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A TV e o rádio como trampolim político

Por Iara Gomes de Moura e Janaíne Aires* 

No terceiro artigo da série sobre coronelismo eletrônico, mostraremos como a imbricada relação entre meios de comunicação de massa e política não se restringe apenas à propriedade das empresas concessionárias do sistema de radiodifusão. Se a relação entre políticos e concessões públicas já é um dado conhecido no país, pouco se tem atentado ao fato de os programas televisivos serem também espaços privilegiados para a elevação de seus apresentadores ao patamar de representantes eletivos da sociedade brasileira.

Mesmo que a legislação eleitoral impeça a aparição dos candidatos em tais programas durante o período de campanha, não há uma legislação específica coibindo a presença de políticos com mandatos em vigência na apresentação de programas de TV. O poder de lobby instituído a partir do momento em que os eleitos têm uma interlocução privilegiada com os cidadãos, podendo utilizar a TV como palanque eleitoral, é, portanto, altamente questionável e também mereceria algum tipo de regulação.

Pegando exclusivamente o exemplo dos chamados programas policialescos, que se multiplicam país afora, uma rápida passagem pelos principais mostra claramente seu uso político, mesclando populismo político a conteúdos sensacionalistas que violam o direito à privacidade e dignidade humana além de violar outros direitos de crianças e adolescentes, jovens, negros e negras, mulheres e população LGBT. Em geral, tais programas trazem a figura de um apresentador carismático, que se coloca na posição do líder e, a partir de discursos insuflados, baseados em recortes da realidade, convoca as pessoas a tomarem posições sobre os problemas retratados no programa. Assim, constroem narrativas de forma com que a única opção do telespectador ou ouvinte seja concordar com a verdade ali construída. Não por acaso, âncoras e repórteres desse tipo de programa têm alçado e alcançado cada vez mais espaços dentro da política institucional no país.

No último domingo, Wagner Montes (PSD) foi reeleito para o terceiro mandato como deputado estadual do Rio de Janeiro, sendo o segundo mais bem votado, com 208.814, para a Assembleia Legislativa. No pleito anterior, em 2010, ele ficou em primeiro lugar, com 528.628 votos. Há mais de 30 anos, Montes trabalha em programas televisivos deste gênero, tendo apresentado o Aqui e Agora (TV Tupi) e O povo na TV (SBT). Atualmente, enquanto exerce o cargo eletivo no Legislativo fluminense, apresenta um dos programas policialescos mais populares da TV brasileira, o Balanço Geral, no ar pela Rede Record desde 2005. O deputado é famoso por seu estilo eloquente e por cobrar no ar maior firmeza por parte da força policial contra os “marginais”. Seu bordão, gritado, é “escraaacha”.

Ao seu lado, a jornalista Cidinha Campos, que tem mais de 50 anos de atuação em programas de rádio e televisão, obteve no domingo mais de 75 mil votos pelo PDT, seguindo para seu terceiro mandato consecutivo como deputada estadual. Após as eleições de 2010, até 2012, a parlamentar apresentou, na TV Bandeirantes do Rio de Janeiro, o programa Cidinha Livre.

Em São Paulo, Russomanno foi o candidato a deputado federal com maior número de votos alcançado em todo o país: 1.524.361, 7,26% dos votos válidos do eleitorado paulista. O apresentador (PRB), já em 1994, elegeu-se o deputado federal mais votado graças à popularidade alcançada como repórter de defesa do consumidor. Suas reportagens mostravam as queixas de cidadãos mal atendidos, colocados frente a frente com fornecedores de serviços e produtos. A conversa muitas vezes descambava para brigas físicas. Russomanno fazia papel de advogado em busca de um acordo. Quando conseguia, encerrava sua aparição com a frase que ficou conhecida na TV: “estando bom para ambas as partes, Celso Russomanno, Aqui e Agora”.

Até o início da campanha eleitoral deste ano, ele seguia como apresentador da TV Record. As urnas confirmaram, no domingo, o impacto do uso das emissoras de rádio e TV nos processos eleitorais.

A relação comprova-se em todos os estados brasileiros e também revela-se a nível municipal. Em Fortaleza (CE), no ano de 2012, o segundo vereador mais votado, com 29.952 mil votos, foi Vitor Valim (PMDB) apresentador do Cidade 190, da TV Cidade, afiliada da Rede Record. No último domingo, ele foi eleito para uma vaga na Câmara dos Deputados em Brasília, tendo recebido a soma vultosa de 92.499 votos no estado. Os radialistas Ely Aguiar (PSDC) e Ferreira Aragão (PDT), também apresentadores de programas policiais, foram reeleitos para a Assembleia Legislativa do Estado. Ely obteve 41.632 votos, enquanto Aragão conseguiu 27.607 votos.

