso entre prática e teoria. Costumo ser otimista, mas com frequência a realidade tem ignorado essa minha postura.

* Bruno Marinoni é doutor em Sociologia pela UFPE e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

EBC: uma greve histórica em defesa da comunicação pública

Por Jonas Valente*

Chegou ao fim, no último dia 22/11, a greve dos trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que durou 15 dias. A EBC foi criada a partir da Radiobrás e da TVE do Rio de Janeiro para ser a cabeça do sistema público de comunicação do país e congrega veículos importantes como a TV Brasil, a Agência Brasil, a TV NBR e diversas rádios, como as MEC AM e FM do Rio, a Nacional FM de Brasília e a Nacional da Amazônia.

O fortalecimento deste aparato, a valorização profissional e a garantia de condições de trabalho para realizar uma comunicação pública de qualidade foram os fatores que mobilizaram os mais de 700 empregados grevistas. Esse foi, antes de tudo, um movimento em defesa do projeto de oferta de informação e cultura voltadas aos interesses da população e à garantia de seus direitos.

A negociação começou no início de outubro. No dia 7 de novembro, os trabalhadores entraram em greve. A direção da empresa conseguiu levar o caso para resolução no Tribunal Superior do Trabalho. Ele iria ser encaminhado para ser julgado pela corte (o chamado dissídio coletivo) se não houvesse resolução do impasse.

Ao final, os trabalhadores aceitaram fechar um acordo de dois anos com reajuste salarial de 0,5% acima da inflação no fim de 2013 e 0,75% em novembro de 2014. Desde 2010 a empresa não concedia ganho real no fechamento dos acordos coletivos. Além disso, os empregados receberão quatro talões extras do auxílio alimentação, cada um valor de R$ 832 (nos meses de dezembro e junho de cada ano).

Um dos pontos centrais para o fechamento do acordo foi a manutenção das cláusulas sociais do Acordo Coletivo vigente. É o caso da obrigação do preenchimento de um mínimo de cargos de chefia por pessoas do quadro, a correção de casos de acúmulo e desvio de função, a possibilidade dos empregados avaliarem os chefes e o abono de faltas em casos de cuidados domiciliares. No início da negociação, a direção da empresa tentou retirar 10 itens por determinação do Ministério do Planejamento.

Outro elemento importante, e que viabilizou a celebração do acordo, foi a garantia da compensação das horas não trabalhadas. Em audiência de conciliação realizada no Tribunal Superior do Trabalho, convocada pelo ministro Barros Levenhagen, a empresa recuou de proposta apresentada anteriormente e disse que cortaria o ponto dos grevistas. Mas depois voltou atrás e assegurou a compensação.

A construção do projeto

Tão importante quanto as conquistas do acordo foi o processo da greve em si. Os empregados da Empresa Brasil de Comunicação perceberam seu poder de mobilização e se reconheceram enquanto um corpo importante para a preservação estratégica e a longo prazo deste projeto de comunicação pública com autonomia em nosso país.

Os trabalhadores saem da greve para continuar a luta por valorização. Pela transformação da empresa em um espaço com remuneração adequada, mas que também assegure capacitação para que os veículos possam ser referência em qualidade e inovação. E que seja gerido de forma democrática, com participação dos empregados nas instâncias políticas, editoriais e de gestão. Um dos objetivos é chegar a situações como as encontradas no Banco do Brasil e na Petrobrás, onde a ocupação dos postos decisivos por pessoas da casa é prática comum. A revisão do Plano de Carreiras da empresa, já iniciada e com fim previsto para o primeiro semestre do ano que vem, será o próximo momento crucial desse debate.

Um documento com demandas para melhoria dos veículos também começou a ser elaborado durante a greve. Outro com sugestões para o jornalismo já foi apresentado ao Conselho Curador da empresa. Esses processos serão retomados. O objetivo é se fazer presente no debate sobre as estratégias da empresa e de seus veículos.

Com isso em foco, as cobranças do movimento tiveram e continuarão a ter como alvo também o governo federal. Pois deve partir dele a garantia de investimentos e estrutura para que a EBC e o sistema público possam ser fortalecidos. Isso passa pela ampliação do orçamento da empresa e pela liberação dos recursos da Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública. E pela garantia de espaço para as emissoras públicas no sinal digital, ao contrário da perda de espaço anunciada com a destinação da faixa de 700 MHz para a banda larga móvel.

É esse compromisso que fez dessa greve algo que vai muito além de uma luta corporativa. Essa agenda, que combina demandas do dia a dia acerca da necessidade de valorização profissional com decisões estratégicas para o futuro do sistema público de comunicação no país, coloca os empregados da EBC como atores importantes na construção desse projeto. E, mais importante: atores com disposição para lutar.

* Jonas Valente é coordenador geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e editor da TV Brasil.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Comunicação pública sob ataque

Por Bruno Marinoni*

“Primeiro virá o leilão de 4G, que é aquilo que dá dinheiro, depois será garantida a cidadania”. A frase do presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Nelson Breve, proferida em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, explicita bem o desafio que a comunicação pública tem enfrentado no país e, de forma particular, no atual momento. Cerca de cinco anos após a criação da EBC, o governo federal segue demonstrando que a suposta atenção ao interesse público pode não ter passado de um lapso.

Gostaria de poder contar para o leitor deste artigo que a polêmica sobre o tema prossegue, mas, infelizmente, Breve é novamente mais preciso do que eu. “Estamos desapropriados e isso já é fato consumado. Só tenho a lamentar”. A frase faz referência à resolução, publicada no Diário Oficial da União pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no dia 13 de novembro, que autoriza o uso da faixa de 700 MHz do espectro eletromagnético para a utilização do serviço de banda larga móvel, conhecido como 4G. A fatia abrange toda a extensão entre o canal 52 e 69 do UHF. A chave do problema diz respeito ao fato de que exatamente esse espaço estava destinado à digitalização dos canais de TV pública.