Cabe destacar ainda outro aspecto da relação entre apresentadores de programas e política eleitoral, que vem se mostrando bastante comum: a transferência de capital midiático entre parentes com objetivos eleitorais. Os casos de maior destaque são os de Wagner Montes e Wagner Montes, o filho, no Rio de Janeiro; Wallace Souza e seus irmãos Fausto e Carlos Souza, no Amazonas; Samuka Duarte e Samuka Filho, na Paraíba; e Ratinho e Ratinho Jr., no Estado do Paraná. Depois de se candidatar à Prefeitura de Curitiba em 2012, Ratinho Jr. (PSC) se elegeu neste domingo o deputado estadual mais bem votado no Paraná, com mais de 300 mil votos – 5,23% dos válidos.

Crimes e eleições: o caso amazonense

No Amazonas, o programa policialesco Comunidade Alerta, da afiliada da Rede Bandeirantes de televisão, é apresentado por Ronaldo Tabosa e Jander Tabosa, o “Tabosinha”. Juntos, pai e filho protagonizaram recentemente um caso emblemático de violação da legislação eleitoral.

Em 2008, Tabosinha disputou um cargo de vereador, mas apesar de ter sido eleito, não exerceu o mandato até o fim. Ele foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amazonas por ter se passado pelo pai nas vinhetas utilizadas na campanha eleitoral daquele ano. Com isso, parte dos eleitores votou no candidato Tabosinha imaginando estarem votando no pai, Ronaldo Tabosa.

Em 2010, foi a vez de Ronaldo Tabosa se candidatar ao cargo de deputado estadual. Ele não foi eleito, mas acabou assumindo, posteriormente, a suplência de outro parlamentar do mesmo partido (PP). Tabosa também foi processado pelo TRE (Carvalho, 2011), por compra de votos e uso indevido do programa de TV para fins eleitorais. Segundo o TRE, Ronaldo Tabosa explorava e expunha o estado miserável de famílias e realizava entrega de cestas básicas no programa.

O apresentador conseguiu, no entanto, candidatar-se novamente, para o cargo de vereador, elegendo-se em 2012. Seu mandato finalmente cassado no início de 2013, tornando-se pai e filho inelegíveis por um período de três anos.

Também no Amazonas, a família Castelo Branco se utiliza de programas de TV para construir carreiras políticas. À frente de A voz da esperança, da TV Em Tempo, afiliada do SBT, estão Sabino e Reizo, pai e filho, ambos políticos do PTB. Sabino começou sua carreira no programa Bronca na TV, na mesma emissora. Em 2006, candidatou-se a deputado federal, sendo o segundo deputado mais votado daquele ano no Amazonas, com 126 mil votos. Antes disso, já havia sido vereador de Manaus por três mandatos. Atualmente é presidente do PTB local. Já o filho Reizo, além de apresentador, é vereador da cidade, reeleito em 2012 para o segundo mandato consecutivo. Vera Lucia Castelo Branco, esposa de Sabino e mãe de Reizo, atualmente exerce o mandado de deputada estadual também pelo PTB. Ela e o filho tentaram uma vaga na Assembleia Legislativa do Amazonas, mas não se elegeram no último domingo. O pai, Sabino, desta vez também ficou de fora da Câmara Federal.

O Ministério Público Federal do Amazonas acusou Sabino e Reizo de praticaram ilegalidades eleitorais através de doações de inúmeros bens à população, por intermédio do programa televisivo que comandam. Porém, embora tenham sofrido processos do TRE local, ambos mantém seus espaços na TV e na política.

Por fim, do Estado do Amazonas vem também o exemplo de um dos casos mais emblemáticos associando meios de comunicação de massa, violação de direitos e crime organizado: o “Caso Wallace”. Policial civil durante a década de 1980, Francisco Wallace Cavalcante de Souza foi expulso da corporação por prática de corrupção. Apesar disso, foi eleito vereador de Manaus pelo PP em 1996, sendo reeleito em 2000.

Nesta época, Wallace Souza já era apresentador bastante conhecido do programa Canal Livre, exibido na antiga TV Rio Negro, hoje TV Bandeirantes Amazonas. Até 2008, a emissora pertencia ao ex-deputado federal Francisco Garcia. Durante a década de 1990, a atração televisiva também foi exibida na TV A crítica, com o título de Espaço Aberto; e na TV Manaus (atualmente TV Em Tempo), afiliada do SBT, também como Canal Livre. Ao lado dos irmãos Carlos Souza e Fausto Souza, Wallace comandava o programa apresentando casos policiais, mostrando assassinatos, sequestros e operações de combate ao tráfico de drogas.

Em 2004, Wallace Souza foi reeleito vereador, um dos mais votados da história de Manaus, mas abandonou o mandato para concorrer ao legislativo estadual. O exercício diário da comunicação na televisão foi quesito chave para lhe garantir reeleições consecutivas e, em 2006, o cargo de deputado estadual mais votado do estado, com 48.965 votos.

Em 2008, foi acusado de chefiar um grupo de extermínio. Segundo a Polícia Militar do estado, Wallace orientaria o grupo a matar pessoas com histórico de crimes para, em seguida, exibir os casos em seu próprio programa de TV. O deputado foi indiciado por formação de quadrilha e tráfico de drogas e teve seu mandato cassado. Seus irmãos e seu filho também foram acusados de envolvimento no esquema, ao lado de membros da produção do programa. Em 2009, Wallace teve prisão decretada

Todos esses fatos, no entanto, não foram suficientes para que a família deixasse a política e a televisão. Carlos Souza e Fausto Souza, irmãos de Wallace, foram, além de apresentadores, vice-prefeito e vereador da cidade de Manaus, respectivamente. Hoje, Carlos está concluindo seu terceiro mandato como deputado federal (eleito pelo PP, agora no PSD) e Fausto Souza atualmente é deputado estadual (PSD), não reeleito no último domingo.

Em abril de 2013, o programa dos irmãos Souza foi retomado com algumas modificações, mas seguindo a mesma linha sensacionalista. Ele passou a ser chamado de Programa Livre, e está sendo exibido pela emissora TV Em Tempo.

A ausência de uma regulação efetiva de tais programas têm possibilitado, portanto, a reprodução de um sistema pernicioso, que resulta na exploração de concessões públicas de radiodifusão e no uso da programação do rádio e da TV para fins estritamente privados. Embora os tribunais eleitorais sejam rígidos em sua fiscalização durante os períodos de campanha, a “propaganda eleitoral” nos programas policialescos acontece cotidianamente, ao longo de anos e longe dos olhos dos TREs.

Tais programas constituem-se, assim, em trampolins para candidaturas e espaços privilegiados de ascensão política. Ao fazerem uso de uma linguagem sensacionalista e, por vezes, praticarem o assistencialismo via TV, os apresentadores destes programas acabam por criar uma imagem de “salvadores”, justiceiros ou “protetores” da população favorecendo-se significativamente nas disputas eleitorais de que participam.

* Iara Gomes de Moura é jornalista e mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Janaíne Aires é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; integra o Grupo de Pesquisa em Economia e Políticas da Informação e da Comunicação (PEIC).

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

4G: o leilão furado

Por Bruno Marinoni*

O governo brasileiro realizou, no último dia 30 de setembro, o leilão que ninguém queria. A chamada faixa dos 700 MHz, uma fatia do espectro radioelétrico brasileiro, que passará a ser destinada à tecnologia 4G de acesso à internet, deve render ao Estado algo entre R$ 4,9 e 5,3 bilhões no fim do processo. A previsão era a de que seriam arrecadados, no mínimo, R$ 7,7 bi. O ágio esperado de R$ 300 milhões não passou, no fim das contas, de R$ 38,1 milhões. Mesmo assim, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, considera o processo um sucesso.

Aos defensores da democratização da comunicação, o governo Lula havia prometido um espaço reservado na digitalização da televisão para as emissoras públicas. Por uma infeliz coincidência do destino, a maior parte dessa reserva, alocada na mesma faixa dos 700 MHz, acaba de ser entregue às multinacionais das telecomunicações, sem que a garantia de alocação no espectro para os novos canais públicos (inclusive os previstos no decreto que criou a TV digital no Brasil) esteja dada.

Além disso, a estratégia de venda definida pelo governo reforça o quadro de concentração de propriedade (e poder) no setor. Se hoje temos quatro grandes operadoras de telecomunicação no país, apenas três delas arremataram os lotes nacionais de 700 MHz: Claro, Tim e Telefônica (Vivo). A Oi desistiu de participar do processo, surpreendendo alguns analistas.

Os tradicionais donos da comunicação no Brasil – as empresas comerciais que povoam praticamente todo o espectro reservado à TV e ao rádio – são outras que não estão exatamente contentes. Temem pelo futuro da qualidade de seus serviços (e, logo, da competitividade dos seus negócios). A exploração da faixa de 700 MHz pelos serviços de banda larga móvel em 4G, a ser oferecido a partir de 2019 pelas empresas de telefonia que arremataram o leilão, pode causar interferência nos sinais de radiodifusão, e o governo não quis esperar a realização dos testes necessários para lidar com os eventuais problemas decorrentes.