O chamado “campo público” de comunicação, apavorado diante da possibilidade de não conseguirem realocar os seus canais, pois o espectro eletromagnético está saturado em algumas cidades, como Campinas (SP), exige do governo a implementação de um operador nacional público de radiodifusão como contrapartida. Com isso, um único responsável garantiria a infraestrutura necessária para a transmissão das emissoras públicas, o que poderia ser uma forma de fortalecer o setor, já que garantiria os investimentos necessários para o funcionamento de canais universitários, legislativos, estatais e comunitários. No entanto, a resposta do governo tem sido o silêncio.

Soma-se a isso o fato das empresas de telecomunicação moverem boa parte de seu arsenal jurídico para questionar a responsabilidade que possuem com a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública. O fundo, criado pela lei que cria a EBC, tem por objetivo “propiciar meios para a melhoria dos serviços de radiodifusão pública e para a ampliação de sua penetração mediante a utilização de serviços de telecomunicações”. São mais de R$ 1,4 bilhão de reais depositados em juízo, impedidos de serem utilizados para investimento, porque as teles acham absurdo darem contrapartida ao país que lhes deu e continua lhes dando tudo de mão beijada. O governo não dá sinais de que vá pressionar as teles e caminhar rumo à valorização da comunicação pública. Pelo contrário, dá sinais de que deve seguir demolindo o que foi construído até então.

*Bruno Marinoni é repórter do Observatório do Direito à Comunicação e doutor em Sociologia pela UFPE.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Enfrentamento ao racismo e consciência negra: e a comunicação com isso?

Por Cecília Bizerra Sousa*

Hoje é véspera do 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Dia em que Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, foi perseguido e morto, no ano de 1695. Embora a data venha sendo lembrada há tempos pelo Movimento Negro, apenas em 2003 foi reconhecida oficialmente pelo Estado brasileiro, por meio da Lei n°10.639, que inclui a data no calendário escolar nacional. E só em 2011 a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei n° 12.519, que cria oficialmente a data, sem obrigatoriedade de feriado. Mesmo assim, um total de 1.047 municípios já decretou feriado para o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Para além da reflexão sobre a contribuição que a população negra teve e tem na construção da sociedade, da economia e da cultura brasileiras, a data serve também para lembrar que a desigualdade racial é estruturante na formação da nossa sociedade, e que o desenvolvimento de políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade racial são primordiais.

E o que isso tem a ver com comunicação? Muita coisa. Porque, se consciência negra tem a ver com enfrentamento ao racismo, e o racismo é frequentemente produzido e reproduzido pelos discursos midiáticos, não há como enfrentá-lo sem também reconhecer a necessidade de mudanças na comunicação de massa no Brasil, tradicionalmente branca, concentrada, de natureza familiar e elitista.

Como se não bastasse o histórico de escravização, que tem notórios reflexos sobre a situação de inferioridade socioeconômica e cultural em que a população negra brasileira se encontra hoje, esta população ainda luta, em pleno século XXI, contra o racismo midiático, que elabora e reforça os preconceitos. Este racismo velado (ou não) atua com primazia para reforçar a invisibilidade, a inferiorização e a estigmatização da população negra brasileira nos meios de comunicação. A negação da existência do racismo, que contribui para a sua reprodução, também faz parte da forma de atuação desta grande mídia.

Em sua história de lutas, o Movimento Negro Brasileiro conquistou grandes avanços institucionais, como as políticas de ação afirmativa para a inclusão de negros e negras nas universidades e a criação Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, um órgão com status de ministério que, entre outras coisas, atua na formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial.

Por outro lado, não é fácil esses avanços e políticas se consolidarem se, no cenário midiático, o racismo é negado; negros e negras representam papéis subalternos nos enredos; programas evangélicos demonizam as religiões de matriz africana; a publicidade vende como nunca a mulher negra; revistas e comerciais exaltam o padrão de beleza eurocêntrico e vendem a família branca, urbana e de classe média como ideal de felicidade.

Não à toa, diversas propostas de legislação e políticas públicas vêm surgindo como fruto do aprofundamento dos debates envolvendo a questão racial e a comunicação. O Estatuto da Igualdade Racial conta com um capítulo sobre Comunicação Social. As três edições da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) e a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) aprovaram resoluções que recomendam políticas públicas de comunicação voltadas para o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial. Destaca-se também a presença de artigos contemplando a questão racial no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática, formulado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação em conjunto com diversas outras entidades da sociedade civil, diversas diretamente ligadas à pauta racial.

A democratização da comunicação é, portanto, questão estratégica e fundamental para o enfrentamento ao racismo e a consolidação das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil. Continua urgente uma regulação que coíba o racismo de fato na mídia, que reavalie a manutenção de concessões de rádio e TV que praticam o racismo em sua programação, que garanta o direito à diversidade étnica na mídia e a uma formação que incorpore o debate sobre a questão racial nos cursos de Comunicação Social.

Sem uma mídia que se comprometa com a afirmação da diversidade da população brasileira e com o caráter público da comunicação, a negação do racismo, a inferiorização, estigmatização e invisibilidade da população negra continuarão presentes na pauta, nas linhas, imagens e discursos da mídia brasileira.

* Cecília Bizerra Sousa é jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília, militante do Movimento Negro e integrante do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.