Ainda assim, os empresários de radiodifusão conseguiram garantir uma contrapartida. A chamada “limpeza da faixa de 700 MHz”, verdadeira operação de “redução de danos” no setor comercial, que resultará na migração da radiodifusão para outra parte do espectro, vai custar às operadoras de telecomunicação, novas ocupadoras da faixa, algo perto de R$ 3,6 bilhões – gastos na compra de equipamentos para que as emissoras hoje em operação transmitam em frequência diferente.

As maiores beneficiadas com o processo, as empresas de telecomunicação, também não saíram contentes. No dia 18, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciou sua rejeição ao pedido de impugnação do edital do leilão. A solicitação foi feita pelas quatro maiores operadoras do setor. De qualquer forma, garantiram o seu lugar ao sol.

A ausência de competidores capitalizados para enfrentar as grandes das telecomunicações é um fator fundamental para se compreender a disposição apresentada pelas operadoras no leilão. Não se conseguiu vender nem todos os lotes (dos seis, restam dois). Por que dar lances maiores se “tá tudo dominado”?

Todos bateram o pé para que esse processo não fosse feito assim. Exerceu-se, assim, nada mais que o direito universal ao esperneio diante do Ministério das Comunicações, que se fez de mouco. A discrepância entre as estimativas do governo para o leilão e o seu resultado mostra o grau de segurança que devemos ter diante da anunciada “consolidação da universalização da banda larga”, tão comemorada pelo atual ministro.

O que fazer com o dinheiro?

Mesmo diante do fracasso da arrecadação do leilão, o recurso arrecadado poderia ser utilizado para implementar uma política de democratização da comunicação. Investir na comunicação pública, na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no fomento de ações independentes dos oligopólios de radiodifusão e telecomunicação, no desenvolvimento de softwares livres etc. Propostas temos muitas.

Todavia, o mais provável é que vejamos, mais uma vez, todo o recurso público escorrendo pelo ralo sem fim do chamado superávit primário, que sangra o Brasil em nome de uma dívida pública herdada e imposta ao país.

* Bruno Marinoni é jornalista, doutor em sociologia pela UFPE e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Controle de emissoras por políticos leva à falsificação da democracia

Por Carlos Gustavo Yoda*

Nesta segunda reportagem da série sobre os “coronéis da mídia”, vamos mostrar o que diz a legislação brasileira sobre o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos e o que pode e vem sendo feito pelas organizações de defesa do direito à comunicação acerca das ilegalidade praticadas.

Desde 2011, tramita no Supremo Tribunal Federal uma ação, intitulada Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), elaborada pelo Intervozes, em parceria com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que pede a declaração de inconstitucionalidade à concessão de outorgas de radiofusão a emissoras controladas por políticos. A arguição – “acusação”, para desembrulhar o juridiquês, também afirma que, desde a posse, os parlamentares não podem mais ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada. Assim, defende como inconstitucional o ato de posse desses radiodifusores eleitos, pelo fato de os mesmos não terem deixado, antes, o controle de suas emissoras.

A base da ADPF 246 é o artigo 54 da Constituição, que aponta, em seus dois primeiros parágrafos, como fundamento da República, que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Além deste artigo, a ação também entende que a prática do coronelismo eletrônico viola o direito à informação (artigo 5º e 220 da Constituição Federal), a separação entre os sistemas público, estatal e privado de comunicação (art. 223), o direito à realização de eleições livres (art. 60), o princípio da isonomia (art. 5º) e o pluralismo político e o direito à cidadania (art. 1º).

Além da Constituição Federal, o artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações, principal lei de rege o setor, aponta, em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.

No entanto, a ADPF cita mais de 40 deputados federais e senadores, da atual legislatura, que controlam diretamente pelo menos uma emissora de rádio ou televisão em seu estado de origem. A tese da ação aponta diferentes órgãos como responsáveis pela ilegalidade. Em primeiro lugar, o Ministério das Comunicações e a Presidência da República, por concederem outorgas a empresas que não poderiam recebê-las e pela omissão na fiscalização das emissoras; o Congresso Nacional, também responsável pela autorização e renovação das outorgas e pela diplomação dos parlamentares; e o Poder judiciário, também responsável pela diplomação de candidatos eleitos.

O STF ainda não se manifestou sobre o tema, mas já coletou a manifestação dos órgãos envolvidos. Em parecer enviado ao Supremo, o Senado afirma que o entendimento de sua Comissão de Constituição e Justiça é de que os contratos de concessão e de permissão de radiodifusão enquadram-se na incompatibilidade constitucional prevista pelo artigo 54, II, “a”. Deputados e senadores não poderiam, portanto, ser proprietários e controladores de pessoas jurídicas prestadoras do serviço de radiodifusão pois estas gozam do benefício decorrente da celebração de contrato com pessoa jurídica de direito público – no caso, a União.

Em parecer sobre a ADPF solicitado pelo Intervozes aos juristas Gilberto Bercovici, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e Airton Serqueira Leite Seelaender, professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, eles afirmam que o ordenamento jurídico brasileiro deixa claro que há um dever estatal de impedir a oligarquização do regime democrático, de combater a oligopolização do setor e fomentar o pluralismo na mídia, destacando “a importância de preservar o dissenso na radiodifusão”. Bercovici e Seelaender afirmam que as práticas expostas na denúncia apresentada ao STF representam “clara burla à Constituição”.

A posição da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), também é de que os detentores de mandatos não podem direta ou indiretamente ter vínculo societário em empresas que detêm concessão de radiodifusão.

“Sem meias palavras, uma das grandes tragédias da comunicação social no país é o fato dos parlamentares terem o controle gerencial dessas empresas. É um poder que retroalimenta o controle político”, pontua o procurador Regional da República no Rio Grande do Sul, Domingos Sávio da Silveira. “O que me parece mais grave é o poder de gestão que esses clãs políticos exercem sobre concessões [de radiodifusão]. E mais do que isso, como o fato de ser parlamentar tem ao longo da história feito com que as concessões sejam dirigidas a empresas que estão sob o controle indireto desses parlamentares”, acrescenta.

Para Silveira, quando grupos políticos controlam as emissoras acontece a distorção direta do processo político. “É a falsificação da democracia. A opinião pública é construída pela mídia. Se frauda a democracia quando, através da utilização desigual de uma concessão, se consegue uma visibilidade incomparável em relação aos outros candidatos”, explica.

Debate recorrente

A discussão pública acerca do coronelismo eletrônico não é recente. Na Câmara dos Deputados, o relatório dos trabalhos da Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), criada para analisar mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões, apontou, já em 2007 o conflito de interesses. O documento afirma que, “como o Congresso Nacional é responsável pela apreciação dos atos de outorga e de renovação de outorga de radiodifusão, a propriedade e a direção de emissoras de rádio e televisão são incompatíveis com a natureza do cargo político e o controle sobre concessões públicas, haja vista o notório conflito de interesses”.

A Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), no entanto, que presidiu a Subcomissão, constata a dificuldade de se fazer cumprir tal compreensão, justamente porque o número de parlamentares que, de forma ilegal e inconstitucional, são detentores de concessões de rádio e TV ainda é elevado. “E eles têm seus prepostos, seus representantes, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e do Senado, o que explica a dificuldade que há em se avançar minimamente em relação a esse marco legal”, diz.

Em 2010, o então ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, também afirmou a inconstitucionalidade do controle de outorgas de radiodifusão por políticos. De acordo com ele, “criou-se terra de ninguém. Todos sabemos que deputados e senadores não podem ter televisão, tem TV e usam de subterfúgios dos mais variados”.

Na mesma linha, em janeiro de 2011, o Ministro das Comunicações Paulo Bernardo novamente afirmou que já existe uma restrição que está colocada na Constituição: “É o Congresso que autoriza as concessões. Então, me parece claro que o congressista não pode ter concessão, para não legislar em causa própria. Os políticos já têm espaço garantido na televisão, nos programas eleitorais. E há também a vantagem nas disputas eleitorais, e o poder político e econômico”. O Ministério das Comunicações, no entanto, deu continuidade à sua política histórica de ignorar o artigo 54 da Constituição Federal e conceder outorgas de radiodifusão para empresas controladas por políticos.

Questionado pela nossa reportagem sobre o tema, o Ministério pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Perguntamos: Como o Ministério das Comunicações interpreta o artigo 54 da Constituição em relação às concessões de radiodifusão? Cabe ao Ministério das Comunicações a sua fiscalização? Se sim, quais são os canais de denúncia disponíveis à população? Se não cabe ao MiniCom, de quem deveria ser a responsabilidade por fiscalizar as emissoras controladas por políticos? O Ministério considera o atual quadro de trâmite de outorgas problemático? No entendimento dos gestores do Ministério, a legislação precisa de atualização? Até o fechamento desta reportagem, o Ministério das Comunicações não havia manifestado seus posicionamentos.

Laranjas e celebridades

Comprovar o controle de uma emissora de rádio ou TV por políticos não é tarefa simples. Os casos mais óbvios – mas também mais raros – são aqueles em que o próprio registro de acionistas da empresa concessionária inclui o nome do parlamentar, prefeito ou governador. Mas o coronelismo eletrônico tem muitas faces. De acordo com Domingos Sávio da Silveira, operam hoje no Brasil diversas formas de controle indireto da radiodifusão. Além dos chamados laranjas, usados para esconder o nome do verdadeiro dono da emissora, há casos de políticos que, mesmo sem serem proprietários da empresa, são capazes de acumular poder midiático e usar o espaço do rádio e da televisão como fonte de poder pessoal.

“É o exemplo dos comunicadores candidatos e dos parlamentares comunicadores, que passam os quatro anos de seu mandato retroalimentando sua atuação, que deveria estar no Congresso, às vezes até sem receber e, outras vezes, alugando ou arrendando espaços nos meios de comunicação. É uma relação desigual. A celebridade candidata também frauda o processo democrático”, explica Silveira.

Questionado pela reportagem, o Tribunal Superior Eleitoral declarou que “a Lei das Eleições só se refere aos permissionários públicos quando os proíbe de fazer doações”. Contudo, o TSE indica o Ministério Público Eleitoral para representações: “Quanto a denúncias, o Ministério Público Eleitoral é parte para oferecê-las à Justiça Eleitoral”, informou a assessoria de imprensa da instituição.

Para o procurador Domingos Sávio da Silveira, a sociedade deve procurar o Ministério Público Federal para denunciar possíveis casos de uso indevido de concessões públicas que podem interferir no processo eleitoral. Ele acredita que iniciativas como a ADPF 246 e demandas individuais e pontuais que podem ser delatadas não devem ser entendidas como “censura”, como colocam-se os opositores a todo e qualquer tipo de regulação da mídia. “Seria muito bom que toda a sociedade fizesse representações. É preciso provocar em cada local um processo de aplicação democrática da Constituição, de construção da igualdade. Essas ações têm poder pedagógico”, condui.

* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Quero ver candidato defender fim do monopólio na TV

Por Bruno Marinoni*

Quem assistiu na TV ou na internet a entrevista com Anthony Garotinho (PR) no telejornal RJTV, realizada no dia 18 de setembro, deve ter percebido o mal-estar da jornalista Mariana Gross, da Globo. Quando o candidato ao governo do Rio de Janeiro, pressionado para falar sobre seu envolvimento em casos de corrupção, se defendeu mencionando que a emissora enfrenta uma acusação de “desvio milionário” e de sonegação de impostos, a apresentadora perdeu o tom.

O incômodo foi tanto que a entrevistadora, que deveria estar ali para fazer perguntas ao candidatoT, não pôde (ou não a deixaram) permanecer em seu papel. Diante do incômodo assunto para a emissora, a funcionária saiu em defesa da empresa: “Eu queria reiterar que a TV Globo nada sonegou. A TV Globo paga seus impostos”. No dia seguinte, o próprio grupo emitiu nota em que “reafirma que não tem qualquer dívida em aberto com a Receita Federal”.

O fato envolve dois assuntos entrelaçados e que já foram comentados neste blog. Um deles, a oportunidade aberta pelo momento eleitoral para se furar o bloqueio do oligopólio comercial de televisão e trazer à tona temas fundamentais, dentre os quais a própria necessidade de democratização da comunicação. O outro diz respeito ao “silêncio midiático” sobre a acusação de que a Globo teria sonegado mais de R$ 600 milhões referentes aos direitos de transmissão da Copa de 2002.

Enquanto não temos uma democratização efetiva dos meios de comunicação no Brasil, nos contentamos a ver raros casos em que uma informação avessa ao interesse dos donos da mídia escapar por entre seus dedos. Comemoramos quando a crítica à falta de democracia nas comunicações chega à tela, mesmo quando vem do lugar mais inusitado possível, como da boca de um conservador. São chances de tratarmos daquilo que é essencial, mas que vem sendo sistematicamente sonegado.

Ao invés de raro, deveria ser comum ver esse bloqueio ser furado a partir da garantia, por parte da Justiça, do direito de resposta. Nesse sentido, são emblemáticos o caso do direito de resposta conquistado pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, contra a Rede Globo e da série de programas “Direito de Resposta”, veiculada pelas sociedade civil em resposta às violações promovidas pelo programa “Tarde Quente”, da Rede TV.

O que fazer?

Em entrevistas ao vivo e debates tão comuns ao período eleitoral, as emissoras, apesar dos filtros inerentes às práticas jornalísticas mercantilizadas e ao sistema de oligopólio, acabam ficando mais expostas. As transmissões ao vivo potencializam o risco iminente de que os tabus impostos pela nossa mídia se desvaneçam, mesmo que por pouco tempo.

Na reta final das eleições, a temperatura esquenta, o tempo acelera e as atenções se concentram no pleito. Devem acontecer agora os últimos debates, justamente aqueles que serão veiculados pelas emissoras mais poderosas, que escolhem este momento para chamar mais atenção, ter maior lucratividade e ampliar a capacidade de influir no cenário político geral.

De nossa parte, devemos aproveitar o atual momento para cobrar dos nossos candidatos pautem questões efetivamente relevantes para a sociedade. Não basta esperar o resultado das eleições. Já é hora de cobrar compromissos assumidos pelos candidatos. Se eles realmente estão dispostos a cumprir a defesa dos direitos e interesses da maioria da população, que comecem a fazê-lo desde já. De minha parte, quero ver candidato defender o fim do monopólio na TV!

* Bruno Marinoni é jornalista e doutor em Sociologia pela UFPE.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Coronelismo, antena e voto: a apropriação política das emissoras de rádio e TV

Por Carlos Gustavo Yoda*

“Coronel” é patente militar em quase todos os exércitos do mundo. O mais alto posto antes de “general” dentro das Forças Armadas do Brasil, figura responsável pelo regimento de uma ou mais tropas ou companhias. No Nordeste brasileiro, “coronel” também é sinônimo de grandes proprietários de terra, “os coroné”, quem manda, aquele que dita as regras. Daí o termo “coronelismo”, cunhado, em 1948, no clássico da ciência política moderna Coronelismo, Enxada e Voto, do jurista Victor Nunes Leal, para dar nome ao sistema político que sustentou a República Velha (1889-1930). Entre as interpretações de documentos, legislações e dados estatísticos, o livro explica como o mandonismo local se misturava aos altos escalões das estruturas de poder.

Mais de 60 anos se passaram desde a publicação de Victor Nunes Leal. E o coronelismo de outrora ganhou novos contornos, entre eles, o chamado coronelismo eletrônico. Em período eleitoral, nada mais importante do que revisitar essa história e analisar como o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos segue influenciando os rumos da política brasileira.

Para provocar essa reflexão, a partir desta semana, o Intervozes, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, publica uma série de reportagens sobre o fenômeno da concentração dos meios sob o controle de grupos políticos. Daqui até o final da campanha eleitoral vamos mostrar por que e como esta prática é prejudicial à democracia, o que diz a legislação e a quem cabe fiscalizar e punir os abusos, quem são os principais partidos e grupos econômicos que violam a Constituição e se aproveitam desta ilegalidade. Por fim, buscaremos conhecer como funcionam as regras em outros países que desenvolveram mecanismos eficazes de combate ao coronelismo eletrônico.

A publicação das reportagens é uma contribuição do Intervozes à campanha Fora Coronéis da Mídia, lançada em julho deste ano pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), com o objetivo de mobilizar os mais diversos movimentos sociais e sensibilizar a sociedade e as esferas de poder sobre o tema.

Origens do problema

De acordo com Victor Nunes Leal, durante a Velha República, a milícia imperial estava a serviço dos grandes proprietários de terras e escravos. Esta articulação entre quem comandava as instituições públicas e os grandes fazendeiros passou a influenciar os processos eleitorais. Sucessivos governos locais, estaduais e federais se elegeram com o chamado “voto de cabresto”, a partir da relação estabelecida em locais pobres. O coronelismo se sustentava, assim, em um sistema político de troca de favores recíprocos, onde o voto é moeda de troca por benefícios pessoais, em detrimento do interesse público e do bem comum, também interpretados como clientelismo e fisiologismo.

Mesmo em meio a uma lavoura economicamente decadente, os coronéis continuaram a manter uma moeda de valor inestimável: a influência absoluta sobre a vontade e os destinos de empregados, meeiros e todos aqueles envolvidos em torno do grande latifúndio. O valor dessa moeda aumentou com a democratização formal do País, sobretudo no período republicano quando se universaliza o direito ao voto: o “coronel” passa a ser então o elo de ligação entre o poder estadual e os eleitores. Aos governos cabia, como contrapartida, o reconhecimento da autoridade local e a alimentação desse poder, através da cessão de alguns recursos: empréstimos, empregos e, sobretudo, os favores das forças policiais. A liderança do coronel exige o sistema representativo, e essa é a preocupação central de Victor Nunes ao longo de seu livro. Ele destaca ainda que o sistema coronelista depende sobretudo de um ambiente baseado na estrutura arcaica de concentração de propriedade do latifúndio.

Com indicadores censitários da década de 1940, Victor Nunes aponta que os grandes latifúndios ocupavam mais de 75% em área das terras disponíveis no País e que 70% da população ativa pertenciam à categoria dos não-proprietários, cifra que chegava a 90%, somados os pequenos proprietários, cuja situação era de total precariedade, na maior parte dos lugares.

Apesar do coronelismo ser um episódio histórico, consequências e processos culturais do sistema coronelista ainda se fazem sentir na arcaica distribuição fundiária, de renda e de poder no Brasil.

Coronelismo eletrônico

“Mais sofisticado, sutil e ainda mais perverso”, na opinião do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Francisco Fonseca é o “moderno” fenômeno do coronelismo eletrônico, ou seja, o uso de canais de comunicação de radiodifusão para atender a interesses políticos – prática que perdura nos tempos digitais. Suas origens estão no autoritarismo coronelista de décadas passadas e a prática política traz inúmeras semelhanças com seus modelos de concentração de propriedade. Só que, em vez do poder sobre as terras, o controle agora também alcança as ondas do rádio e da TV.

No início da década de 1980, um repórter da Rádio Rural, de Concórdia (SC), abria espaço para o depoimento do ex-senador Atílio Fontana: “Senador, o microfone é todo seu”. O senador, ciente de suas propriedades, disse a quem quisesse ouvir: “Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda”. Este episódio foi narrado em matéria do Jornal do Brasil que, naquela época, já denunciava o uso eleitoreiro de 104 estações de rádio e televisão, espalhadas por 16 estados, de propriedade de deputados, governadores, senadores ou ministros.

O cenário da época foi analisado pela professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzy dos Santos, no artigo “o Coronelismo Eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. Nos anos 80, o processo de abertura política do regime militar dava seus primeiros passos. Depois de 15 anos de bipartidarismo, em novembro de 1979, a Reforma Partidária foi aprovada. Os novos partidos começavam a ser articulados.

“Também naquele ano, foram liberadas as eleições diretas para governos estaduais. A concentração partidária, através dos governadores, senadores e prefeitos ‘biônicos’ e da maioria do Congresso com representantes da Arena, deu o tom da distribuição das outorgas de radiodifusão para as elites políticas. Na reportagem do Jornal do Brasil, 81,73% das estações de rádio e televisão mencionadas eram controladas por afiliados do PDS”, partido de remanescentes da Arena, explica Suzy.

Desde a denúncia no Jornal do Brasil, a expressão “coronelismo eletrônico” tem sido usada com frequência na mídia e em artigos acadêmicos para se referir ao cenário brasileiro no qual políticos eleitos se tornam proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão – ou, então, tão comum quanto, radiodifusores são eleitos para cargos do poder público e passam, no caso dos eleitos para o Congresso Nacional, a participar das comissões legislativas que outorgam os serviços e regulam os meios de comunicação no país, legislando em causa própria. Não foram poucos os casos na história. Todos passaram impunes.

Neste cenário, alerta Francisco Fonseca, da FGV, as instituições políticas acabam cooptadas pelo poder econômico dos grupos de comunicação. “O coronelismo midiático provoca o fim da diversidade. É antidemocrático. Estimula as estruturas de oligopólios e as pautas [jornalísticas] em nome de uma elite. É uma censura de mercado, econômica”, afirma.

O impacto desta prática nos processos eleitorais e na configuração das representações das instituições também é significativo. O rádio e, principalmente, a televisão continuam sendo os meios de comunicação de massa de maior alcance na população. A última PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostrou que 97,2% das residências possuem pelo menos um aparelho de televisão e 75,7%, um de rádio.

A esses meios de comunicação cabe o papel de dar expressão às demandas e à diversidade da sociedade em todos os seus aspectos, mas também de fiscalizar os poderes públicos e a iniciativa privada. É também por meio de uma mídia livre que se estabelece a ligação e o controle entre representantes e representados, como princípio fundamental para o ambiente democrático. Por isso, a Constituição Federal garante o direito de acesso à informação aos cidadãos e, em conjunto, a liberdade de imprensa.

Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção.

Fica caracterizado, assim, um claro desequilíbrio nos princípios de igualdade dos processos eleitorais, numa situação que pode configurar até mesmo a violação de eleições livres, com candidatos e partidos em condições totalmente desiguais de disputa.

Compreendendo o risco para a democracia brasileira do controle de serviços públicos, como a radiodifusão, por políticos, a Constituição Federal, em seu artigo 54, proíbe que deputados e senadores sejam proprietários ou diretores de empresas concessionárias de serviço público ou exerçam cargo ou emprego remunerado nesses espaços privados. A medida vem sendo respeitada para diversos serviços, mas segue ignorada no caso do rádio e da televisão (como veremos nas demais reportagens desta série).

No próximo artigo, você vai saber o que pensam o Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral sobre esta prática. E saber como a sociedade civil e partidos políticos contrários a este uso das concessões de rádio e TV estão lutando contra o problema.

* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.